O Século XX do Desporto

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1939 – Académica venceu primeira Taça de Portugal

Benfica era super favorito nas Salésias mas perdeu por 3-4
Briosíssima
A 25 de Junho de 1939, nas Salésias, no que já era o Estádio José Manuel Soares Pepe, disputou-se a primeira final da Taça de Portugal. Entre Académica e Benfica. No Rossio, a caminho de Belém, os alfacinhas foram surpreendidos por danças e cantares, numa miscelânea de fogueiras de Coimbra e marchas lisboetas. A grande surpresa foi a superioridade técnica dos conimbricenses «até para os jogadores do Benfica», como escreveria no dia seguinte Ribeiro dos Reis. Ricardo Ornelas afinaria pelo mesmo diapasão: «Aparentemente a final de 1939 era para o Benfica. Os encarnados tinham mais experiência, mais jogadores habituados à relva, capacidade técnica para ganhar, vontade forte, público dedicado, inclinação para as grandes dificuldades... As dúvidas opondo-se à aparência da vitória do Benfica tinham afinal razão de ser. A Académica conquistou a vitória da maneira mais brilhante. Os nervos pouco duraram, a relva não prejudicou o ataque e na defesa com pouca frequência apoquentou os jogadores pela táctica de proximidade do adversário que a equipa inteligentemente adoptou; e a experiência dos encarnados foi derrotada desde os primeiros minutos pela autoridade de jogo dos estudantes na zona central do terreno.» Após o derradeiro apito do árbitro, António Palhinhas, 4 a 3 — e a festa a negro. O Diário de Coimbra, em metade da sua primeira página, noticiava à volta do emblema da Associação Académica: «Coimbra, desportista e profana, está em festa pela vitória alcançada ontem, em Lisboa, pelo seu campeão de futebol — a valorosa turma da Associação Académica. Os estudantes, na própria terra do seu contendor — o não menos valoroso grupo do Sport Lisboa e Benfica —, souberam anular a desvantagem do ambiente e especialmente a do terreno e marcaram de forma superior o seu saber no meio futebolístico português, ganhando com absoluto mérito o título de campeão de Portugal do dilatado império.»

Faustino a dormir debaixo de bilhar
Carlos Faustino haveria de chegar a coronel. Mas por causa da tropa não pôde fazer a festa que ajudara a incendiar. «Era aspirante da Escola do Exército e tive apenas dispensa de pernoita de sábado para domingo. Nesse domingo, após a final, regressei de autocarro para Mafra. Como até já cheguei tarde tive de esperar pelo toque da alvorada e entretanto passei a noite a dormir debaixo de uma mesa de bilhar para ninguém me ver no quartel. Fui o único da equipa a perder a grande noite de folia, aquela apoteose de Coimbra, todos os outros em carrinhas abertas como heróis, numa imensa coluna a partir de Pombal, coisa que nunca antes se vira na cidade e não sei se se voltará a ver...»

Campeões da Taça de Portugal
Tibério Antunes, José Maria Antunes, César Machado, A. Portugal, Carlos Faustino, Octaviano, Manuel da Costa, Alberto Gomes, Arnaldo Carneiro, A. Conceição Nini e Bernardo Pimenta

Peripécias dos jogadores-estudantes da primeira taça
Banco de pau, castigo desfeito
Bernardo Pimenta marcou o primeiro golo da Académica. Professor, saíra de Coimbra de comboio na manhã do jogo — em... terceira classe e assentos de madeira! Colocado em Bobadela, concelho de Oliveira do Hospital, durante esse ano escolar, treinava-se com a equipa do vilarejo e só ao sábado se juntava aos colegas de facto! «Depois de cinco horas na estafa da viagem, esperava-me um táxi que me conduziu ao hotel Bragança, no Cais do Sodré, onde a equipa se hospedara para estágio. Almocei muito pouco pois o jogo realizava-se pelas 17 horas.» César Machado, para não faltar às aulas, também não seguira na quinta-feira para Lisboa. Determinação que esteve para lhe ser fatal. «Resolvi dizer peremptoriamente ao dr. Albano Paulo que não faltaria às aulas. Furioso, garantiu-me que então não jogaria a final. Como não era profissional senti-me enfurecido, nervoso, e chorando fui para o ACM, onde dali a pouco estavam o capitão Pina Cabral, o dr. Fausto, o dr. Freitas, etc., que me foram injectar um calmante. Por não ter dinheiro para o comboio da claque fui à boleia com o capitão Pina Cabral. Chegados a Lisboa procurámos modesto hotel, na Rua do Alecrim. De manhã levantei-me, almocei e segui para as Salésias... Como não tinha mais ninguém para pôr a jogar o dr. Albano Paulo chamou-me e aquele foi o momento mais fabuloso da minha vida, da vida de todos nós, certamente. Ganhar ao Benfica, ganhar a primeira Taça de Portugal.»

Alexander Alekhine – Escrever contra judeus e morrer no estoril
Tendo aprendido a jogar xadrez com a mãe, pequenino ainda, Alexander Eleksandrovich Alekhine foi mestre dos mestres ao longo de quase duas décadas. Nascido a 31 de Outubro de 1892, o primeiro grande triunfo surgiu em Estocolmo, tinha 20 anos apenas, era estudante de direito na Universidade de Moscovo, sua terra natal. Depois de conquistar mais alguns títulos internacionais sentiu a turbulência da revolução que Lenine incendiara e em 1921 evadiu-se para a Suíça. Casou-se com uma helvética, pouco depois divorciou-se e em 1925 adquiriu a nacionalidade... francesa. Dois anos volvidos apoderou-se do primeiro título mundial, derrotando o cubano José Capablanca, esquivando-se dele nos anos seguintes através de álibis vários. Assim, só em 1935 perderia a coroa, batido pelo holandês Machgielis Euwe. Dois anos se passaram e a vingança surgiu, campeão mundial voltou a ser. Incontrolável consumidor de bebidas alcoólicas, durante a II Guerra Mundial a sua reputação escureceu-se sobretudo pelos artigos anti-semitas que foi espalhando por vários jornais europeus. Por essa altura já vivia no Estoril, tinha paixão louca por Salazar, continuava a afundar-se em uísque e vinhos nobres, morrendo a 24 de Março de 1946, com 54 anos e a saúde destroçada pelo vício da bebida.
 
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Szabo ganhou e... foi embora mas voltaria para morrer em Alvalade

Chá e insultos
Tinha os olhos muito azuis, miúdos e vivos como dois berlindes de vidro colorido. E um carão redondo, bolachudo, vermelhaço. Digno de um anúncio a qualquer uísque escocês. Ia para o banco de coco encafuado na cabeça, baforando charuto havano. Não admitia que os pupilos gargarejassem água no intervalo dos jogos: «Sinhor Zé trazer chá quente para os sinhores jogadores.» Um dia Manuel Marques, esse mesmo — o Manecas que jogava com um lencinho branco preso aos calções —, perguntou-lhe, em chalaça, se não era melhor o massagista trazer... cerveja. Caiu o Carmo e a Trindade. Que era o que acontecia sempre que Manecas lhe escondia os bonecos da táctica. Não era por afronta. Era por ternura. Para que todos rissem de Szabo a ferver em pouca água, praguejando, iracundo. Era um maníaco do trabalho. Um disciplinador por vezes insólito. Com fama de insultar jogadores e dirigentes no seu português mascavado e picante. Como um general irascível. De pouco valera Fernando Peyroteo ter saltado em sua defesa. «Szabo não conhece a gramática da pátria que adoptou. Nos primeiros contactos com a rapaziada da bola ensinaram-lhe, maldosamente, algumas frases a que davam sentido e significado diferentes. Decorou-as e repetia-as quando lhe parecia oportuno... É certo que por vezes nos dirigia uma palavra um tanto ou quanto violenta e menos própria mas todos sabíamos que mestre Szabo não nos queria ofender ou insultar deliberadamente. Uma vez, ao referir-se ao seu filho José — que nesse tempo fazia parte dos futebolistas do Sporting —, criticando-o, em presença de todos, por uma má tarde na baliza, disse tanta barbaridade que dizer tais coisas do filho era ofender-se a si próprio, quando lhe chamámos a atenção para isso respondeu: ‹Sinhores fazer favor: respeitem treinador. Eu fala com Zé, não chamar família que estar sossegada a casa, no trabaio. Não ter nada que ver uma coisa com outra. família de tudos ser sagrada...›» Apesar disso, em 1944 era já um homem incómodo no Lumiar. Mas era tão Sporting que quis morrer em... Alvalade. Passou os seus últimos dias no centro de estágio, lá falecendo em 1973. Como desejara. Ao comando técnico da equipa haveria de voltar, em 1953/54. Para, com a sua magia, ganhar o Campeonato e a Taça para o Sporting. Foram os seus últimos títulos maiores. Até ao fim da vida entregou-se a ensinar os miúdos das escolas.

Sportinguistas pagaram 306 contos a jogadores e 50 a Szabo
Bombas de Peyroteo
A gerência de Amado de Aguillar não conseguiu resolver a dor de cabeça em que o campo do Lumiar se tornara, impróprio para arrelvamento. Mantinha-se aceso o sonho do novo estádio. Por essa altura contratou-se Albano por 20 contos. Apesar de não possuírem instalações condignas os sportinguistas exultavam por Portugal ter, enfim, um estádio que era mais um símbolo do Estado Novo, arquitectado à imagem das construções... hitlerianas. E, por isso, o presidente do Sporting decidiu nomear sócio honorário o marechal Carmona, com justificação que não deixava margem para dúvidas: «O Estado prometera ao desporto nacional o seu estádio. A promessa cumpriu-se. E o Sporting paga assim a sua dívida de gratidão na figura veneranda do nosso Chefe de Estado.» A 10 de Junho de 1944 a inauguração com um desafio entre o Sporting, na sua qualidade de campeão nacional, e o Benfica, vencedor da Taça. Ganharam os leões por 3-2, recebendo portanto a Taça Império, instituída pela FPF, e a Taça Estádio, oferecida por... Salazar. O primeiro golo no Jamor coube a Fernando Peyroteo. Os sportinguistas tornaram-se campeões nacionais com uma folga de cinco pontos sobre o Benfica, que se classificara em segundo lugar, com 26 pontos, sete sobre o Atlético (que se estreara à liça após a fusão do Carcavelinhos com o União), 8 sobre o F. C. Porto e 10 sobre o Belenenses. Cederam apenas três empates (dois ante os alcantarenses) e uma derrota com o Benfica: 4-5. O Sporting disponibilizou para «assistência a jogadores» 306 contos, pagando de prémios 79.736$50. Szabo arrecadou por só, nessa temporada, 50 contos. Estava já de despedida. Como a abóbada dourada numa obra fantástica. Ao serviço do F. C. Porto ganhara dois campeonatos de Portugal (1931 e 37) e um Campeonato da Liga (1935). Pelo Sporting sagrara-se campeão de Portugal em 1937, campeão nacional da I Divisão em 1941, 42 e 44, vencera a Taça de Portugal em 42.

Campeões de Portugal
Adolfo Mourão, Albano Pereira, Álvaro Cardoso, Aníbal Paciência, António J. Correia, António Lourenço, António Marques, Armando Ferreira, Carlos Canário, Daniel Silva, Eliseu Cavalheiro, Fernando Peyroteo, João Azevedo, João Cruz, João Dores, João Nogueira, Manuel Marques e Octávio Barrosa

FC Porto ou... Andebol Clube do Porto
O F. C. Porto, com pouco mais de 8000 sócios, debatia-se com problemas semelhantes. Sem campo próprio, jogava no Lima, pagando ao Académico, de aluguer, um por cento das receitas. Para a construção do parque de jogos foram adquiridos em 1942, por 240 contos, terrenos na Vilarinha. Seriam vendidos, pouco depois, por 1440, lucro que permitiria a compra do espaço onde haveria de nascer o Estádio das Antas, fruto, sobretudo, do empenho de Cesário Bonito, seu presidente entre 1944 e 1947, que, depois de se iniciar como futebolista no clube, se transferiria para a Académica, até concluir a formatura em medicina. O sucesso conjugava-se no andebol (então de... 11). Em 1945 o F. C. Porto arrebatou, pela sétima vez consecutiva, o título nacional — por isso, com ácida ironia, em Lisboa se dizia que não tardaria a mudança de nome para... Andebol Clube do Porto, que talvez assim passasse a ganhar alguma coisa no... futebol, então resumido a três grandes. Grande era o Belenenses. Aliás, nesse Campeonato de 1944/45 os homens da cruz de Cristo só perderam o sonho da conquista do título quando, com a meta à vista, baquearam, no Lumiar, diante do Sporting, num jogo marcado por peripécias desconcertantes: o árbitro, Domingos Godinho, validou três golos aos azuis mas um juiz de linha, de nome Rosa, fê-lo anular dois, ameaçando ir-se embora se as suas decisões não fossem acatadas. Foram. E o Sporting venceu por 2-1.

1944 – Primeira viagem aérea da selecção de futebol só de ida
Comboio de guerra e fome
Não, nada que se compare ao que hoje se passa. Os futebolistas não eram tratados com mesuras. Ou luxos. As viagens ao estrangeiro, que por esta altura se intensificaram, faziam-se quase sempre de comboio. Excepção foi a deslocação para a Suíça em Maio de 1945. De avião. Um pandemónio. Toda a comitiva a vomitar, o pânico da aterragem, a tremura de uma emoção nova. Bem pior foi o regresso, depois da derrota por 0-1. Setenta e duas horas de comboio. Os futebolistas foram postos em carruagens de segunda classe e para a viagem receberam um saco de campanha com duas sanduíches, duas bananas, duas laranjas, uma garrafa de laranjada ou de cerveja. Os dirigentes da Selecção acomodaram-se nos vagões-camas de primeira classe e, à sorrelfa, exigiram para si toda a alimentação que se levara para os jogadores em latas de conserva, temendo-se que em Basileia faltassem mantimentos. Não faltaram mas faltaram aos futebolistas no regresso a casa. Aos dirigentes não. Durante a viagem Peyroteo e Amaro descobriram o logro, por muito pouco não houve rebelião. Para acalmar os ânimos distribuíram-se francos pelos jogadores — «para que comprassem comida durante qualquer escala do comboio». O dinheiro foi deitado pelas janelas por revolta e por haver quem percebesse que nada valeria, já que França e Espanha viviam ainda os despojos da guerra — e à penúria de tudo, pelo que não haveria que comprar para comer fosse em que estação fosse. E as latas de conserva continuaram à mesa dos dirigentes. Era assim.

Chalé para Cabrita e... emprego na Polícia
Em 1945 Fernando Cabrita, ex-líbris do Olhanense, veraneou em Cascais. De vários sítios escutou empolgantes cantos da sereia. O Sporting ofereceu-lhe 25 contos de luvas, emprego como polícia e subsídio de 800 escudos. O Belenenses entrou na jogada, acenando-lhe com proposta ainda mais tentadora: 70 contos de luvas, um chalé e ordenado mensal de mais de mil escudos. Um espanto! Luxos de sibaritas. A DGD, que então tudo controlava no desporto como o Governo controlava no País, lançou de dentro de si própria rumor de que não aceitaria transferência assim. E só com permissão da DGD, cujo livre-arbítrio na decisão não tinha controlo para além do coração do decisor ou de outras mais subtis pressões, os jogadores poderiam mudar de ares. Era o esclavagismo dos homens dos pés de ouro.
 
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1946 – Belenenses campeão nacional da I Divisão

Tradição dos 15 minutos em Elvas
Lágrimas na cruz
Arrebatante a tradição — ou a vertigem — dos «15 minutos à Belenenses», marcada, como em desafio à glória, por toques especiais de apitos e cornetins entre os seus adeptos. No último quarto de hora viravam-se resultados, conquistava-se ouro, no ardor épico da galhardia de pensar que tudo era possível sob aquele mágico signo da cruz de Cristo. E às vezes era. Foi assim no jogo que tudo decidia, contra o Sport Elvas e Benfica, na última jornada. Ao intervalo os elvenses venciam por 1-0, resultado que servia ao Benfica, ainda a viver a euforia de uma vitória histórica sobre o Sporting por 7-2! À passagem dos 75 minutos o Belenenses empatou, por Quaresma, que despertava de madrugada e ainda noite feita apanhava o cacilheiro para poder estar nas Salésias à hora do treino, trabalhando depois, como, afinal, todos os outros, o resto do dia, como electricista. Cinco minutos passados o golo que valeu o título, por Rafael, que haveria de ter fim de vida trágico. Quis limpar a honra suja com o sangue de quem o difamara, com uma pistola matou três homens e enforcou-se na Trafaria. Comovente, asseveram as crónicas, os homens da cruz de Cristo unidos num abraço longo, no centro do terreno, com as faces inundadas de suor, desfeitas também em lágrimas. Para Capela, guarda-redes e estudante de letras, o êxito ficara a dever-se às duas duras sessões de treino semanais, «uma de ginástica e outra de bola», que todos os jogadores «faziam com sempre renovado prazer na emoção das Salésias», antes ou depois de mais um dia de trabalho. Feliciano, a mais apaixonante das torres de Belém, sentira o título, garantiu ele, como a recompensa de Deus por uma partida do destino: não muito tempo antes não pôde alinhar contra a Espanha, no Estádio Nacional, por ter «engordado dois quilos durante o estágio». A mágoa andou consigo durante semanas e semanas. Mas aquela «tarde mágica» tudo apagou. E talvez por isso, já depois de ter marcado viagem para o Rio de Janeiro no Serpa Pinto, para aventura que o levaria para o Vasco da Gama, rasgou o bilhete e continuou nas Salésias, na ilusão de outras tardes, de outras glórias. «Quando terminou o encontro de Elvas estávamos todos arrasados, completamente exaustos, mas mesmo assim ainda tivemos ânimo para chorar de felicidade, como Madalenas inconsoláveis. Tinham sido os mais emocionantes 15 minutos à Belenenses.» Um título que custou ao Belenenses 957.317$29. As receitas não chegaram a 668 contos.

