O Século XX do Desporto

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07/02
1928 – Jogos Olímpicos de Amesterdão

Católicos do senado quiseram afastar jogos da Holanda
Contra culto pagão do corpo

Amesterdão teve os Jogos Olímpicos de 1928 a periclitar. A Câmara dos Deputados da Holanda votara o crédito indispensável à sua realização mas o Senado, dominado por católicos, rejeitara-o sob o peregrino argumento de que «o culto do desporto era um manifestação de paganismo». O COH, para não perder a face, abriu subscrição pública que rendeu o equivalente a 40 mil contos em moeda portuguesa, graças, sobretudo, aos contributos dos expatriados dispersos pelo seu então império colonial. A Câmara Municipal de Amesterdão contraiu empréstimo avultado e assim se completou o capital necessário. O estádio edificou-se sobre 16 hectares de terreno pantanoso, na parte sul da cidade, e para cimentá-lo houve que implantar no solo roubado ao mar 4500 pilares, numa obra de engenharia fantástica. Fez-se tudo em afogadilho, oito horas depois das obras terminadas, correram-se as primeiras eliminatórias do atletismo. Foram os Jogos da despedida de Coubertin, que três anos antes pedira dispensa da presidência do COI, com a saúde e as economias pessoais abaladas pelo sonho que tornara realidade. Nos Jogos da Antiguidade o fogo olímpico era aceso num altar à entrada do Templo de Hera. Havia nisso um simbolismo incontornável — «a chama pura e imaculada do sol». Através de skapia (um vaso para calcinações) colocado ao sol, os seus raios concentravam-se num espelho côncavo, inflamando ervas secas lá colocadas. Esse ritual inspirou os holandeses, que puseram chama a crepitar no estádio, mas segundo João Marreiros, no seu livro Jogos Olímpicos e Olimpismo, tal só se institucionalizaria em Berlim: «Theodore Lewald, presidente do comité organizador dos Jogos da XI Olimpíada, propõe, em Maio de 1934, ao COI acender a chama em Olímpia e depois levá-la para Berlim. Os membros do COI ficaram entusiasmados com o projecto e dois anos mais tarde, em 21 de Julho de 1936, o jovem grego Konstantim Kondylis tornou-se o primeiro corredor da história dos Jogos da Era Moderna na corrida com o facho ao deixar Olímpia com a tocha na mão. Theodore Lewald necessitou de 12 dias e 3075 corredores para ligar a antiga cidade grega ao estádio olímpico da capital alemã, onde o alemão Fritz Schilgem entrou com a chama no estádio, no que devia ser entendido como o final da longa viagem percorrida desde Olímpia, onde, junto ao Templo de Hera, as sacerdotizas acenderam a chama.» Que fosse. Mas que houve chama em Amesterdão pela primeira vez na história moderna houve. E foi mais uma das novidades dos Jogos, que abriram o estádio às mulheres.
Mulher não deve oferecer-se em espectáculo?!