Campeões de Portugal
Manuel Capela, António Feliciano, Vasco de Oliveira, Serafim das Neves, Francisco Gomes, Mariano Amaro, Mário Coelho, Eloy da Silva, Armando Correia, Artur Quaresma, José Pedro e Rafael Correia

Sporting ganhou taça e treinador foi assassinado
Crime no parque
O corpo estendido, com o fato esfrangalhado, cheio de sangue, foi descoberto, manhã já de sol alto, por uma mulher que apanhava trapos nos montes de lixo do Parque Eduardo VII. Na carteira o bilhete de identidade, um cartão de sócio do Sporting, outro de fiscal das obras da auto-estrada. Arranhaduras no frontal, um dedo espalmado, sinais de que antes do golpe profundo que lhe atingira o coração houvera luta. Joaquim Ferreira era treinador do Sporting. Substituíra Joseph Szabo a troco de 1800 escudos por mês. Antes disso vivera de expedientes e negócios mais ou menos perigosos, durante a guerra. Tinha 46 anos. A morte envolvia-se, assim, de mistério. Vivia com a mulher, Ofélia, num quarto alugado, na Calçada do Lavra, mas por vezes não dormia em casa. Tinha fama de aventureiro. Talvez por isso se suspeitasse de crime passional. Ou então de armadilha montada pelo bando dos arrebentas que infernizava o parque, a coberto da noite, para roubos violentos, atraindo as vítimas através de mulheres que seduziam na Avenida. No bolso levava pouco mais de 450 escudos. Desapareceram. Como desapareceu um anel de ouro que comprara por 1280 escudos e ainda pagava a prestações. Alguns dias depois dois jardineiros tentaram vender, numa taberna da Rua de Santa Marta, os seus óculos, acabando interceptados pela polícia. Mas o mistério perdurava. A polícia apertou o cerco ao bando dos arrebentas. Arrecadou vários durante uma sesta na mata do Lumiar, nas traseiras da Musgueira. Um deles, Manuel António dos Santos Duarte, sofria de perturbações mentais. Fugira da Mitra para o parque. Fora preso e solto e ao parque regressara. Deu-se como assassino para que o prendessem e, na prisão, pudesse ter comida e dormida. Ensarilhou-se em contradições durante os depoimentos, a Polícia de Investigação Criminal não o levou a sério, anotando apenas um desabafo: que antes do crime vira Joaquim Ferreira com um magala. A Polícia Militar entrou em acção. E julgou estranhas as contusões no ventre que, durante o banho, apresentara o soldado João Jorge, madeirense a prestar serviço no Batalhão de Caçadores 5. Tudo se deslindou quando na sua mala se descobriu o anel de ouro de Joaquim Ferreira. Preso, confessou. Preso ficou. Dez dias após o crime a Polícia de Investigação Criminal limitou-se a anunciar o desfecho do caso, adiantando apenas que Joaquim Ferreira «estava longe de ser um homem digno e de tudo se ter passado em virtude de rixa entre ambos, que se encontraram no parque para os inconfessáveis fins que levaram ao crime»

Cautelas e tudo na última festa
Joaquim Ferreira fora dos mais brilhantes jogadores portugueses da década de 20, formando parelha, na Selecção e no Sporting, com Jorge Vieira. Da equipa nacional foi apeado por Carlos Alves, avô de João Alves, que, como ele, jogava de luvas pretas, já em final de carreira. O estilo calmo e inteligente de jogo foi a razão do convite para treinador do Sporting. Tudo parecia correr às mil maravilhas... Um mês antes da facada fatal ganhara a Taça de Portugal, contra o Olhanense. Peyroteo não jogara, fora suspenso, a punição levantou polémica por se considerar injusta para um futebolista apontado como exemplo de disciplina, apesar de algum tempo antes ter esmurrado o defesa benfiquista Gaspar Pinto, que o insultara durante a liça, na ânsia de o enervar. Fora um jogo polémico, saldado por um único golo, apontado por Jesus Correia. Abraão, guarda-redes do Olhanense, jurou ter apanhado, antes do remate que o desfeiteara, a bola fora de campo. O golo valeu a Taça. E os sportinguistas viveram um dia especial de euforia, com a época salva com aquele pontapé. O herói, para além de Ferreira, fora Jesus Correia, que, espantado, à saída das Salésias, recebeu uma nota de 50 escudos, outra de 100 e duas cautelas de lotaria. Por acaso era jogo branco mas poderia não ter sido. Para Joaquim Ferreira fora o último momento de glória.

Boémio e fadista!
Mariano Amaro Meio profissional, meio boémio, trocista com ares de fadista, andar gingão, Mariano Amaro tornou-se uma das mais poéticas figuras da Lisboa fervilhante dos anos 30 e 40. Porque não era apenas um notável jogador de futebol. Era um amante dos prazeres da vida que Aurélio Márcio descreveu assim: «Treinava-se de manhã, passava à tarde pelo café Nicola, saía com a rapariga que escolhia entre as muitas que se lhe davam, terminando a noite na jogatina. E sobre tudo isto era um jogador excepcional.» Quando ingressou no Belenenses, oriundo do Adicense, abandonou o seu ofício de torneiro de metais. Espalhou-se depressa o génio. Que Vítor Santos retrataria assim: «Mariano Amaro foi um pequeno Einstein da bola que, sem o menor esforço ou consumidora determinação, descobriu a quarta dimensão do jogo, dando-lhe uma amplitude que talvez nenhum outro jogador português soube, primeiro, imaginar e, depois, explorar como seria aconselhável. Ficaram célebres os seus passes e cruzamentos, em especial aquele varar de campo com a bola — uma bola verdadeiramente com olhos — a surgir atrás do defesa e à frente do extremo, no flanco contrário. Aquilo era do Amaro — apenas do Amaro, um jogador que dominava o campo como Rommel dominou o deserto.»
 
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1939 – FC Porto campeão nacional da I divisão

Golo polémico
O F. C. Porto ganhara as primeiras edições do Campeonato de Portugal e do Campeonato da Liga. Venceu também no arranque para o Campeonato Nacional da I Divisão. Destruído o Campo do Ameal, sem condições para «pagar aluguer exorbitante» pelo Lima, os portistas passaram a jogar no velho e acanhado Campo da Constituição. Estimava-se que, no mínimo, perdessem 10 contos de receitas por jogo. Mas não havia alternativa. Carlos Costa, o presidente, impusera um mais sugestivo esquema de prémios: 20 escudos por vitória, 10 por empate. Algum tempo antes houvera também «compensação de 25 tostões por derrota»! Na última jornada do campeonato duelo dos gigantes. Se o Benfica vencesse seria campeão. Os dirigentes do F. C. Porto fizeram apressadamente bancadas provisórias de madeira sobre o campo de ténis, os bilhetes de cinco escudos foram vendidos na candonga a 20, num tempo em que uma bicicleta, considerada artigo de luxo, custava 50. Com o empate a três golos o F. C. Porto fez a festa, para os lisboetas a vitória alcançara-se por caminhos espúrios. Comentário de Correia Duarte na Stadium: «Não obstante o senão ditado pelo último minuto de jogo, no qual os encarnados bateram pela quarta vez as redes de Soares dos Reis e que o árbitro Henrique Rosa anulou sem que possamos descortinar o motivo, devemos dizer, em abono da verdade, que o primeiro Campeonato Nacional foi bem entregue. O F. C. Porto foi sem dúvida o melhor agrupamento.» O golo anulado a Feliciano Barbosa causou enxurrada de polémica, a invalidação do tento fez-se por alegada falta de Alexandre Brito sobre Sacadura. O benfiquista defendeu-se assim: «Não sou mais santo que os outros mas naqueles segundos finais não agarrei ninguém. Estava perto do árbitro e só depois de a bola entrar é que ouvi apitar. O que mais me chocou foi ele não justificar imediatamente a marcação do livre. Perdemos a cabeça ante aquela injustiça. Barafustámos a torto e a direito, não queríamos ouvir ninguém. Os rapazes do F. C. Porto até nos disseram que não nos voltássemos contra eles, que não tinham culpa do que se passava, isso era com o árbitro.» Ripostou Carlos Nunes, capitão do F. C. Porto: «Quando o sr. Henrique Rosa viu Sacadura agarrado apitou imediatamente, sem curar de saber se a bola iria cair perto ou longe da baliza. Aquilo não foi golo, foi tão claro.» Dois dias depois a Stadium publicava foto do lance pretendendo mostrar que o juiz se enganara na decisão e o golo fora limpo. Jornalistas do Norte clamaram contra a «heresia» — e os «inimigos da revista». O Norte Desportivo chegou mesmo ao desplante de pedir castigo para os «delinquentes que tinham forjado tão apócrifo documento». E no meio do estardalhaço os portistas continuavam a fazer a festa.

157 contos nos lucros da FPF para campeão
O F. C. Porto foi também o campeão das receitas, arrecadando 157.039$00 na distribuição dos ganhos líquidos efectuada pela FPF, ao Benfica couberam 129.156$60. Os portistas venderam 232 contos de bilhetes, os benfiquistas 131 e os sportinguistas 95. O Casa Pia apenas 15. E 23 pontos para os vencedores do título, 22 para o Sporting, 21 para o Benfica, 13 para o Belenenses, 11 para a Académica, 10 para o Barreirense e para o Académico do Porto, 2 para o Casa Pia.

Campeões de Portugal
Soares dos Reis, Vítor Guilhar, Fernando Sacadura, Francisco Reboredo, Carlos Pereira, José Baptista, Manuel Anjos, Lopes Carneiro, António Santos, Costuras, Artur Sousa Pinga, Carlos Nunes, Francisco Castro e Pereira da Silva

Bis do FC Porto e de Miguel Siska
Azul com tom eslavo
Na época de 1939/40 o F. C. Porto de Miguel Siska bisou o campeonato. Reforçados com três estrangeiros de «alta qualidade», o guarda-redes Bela Andrasik, o avançado-centro Kordnya e o extremo-esquerdo Petrack, todos eslavos. Depois de longas semanas em triunfal passeio os portistas cederam a primeira (e única) derrota no Lumiar, diante do Sporting, a 20 segundos do fim — o que deixou a questão do título em aberto. Na última jornada não poderiam perder nas Amoreiras, diante do Benfica. Ganharam por 3-2, em partida épica. Com as bancadas à pinha, sportinguistas e benfiquistas unidos. Seria o último jogo no campo do Benfica, condenado por Duarte Pacheco às obras do viaduto da auto-estrada para Cascais, que haveria de ter precisamente o nome do ministro de Salazar, sendo o clube indemnizado em 800 contos. Quando o árbitro apitou para o fim os homens de azul e branco, camarinhas de suor nos rostos, lágrimas de emoção rorejando, dirigiram-se ao sector onde estava a sua claque, cada um pagara 50 escudos pela viagem em comboio especial — e nesse momento os adeptos do Benfica e do Sporting também bateram palmas. Era a consagração unânime de um campeão sem contestação. Outra vez impressionante a festa no Porto. Ruas cheias de gente em exultação, os heróis da bola em passeio apoteótico. Entre eles Petrack e Kordnya, dois croatas que nesse mesmo dia receberam notícia triste na noite alegre: teriam de partir imediatamente para cumprir serviço militar. A II Guerra Mundial alastrava. Dizimava. Ninguém sabe por que artes e manhas Petrack conseguiu ficar por cá, indo jogar para o Estoril, então na II Divisão. O outro foi para a frente e nunca mais se soube nada de si. O F. C. Porto somou 34 pontos, mais dois que o Sporting. O Belenenses foi terceiro, com 25, seguindo-se-lhe Benfica (23), Barreirense (19), Académica (17), Carcavelinhos (10), Académico do Porto (8), Leixões (7) e Vitória de Setúbal (5).

Derrotas portistas: 12-2, 7-0, 7-3...
Para a conquista do bicampeonato o F. C. Porto gastou mais de 600 contos. O défice alargou-se. Era superior a 200 contos. Estoirou a crise. Financeira e não só. Na época de 1941/42 classificaram-se em terceiro lugar no campeonato da AFP, o que face aos regulamentos lhe permitiria apenas disputar o Nacional da... II Divisão! Para o evitar a FPF fez alargamento da primeira, os campeões perderam o ceptro para o Sporting, ainda assim foram segundos classificados. O pior seria o que estava para vir. Nuvens negras, tempestades terríveis, os portistas sofrendo goleadas desconcertantes: 5-0 do Sporting, 5-1 do Benfica, 7-3 do Belenenses, 7-0 do Vitória de Setúbal — e, a maior de todas, 12-2 do Benfica!!!

Campeões de Portugal
Bela Andrasik, Rosado, Pereira da Silva, Vítor Guilhar, Manuel Anjos, Carlos Pereira, José Baptista, António Santos, Gomes da Costa, Slavko Kordnya, Artur Sousa Pinga, Franjo Petrack, Adélio Pacheco, Guilherme Sarrea, António Baptista, Carlos Nunes, Castro Ferreira, Fernando Sacadura e Soares dos Reis
 
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1941

Bomba a sério em Wimbledon
Tal como acontecera na primeira, e em quase todas as demais competições desportivas, durante a II Guerra Mundial Wimbledon ficou de competição cancelada. Com o número de habituais empregados bastante reduzido, o clube permaneceu aberto mas as instalações foram transformadas em aquartelamentos para o exército e defesa civil. Nos seus campos funcionava um regimento, uma unidade de descontaminação, um serviço de ambulâncias e de bombeiros. Tendo escapado às terríveis V2, o maior dano causado pela Luftwaffe foi uma bomba que, em Outubro de 1940, caiu no court central provocando a destruição de uma bancada de 1200 lugares.

Beni Levi, estádio cheio, fractura, desgraça
Entre 1942 e 1950 Beni Levi era tão popular como os cinco violinos do Sporting ou o Rogério Pipi do Benfica. Não, não era jogador de futebol, era boxeur. Combatia em fúria e fogo, como gostava de dizer «atacava desde o gongo até ao gongo». Nasceu um Lourenço Marques, que assim se chamava Maputo, filho de um emigrante judeu da Rússia e de uma sul-africana. «Comecei a lutar na escola. Depressa passei a profissional. Era muito rápido mas trapalhão a bater. Então lia tudo o que faziam os grandes campeões, comprava a revista Ring e fazia como eles, corria, carregava pedra, rachava lenha, durante horas e horas. Estudava tudo em pormenor, copiava, adaptava. Antes do profissionalismo trabalhava num armazém de ferragens. Entretanto estalou a guerra, a África do Sul entrou nela, o boxe parou e não me podia conformar. Por essa altura morreu o meu pai, deixou uns dinheiritos e decidi: compro o meu bilhete e vou para Lisboa...» Tendo lutado pela coroa europeia em Barcelona, de todos os combates que Beni Levi disputou os que deixaram mais vincada recordação foram aqueles que travou com o espanhol Peiró, pelo sensacionalismo que se lhes imprimiu... A derrota em Madrid. A desforra na Estância de Madeiras, assim se chamava ao estádio de futebol do Benfica no Campo Grande, com 40 mil pessoas a assistir! Até que partiu a mão num duelo com o espanhol Ferrer. Mazela ficou para sempre, praticamente só socava com a mão esquerda, a outra dava-lhe dores terríveis, mesmo quando o injectavam com analgésicos à futebolista. Em 1950 regressaria em desgraça a Moçambique, a viagem teve de ser paga pela irmã, empregou-se como encarregado da estiva de uma empresa sul-africana. «O dinheiro? Ganharam-mo!» Reformado, regressaria a Lisboa em 1978. Com o sonho de abrir uma escola de boxe no Parque Mayer. Nunca passou disso mesmo, de um sonho...

Foi a primeira operação ao menisco, em Portugal, mas nada deu
Pinga de Diabo
Em 1945 Artur de Sousa, afamado simplesmente por Pinga, teve de se sujeitar a uma complicadíssima operação ao menisco, sendo o primeiro futebolista português a fazê-la — colocando-se a caminho da banca do cirurgião a possibilidade de nunca mais voltar a jogar. Já com saudades do futuro lamentou que o futebol estivesse a perder o encanto do malabarismo que fora sempre o seu trunfo principal e que «houvesse internacionais que mal sabiam dar pontapé numa bola»! Com 36 anos, ainda voltaria aos campos. Não por muito tempo. Era o crepúsculo de um deus. De um dos três diabos do meio-dia. O apodo ficara de um desafio à hora do almoço por conveniência de organização entre o F. C. Porto e o First de Viena, uma das equipas-maravilhas da Europa. Os portistas ganharam graças à inspiração de Pinga, Valdemar Mota e Acácio Mesquita. O adeus foi a 7 de Julho de 1946. No Estádio do Lima. Alguns meses antes, Cândido de Oliveira escrevera: «Artur de Sousa foi um jogador fulgurantíssimo — verdadeiramente genial. Talvez o maior talento do nosso futebol. Tudo nele era prodigioso: a imaginação viva e riquíssima marcada na escolha do lance ou do toque subtil ou a finta intencional e preconcebida — a inteligência prática, o profundo conhecimento do jogo, o sentido artístico — de verdadeiro artista do futebol.» Sob a sua maestria o F. C. Porto ganhou dois Campeonatos de Portugal, um Campeonato da Liga e dois Campeonatos da I Divisão em menos de 10 anos. Quando Pinga dependurou as chuteiras o horizonte deixou de ser tão azul, foi-se escurentando, enegrecendo.

Morte nos Açores e romance com Piaf
Marcel Cerdan
Marcel Cerdan nasceu a 22 de Julho de 1916 na Argélia, em Sidi-Bel-Abbés, mas seria em Marrocos, para onde a família emigrara, que despontaria para o desporto. Era um excelente futebolista, jogaria até na selecção marroquina em 1941 e 1942, mas foi no boxe que partiu à conquista do Mundo. Bombardeiro marroquino lhe chamavam devido ao devastador gancho de esquerda e ao terrível espírito combativo. Campeão da Europa dos médios em 1939, a perspectiva de conquistar o título mundial esfumou-se com a eclosão da II Guerra Mundial. Desmobilizado em 1940, voltou aos ringues e revalidou o título europeu em 1945. Com 32 anos, a oportunidade de lutar para campeão do Mundo, a 21 de Setembro de 1948, em Jersey City. Deixou o americano Tony Zale KO ao 12.º round. O seu romance com a cantora Édith Piaf ajudou à glória. Nove meses volvidos perdeu a coroa para Jake LaMotta — o touro do Bronx — devido a lesão na omoplata esquerda. Decidido a reconquistá-la, partiu para os Estados Unidos a 27 de Outubro de 1949. Nunca lá chegou. O avião onde seguia (um Douglas-Constellation) despenhou-se contra um pico rochoso das ilhas açorianas. Tinha 33 anos de idade e 110 vitórias em 113 combates. Em 1964 os americanos incluíram-no no Hall of Fame, panteão das glórias do boxe. Mais recentemente, em 1998, Paris inaugurou a Praça Marcel Cerdan, perto do antigo Vel d\'Hiv, onde o boxeur encantou e venceu tantas vezes.
 
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1946 – Bombardeiro de Detroit Joe Louis, moço de recados, trabalhador da Ford

Dinheiro do violino
Nasceu na miséria. A 13 de Maio de 1914. Num gueto de Lafayette, no estado de Luisiana. Era o oitavo filho de um rendeiro que pouco antes do seu nascimento foi internado num hospício. Foi baptizado como Joseph Louis Barrow. Ainda nem sequer aprendera a caminhar ficou órfão. Maior a desgraça. E a fome. Quase sem tempo de ir à escola, lançou-se em dolorosos biscates para ajudar à família. Moço de recados, aprendiz de vários ofícios — e a raiva cada vez mais mordida nos lábios, escondida no peito. O escape era as lutas de rua, que logo o afamaram. Quando Joe fez 12 anos a mãe, Lilly, amancebou-se com um homem com cinco filhos. E tinha um sonho: que o caçula aprendesse a tocar violino. Por essa altura partiram todos, os filhos dela e os filhos dele, para Detroit, então a viver a euforia da industrialização automóvel. Até Joseph chegou a trabalhar na fábrica da Ford. A mãe dava-lhe parte do dinheiro que ganhava para pagar as lições de música, ele gastava-o, secretamente, em treinos de boxe! Quando descobriu deu-lhe dois estalos. Desatando a chorar, disse-lhe que ao menos tentasse ser o melhor do Mundo — e até lhe deu logo sugestão do nome artístico: Joe Louis. «É pequenino, fácil de memorizar, tem toque de artista. Vai dar sorte.»

Medo de quê?! De «flash»!
O seu estilo não tinha nada de inovador. Ou de revolucionário. Não era um boxeur dançante. Bem pelo contrário, algo imóvel graças a um gabarito físico notável, reflexos velozes e um poder demolidor de soco, entrava em luta apenas com uma ideia na cabeça: derrubar os adversários, cortando-lhes o mais cedo possível a esperança de vencer. Mesmo nos anos de maior fulgor nunca se mostrou campeão falastrão ou farfalhudo, de olhos escondidos esboçava apenas sorrisos tímidos, nunca na vida lançou uma frase bombástica, provocante, humilhante para quem destroçava. As máquinas fotográficas deixavam-no tenso, hirto. «Deve ser a coisa que mais temo no mundo. Muito pior que um soco nos lábios ou no estômago.»

Triste «uncle» Tom?!
Muhammad Ali, no período mais fanático da sua guerrilha política contra o poder branco, acusou Joe Louis de ter sido uma espécie «triste e repugnante» de uncle Tom, o escravo bom de A Cabana do Pai Tomás. Porque nada fez para mudar a humilhação dos negros, que ao seu tempo, na América, eram obrigados a viajar nos bancos traseiros dos autocarros, não tinham acesso às melhores escolas e só raramente entravam nas universidades. Injusta a diatribe. Porque Joe Louis fez o que tinha a fazer pela promoção dos negros. Mostrou a sua dignidade. De tal forma que Jimmy Cannon, renomado jornalista de Nova Iorque, escreveu de si: «Louis é um crédito à sua raça — à raça humana!» Foi Louis quem abriu as portas à competição sem racismo dissimulado entre brancos e negros. Não muito antes Harry Wills, apesar do escarcéu que fez, não conseguiu disputar o título mundial a Jack Dempsey. Assim, não fora o jeito terno, de simpatia magnética, de Louis e se calhar Ali não teria ganho o dinheiro que ganhou depois.

Terrível desforra com Max Schmeling, homem-propaganda de Hitler
Desejo de sangue nazi
À força de punhos se desencadearia da pobreza. Em 1936, com 22 anos, afamado por outras pelejas, tendo inclusivamente destronado já o italiano Primo Carnera, defrontou o alemão Max Schmeling e... perdeu. Hitler transformou a luta num «sinal inequívoco da superioridade ariana». A América sentiu-se humilhada. Joe Louis também. Prometeu, então, que nunca mais lhe aconteceria desgraça assim. E cumpriu. No ano seguinte obteve o direito de disputar o título mundial de pesados a James Braddock, em Chicago. Nesse dia ganhou o epíteto de bombardeiro — e o adversário um negócio da China. Sabendo que as chances de bater Joe eram remotas, pediu como bolsa de combate 293.660 dólares acrescidos de 10 por cento sobre todos os ganhos futuros do campeão que saísse dessa peleja. Os promotores aceitaram. Não, não — mesmo assim vendeu cara a derrota, só ao último assalto atirou a toalha ao tapete, tinha já os lábios escalavrados, quando o gongo soou manteve o espírito de humor afinado, virou-se para Louis e disse-lhe: «Deixando a minha cara neste estado nunca mais deveria falar consigo mas falo, pode ir descansado festejar!» Ah! Mas havia mascarra para apagar a derrota com Max Schmeling, que deixara Hitler em transe. Para 1938 ficou marcada a desforra. A Alemanha toda hipnotizada pela propaganda de Goebbels em torno do seu boxeur. O duelo, considerado o maior acontecimento político do ano, teve como palco o Yankee Stadium, regurgitando de americanos descabelados, gritando minuto a minuto: «Queremos o sangue do nazi, queremos o sangue do nazi!» Também pela primeira vez brancos e negros irmanados no apoio ao mesmo homem. Em apenas dois minutos e 14 segundos Joe Louis atirou Schmeling ao tapete, o golpe final foi tão fulminante que na queda partiu uma vértebra, os seus uivos de dor e mágoa ribombavam na sala, a rádio nacional nazi, que transmitia em directo de Nova Iorque, interrompeu de imediato a emissão para que não se ouvisse Max naquele drama. No dia seguinte um dos jornais de Nova Iorque tinha na manchete frase emblemática: «Joe destruiu nazis!» Teias que a politiquice tece. Schmeling não era nazi. Detestava Hitler. Adorava poesia e o seu único devaneio era a caça aos ursos nas estepes da Finlândia. Quando a guerra acabou correu à América e pediu para se encontrar com Louis. Nasceu longa amizade, há quem afiance mesmo que Max, quando se tornou um dos homens mais ricos da Alemanha, tentou várias vezes ajudar Joe quando lhe chegavam notícias da sua penúria.

Maldita cocaína
Joe Louis manteve o título mundial de pesados de 1937 a 1949 — 11 anos e 252 dias. Colocou 25 vezes o cinturão à disputa e ganhou sempre. Um record fabuloso, que nunca mais ninguém ameaçou sequer. Devido a dificuldades financeiras causadas por fuga aos impostos e a ludíbrios de empresários, em 1950 tentou voltar à luta, pouco ganhou e acabou derrotado por Ezzard Charles e Rocky Marciano. Tentou ainda a vida dura de profissional de luta livre, apresentou espectáculos num casino de Las Vegas, ensarilhou-se no pó da cocaína, hábito que ganhara quando, em competição, os médicos lhe diziam que era o melhor fortificante mental que um pugilista poderia ter. Os seus negócios foram sempre desastrosos.

Cicerone no casino
A guerra chegou e Joe Louis em cúspide de glória. E fama. Renunciou a todos os combates milionários que lhe foram oferecendo e alistou-se no exército apenas com o intuito de realizar combates de exibição em todas as frentes a troco de 45 dólares por mês. Nos anos anteriores ganhara mais de quatro milhões e meio de dólares, que foi queimando em devaneios ou perdendo em artimanhas e manivérsias das suas entourages. Por isso os últimos anos de vida foram passados como uma espécie de mordomo do famoso Caesar’s Palace de Las Vegas. A sua missão era servir de cicerone aos clientes VIP do hotel e do casino. Apenas o coração conseguiu derrotá-lo por KO. No dia 12 de Abril de 1981, durante a transmissão do duelo entre Larry Holmes e Trevor Berbick, sofreu ataque cardíaco. Fatal.

Joe Louis? Só de ouvir o nariz sangra!
O galês Tommy Farr começou a lutar aos 12 anos, em troca de miseráveis moedas, pelos becos esconsos das cidades. «Era um hábito macabro que nunca percebi. Adultos a dar dinheiro a crianças para se esmurrarem uma às outras. Eu só aproveitava.» Em 1937 foi a Nova Iorque defrontar Joe Louis. Era a primeira vez que o bombardeiro de Detroit punha o título mundial a desafio. Um jornalista americano imprecou contra a luta, considerou-a uma farsa de empresários mafiosos para enganar espectadores, insinuando até que Shirley Temple teria mais hipóteses que Farr de bater Louis! Enganou-se. Tommy aguentou-se até ao 15.º assalto e só perdeu na decisão e por escassos pontos. Os jornais britânicos do dia seguinte falaram quase em uníssono de Farr roubado mas ele, com notável fair play, não se queixou, pelo contrário, lançou frase que ficaria na história: «Cada vez que oiço falar de Joe Louis o meu nariz fica a sangrar. Tem sido assim nas últimas horas, há-de ser assim toda a vida.»
 
H

hast

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1946 – Tour de France

Pincelada pelos anos loucos do Tour, explosão de Bartali e Alpe d\'Huez
Esclavagismo (!) em tribunal
Nos anos 30 o Tour de France continuou a conquistar espaço de emoção. E a despertar paixões em roda livre. Na década anterior o belga Thys tornara-se o primeiro vencedor de três edições (1913, 1914 e... 1920). Depois foi o tempo do italiano Bottecchia, vencedor por duas vezes. Por essa altura criara-se já a camisola amarela como símbolo de liderança e o seu primeiro detentor, em 1919, foi Eugéne Christophe; ao belga Firmin Lambot coube a honraria de entrar em Paris de maillot jaune antes de qualquer outro ciclista. Por essa altura já ninguém pensava colocar Henri Desgrange, a alma mater da Volta à França, em tribunal, acusado de... esclavagismo (!) por «obrigar seres humanos a subirem barbaramente montados em cima de uma bicicleta». É verdade, a sorte foi o juiz não aceitar a pretensão, por julgá-la «bizarria ou loucura»! E em 1939 até se fez a primeira reportagem de rádio em directo, com enviados especiais ao longo de todo o percurso, apontado para cerca de 5400 quilómetros. Com a França dizimada pela guerra, o Tour só voltaria à estrada em 1947. Já sob organização dos jornais L’Équipe e Parisien Libéré, sob direcção de Jacques Goddet e Félix Lévitain. A vitória coube a Jean Robic. Em 1948 o italiano Bartali, vencedor em 1939 (numa edição em que os alemães foram vetados devido às primeiras invasões de Hitler), graças ao acréscimo de montanha ganhou o Tour pela segunda vez. Em 1952 escalou-se o Alpe d’Huez, o primeiro a tocar as nuvens foi Fausto Coppi. Nascia, assim, uma estrela. Mas outra première importante foi a conquista do Tour pela televisão.

Queda de avião da golfista
Pam Barton electrizou o golfe feminino antes da guerra. Por vezes fez esquecer Babe Didrikson. Oficial da Força Aérea Auxiliar de Inglaterra, morreu na queda de um avião em 1943. Tinha apenas 26 anos. Mas ficou para sempre como a mulher que conseguira juntar tacadas agressivas com uma pose feminina que encantava os greens. O seu ano de ouro foi 1936, ganhando os campeonatos amadores de Inglaterra e dos Estados Unidos, as duas principais competições mundiais, façanha que, antes de si, apenas Dorothy Campbell e Catherine Lacoste lograram.

Marido breve de Marilyn Monroe
Depois de Babe Ruth, Joe Di Maggio. As estrelas maiores do basebol. A postura e a facilidade das suas tacadas, com a graça e o enleio de um swing, fizeram dele um ídolo para a garotada americana dos anos 40 e 50. Muito mais se afamou quando, já depois da despedida de armas, casou com Marilyn Monroe. Ao fim de nove meses o casamento afundou. Com notável sentido de humor, Joe afirmou: «Ninguém pode, afinal, ter sucesso em dois passatempos nacionais.» Eram completamente diferentes. Ele, 12 anos mais velho, calmo, reservado, sempre a fugir dos jornalistas e dos paparazzi que começavam, então, a inundar a América. Ela, no seu eterno ar de mimalha, desejosa de câmaras e seduções. Interrompeu a lua-de-mel para ir dar um espectáculo às tropas americanas na Coreia e quando voltou disse a Di Maggio: «Foi tão maravilhoso, Joe! Você nem imagina público tão animado.» Ele, já farto dos caprichos dela, retorqui-lhe simplesmente: «Sim, Marilyn, já vi e você nem imagina.»

Nascimento da NBA – espectáculo contra circo e «rodeo» e não só
Quebrar gelo
A 6 de Junho de 1946 um grupo de membros da Arena Association of America — onde estavam filiados os donos dos principais recintos desportivos dos Estados Unidos — juntou-se no hotel Commodore, em Nova Iorque. Mais habituados a encherem as respectivas salas com espectáculos no gelo, rodeos e circos, ambicionavam abrir novos mercados. Apesar de pouco saberem de basquetebol, todos concordaram em seguir a proposta avançada por Ned Irish, dono do Madison Square Garden, o único que já apostava, e com sucesso, na modalidade. Inventada por James Naismith em 1892, desde o início da década de 30 que despertava crescente interesse, levando ao surgimento de múltiplas equipas de exibição, competições regionais (Filadélfia e Buffalo) e ao primeiro campeonato universitário, em 1938. Assim, nessa quente quinta-feira do Verão de 46 decidiram lançar uma liga profissional, à qual deram o nome de Basketball Association of America (BAA). Composta por 11 equipas, criaram-se duas divisões: a de Este (Philadelphia Warriors, Boston Celtics, New York Knicker-bockers, Toronto Huskies, Washington Capitols, Providence Steamrollers) e de Oeste (Chicago Stags, St. Louis Bombers, Detroit Falcons, Cleveland Rebels, Pittsburg Ironmen). Acordado ficou igualmente que o campeonato começaria dentro de cinco meses e cada clube pagaria 10 mil dólares de caução para despesas de organização. Durante a época cada formação tinha de disputar 60 partidas e aquelas que passassem ao play-off jogariam um máximo de 17 encontros (3-7-7).

5000 dólares de salário
À parte os 10 mil dólares de caução, cada uma das 11 equipas iniciais despendeu cerca de 25 mil dólares durante a primeira temporada. Os salários dos jogadores pioneiros rondavam os 5000 dólares, o que os obrigava a arranjar outro trabalho durante o defeso. O preço dos bilhetes para a partida inaugural no Maple Leaf Gardens, em Toronto, situava-se entre os 75 cêntimos e os 2,50 dólares.