Machismo de Coubertin ou medo do chinfrim
Depois de já se terem verificado incursões na ginástica, na natação e no tiro ao alvo, as mulheres conquistaram, enfim, o direito de disputar provas de atletismo. Em 1925, numa reunião com a presença de dois portugueses, o conde de Penha Garcia como membro efectivo do COI e José Pontes, presidente do COP, o Comité Olímpico Internacional decidiu que apenas «os desportos violentos que lhes retirassem a natural gracilidade» seriam vedados às senhoras. «Não poderão mais praticar o futebol, o boxe, os pesos e halteres, todos os desportos combativos, enfim, impróprios do seu sexo.» Era um avanço histórico. Para exasperação de Coubertin, que no discurso de abertura não calou, indignado, o protesto, como se blasfemado tivesse sido: «Foi contra a minha vontade que as mulheres foram admitidas nos Jogos Olímpicos. Agora vamos tê-las na esgrima e, mais grave, nas provas de atletismo, que se disputam em pleno estádio.» Para si isso era afronta. Ou pior — profanação do estádio como espaço sagrado. Venceram-no mas não o convenceram. Alguns anos transcorridos bradaria ainda, com Hitler à ilharga, em Berlim: «A mulher não deve oferecer-se em espectáculo, o seu papel nos Jogos Olímpicos não deveria ser senão o de coroar os atletas vencedores.» Quando, no movimento olímpico, o poder do barão se desfizera em farelo e a sua figura não passava já de histórico bibelot, apenas respeitado pelo seu passado, Coubertin voltaria pela última vez à carga, pedindo na sua carta de Reforma Desportiva a suspensão das mulheres de todas as provas em que participassem homens sob o argumento de que o desporto era uma paixão que, à semelhança de todas as paixões, «provocava inevitavelmente banzé e chinfrim», devendo os homens, por «imposição moral», sublinhava ele, afastar as senhoras de tais espaços para que assim se não «indignificassem»! Ninguém o levou, naturalmente, a sério. Os Jogos Olímpicos no feminino eram conquista irrevogável. Deusas dos estádios nasceriam de então em diante. Cada vez com mais encanto.

Nos 800 metros drama e... Proibição
À altura de «miss»

Cinco foram as provas de atletismo disputadas em Amesterdão por mulheres. Nos 100 metros a americana Elizabeth Robinson, com 12,2 segundos, bateu as canadianas Fanny Rosenfeld e Ethel Smith por um décimo. O Canadá ganhou a estafeta 4x100 m e o salto em altura através de Ethel Catherwood, que pulou 1,59 metros — e acabou por ser a figura mais mediatizada dos Jogos devido ao facto de os fotógrafos de serviço acharem que «a sua beleza era digna de concurso de misses»! A polaca Halina Konopacka venceu o lançamento do disco com 39,62 metros. Nos 800 metros vitória da alemã Lina Radke-Batschauer, em 2.16,8 minutos, sobre a japonesa Kinue Hitomi (2.17,6). Corrida dramática, atletas desfalecendo nos últimos metros, esgares de dor, passos trocados, corpos incontrolados sucumbindo em aflição — e por via disso se decidiu que nunca mais nenhuma senhora correria distância superior a 200 metros nas Olimpíadas, «por incapacidade provada para ir mais além». Até 1960 foi realmente assim.

Mais três medalhas para Paavo Nurmi
Ataques de reumatismo e queda na vala de água

Em 1926 Paavo Nurmi foi fustigado pelos primeiros ataques de reumatismo. Os sonhos começavam já a cansar-se. E a imagem a empanar-se. Mesmo assim ainda bateu os records do Mundo dos 2000 e 3000 metros — apesar de 11 de Setembro de 1926 marcar o fim de longa invencibilidade. Em Berlim, numa prova de 1500 metros, o alemão Otto Peltzer e o sueco Edwin Wide arrasaram-no e o primeiro arrebatou-lhe o máximo mundial. Não, não se deixou naufragar em mágoas e náuseas — decidiu viver ainda mais como um anacoreta, treinando-se com mais arreganho, prometendo vingar-se nos Jogos Olímpicos que se avizinhavam, mesmo que as dores nos ossos o infernizassem. Tinha 31 anos. E, em Amesterdão, ganhou os 10 mil metros, foi segundo nos 5000 e nos 3000 metros obstáculos. Nesta prova passou por momentos anacrónicos, caricatos — ao tentar saltar a vala de água desequilibrou-se, caiu de costas na água, cerrou os dentes num sinal de raiva quando viu que estragara o cronómetro talismã com que corria sempre na palma da mão, arremessou-o para a relva, furibundo, simulou desistência mas, num arranco bravio retirado do fundo da alma, voltou à corrida, o seu compatriota Toivo Loukola já lhe ganhara mais de 80 metros, os outros adversários também, a recuperação não chegou para mais que a medalha de prata. Claro que já não era o atleta de fulgor farfalhudo de Antuérpia ou Paris, mesmo assim se cochichou que apenas perdera a légua porque isso lhe pediram os dirigentes finlandeses, para que Ville Ritola arrecadasse mais uma medalha de ouro. Quem lhe conhecia o feitio não acreditou que pudesse ser verdade, perdeu porque não conseguira ganhar — continuava a ser um fanático do sucesso, aliás, saiu de pista com mágoa cavada no rosto, sem sequer um gesto de felicitação ao compatriota. Na dupla légua Nurmi vingou-se — e ganhou a Ville como nos bons velhos tempos. Ritola nascera em 1896, aos 17 anos emigrou para os Estados Unidos, lá ganhou 14 títulos da Amateur Athletic Union. Décimo quarto filho de uma prole de 20, deu nas vistas pela primeira vez ao classificar-se em segundo lugar na Maratona de Boston — a mais antiga do Mundo — em 1922. Após mais duas medalhas em Amesterdão — somando assim cinco de ouro e três de prata — radicou-se, em definitivo, na Finlândia, com a sua estrela apenas ofuscada pelas de Nurmi e Kolehmainen.
 