Engano do guarda de fronteira
Durante o Verão de 1946 as equipas contrataram treinadores e recrutaram jogadores nas áreas onde estavam sedeadas. Com o primeiro encontro, Huskies-Knicks, marcado para o dia 1 de Novembro, em Toronto (província de Ontário, de onde era natural Naismith). Na véspera a formação nova-iorquina apanhou o comboio para o Canadá, na bagagem não faltavam sacos-camas para ajudar a combater o frio. Quando os serviços de emigração exigiram a documentação de fronteira um guarda canadiano ficou admirado com a estatura da trupe e perguntou, com a pulga atrás da orelha: «Quem são vocês?!» Neil Cohalan, o treinador, redarguiu: «Somos os New York Knicks.» O fiscal afivelou ar de espanto e desconhecimento, encolheu os ombros. Cohalan aventou então metáfora mais esclarecedora: «Somos uma espécie de New York Rangers, só que eles jogam hóquei no gelo e nós tentamos meter a bola num cesto.» Ao que o guarda retorquiu: «Ah! Ah! Mas não estou a ver que venham a encontrar muita gente por estes lados que compreenda o vosso jogo ou até tenha interesse nele.»

Grátis para gigantones
Com medo de que a partida inaugural não fosse muito concorrida, o clube canadiano efectuou uma série de acções pela cidade. Entre elas destaque para um anúncio do jogo publicado a três colunas num jornal onde, ao lado da fotografia do maior jogador dos Huskies — George Nostrand (2,3 metros) —, se dizia que quem fosse mais alto entraria de graça no pavilhão de hóquei, que era uma lenda na cidade: Maple Leaf Gardens. E 7090 espectadores assistiram à apertada vitória dos Knicks sobre os Huskies por 68-66. Dos 22 jogadores (que alinharam com equipamentos de seda) a Ozzie Schectman (Knicks) coube a honra de marcar o primeiro cesto da história da liga. O campeonato acabou por ser ganho pelos Philadelphia Warriors, orientados por Eddie Gottlieb, que no play-off final bateram os Chicago Stags por 4-1.

Georges Mikan – a primeira estrela da NBA
Revolução do bom gigante
Por estranho que possa parecer, até à década de 40 julgava-se que um gigante dificilmente daria um bom jogador de basquetebol, porque a «altura desajeitava»! Apesar dos seus problemáticos 2,08 metros George Mikan — primeira grande estrela do basquetebol profissional — mudou a crença. Começou a dar nas vistas ainda ao serviço da Universidade de DePaul, recebendo a honraria de jogador universitário do ano em duas ocasiões e a eleição para o cinco ideal em três — bateu o record de pontos num só jogo ao averbar 53 ante a Rhode Island State University. A proeza ganha contornos ainda mais épicos se se desvendar que Mikan marcou todos os pontos da sua universidade!!! A estreia como profissional aconteceu em 1946, ao serviço dos Chicago American Gears, conjunto pertencente à National Basketball League (NBL). Eleito rookie do ano, George Mikan, com uma média de 16,5 pontos por jogo, levou ainda a turma de Chicago à vitória no campeonato de 1946/47. Na época seguinte transferiu-se para os Minneapolis Lakers — onde permaneceria até abandonar a competição. Em 1948/49 os Lakers mudaram-se para a Basketball Association of America (BAA) e mais um troféu de campeão. Quando, a partir da temporada de 1949/50, os Lakers passaram a fazer parte da NBA George Mikan implantou imediatamente o seu reinado. Assim, muito antes de Celtics, Lakers ou Bulls, a liga conheceu a primeira dinastia de campeões (1950, 52, 53 e 54). E se os Minneapolis Lakers não venceram em 50/51 isso apenas se deveu ao facto de Mikan ter actuado no play-off como uma perna toda ligada, devido a uma fractura. Apesar de ter marcado uma média de 20 pontos não pôde ostentar o título de campeão. Foi a primeira vez que tal aconteceu desde que se profissionalizara. Outro espantoso record: nas sete primeiras ocasiões em que um jogador da NBA fechou jogo com mais de 50 pontos averbados em seis está um nome apenas — George Mikan.

Dez ossos partidos
Envergando sempre a camisola 99, Mikan liderou a classificação dos pontos marcados em três temporadas da NBA e da média de ressaltos em duas. Marcou igualmente presença em Bóston quando, em 1951, se disputou o primeiro All-Star Game — jogo de estrelas a que nunca mais faltaria até 1954, ano em que decidiu retirar-se de competição para se dedicar mais à família. Para atrás ficara carreira ímpar: sete títulos em oito possíveis, estilo que revolucionou por completo a maneira de jogar dentro do garrafão, conciliando altura com agilidade e graciosidade de movimentos. Na ânsia de o tentar travar os adversários não se poupavam a esforços e, por vezes, iam muito além do aceitável: partiram-lhe 10 ossos e em golpes causados em jogo gastou 16 pontos em suturas. Mikan foi responsável pelo alargamento da zona do garrafão e pela criação cronométrica dos 24 segundos de ataque. Numa partida disputada em 1950 o treinador dos Fort Wayne Pistons decidiu que a única maneira de ganhar o encontro era reter a bola o maior tempo possível, de forma a que não fosse parar às mãos de George. É verdade que os Pistons venceram mas o resultado (19-18) foi o mais magro de sempre da história da NBA. A 13 de Dezembro de 1949, quando os Lakers se deslocaram a Nova Iorque para defrontar os Knicks, ao passarem à entrada do Madison Square Garden o placard que se situava sobre uma das principais portas anunciava a partida desta forma: «Geo Mikan vs Knicks.» Depois, quando Mikan foi para o balneário e colocou os óculos após equipar-se, notou que todos os companheiros de equipa se encontravam ainda vestidos. Na brincadeira um deles afirmou: «Lá fora anunciam que vais jogar contra os Knicks, por isso podes ir. Nós esperamos aqui.»
 
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1947 – Mais humilhante derrota de Portugal

Contra ingleses, no Jamor, não foi desafio
Foram dez a fio!
Foi a mais humilhante derrota do futebol português. Esmagadora. Arrepiante. A anedota perduraria no tempo: aquilo não foi um desafio, foram dez a fio. E na tribuna de honra, lívido, incrédulo, Carmona, entre uma submissa corte de ministros, secretários de Estado, directores-gerais, que, como os outros 60 mil, peregrinaram ao Jamor, naquele 25 de Maio de 1947, na ânsia de feito épico, a troco de 50 escudos. Antes era verdíssima a esperança. A Selecção em estágio na Venda do Pinheiro. Não havia jogador que pensasse na derrota. Nem sequer Travaços, que lá chegara exausto da recruta, onde perdera quatro quilos. Na véspera do jogo Peyroteo tocou piano, Amaro, Moreira, Serafim, Francisco Ferreira e Vasco jogaram bilhar horas a fio. Pequena fricção apenas quando Augusto Silva, treinador de campo, recusou, por questão de disciplina, a Peyroteo e Amaro dispensa de algumas horas para se deslocarem ao Pavilhão dos Desportos, onde se disputava o Campeonato do Mundo de hóquei em patins. Antes de subirem ao relvado, Tavares da Silva, o seleccionador nacional, ordenou aos pupilos que «cumprissem o seu dever, que não se recriminassem, que não lançassem censuras uns aos outros e que obedecessem a Cardoso». Ordem e patriotismo, pois. «Sabemos que temos valor, é pois necessário demonstrá-lo, por isso lutai galhardamente pela camisola que trazeis vestida.» Nas crónicas se diz que os corações bateram mais depressa, os peitos encheram-se de ar e alguns olhos também de lágrimas. E mal sabiam o que os esperava.

Azevedo aborrecido por seleccionador não lhe ter dito para se aleijar
No primeiro lance do desafio o primeiro golo de Inglaterra. Depois, a farândola deles. Até 10. Aos 27 minutos de jogo já os ingleses ganhavam por 4-0. Tavares da Silva troca de guarda-redes: Capela para o lugar de Azevedo. O sportinguista empertiga-se: «O seleccionador podia ter dito para eu me magoar e eu, que diabo, magoava-me. Agora ser substituído assim, perante o público...» Entretanto Feliciano partira a cabeça, jogando alguns minutos com sangue a escorrer-lhe pela cara. Talvez nunca, como naquele momento, desejasse ser substituído mas... Desconcertante — pouco depois o seleccionador grita para dentro do relvado: «Cardoso, magoa-te, sai do campo e diz ao Amaro para tomar conta da equipa.» Ao intervalo 5-0. Golos de Mortensen, Lawton (3) e Finney. Capela, que ainda só sofrera um, sente-se em pânico. Diz para Rogério: «Não calculas o meu estado. O chão fugia-me debaixo dos pés e só via aqueles tipos à minha frente.» Na cabina nervos em franja. Ninguém toca nas laranjas, no chá, nas laranjadas. Na segunda parte dose repetida, mais cinco golos, marcados por Mortensen (3), Lawton e Matthews. Peyroteo, ante os apupos do público, desabafa: «Ontem aclamavam-me, hoje cortavam-me a cabeça se fosse preciso.» Sic transit gloria mundi.

Portugal conquistou primeiros títulos mundiais de hóquei em patins
Anéis de ouro, pó-de-arroz
Com o sucesso do hóquei em patins, modalidade, então como agora, de pouca implantação internacional, se tentou afagar o drama da derrota humilhante ante a Inglaterra, no Estádio Nacional, dizendo-se mesmo que o «verdadeiro espírito da gesta lusitana» se sedimentara com o ardor em jogo de stick na mão, sangue na guelra e dentes cerrados. Heróis nacionais se consideraram, pois, os hoquistas que em 1947, em Lisboa, revalidaram o título de campeões do Mundo e no ano seguinte repetiriam a façanha. Num e noutro boa parte do País entrou em euforia, a tanger a paranóia da pátria salva nos patins de ouro de Emídio, Raio, Olivério Serpa, Sidónio Serpa, Jesus Correia, Correia dos Santos, Cipriano Santos, Manuel Soares. Assim, no regresso de Montreux, em 48, depois de patético telegrama enviado a Salazar, suplicando-lhe que aceitasse o feito como «modesta colaboração a acrescentar à obra para o engrandecimento da querida Pátria» (sic), foram recebidos no aeroporto ao som do hino nacional, tocado pela Banda da PSP, rumando depois, em «apoteótico cortejo», até ao Ministério da Educação, ao Campo Santana, onde ironicamente seriam recebidos «com honra» pelo subsecretário de Estado. Cruel capricho do destino que a propaganda não explicou ou a censura não deixou que se explicasse ou chacoteasse. No entanto, os campeões do Mundo, que continuariam a sê-lo, acabaram cumulados com outros honrosos «contributos» de «todo o povo, que não se cansava de aclamá-los». Receberam anéis de ouro, com brilhantes e safiras, cigarreiras, canetas Sheaffer, apólices de 50 contos contra acidentes pessoais, meias de vidro, bandeiras nacionais de seda, latas de conserva e até estojos de pó-de-arroz. Hermínia Silva, a cantadeira, com os «olhos marejados de lágrimas de emoção», entregou aos campeões um ramo de flores. Somos assim. Para o bem e para o mal.

Chamados à PIDE!
Num fósforo se toma conhecimento de que tinham sido suspensos os jogadores da Selecção Nacional até à conclusão de inquérito ordenado pela FPF, não podendo, por isso, actuar pelos seus clubes no... Campeonato Nacional. O comunicado indiciava «falta de necessária correcção desportiva»! Não, não se dizia tudo. Os jogadores faltaram ao banquete oficial por a FPF não lhes ter dado bilhetes para o jogo trágico, foram até ouvidos pela... PIDE, acusados de ter perdido assim de propósito. Nos primeiros dias de Junho sentiu-se, finalmente, a mão pesada do nepotismo a chegar ao futebol, expressa no despacho exarado pelo ministro da Educação: «Em resultado do inquérito por motivo de factos relacionados com o último desafio Portugal-Inglaterra, em futebol, foram punidos com um ano de suspensão o capitão da equipa nacional, Álvaro Cardoso; com seis meses o jogador Manuel Capela e com dois jogos de suspensão os seguintes jogadores: Travaços, Vasques, Peyroteo, Azevedo, Vasco de Oliveira, Francisco Ferreira, Amaro, Moreira, Rogério e Barbosa. Foram isentos de culpa os jogadores Albano, Jesus Correia, Feliciano, Patalino, Araújo e Pacheco.» Jesus Correia livrou-se dizendo que nessa noite estivera a jogar hóquei em patins.
 

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Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
Infelizmente esta nao seria a unica grande humilhacao da seleccao nacional.Uns anos mais tarde levariam 9-0 da Austria num jogo em que ate o Barrigana foi considerado o melhor jogador da seleccao.
 
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> fcporto56 Comentou:

> Infelizmente esta nao seria a unica grande humilhacao da seleccao nacional.Uns anos mais tarde levariam 9-0 da Austria num jogo em que ate o Barrigana foi considerado o melhor jogador da seleccao.

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Não foram 9-0, mas sim 9-1, caro fcporto56.
A «Bola» relatou assim, as peripécias que envolveram a viagem e o jogo:

Desastre de Viena e castigo de Félix

Em 20 de Julho de 1953, Salvador do Carmo assumiu o cargo de seleccionador nacional. Os jogos da eliminatória para o Campeonato do Mundo entre Portugal e a Áustria aproximavam-se e as alternativas a Salvador do Carmo não eram muitas. A tal ponto que, em «A Bola», escrevia-se, antes da posse do novo responsável: «... Para seleccionador nacional basta convidar quem aceite e o mais depressa possível...»
A viagem para Viena fez-se de avião. Ângelo, o caloiro da equipa, mirou e remirou receoso o aparelho e, via-se à légua, estava branco como a cal... Depois, Félix aconselhou-o a tirar os sapatos para não enjoar, mas como o neófito não podia baixar-se não lhe seguiu o conselho. Em Francfurt, a escala. E a Selecção levada a um espectáculo de circo.

Já em Viena, uma nota simpática de reconhecimento a Portugal. Jovens já mais crescidos, que durante a Guerra foram acolhidos, como crianças indefesas, em casas portuguesas, voltaram quando as armas se calaram, mas não esqueceram Portugal, muito menos a atitude de quem os acolhera. E, em peregrinação sentimental, foram muitos deles ao hotel saudar os jogadores portugueses, pedir-lhes autógrafos e bilhetes para o jogo... O pior foi depois. E, a 27 de Setembro mais desastre futebolístico-nacional. Perdemos por 9-1.

No título da crónica de «A Bola», assinada por Vítor Santos, que dava os primeiros passos para o galarim do jornalismo nacional (e não só desportivo, obviamente) dizia-se tudo ou quase tudo: «O onze austríaco, que jogou como uma equipa de clube, revelou indiscutível superioridade técnica, enquanto os portugueses mostraram deficiente preparação e falta de condições físicas, inferiorizando-se demasiadamente.»

Probst, o interior-esquerdo austríaco, foi o carrasco de Portugal, apontando cinco golos. Para Barrigana, uma tarde de pesadelo: «Os avançados portugueses apareciam na minha frente sem saber como, deslocavam-se com uma rapidez estonteante e atiravam à baliza forte e feio, com precisão e potência. Custou-me muito sofrer uma derrota tão pesada, a maior da minha carreira.» José Águas, se calhar ainda mal refeito daquele pandemónio, no final do desafio considerou que «a defesa de Portugal se batera bem». O que seria se não se tivesse batido... E encantado estava por ter marcado o golo de Portugal, aos 15 minutos da segunda parte, quando os austríacos já venciam por 5-0.

Castela cedeu o seu lugar a Ângelo, qua assim teve estreia na Selecção em jogo aziago, não se conformou com a decisão de Salvador do Carmo: «Estava a sentir-me bem, na jogada que deu o primeiro golo fui apenas ludibriado pelo ressalto da bola.» O massagista Manuel Marques acabou por traçar o retrato perfeito do que se vira em Viena, sinfonia perfeita para enlear ingénuos e mal preparados portugueses: «Fiquei estonteado, porque parece que os austríacos não jogam ao futebol, mas sim ao bilhar, com precisão e classe...» Por Portugal, alinharam Barrigana; Virgílio e Carvalho; Castela (depois Ângelo), Félix e Serafim Baptista «cap.»; Rogério, Vasques, Águas, Travassos e Martins.

Na 2ª mão houve um empate a zero golos.
 
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1948 – Jogos Olímpicos de Londres

Muito marcantes ainda terríveis efeitos da guerra
Tiro ao ouro sem mão
Se a história não tivesse tergiversado pelos caminhos da loucura, depois de Berlim seria Tóquio a receber os Jogos da XII Olimpíada, por ocasião do 2600.º aniversário do império japonês. Depressa se percebeu que não. Helsínquia ainda se ofereceu em sua substituição. Prosseguindo a espiral de violência encetada pelos alemães em 1938, o Exército Vermelho entrou, agreste, pela Finlândia dentro, destruindo, inclusivamente, o Estádio Olímpico. Em 1940 Polónia, Lituânia, Estónia, Letónia, Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e metade de França estão sob jugo de Hitler, como corpos despedaçados, sem alma, sem nada. Jogos Olímpicos só haveria oito anos depois. A memória amarga de 20 milhões de mortes, a barbárie dos campos de Auschwitz, Maidanek, Treblinka, as bombas atómicas de Hiroxima e Nagasáqui. E a esperança que não fenecera de um mundo novo. Olimpicamente novo. Mas, para além de alguns dos seus grandes heróis que ficaram para sempre nas planícies geladas da Rússia, nas areias escaldantes do Norte de África ou nas águas profundas do Pacífico, o COI já não podia contar com a energia de Coubertin, que morrera de ataque cardíaco a 2 de Setembro de 1937, nem com o entusiasmo do conde Baillet Latour, belga que lhe sucedera na presidência do comité, pois, ao saber que o seu filho fora esfarelado por uma bomba na frente de batalha, falecera também. É então que um vigoroso septuagenário, o sueco Sigfrid Edstrom, que fizera parte da organização dos Jogos Olímpicos de 1912 e estivera, nesse ano, na génese da fundação da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), toma em mãos os anéis. Em três anos criam-se as condições mínimas para que Londres, a cidade martirizada, reacendesse a chama olímpica. Nos seus céus haveria de drapejar a mesma bandeira olímpica que tremulara em Berlim e fora encontrada pelas forças de libertação na caixa-forte de um banco da capital alemã, alguns dias depois do suicídio de Hitler. Por ali pairava também a memória de alguns campeões que a guerra destroçara. Os alemães Rudolf Harbig, precursor do treino fraccionado e recordista mundial dos 400 e 800 metros, Lutz Long, rival de Jesse Owens no salto em comprimento, ambos abatidos na frente russa, Hasse Kurt, bicampeão olímpico de hipismo em Berlim, igualmente morto na frente oriental; o polaco Janusz Kusocinski, campeão olímpico dos 10 mil metros em Los Angeles, fuzilado pelos nazis em 1940. O caso mais comovente de Londres aconteceria com o atirador húngaro Karoly Takacs, campeão mundial em pistola antes da guerra. Em combate perderia a mão direita. Não desistiu. Atirou-se ao treino com a mão esquerda e sagrou-se campeão olímpico de pistola de velocidade, revalidando o título quatro anos depois, em Helsínquia.

Sem aldeia, escolas e quartéis
Londres ainda cidade massacrada. Não houve Aldeia Olímpica. Os atletas foram alojados em escolas convertidas em camaratas e em casernas de campos militares. Também não se construíram novas instalações olímpicas. Utilizou-se o Estádio de Wembley para o atletismo, a Empire Pool para a natação e o boxe, a Harringay Arena para o basquetebol, a Empress Hall, em Earls Court, para a ginástica, mas, devido ao mau tempo, algumas provas seriam transferidas, à última hora, para pavilhões mais confortáveis, fora da cidade. O remo teve cenário bem condigno, em Henley, santuário das mais famosas regatas do Mundo. A Alemanha e o Japão foram afastados dos Jogos. Estaline mandou dizer que a URSS não poderia enviar equipa, a guerra destruíra mais de 15 milhões de soviéticos.

Primeira medalha olímpica para Portugal na vela
Belo barco emprestado
Mas do mar haveria de vir a salvação da honra de um país de marinheiros: apesar de partirem à aventura num barco emprestado, competindo numa classe que nem sequer conheciam, Fernando e Duarte Belo redescobrem, nos primeiros dias de Agosto, um pouco de esperança lusíada, que não se volveria em mágoa, ganhando a primeira regata na classe de andorinhas, em compita com tripulações de 14 nações. Ventos contrários surgiram, rotas mais certas se voltaram a descobrir, até que, no final da competição, o sonho se realizara: a conquista da medalha de prata. «Não fomos campeões olímpicos por uma unha negra.» Aliás, os portugueses foram, inicialmente, apresentados como tal mas, em virtude de uma farândola de protestos, de acertos e desacertos, tudo acabou por definir-se: Inglaterra em primeiro lugar, Portugal em segundo.

Caixinha para mudar o Mundo
Pela primeira vez na história os Jogos Olímpicos foram transmitidos pela televisão de forma generalizada. Em Berlim as imagens eram difundidas apenas em teatros, em circuito fechado.

Lazlo Papp – LUta por dinheiro para o comunismo
Foi a grande figura da luta nos Jogos Olímpicos de Londres. Conquistou a medalha de ouro na categoria de peso médio, mais dois títulos conquistaria em Helsínquia e Melburne, como meio-leve. A sua projecção internacional espalhou-se de tal forma que o governo húngaro permitiu que se tornasse o primeiro desportista profissional da cortina de ferro. E com Laszlo Papp acabou por fazer acordo rentabilíssimo para ambas as partes: os seus prémios e cachets reverteriam a favor do governo da Hungria, que lhe pagaria um ordenado mensal que era 10 vezes superior ao do... presidente da república e, além disso, mais 10 por cento sobre todos os proventos das suas lutas no estrangeiro. Instrumento de propaganda do comunismo soft de Budapeste, costumava dizer: «Luto por dinheiro mas não vivo obcecado por isso porque sei que nenhum homem poderá comer mais três quilos de bife do lombo por dia!» Campeão europeu de pesos médios em 1962, com 36 anos, 24 meses depois tinha agendado combate pelo título mundial com o americano Joey Giardelli mas o governo húngaro, temendo que, aos 38 anos, perdesse o fabuloso record de 29 combates sem uma única derrota, retirou-lhe provisoriamente o passaporte, impediu-lhe a viagem e obrigou-o a reformar-se, assumindo, então, o cargo de técnico nacional de luta, continuando a ser pago principescamente.

Mel Patton só ganhou medalha de ouro depois de «lavagem cerebral»
Barreirista dos 100 metros e medalhas pelo correio
Emocionante a prova dos 100 metros. Favorito: Mel Patton, recordista mundial das 100 jardas. Os nervos deixaram-no pregado aos blocos, nem ao pódio chegou. Campeão? Uma surpresa! Harrison Dillard, detentor do record do Mundo de 120 jardas barreiras, falhara a qualificação na sua especialidade por queda no último obstáculo. Tentou a chance no hectómetro, foi apurado — e, mais que isso, sagrou-se campeão com 10,3 segundos, à frente do compatriota Henry Ewell, também vice-campeão olímpico nos 200 metros, onde Patton se vingaria do destino depois de ter estado uma manhã inteira em trabalhos com um psicólogo, para se «libertar da tensão». Ele e Ewell creditaram-se de 21,1 segundos, foi o photofinish que decidiu a ordem. O panamaniense Lloyd La Beach ganhou duas medalhas de bronze na velocidade, com 10,4 e 21,2. Na estafeta de 4x100 metros os americanos Ewell, Dillard e Patton aumentaram os seus pecúlios mas só depois de dois dias de desesperante espera. Inicialmente desclassificada, a Grã-Bretanha em festa, o júri de apelo acabou por requalificar os Estados Unidos, considerando válida a polémica passagem de testemunho de Ewell para Lorenzo Wright. Os húngaros, que no pódio tinham recebido medalhas de bronze, partindo logo nessa noite para Budapeste, tiveram de mandar as medalhas pelo correio!

Cornelius Warmerdam – Engenharia de bambu
Foi o Sergey Bubka dos anos 40. Traído pela guerra que entretanto estalou e o impediu de saltar para o fastígio olímpico. Cornelius Warmerdam nasceu na Holanda, foi estudar para os Estados Unidos, só depois de terminar o curso de engenharia se dedicou ao atletismo, empenhando-se aturadamente no estudo da mecânica do salto à vara, na sinergia dos movimentos, na busca da articulação perfeita de todos os gestos técnicos. Fazia-o através de filmagens e complicados estudos matemáticos. Em 1940, com 25 anos e já um arsenal fantástico de conhecimentos científicos do salto, lançou-se à conquista de espaço inexplorado, quebrando o record mundial por sete vezes. Com 4,57 metros começou por riscar do mapa o americano Earle Meadowns, que em 1937 conseguira 4,54. Dois anos depois, a 23 de Maio de 1942, em Modesto, quando já se naturalizara americano, alçou-se a altura julgada impossível: 4,77 metros. Abandonou o atletismo antes da retoma dos Jogos Olímpicos, em Londres — a medalha de ouro foi conquistada 45 centímetros abaixo do seu máximo mundial. Só 15 anos depois a sua marca, obtida com uma vara de bambu, seria ultrapassada: Robert Gutowski, utilizando vara de metal, a antecessora da fibra de vidro, creditou-se de 4,77 metros.

Maratona outra vez com cenas chocantes
À beira do drama
Na maratona o fantasma de Pietri Dorando pairou, ameaçador, de novo sobre Londres. Os ingleses apostavam em Kack Holden, de 41 anos. Andou em duelo empolgante com o belga Étienne Gailly, pára-quedista 20 mais novo, mas acabou por desistir. E Gailly partiu atrás do sonho, entrou em Wembley num estado dramático de exaustão, aos ziguezagues, rosto distorcido, o corpo a arrastar-se pela pista, cambaleando. O argentino Delfo Cabrera julgava então que estava a correr para a prata, preocupado que vinha com o inglês Tom Richards, mas ao aperceber-se do estado desesperado do belga sorriu... Gailly estatelou-se na cinza molhada mas não deixou lá enterrada a alma, ergue-se de novo, fora já passado por Richards, acabando, contudo, por cortar a meta em terceiro lugar. Com a consolação do bronze. Naquela volta à pista perdera dois minutos e meio. Quando Cabrera ergueu os braços e os olhos aos céus, o cronómetro parou: 2.34.51 horas.

Jamaicano das corridas suicidas
Esplêndidos os 400 metros. Favorito era o jamaicano Herb McKenley, que já estivera na final dos 100 e dos 200 metros, façanha que nunca mais alguém repetiria em Jogos Olímpicos. Dois anos antes pusera o record mundial dos 400 metros em 46,2 segundos, depois de uma passagem suicida a metade, em 20,9 segundos (!!!). Penosos foram os restantes 200. Cortou a meta, desfaleceu, tiveram de o recuperar na enfermaria, a injecções de oxigénio. Já em 1948, melhorou para 45,9 segundos, tornando-se o primeiro homem sub-46. Era assim, de corrida incontrolável. Na final de Londres aconteceu-lhe coisa parecia — disparou, ganhou largo avanço, a 50 metros do fim começou a andar para trás, foi passado, sobre a meta, pelo compatriota Arthur Wint, imponente a correr, em passada elegantíssima do alto dos seus 1,93 metros. Ganhou com 46,2 segundos, record olímpico. Nos 4x400 metros ninguém imaginaria que a Jamaica perdesse. Perdeu porque Wint deixou cair o bastão, quando seguia isoladíssimo, oferecendo a vitória aos Estados Unidos em bandeja de ouro. Nesse último percurso, pela América estava Mal Whitfield, que já fora terceiro nos 400 metros e campeão nos 800, com 1.49,2, adiante precisamente de Arthur Wint. Repetiriam as posições quatro anos depois, em Helsínquia. McKenley conseguiria, em 1952, o ouro que lhe fora escapando nos 400 metros, onde voltaria a ser apenas segundo na estafeta, mas entraria para a história por outro pormenor: foi o único homem a disputar finais olímpicas nos 100, 200 e 400 metros.

Vara à chuva e pintainhos dos sacos de areia!
Nas barreiras mais uma limpeza americana. William Porter foi o primeiro num pódio todo americano nos 110 metros. Nos 400 ouro para Roy Cochran — veterano que havia sido campeão dos Estados Unidos em 1939 e andara na guerra pela Europa — frente a Duncam White, do... Ceilão! Surpresa foi o ouro do salto em altura escapar da América, ganho pelo australiano John Winter, em 1,98 metros. No comprimento vitória de Tommy Bruce, com 7,825 metros. O salto à vara disputou-se debaixo de tremendo aguaceiro, com os atletas a caírem sobre sacos de areia encharcados, fazendo pluf, pluf — e de lá saindo como pintainhos! Guinn Smith ultrapassou 4,30 metros, mais 10 centímetros que o finlandês Kataja. Para a Finlândia apenas uma medalha de ouro. No seu reduto sagrado, o dardo. Tapio Rautavaara lançou o engenho a 69,77 metros, deixando o americano Seymour a mais de dois metros. Wilbur Thompson ganhou a medalha de ouro para o peso, com 17,12 metros. Adolfo Consolini bateu outro italiano, Guiseppe Tosi, no disco, creditando-se de 52,78 metros. No martelo, Imre Nemeth, com 56,07 metros, venceu o duelo com o jugoslavo Gubijan.
 
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Três medalhas impensáveis de Ostermeyer

Força nas alturas!
Nove eram as medalhas de ouro em disputa nas provas femininas de atletismo. Fanny Blankers-Koen apoderou-se de quatro. A francesa Micheline Ostermeyer de duas, vencendo o lançamento do peso e do disco e, mais espantoso ainda, ganhou bronze no salto em altura — que consagrou a primeira campeã olímpica negra, a americana Alice Coachman, a qual bateu Dorothy Tyler depois de ambas terem transposto 1,68 metros. Dorothy há-de ficar na história como uma das mais infelizes medalhadas olímpicas. Em Berlim, com apenas 16 anos, chamando-se apenas Odam, nome de solteira, perdeu o ouro no desempate. Em Londres aconteceu-lhe o mesmo. Mas, se as regras de desempate fossem as actuais, em ouro se transformariam as duas medalhas de prata. Recordista mundial em 1936, Dorothy Odam-Tyler é uma das grandes atletas a quem a guerra impediu de dar muito mais brilho ao palmarès — também haveria de estar nos Jogos Olímpicos de 1952 e 1956 e em Melburne, com 36 anos, ainda voltou a ser finalista. O salto em comprimento foi ganho pela húngara Olga Gyarmati, com 5,695 metros, adiante da argentina Noemi de Portela.

Chuva de ouro para a Suécia
Nos 1500 metros a queda de mais um dos favoritos, o sueco Lennart Strand, derrotado pelo compatriota Henry Eriksson, um bombeiro de 29 anos que nunca conseguira bater Strand. Nos 3000 metros obstáculos pódio todo sueco. Vitória de Thore Sjostrand, em 9.04,6 minutos, adiante de Erik Elmsater (9.08,2) e Gosta Hagstrom (9.11,8). Na marcha igualmente chuva de ouro para a Suécia. Nos 10 quilómetros vitória de John Mikaelsson e de John Ljunggren nos 50. No triplo salto ouro para Arne Ahman. Eram os efeitos de um país que estivera neutral durante a guerra e fizera do desporto o seu escape.

Quarenta anos em Jogos Olímpicos!
França e Hungria ganharam cada três medalhas de ouro na esgrima. Ilona Elek manteve título feminino de florete, ganho em Berlim-36. A austríaca Ellen Mueller-Preisca juntou medalha de bronze à de ouro que arrecadara em Los Angeles e à de bronze que ganhara em Berlim. Espantoso foi o facto de o dinamarquês Ivan Osieer, vice-campeão olímpico em Estocolmo-1912 e que já atirara nos Jogos de Londres, 40 anos antes, ter voltado a combater. Bateu o record olímpico da longevidade.

Perder ouro por não ser oficial do exército!
No hipismo Berlim fora um vendaval alemão. Hasse Kurt, que ganhara medalhas de ouro no concurso de saltos e no Prémio das Nações, morrera em 1943 na frente russa. Axel Nordlander venceu o concurso completo, o francês Jean Cariou o de obstáculos. A Suécia ganhara a medalha de ouro colectiva. Entretanto descobriu-se fotografia que mostrava que Gehnall Persson afinal não era oficial — apenas alferes do exército — e pelas leis da federação equestre só militares de alta patente poderiam disputar Jogos Olímpicos. Quando se abriu o processo a corte correu a promovê-lo a capitão mas nem isso impediu a desqualificação da equipa. O escândalo estalou de tal forma que os regulamentos internacionais foram mudados. Quatro anos passados, em Helsínquia, Persson, já capitão, ganharia a medalha que lhe tinha sido usurpada em Londres. Era a sua vingança.

Primeiros sinais do fulgor de Emil Zatopek
Rosto arrepiante
Os primeiros sinais de um dos maiores heróis do século, o checo Emil Zatopek. Só aos 19 anos se lançou nas corridas. Durante a bárbara ocupação alemã o desporto fora proibido, por os torcionários nazis considerarem «provocadora qualquer reunião, fosse para que fim fosse, até para fazer atletismo», diria, anos depois, a locomotiva humana, que fizera o seu primeiro voo para o estrangeiro em 1946, para dispu-tar, em Oslo, o Europeu. Foi quinto nos 5000 metros, ganhos pelo veterano inglês Sydney Wooderson. «O que aprendi então foi que o importante era saber correr de forma a não perder a força para o final.» Antes da partida para a final dos 10 mil metros combinou com o treinador esquema para checar o ritmo ideal, 71 segundos por volta: «Se fosse demasiado depressa ele levantava uma t-shirt branca; se fosse demasiado devagar uma vermelha.» Havia já em si aquela expressão de agonia no rosto. Treinara-se sempre com pesadas botas de tropa, com coturnos do exército, porque, assegurava, «quanto mais difícil for o treino mais fácil será a corrida». Arreganhada estava a luta com o finlandês Viljo Heino, recordista mundial da distância. Aos 3000 metros o técnico levantou a t-shirt vermelha. Zatopek tomou a liderança, Heino reagiu mas aos oito quilómetros estava já destroçado. Zatopek, em passo estugado, naquele seu arrepiante estilo, os cotovelos em jeito de asas de jarras, zarpou para a meta, cortou-a em 29.59,6 minutos — record olímpico estilhaçado, o francês Alain Mimoun a mais de 250 metros! Na légua Emil não conseguiu destroçar o belga Gaston Reiff, que, com a sua poderosíssima ponta final, lhe ganhou por dois décimos, em 14.17,6 minutos. Pagara cara a inocência da eliminatória em que se lançou num duelo a faiscar com o sueco Eric Ahlden, como se já estivessem na final. Entretanto, Zatopek casara-se com Dana Ingrova, promissora lançadora de dardo. E em 1949 apoderou-se do primeiro record mundial: 29.28,2 minutos nos 10 mil metros. Era mais uma vitória sobre Heino.

Cinco medalhas em cavalo com arções
A Finlândia, ofuscada no atletismo, brilhou na ginástica. Veikko Huhtanen levou, só à sua conta, cinco medalhas, três de ouro (concurso individual, por equipas e em cavalo com arções), uma de prata (nas paralelas) e uma de bronze (na barra fixa). No cavalo com arções as medalhas não foram três, foram cinco, porque não se conseguiram desempatar os três primeiros, campeões se consideraram os finlandeses Veikko Huhtanen, Paavo Aaltonen (primeiro no salto de cavalo) e Heikki Savolainen. Apesar disso ainda se distribuiu a prata por Luigi Zanetti e o bronze por Guido Figone, ambos italianos.

Campeão com 45 kg e 1,42 m
No halterofilismo novidade foram os campeões do Egipto, Mahmoud Fayad em peso pluma e Ibrhaim Hassan Shams em pesos ligeiros. As outras quatro medalhas couberam aos Estados Unidos. Inesperada a que John Davis, mecânico de uma garagem de Brooklyn, arrecadou em pesos-pesados, erguendo 452,5 quilos. Joseph Di Pietro, descendente de emigrantes italianos, venceu em peso galo, com 307,5 quilos. Tinha apenas 1,42 metros e pesava 45 quilos. Nunca mais qualquer campeão olímpico seria tão minorca.

Futebol... alto e louro
O futebol, disputado por 17 países, foi ganho pela Suécia, que bateu a Jugoslávia na final por 3-1. O basquetebol, que se estreara em Berlim, voltou a ser ganho pelos Estados Unidos, com oito vitórias apenas uma delas, a primeira, por curta margem, dois pontos a mais que a Argentina. No hóquei em campo a Índia repetiu a vitória de Amesterdão, de Los Angeles e de Berlim.

Ouro de Bob Mathias no primeiro decatlo a sério e desconcertante desabafo
Agora vou fazer a barba!
Baptizaram-no como Robert Bruce Mathias. Bob lhe chamavam. Era aparentado de emigrantes portugueses. Afinal, o nome não engana. Com apenas 17 anos sagrou-se campeão olímpico do decatlo, em Londres. No atletismo nunca mais ninguém ganharia medalha com idade assim. Quando, à saída do pódio, lhe perguntaram o que passaria a fazer depois de proeza assim, tão empolgante, tão épica, afivelou ar de espanto, mordiscou os lábios, esboçou mimo à Groucho Marx e disparou: «Se calhar vou começar a fazer a barba!» Alguns meses antes da partida para Londres o seu treinador, Virgil Jackson, ainda nem sequer tinha a certeza sobre se o poria em acção no decatlo ou noutra especialidade qualquer. Do que já não duvidava era do seu talento. Imenso. Transbordante. De super-homem. Com apenas 11 anos, numa competição escolar, saltou 1,53 metros na altura e 5,15 metros no comprimento. Nem uma anemia, ataques de varicela, sarampo e tosse convulsa o fizeram abrandar. Em 40 competições que disputou, 40 primeiros lugares. Estreando-se no decatlo, já em 1948, obteve a maior pontuação alguma vez alcançada por um americano. Durante a série de doenças infantis que o atacaram a mãe, Liliana, dizia-lhe sempre que a melhor forma de relaxar era «imaginar a tensão a fugir do corpo por cada uma das partes principais». Foi um dos seus trunfos em Londres.

À noitinha... coisa de doidos!
Durante o salto em altura, pista enlameada pela escarduçada que não parava de cair, a tarde entrou em delíquio, a luz era tão fraca que a fasquia não se via. Bob Mathias descobriu, então, um ovo de Colombo: atou um lenço branco à barra e foi pulando, pulando, até 2,05 metros. A inexperiência era tal que no lançamento do peso nem sequer sabia que era proibido sair do círculo pela frente, fê-lo e anulado ficou o melhor arremesso. Deve ter perdido com esse impulso mais de 50 pontos. Terminou o primeiro dia em terceiro lugar. No segundo saltou para o paraíso, nas três últimas provas já à média luz. Por exemplo, no disco, uma das suas principais armas, a medição foi a olho, de tão escuro que estava, estimaram o lançamento em 44,00 metros, o treinador jurou que fora mais, bem mais. No salto à vara, para se precaver do negrume da véspera no salto em altura, Jackson levou um candeeiro a petróleo para Wembley, foi na penumbra que Bob Mathias voltou a brilhar e deixou tudo em aberto para a última corrida, os 1500 metros. Com 5.11,0 minutos apoderou-se do ouro. «Os meus tempos nas corridas mais longas costumavam ser terríveis. Na altura a filosofia era trabalhar nas primeiras nove provas e depois deixar correr o marfim nos 1500 metros. Toda a gente fazia isso, a ideia convencional era um bocadinho estúpida: quem treinasse a resistência poderia magoar-se mais facilmente. Também se achava que não se devia utilizar pesos e halteres na preparação porque isso causaria distensões musculares. Eu e Jackson destruímos essas ideias todas. E até foi ao inferno dos 1500 metros que fui buscar o ouro.» Ao cabo das 10 provas 7139 pontos — adiante do francês Ignace Heinrich (6974) e do também americano Floyd Simmons (6950). O record olímpico de Glenn Morris, por essa altura actor em Hollywood, ficava adiado para Helsínquia, apesar de, à chegada aos Estados Unidos, Mathias ter asseverado a um repórter de televisão: «Nem que me pagassem um milhão de dólares voltaria a fazer outro decatlo. Dava em doido. Ou morria na pista. Vou é continuar a estudar para advogado. Não custa tanto.»

38 medalhas de ouro para a América
Quarenta e dois países conseguiram ter pelo menos um atleta nos seis primeiros lugares. As medalhas do atletismo foram partilhadas por 10 países, o maior número então. Os Estados Unidos levaram a parte de leão das medalhas de ouro (38), às quais juntaram 27 de prata e 19 de bronze. A Suécia foi segunda no medalheiro, com 16 medalhas de ouro, 11 de prata e 17 de bronze. Depois a França (10+6+13), a Hungria (10+5+12) e a Itália (8+12+9).

Jimmy McLane e Ann Curtis com três medalhas na natação
Médico saltitão
Num excelente torneio de natação, oito records olímpicos e um record do Mundo foram batidos. O máximo mundial foi para a equipa americana da estafeta de 4x200 metros, com Walter Ris, Wallace Wolf, Jimmy McLane e Bill Smith. Ris ganhou também os 100 metros livres e McLane os 1500 metros livres, para além de se tatuar a prata nos 400 metros. Os americanos ganharam todas as provas masculinas de natação e mergulho. O campeão de mergulho foi Sammy Lee, médico que tinha apenas 1,55 metros de altura. Ann Curtis ganhou medalhas de ouro nos 400 metros livres, (aproveitando-se do desmaio de Greta Anderson) e na estafeta de 4x100 metros e ainda levou prata no duelo com a dinamarquesa nos 100 metros livres. Victoria Draves conquistou os dois títulos de saltos para a água, trampolim e prancha.

Desmaio e longas travessias
Greta Anderson nasceu na Dinamarca. E pela Dinamarca competiu nos Jogos Olímpicos de Londres. Sagrou-se campeã dos 100 metros livres. Só não conquistou a segunda medalha de ouro porque, antes da partida para os 400 metros, teve um arremedo de desmaio, caiu à água, os médicos já não a deixaram partir, inundou-se em lágrimas. Quatro anos depois, em Helsínquia, apesar de nadar com uma perna apenas, devido a operação a um joelho poucas semanas antes, não chegaria ao pódio mas conseguiria lugar na final dos 400 metros. Em 1958 adquiriu nacionalidade americana, durante 13 anos os seus records estenderam-se das 100 jardas às... 50 milhas. Por exemplo, o máximo das 100 jardas, obtido em 1948, com 58,2 segundos, só seria sobrepujado em 1956. A explosão de popularidade surgiria, contudo, na natação de longa distância. Em Salton Sea, na Califórnia, percorreu 10 milhas em 4.25 horas. Em redor de Atlantic City gastou incríveis 10.17 horas para perfazer 25 milhas. Nenhum homem conseguiu, em disputa directa, ganhar-lhe esses desafios. E ainda se deu ao luxo de atravessar a Mancha em ida e volta, nadando durante 13.10 horas.
 
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Fanny Blankers-Koen – única mulher a ganhar quatro medalhas de ouro no atletismo

Inimitável mamã maravilhosa
Não fora a guerra e talvez hoje tivesse a maior colecção de medalhas olímpicas que algum desportista pudesse ostentar. Com 18 anos Francina Koen participou nos Jogos de Berlim, foi sexta no salto em altura, diria então que conseguira tudo o que queria, que... «Jesse Owens lhe dera um autógrafo com dedicatória e tudo e que por isso era a mulher mais feliz do Mundo»! Reencontrar-se-iam em 1972, nos Jogos Olímpicos de Berlim, e Fanny, com a vermelhidão da timidez a pigmentar-lhe o rosto, murmurou-lhe: «Sei tudo sobre si... E ainda tenho o seu autógrafo guardado com o mesmo carinho com que guardo as medalhas que ganhei.» Era de uma simplicidade que encantava. Sempre foi assim. Descobrira o talento para o atletismo poucos meses antes, numa prova de... 800 metros, que perfez em menos de 2.20 minutos. Não apostou na distância porque a mesma não estava oficializada. Em 1938 Fanny, como carinhosamente se referiam a si amigos e jornalistas, igualou o record do Mundo das 100 jardas, da sul-africana Barbara Burke, com 11 segundos, e casou com o treinador, Jan Blankers, que fora saltador de triplo de sucesso. Assentou, então, o nome que haveria de consagrá-la como lenda das pistas — Fanny Blankers-Koen. Engravidou, nasceu o primeiro filho, voltou às pistas e, mesmo durante os anos sangrentos da Europa a desfazer-se em tragédias, em 1942 igualou o máximo mundial da italiana Claudia Testoni nos 80 metros barreiras (11,3 segundos), em 1943 tornou-se a primeira mulher no Mundo acima de 1,70 metros no salto em altura — a sua marca de 1,71 só seria sobrepujada pela inglesa Sheila Lerwill em 1951 e no comprimento pulou 6,25 metros. Foi preciso esperar 11 anos (!) para que a neozelandesa Yvette Williams fizesse melhor, três centímetros além. «Nesse tempo trabalhava como dona de casa, raro era haver transportes públicos, era o tempo da guerra e da fome. Mas conseguia sempre um tempo para me ir treinando, correndo sobretudo pelos vales verdejantes. Às vezes também ensaiava saltos no jardim de casa, eram as brincadeiras com os meus filhos. Só conseguia um espaço num ginásio duas vezes por semana. Por isso é que, apesar dos meus cinco records mundiais, achava que não ganharia qualquer medalha de ouro em Londres, estavam lá rapariguinhas muito mais novas, que não se preocupavam com a educação dos filhos, se calhar não trabalhavam como eu trabalhava, em certas alturas tendo de fazer 18 quilómetros de Hoofddorp a Amesterdão...»

Jardinagem? Costura? Não, campeã olímpica!
Fanny Koen nasceu a 26 de Abril de 1918 numa aldeia bucólica dos arredores de Amesterdão, entre animais, árvores, prados verdejantes estendendo-se a perder de vista. Os pais viviam da agricultura. Pobrezinhos. Até que se fartaram e tantas canseiras para tão pouca colheita. E partiram para a capital. O senhor Koen arranjou trabalho como motorista, a mulher e os filhos ficaram a tratar de uma quintazinha nos subúrbios. Quando acabou a escola primária Fanny tinha duas alternativas: a jardinagem ou a costura. Mas como já insinuara o seu talento para o desporto, nos saltos, nas corridas de bicicleta, nas travessias de rios e canais, abeirou-se do professor de educação física e disse-lhe simplesmente que queria ser campeã olímpica! Retorquiu-lhe ele: «Então vais para um clube de atletismo, na natação já há muitas rapariguinhas óptimas.» Foi. Era o primeiro passo para o fastígio. Quiçá para a conquista do título de Atleta do Século.

Marido fez-lhe pedido sentimental
Pelos mortos!
Os 80 metros barreiras de Londres deram em duelo épico. Fanny quase partiu a andar, um toque à quinta barreira por pouco não a estatelou, no final ela e Maureen Gardner na meta, como siamesas. A inglesa aos piparotes como se tivesse ganho, o estádio em júbilo, os juízes de olhos postos no photo finish. E a decisão num instante: 11,2 segundos para ambas, record olímpico batido, mas ouro para Blankers! Faltavam os 200 metros. Jan Blankers pediu-lhe que ganhasse a medalha em homenagem aos pais mortos durante a guerra. E Francina foi sublime. Logo na eliminatória bateu o record olímpico, na final colocou-o em 24,4 segundos, a segunda classificada ficou a sete décimos!!! Igualmente deslumbrante o seu último percurso na estafeta de 4x100. A Austrália claramente adiante, Fanny recebeu o testemunho com quase 10 metros de atraso e sobre a linha ultrapassou Joyce King. Foi preciso esperar 40 anos para que outra mulher estivesse à beira de igualá-la, foi preciso esperar pelo furacão Florence Grifith-Joyner, foi preciso esperar por Seul. Mas não deu, a americana ficou-se pelas três medalhas de ouro e uma de prata.

Depois do ouro, lágrimas de saudade
Em 1945 nasceria o segundo filho. Quando chegaram os Jogos Olímpicos de Londres tinha 30 anos. Tratavam-na já não como Fanny, mas sobretudo como mamã maravilhosa. Poucos acreditavam na sua explosão fantástica, achavam-na «um bocadinho velha e cansada». O marido aquecia as esperanças, só lamentava não poder participar em mais de três provas individuais. Escolheu os 80 metros barreiras, os 100 e os 200 metros. Do salto em altura não gostava muito, no comprimento não poderia estar por imcompatibilidade de horários com as barreiras. Só por um cataclismo qualquer não ganharia qualquer dessas especialidades, tão imensa era a sua vantagem sobre as demais. Escarduçada deixara a pista pesada e peganhosa, os 100 metros ficariam até afamados como «a final da lama», Fanny ganhou confortavelmente em 11,9 segundos, deixando a inglesa Dorothy Manley a três décimos! Cortou a meta, abraçou-se à adversária, os olhos correram para a bancada em busca do marido. Não o descobriu. Saiu do estádio, ficou, chorando, sentada no rebordo de um passeio, à espera do autocarro para a escola onde a hospedaram. Quando Jan Blankers a descobriu pediu-lhe simplesmente que a deixasse regressar a casa, que «estava morta de saudades dos filhos»! Pelo caminho pediu-lhe que fizesse uma festa pelo ouro. E ele retorquiu-lhe: «Vai mas é para a cama dormir, que daqui por 12 horas tens mais uma medalha de ouro para ganhar. A festa é só no fim. Olha! Corre com a imagem dos nossos catraios na cabeça, vais ver o resultado que dá.»
 
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hast

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> Timofte 2-3 Comentou:

> E da espanha, os famosos 9-0 que até deram direito a canção

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Primeiro apuramento para o mundial e a maior goleada da selecção de futebol
Fado dos 9-0 e... «ponga los dos!»
Um dia fatídico: 11 de Março de 1934. A Selecção Nacional, com Valdemar Silva, Acácio Mesquita e Pinga (os portistas a quem até chamavam... os diabos do meio dia), Augusto Silva, Adolfo Mourão e Gaspar Pinto, jogou em Madrid e a Espanha ganhou por 9-0! Era partida de apuramento para o Campeonato do Mundo. A monarquia esfarrapara-se (não por muito tempo), Alcalá Zamora, presidente da república, até assistiu ao desafio em Chamartin. Ribeiro dos Reis, o seleccionador nacional, nem sequer viajara para Espanha porque a mãe adoecera gravemente, fora Ricardo Ornelas em seu lugar, as tácticas e até as substituições foram combinadas antes da partida. Quando, já com 5-0, Soares dos Reis (que no F. C. Porto se treinava apanhando coelhos que Szabo, seu treinador, largava no campo!) saiu da baliza e entrou Augusto Amaro para o seu lugar, nas bancadas os espanhóis gritavam, provocantes, em alucinante chacota — «Ponga los dos, ponga los dos...» O Diário de Notícias fez editorial-choque como se a Pátria se tivesse perdido numa goleada humilhante, pedia atenção e intervenção do Governo e tudo, no Parque Mayer houve rábulas e fadunchos em torno dos nove a zero. Mais famoso? «E se a Selecção trabalha/como eu quero/agora é que não falha/nove a zero.» Oito dias depois, no Lumiar, nova derrota, agora por 1-2, o golo coube a Vítor Silva e Zamora, o guardião espanhol, ao abraçar Augusto Silva no final da partida, não deixou de afirmar alto e bom som: «Ganhámos como podíamos ter perdido, isto sim é que é o futebol português, quem acreditou nos 9-0 enganou-se, eu nunca me enganei...» E Ribeiro dos Reis, como ele próprio acentuaria, ganhou «horror ao cargo». E nunca mais quis ser seleccionador.
 
H

hast

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Humildade de Fanny no palácio real

Coche de cavalos brancos
Fanny. Cinco letras de pasmo. A magia de Londres. Quando, fechados os Jogos, retornou a Amesterdão tinha à sua espera, no aeroporto, um coche puxado por quatro cavalos brancos, que a levou em passeio triunfal pelas ruas da cidade, pejadas de gente em ondas de euforia incontrolável. Aplausos estalando, o seu nome gritado em ode e, para espanto seu, a paragem no palácio real. A rainha Juliana, comovida, abraçou-se a si. Fez-se silêncio. E quando lhe concedeu o grau de cavaleiro, Fanny retorquiu: «Mas eu apenas corri mais depressa que as outras nos Jogos Olímpicos, sinceramente não percebo todo este alarido, toda esta euforia...»

Infecção do sangue
Na edição de 1938 dos Europeus conquistou o título nos 80 metros barreiras, ganhando medalhas de prata nos 100 e 200 metros. Nos Campeonatos da Europa de 1946 e 1950 Fanny Blankers-Koen ganharia mais cinco medalhas de ouro e duas de prata. E continuou a bater records mundiais, o último dos quais no pentatlo, em 1951. Era a sua aposta para os Jogos Olímpicos de Helsínquia. Semanas antes uma infecção no sangue destruiu-lhe a forma e o sonho. Retirou-se, então, do atletismo, dedicou-se em exclusivo à família. Era já imortal. Tão imortal como a estátua que lhe fizeram em Amesterdão.

Dezasseis «records» mundiais!
Uma excepcional versatilidade a de Fanny Blankers-Koen: 16 records mundiais, dois nas 100 jardas, três nos 100 metros, um nos 200, três nos 80 metros barreiras, três na altura, um no comprimento, outro no pentatlo e por fim três nas estafetas. No fecho das contas, 10,8 segundos nas 100 jardas, 11,5 segundos nos 100 metros, 24 segundos nos 200 metros, 1,71 metros na altura, 6,25 metros no comprimento e 4692 pontos no pentatlo.
No regresso de Lisboa, choque contra a catedral

Tragédia de Turim
O Torino era uma das equipas-maravilhas da Europa. Por exemplo, Mazzola, seu capitão, só de ordenados ganhavam 90 contos por ano. Não admira que Lisboa vibrasse de entusiasmo quando os italianos fizeram questão de participar na festa de despedida de Francisco Ferreira, capitão do Benfica e da Selecção Nacional, que no futebol se lançara de azul e branco vestido. Era filho do porteiro do campo do F. C. Porto. No Jamor os italianos perderam com os benfiquistas por 3-4. Os portugueses festejaram a proeza como se de um campeonato se tratasse. Poucas horas depois choravam. Era o dia 5 de Maio de 1949. No regresso o avião fretado para a viagem a Lisboa — um Fiat G212 — embateu contra o muro circundante da basílica de Superga, situada numa colina dos arredores de Turim. Morreram 18 jogadores, incluindo o famoso Valentino Mazzola, o treinador inglês, Leslie Lievesley, o presidente do clube, Ferruccio Novo, outros dois dirigentes e outros tantos jornalistas. Vencedor de quatro scudettos consecutivos e tendo nas suas fileiras sete jogadores da selecção azzurra, o Torino viu-se forçado a disputar as últimas quatro jornadas que faltavam do campeonato italiano com a equipa de juniores. Mesmo assim conseguiu somar 60 pontos e renovar o título, à frente do Inter (55 pontos), do Milan (50) e da Juventus (44). Foi a primeira vez que uma equipa de futebol se desfez de forma tão trágica.

Mais mortes no estádio
A 9 de Março de 1946, antes do início da partida entre Bolton Wanderes e Stoke City, a contar para os quartos-de-final da Taça Football Association, foram fechados os portões do Burden Park por já se encontrarem no seu interior mais de 65 mil pessoas. No exterior ainda se acotovelavam para cima de 20 mil. Queriam à viva força assistir ao desafio. Grupos puseram-se a saltar muros, outros forçaram as grades. A pressão foi tão violenta que as barreiras de aço cederam, uma parede esfarelou-se, 33 mortes se registaram, feridos mais de 500. Apesar da tragédia o encontro acabou por ser disputado sem intervalo, tendo terminado com um empate a 0-0. No conjunto das duas mãos o Bolton passou à ronda seguinte com uma vantagem de 2-0.

Dick Button – Gordinho e com cara de «garçon»!
Aos 12 anos tinha 1,58 metros e mais de 70 quilos. Por isso, quando Dick Button surgiu, pela mão dos pais, dizendo que queria dedicar-se à patinagem artística, o treinador sorriu displicentemente, disse que ficasse apenas por cortesia. Sete anos depois, em 1948, conquistou o primeiro título de campeão mundial, renovando-o sucessivamente até 1952, transformando os seus bailados numa autêntica competição atlética, saltando até sobre as barras de vedação do próprio rinque em alguns dos seus exercícios. Era verdadeiramente desconcertante o americano que assim se transformou em imperador do gelo, campeão olímpico em 1948 e 1952 — uma das suas inovações mais fabulosas foi o double axel, ainda agora obrigatório em quase todos os esquemas de patinagem. «Até me tornar profissional não tinha prática nenhuma de dança e não fazia a menor ideia de como me apresentar. Até as minhas roupas, que na época dos títulos olímpicos achava fantásticas, me faziam ficar com cara de... empregadinho de mesa!» Licenciado em Direito na Universidade de Harvard, comentador de televisão, criou nos Estados Unidos o trash, competição de grande popularidade em que desportistas ilustríssimos competem nas especialidades que não praticam habitualmente.
 
H

hast

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Mundial 1950 - Brasil
Brasileiros morrem na praia – festa foi azul-celeste

Drama no Maracanã
Foram 12 anos de interregno. Entre 1938 e 1950 o futebol viveu condicionado às incidências e consequências imediatas da II Guerra Mundial. Durante esse período, conhecendo as intenções de Adolf Hitler face às humilhações da Alemanha nas duas primeiras edições do Campeonato do Mundo, Jules Rimet mudou a sede da FIFA de Paris para a neutra Zurique, inviabilizando o desejo do ditador de levar para Berlim o centro de decisões da entidade máxima do futebol. O primeiro congresso da FIFA do pós-guerra teve lugar no Luxemburgo, em 1946, que aprovou uma nova designação para o troféu: Taça Jules Rimet. Naturalmente, nenhum país europeu estava em condições de organizar a quarta edição do Campeonato do Mundo. O Brasil apresentou a candidatura, que só seria aceite no congresso de 1948, em Londres. Começou nesse ano a ser construído o maior estádio do Mundo, o mítico Maracanã, que dois anos depois acolheria a mais dramática final de sempre do Campeonato do Mundo. Foi precisamente no Maracanã (que realmente se chama Estádio Jornalista Mário Filho), no dia 24 de Junho de 1950, que o Mundial-50 arrancou, com expressiva vitória do Brasil sobre o México (4-0). No jogo seguinte os brasileiros empataram (2-2) com a Suíça, garantindo a qualificação com o triunfo sobre a Jugoslávia por escassos 2-0. Na fase final tudo foi diferente. Os 7-1 à Suécia e os fabulosos 6-1 à Espanha empolgaram todo um povo e conferiam à selecção da casa indiscutível favoritismo. O Uruguai teve percurso bem mais discreto. Apurou-se para a fase final disputando apenas um jogo (vitória por 8-0 sobre a Bolívia) e chegou à partida decisiva depois de empatar com a Espanha (2-2) e de ter ganho com dificuldade à Suécia (3-2). No dia 16 de Julho, perante um estádio a abarrotar, o Brasil entrou em campo para cumprir o destino de uma vitória anunciada. Bastava-lhe o empate mas, depois de duas goleadas históricas e outras tantas exibições memoráveis, a única dúvida para os brasileiros era saber por quantos ganhariam aos uruguaios. Acabou mal a grande festa. Em lágrimas, desespero e até em morte, deixando marcas eternas em quem viveu de perto a fatídica tarde. Faltavam escassos 12 minutos para a glória quando 200 mil pessoas ficaram petrificadas. Ghiggia levou a bola pela direita e já de ângulo difícil rematou para o golo que deu ao Uruguai a conquista do título mundial.

Melhores marcadores
O brasileiro Ademir de Menezes foi o melhor marcador do Mundial, com nove golos em seis jogos. O uruguaio Schiaffino foi segundo, com seis tentos apontados em quatro partidas.

Em Roma, sê romano
Alcides Ghiggia Nascido no ano de 1926, filho de imigrantes italianos, Alcides Edgardo Ghiggia entrou na história como um dos mais extraordinários extremos-direitos que o futebol conhecera até aos anos 50 mas principalmente por ter sido autor do golo decisivo na final do Campeonato do Mundo, aquele que pôs em depressão as 200 mil pessoas que enchiam o Maracanã. Jogava no Penharol antes de transferir-se para a Roma, mudança que o levou, igualmente, à selecção italiana.

60.772 espectadores
Foi a média do Mundial de 1950. Os jogos que o Brasil efectuou no Maracanã constituem recordes mundiais de assistência em fases finais da competição: 138.987 (Jugoslávia), 138.886 (Suécia), 172.772 (Espanha) e 173.850 (Uruguai). Os números referem-se aos pagantes, porque na final, por exemplo, é um dado adquirido que estavam no estádio cerca de 220 mil pessoas.

300 golos
O tento que completou as três centenas em fases finais do Mundial foi apontado pelo brasileiro Chico, na vitória de 6-1 sobre a Espanha, no dia 13 de Julho de 1950.

Melhores marcadores
O brasileiro Ademir de Menezes foi o melhor marcador do Mundial, com nove golos em seis jogos. O uruguaio Schiaffino foi segundo, com seis tentos apontados em quatro partidas.

384 milhões de francos suíços
Foi a receita bruta da competição. Pela primeira vez os lucros financeiros conduzem à ideia de que o futebol pode ser excelente negócio.

Mestres humilhados
Pela primeira vez os mestres participavam na grande competição. Os ingleses, que inventaram, criaram as leis e lideraram o processo de evolução táctica do futebol durante mais de 50 anos, chegaram ao Brasil com uma palavra a dizer. Depois de vencer o Chile por 2-0, a Inglaterra tinha pela frente tarefa aparentemente fácil, defrontar os Estados Unidos. Os americanos foram muito claros quando desembarcaram: «Viemos aprender futebol.» No dia 29 de Junho mestres e aprendizes encontraram-se em Belo Horizonte. Acontecia o primeiro (ainda hoje o maior?) escândalo digno desse nome da história das fases finais do Campeonato do Mundo: os Estados Unidos venceram por 1-0, com golo apontado por Larry Gaetjens, avançado originário do Haiti — na selecção americana havia ainda dois jogadores descendentes de portugueses (os irmãos John e Edward Sousa), um belga de nascimento (Maca) e um guarda-redes italiano (Borghi). Uma humilhação para os mestres e o primeiro sinal de desfasamento inglês em relação a um novo futebol que aos poucos dava os primeiros passos. O WM começava a cair de velho.

Portugal recusa repescagem
Colocado no Grupo 4 de apuramento para o Mundial brasileiro, Portugal foi eliminado pela Espanha em dois jogos. Face à indisponibilidade de Áustria, Turquia, Bélgica e Escócia, a organização da prova, de acordo com a FIFA, tomou a decisão de repescar duas selecções para completar o quadro de participantes na fase final. A escolha recaiu sobre França e... Portugal. Ambos recusaram. O convite surgiu em cima da hora e os portugueses não estavam preparados para o aceitar. Logística e humanamente. A Selecção Nacional entrava altamente fragilizada para a década de piores resultados internacionais da sua história.

Campeões do Mundo
Máspoli, Matias Gonzalez, Tejera, Gambetta, Obdúlio Varela, Rodriguez Andrade, Gigghia, Julio Perez, Miguez, Schiaffino, Paz, Juan Gonzalez e Vidal
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
7,173
0
Sacramento
O convite surgiu em cima da hora e os portugueses não estavam preparados para o aceitar. Logística e humanamente. A Selecção Nacional entrava altamente fragilizada para a década de piores resultados internacionais da sua história.

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E entao?Era a era dos famosos cinco violinos.
 
H

hast

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Os tempos da selecção na década de quarenta:

Fome dos jogadores da selecção

Com poucas ou nenhumas mesuras se tratavam, pois, os jogadores de futebol. De tal modo que, as viagens ao estrangeiro, que por esta altura se intensificaram, faziam-se quase sempre de comboio. Excepção foi a deslocação para a Suíça, em Maio de 45. De avião. Um pandemónio. Toda a comitiva a vomitar, o pânico da aterragem, a tremura de uma emoção nova. Bem pior foi o regresso, depois da derrota, por 1-0. 72 horas de comboio. Os futebolistas foram postos em carrugens de segunda classe e, para a viagem, receberam um saco de campanha com duas sanwiches, duas bananas, duas laranjas, uma garrafa de laranjada ou de cerveja. Os dirigentes da Selecção acomodaram-se nos vagões-cama de primeira classe e, à sorrelfa, exigiram para si toda a alimentação que se levara para os jogadores em latas de conserva, temendo-se que em Basileia faltassem mantimentos. Não faltaram, mas faltaram aos futebolistas, no regresso a casa. Aos dirigentes não. Durante a viagem, Peyroteo e Amaro descobriram o logro, por muito pouco não houve rebelião. Para acalmar os ânimos distribuiram-se francos pelos jogadores — «para que comprassem comida durante qualquer escala do comboio»...

O dinheiro foi deitado pelas janelas, por revolta e, por haver quem percebesse que nada valeria, já que França e Espanha viviam ainda os despojos da guerra — e à penúria de tudo, pelo que não haveria que comprar para comer fosse em que estação fosse. E as latas de conserva continuaram à mesa dos dirigentes. Era assim.

A pátria confia em vós...»

Para o primeiro encontro de futebol a disputar no Estádio Nacional, símbolo assumido do Estado Novo que Salazar idealizara, escolhera-se, naturalmente, um Portugal-Espanha, jogo, como todos os anteriores, indispensável ao equilíbrio psíquico das nossas gentes. Duas semanas antes, os bilhetes já estavam esgotados, vendendo-se, alguns, por especial favor ou bons ofícios, no mercado negro, a... 100 escudos! Uma fortuna, então. Era a esperança da primeira vitória sobre os espanhóis.

Gerou-se tal entusiasmo que, por exemplo, dois catraios, Carmindo, 12 anos, Ernesto, 15, partiram do Porto à aventura. Escondidos sob os bancos do combóio, ainda conseguiram chegar a Aveiro. Descobertos, foram postos na rua. Fizeram todo o restante trajecto até Lisboa a pé. Chegaram massados de cansaço, descobriram uma porta aberta na cidade, dormiram nas escadas, um guarda-nocturno tomou-os à conta de gatunos, mandou-os para a Tutoria. Choraram, mas presos ficaram...

Correu célere a notícia da sua aventura. Viveram o momento mais apaixonante das suas vidas. Carmindo só lamentou o facto de o portista Catolino ter ficado no «banco». «Poderia ter marcado os golos que faltaram para Portugal ganhar à Espanha.» A Selecção empatou 2-2. Regressaram de automóvel - outra nova e indescritível sensação - à boleia do comerciante Joaquim Dias Ferreira. E, nos bolsos, ainda levaram, cada um, 15 escudos, que fora o dinheiro de que «A Bola» ficara fiel depositária para suportar os custos da viagem de regresso, em combóio de primeira, oferecido por três beneméritos.

Dois meses volvidos, a tentativa de desforra, na Corunha. A Selecção viajou de autocarro. O cansaço da jornada foi sendo refrigerado pelos incitamentos populares que se foram vendo escritos em tarjas várias, pelo País acima. Neste género: «A Pátria confia em vós»; «Pátria gloriosa. Filhos heróis»; «Portugueses, um Portugal maior».

E Portugal voltou a perder. Por 2-4. Em 16 encontros, nem um triunfozinho, a não ser moral... Peyroteo abriu o activo, Francisco Ferreira desperdiçou uma grande penalidade quando o resultado estava em 1-2. Portugal alinhou com Azevedo; Cardoso e Francisco Ferreira; Amaro, Feliciano e Moreira; Espírito Santo, Gomes da Costa, Peyroteo, Quaresma e Rafael. Os dois golos da Selecção couberam a Fernando Peyroteo, que o presidente da Federação espanhola, Javier Barroso, considerou «simplesmente espantoso».

No mesmo ano (1945), a 21 de Maio, a selecção perdia, em Basileia, com a Suíça, por 1-0, tendo Portugal alinhado com Azevedo; Cardoso e Francisco Ferreira; Amaro, Feliciano (Manuel Marques) e Barrosa; Espírito Santo, Quaresma, Peyroteo, Teixeira e Rafael.

A 16 de Junho de 1946, Portugal venceu a Irlanda, por 3-1, alinhando com Azevedo; Cardoso e Feliciano; Amaro, Francisco Ferreira e Serafim; Lourenço, Araújo, Peyroteo, Caiado e Rogério (Bentes)

A 25 de Julho do mesmo ano, a Jugoslávia tentou, durante o Congresso da FIFA, no Luxemburgo, que se votasse a exclusão de Portugal e da Espanha da Federação Internacional, por motivos políticos. Rimet separou a política do desporto. E foi decidido, à luz desta filosofia, aceitar a inscrição da URSS, logo que os soviéticos solicitassem a sua filiação.

A 5 de Janeiro de 1947 a selecção , composta por Capela; Cardoso e Serafim; Amaro, Feliciano e Moreira; Rogério, Araújo, Peyroteo, Travassos e Albano; empatou com a Suíça por 2-2, com golos de Rogério e Moreira, num jogo de autêntico dilúvio, no Estádio Nacional. Antes da partida se iniciar, Feliciano cobriu a cabeleira com brilhantina e, simbólica ou ironicamente, vá lá saber-se porquê, todos os portugueses se benzeram ao passar por Capela, que se estreava na Selecção A, devido a lesão de Azevedo! Antes de pisar o campo cheio de água, Albano, outra estreia, queixou-se de lhe terem dado umas chuteiras com travessas muito altas. Travassos, ainda na CUF, foi a terceira estreia, num desafio jogado com uma bola... Peyroteo.
E a 26 do mesmo mês, um feito histórico para a Selecção de futebol: no Estádio Nacional, a bateu a Espanha por 4-1, depois de ter estado a perder por 0-1, através de golos de Araújo e Travassos. Nunca uma vitória portuguesa sobre nuestros hermanos fora tão expressiva. Na véspera, Travassos prometera marcar um golo. Marcou dois. E Capela, que continuou na baliza, esteve soberbo, de tal modo que um espanhol não calou o desabafo: «Este es Capela? Es um fenómeno! Mais alto e mais maravilloso que la Giralda». A Giralda é, como se sabe, a catedral-símbolo de Sevilha. A primeira grande vitória sobre a Espanha ficou marcada por um muito curioso episódio: na véspera, Álvaro Cardoso, o capitão, recebeu um telefonema anónimo comunicando-lhe que lhe seria, em breve, entregue um talismã que teria de enterrar atrás de uma baliza. Pouco depois, recebeu um chavelho de uma cabra. O suplente Serafim, a mando de Cardoso, cumpriu a vontade do anónimo senhor. E Portugal ganhou..

A 24 de Abril e apesar de ter feito «uma das piores exibições dos últimos tempos», a Selecção de futebol de Portugal perdeu «apenas» por 0-1, com a França, em Paris. O «L\'Équipe» tomou a derrota portuguesa à conta de «complexo de inferioridade». E Portugal continuou, assim, a preparar-se para um embate que poderia ser histórico, contra a Inglaterra, marcado para 22 de Maio. Sê-lo-ia. Tragicamente.

A 3 de Maio, mais um «feito histórico» trompeteado: a vitória da selecção de futebol, na Irlanda, por 2-0, alinhando com Azevedo; Cardoso e Francisco Ferreira; Amaro, Feliciano e Moreira; Jesus Correia, Araújo, Peyroteo, Travassos e Rogério. Os golos couberam a Jesus Correia e a Araújo, respectivamente aos 13 e 33 minutos — e daí em diante a defesa portuguesa cotou-se de actuaçâo épica, tudo sustendo, para desespero dos irlandeses que não se cansavam de cantar, nas bancadas, «we want a goal». Em vão. O país regozijou. Ás redacções dos jornais chegaram telegramas vários. Um deles se destacou: «Marinheiros doentes, Caramulo, felicitam rapazes da Selecção, pela maneira brilhante como representaram Portugal».
E a 22 a desgraça contra a Inglaterra: Portugal perdeu, no Estádio Nacional, sob o olhar estupefacto de Óscar Carmona, entre outros figurantes da governação, por... 0-10. De tudo se falou, até de humilhação nacional. E, por isso, os governantes não deixaram os seus castigos por mãos alheias...

A 4 de Agosto, a FPF faz contas e apura que o Portugal-Inglaterra de má memória dera 1657 contos de receita, mas que liquidados os variadíssimos encargos de organização não arrecadou mais de 400. As despesas quase chegaram a 1135 contos, repartidas, sobretudo, pelas dotações para o Estado (80.085$90), para a DGD (61 221$60), para a Federação Inglesa (542.649$10) e para a Câmara de Lisboa (100 contos). E só pelo aluguer do Estádio Nacional teve de pagar... 240.257$70.

A 23 de Novembro, a selecção de França ganhou pela primeira vez em Portugal. Por 4-2. Portugal esteve a ganhar por 1-0, golo de Peyroteo, aos 71 minutos, ainda havia 2-2, mas os últimos 19 foram dramáticos. Ben Barek foi a grande figura dos gauleses, girando em torno de si toda a máquina que trituraria as ambições lusitanas. Foi um jogo com muita polémica antes da entrada em campo. Peyroteo foi obrigado a aceitar a braçadeira de capitão, para que fora escolhido pelo Comité de Selecção. Quando Virgílio Paula lhe anunciou a promoção, disse que não, que os capitães deveriam ser ou Azevedo ou Amaro. Por questões de «política desportiva» ainda hoje por deslindar tal estatuto foi retirado a Amaro, que, ele próprio, aconselhou Peyroteo a aceitar a incumbência, «para não se meter em sarilhos». Eram ainda os resquícios os temores e os fantasmas do dramático Portugal-Inglaterra. Não se ficariam por aí os problemas de Peyroteo. Como lembrança do jogo com a França, os seleccionados receberem um isqueiro. Algum tempo depois, Peyroteo, que o guardava como relíquia, cedeu-o, em brincadeira, a um amigo, à saída do trabalho, no Grémio das Carnes, no Rossio, para que acendesse o cigarro. Só com licença se podia utilizar isqueiro na rua, polícia previdente abeirou-se dele e deu-lhe de imediato ordem de prisão, apesar de a chama se não ter feito, apreendendo, também, o «móbil do crime»! Gerou-se uma espécie de levantamento popular, gente solidária com o avançado-centro, que, sem perder o sorriso, pediu ao agente, enervado, que lhe passasse a multa. Passou. De 400 escudos. E nem sequer voltou atrás quando o jogador lhe mostrou que o isqueiro não tinha gasolina. Com esse jogo, cuja receita ascendera a 1315 contos, a FPF arrecadara apenas 300 contos. Só o Estado ficou com mais de 380...

20 de Maio de 1948, no Estádio Nacional, disputou-se o III Portugal-Irlanda em futebol. A regra manteve-se: vitória portuguesa, desta feita por 2-0, golos de Peyroteo e Albano. Por Portugal alinharam: Barrigana; Serafim e Alberto; Canário (Joaquim Machado), Feliciano e Francisco Ferreira; Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano. O presidente da Federação irlandesa considerou os «jogadores portugueses dos mais rápidos do Mundo».

A 27 de Fevereiro de 1949, a selecção defronta, em Génova, a Itália pela sexta vez. Tudo começa sob bom signo, com um golo de Lourenço, aos 21 minutos. Depois, o descalabro. Resultado final 1-4. Barrigana; Virgílio, Feliciano e Serafim; Canário e Francisco Ferreira; Lourenço, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano fizeram a viagem no luxuoso paquete «Anna C», «onde se comia desalmadamente», sendo a preparação, a bordo, dos futebolistas «motivo de alvoroço dos passageiros». Mas não fora essa a razão de mais um fracasso da Selecção. Para Cândido de Oliveira foi outra, bem mais grave. «Muito conseguimos nós fazer dentro do falso amadorismo do futebol português, com jogadores a treinarem-se dois ou três dias por semana, de fugida, com o relógio de pulso, chegando ao campo às oito da manhã para já estarem nos seus serviços principais às dez e pico...» Os jogadores portugueses jogaram com «botas Peyroteo» que, fazendo fé nas crónicas, causaram tão boa impressão que os principais clubes italianos se predispuseram a assinar com o Fernando Peyroteo «vantajosos contratos para o fornecimento de chuteiras fabricadas pela sua firma comercial». Virgílio ganhou esporas na peleja e para a história ficou «Leão de Génova», anulando, literalmente, o extremo-esquerdo Carapellese, que, depois do jogo, tomou a sua pálida exibição à conta de «doença de nervos». Com tal fulgor se houvera que, passando pelo Vaticano, o Papa ofereceu a Virgílio uma medalha, que passou a ser a maior preciosidade da sua vida. Patalino, que esteve em Génova como suplente, no regresso a casa ficou sem a gabardina e o cachecol, roubados no comboio. Só não chorou porque não lhe levaram a medalha ganha pela sua presença em Itália e que seria exposta em Elvas como um ex-líbris de um herói seu...

28 de Março, A primeira vitória dos portugueses, nesse ano, diante do País de Gales, de novo no Estádio Nacional. 3-2. Com golos de Rogério, Mota e Vasques. Pela Selecção Nacional alinharam Barrigana; Virgílio e Serafim; Canário, Félix e Francisco Ferreira; Armando Ferreira, Vasques, Patalino (depois Mota), Travassos e Rogério.

22 de Maio, Portugal e Irlanda defrontaram-se, em Dublin, em futebol. E mais uma derrota nacional. Por 0-1. Mas, desta feita, com atenuante: o golo irlandês resultou de uma grande penalidade injusta. Só assim foi destroçada a «segurança da defesa nacional». O ataque esteve inoperante. Era o segundo jogo sem... Peyroteo. Em relação à partida com o País de Gales apenas uma alteração: no lugar de Patalino jogou Mota, mas o ataque nada ganhou. Antes pelo contrário. Voltava a dizer-se que o mal do futebol português era o remate...

Em 1950, já em ano de Mundial, a 15 de Maio, No Estádio Nacional, a Inglaterra bateu Portugal por 5-3, num jogo em que, apesar da derrota, tida por normal, os portugueses acabaram por limpar a face e rectificar o drama dos 0-10 de 1947. Portugal alinhou com Ernesto (guarda-redes do... Atlético); Virgílio e Carvalho; Serafim Baptista, Félix e Francisco Ferreira; Rogério, Vasques, Ben David (outro alcantarense...), Travassos e Albano. Os golos nacionais couberam a Ben David (2) e Vasques.
E a 22 do mesmo mês empatou a dois golos, no Estádio Nacional, com a sua congénere escocesa. Pelos portugueses alinharam Ernesto; Barrosa e Carvalho; Canário, Félix e Serafim; Pacheco Nobre (avançado da Académica), Vasques, Ben David, Travassos e Albano. Os golos foram de Travassos e Albano. Mas a grande revelação da equipa continuava a ser o portista Carvalho.

in «História dos 50 anos do desporto português»
 
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1951 – Primeiro de cinco títulos mundiais de Fórmula 1

Juan Manuel Fangio arrancou para o penta
Era afectuosamente conhecido como el chueco. Filho de um emigrante italiano, Juan Manuel Fangio nasceu em Balcarce, na Argentina, a 24 de Junho 1911. Após o serviço militar abriu uma garagem de automóveis e lançou-se em pequenas competições nas redondezas. Antes disso, contudo, aos 18 anos entrara como mecânico, ao lado do cunhado Brujas Fonts, numa corrida, em Plimouth. Para que o pai não suspeitasse de nada inscreveu-se sob o pseudónimo de Rivadavia. A estreia como piloto seria em 1936 ao volante de um Ford A, com a carroçaria alterada a partir de um táxi. Primeira vitória? Apenas em 1940, no Grande Prémio del Norte, com quase 10 mil quilómetros de distância, partida e chegada a Buenos Aires, passagem pelos Andes até Lima, etapas diárias durante quase duas semanas. Depois de vários outros sucessos ao volante de carros americanos alterados, o governo argentino concedeu-lhe patrocínio que lhe permitiu a aventura europeia. A guerra terminara, Fangio tinha 37 anos. Em 1950 ingressou na Alfa Romeo, o companheiro de equipa, Nino Farina, foi melhor, Fangio acabou em segundo. No ano seguinte conquistou o primeiro dos cinco títulos na Fórmula 1.

Acidente quase fatal
1952 annus horribilis. Grave acidente, pescoço partido, temporada em branco. Prometera correr em Monza depois da prova de Belfast mas perdeu uma ligação entre as duas cidades. Decidiu, então, conduzir toda a noite desde Paris, chegando ao circuito meia hora antes da partida. Foi o último na grelha, o cansaço conduziu-o a raro erro de condução, o Maserati entrou em derrapagem depois de tocar num muro, um mortal, Fangio cuspido, várias horas entre a vida e a morte. No ano seguinte regressou às lides e de Maserati voltou a ser segundo no Mundial. Fangio fazia questão de dar sempre 10 por cento dos ganhos monetários aos mecânicos que o assistiam. Durante os treinos para o Grande Prémio de Itália queixou-se de forte vibração no seu carro mas no dia da corrida tudo estava em ordem... Ficaria a saber, algum tempo depois, que os técnicos, à guarida da noite, tinham trocado os carros, correra com o de Bonetto, julgado então mais fiável!

Althea Gibson – Dura questão do pigmento
Althea Gibson fez história simplesmente por conseguir entrar em Forest Hill, em 1950. Era a primeira tenista negra a disputar o mais lendário dos torneios da América. Demorou sete anos a ir bem para além disso, a ganhar o U. S. Open, derrotando grandes jogadoras como Doris Hart ou Louise Brough e mais que isso, um preconceito estúpido que se arreigara: que aquele não era reduto de sucesso para negros. No seu caminho teve Walter Johnson, que faria o mesmo a Arthur Ashe, como farol. Em 1956, de parceria com a britânica Buxton, ganhou Wimbledon mas em 1957 o seu brilho foi ainda mais intenso: ganhou na catedral da relva quer em singulares quer em pares. «Tive de lutar muito para chegar onde cheguei, tive de lutar mais que as outras simplesmente porque tinha na pele um pigmento diferente», haveria de dizer. E pôs na cabeça que haveria de fazer o mesmo papel no golfe profissional. Foi à luta com o mesmo espírito. Só o sucesso foi diferente. Bem mais acanhadinho.

Em 1957 grande prémio mais fabuloso de Fangio
Vitória suicida
Em 1954 mudou-se para a Mercedes e venceu o segundo Campeonato do Mundo, abrindo a série de quatro vitórias consecutivas. O ingresso na equipa alemã deu-lhe 8 vitórias em 12 possíveis. Em 1957 regressaria à Maserati, no Grande Prémio da Alemanha um dos triunfos mais espectaculares, dominando os Ferrari muito mais potentes. Quase todos os historiadores garantem que foi a corrida da sua vida. Parecia não ter qualquer chance depois de um pit stop que o deixou a 48,5 segundos da liderança. Correu atrás do prejuízo, batendo sucessivamente o record da volta, e ultrapassou de forma verdadeiramente suicida os Ferrari de Mike Hawthorn e Pete Collins, um pela direita, outro pela esquerda, por entre duas curvas, em apenas 200 metros! Era demonstração de coragem. A maximização da potência do motor era o grande trunfo de Fangio. No Grande Prémio de França de 1958 a última corrida. Seguia em quarto e estava prestes a ser dobrado pelo líder, Mike Hawthorn. Em sinal de respeito pelo maestro, como o apodavam os seus pares, Hawthorn levantou o pé para que Fangio não fosse ultrapassado. Quando saltou do Maserati virou-se para os mecânicos e murmurou: «Está tudo acabado.» Não estava. O mito eternizara-se já — e vulgarizara-se pelo mundo inteiro frase que ainda agora se escuta amiúde: «Deve pensar que é o Fangio.»

Pancho Sanchez – O que o Mundo perdeu de vista?
Ninguém poderá saber quantos títulos do Grand Slam teria Pancho Sanchez ganho se não se convertesse ao profissionalismo com 21 anos apenas, depois de, em 1949, juntar aos títulos individuais de 1948 e 1949 no Open dos Estados Unidos os de pares de Roland-Garros e Wimbledon, também em 1949, na sua primeira viagem à Europa. Durante os anos 50 era considerado, quase sem excepção, o melhor tenista do Mundo, averbando oito títulos universais como profissional, ofuscando literalmente Jack Kramer. Uma ténue imagem do que poderia ter feito? Em 1968, quando Wimbledon se abriu aos profissionais, Pancho, que nascera num bairro pobre de Los Angeles, filho de miseráveis emigrantes mexicanos, estava com 40 anos e espalhou pela relva todo o seu esplendor. No ano seguinte haveria de protagonizar a mais longa partida do torneio, ao derrotar Cahrlei Passarell por 22/24, 1/6, 16/14, 6/3 e 11/9, ao cabo de cinco horas e doze minutos!