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Duas medalhas de Percy Williams na velocidade
Drama da volta à pista e suicídio do homem-bala

No atletismo Amesterdão marcou um eclipse quase total dos americanos. Nas corridas apenas uma medalha de ouro conquistada, por Raymond Barbuti nos 400 metros, em 47,8 segundos. Foi vitória arrancada a ferros. Dramática. Jogador de futebol americano, fora aos Jogos Olímpicos sem grande experiência, apenas na esperança da sua rapidez, faltava-lhe controlo das operações. Lançou-se, na final, em louca cavalgada, a 50 metros do fim quase desfaleceu, arrastou-se pela pista, o canadiano James Ball em épica recuperação, mesmo sobre a linha Barbuti caiu para a frente, cortando a meta inconsciente, um décimo adiante do perseguidor. Na velocidade nem um americano no pódio. Estranhíssimo se se pensar que, das 16 medalhas de ouro anteriormente em disputa nos 100 e 200 metros, 14 foram parar aos Estados Unidos. O rei do sprint foi o canadiano Percy Williams, 20 anos, olhar frágil — mas corrida electrizante. Nas provas de qualificação em Toronto igualara o record mundial de Abrahams, com 10,6. Apesar do fogacho ninguém o levou muito a sério — mudaram--se os sentimentos quando, nas eliminatórias, repetiu a marca mas bastaram- -lhe 10,8 segundos na final para bater o inglês (de cor) Jack London — o primeiro negro a tornar-se velocista fulgurante na Europa —, os resultados finais foram prejudicados por uma série sucessiva de falsas partidas. No duplo hectómetro, através de metros finais fulgurantes, bateu outro britânico, Walter Rangeley — com 21,8 segundos, aquém dos 21,6 que, quatro anos antes, valeram a Jackson Scholz record olímpico. Dois anos mais tarde colocou o record mundial dos 100 metros em 10,3 segundos, mostrando que as medalhas de ouro de Amesterdão não foram fruto do acaso ou de capricho divino — e nesse mesmo ano arrecadou medalhas de ouro nas 100 jardas e nos 4x100 metros nos Jogos do Império, a primeira denominação dos Jogos da Commonwealth. Foi estrela em fogo-fátuo, em 1932, em Los Angeles, não conseguiu sequer acesso às finais dos 100 ou 200 metros, abandonou o atletismo de competição pouco depois, suicidando-se em 1982 em Vancôver, onde nascera, com 74 anos de idade.

King nos céus e exóticos medalhados
A salvação da honra americana acabou por ser nos saltos. Robert King ganhou a altura com 1,94 metros; Sabin William Carr a vara com 4,20 metros; Edward Hamm o comprimento com 7,73 metros — e nesta especialidade surgiu um dos primeiros medalhados de países exóticos, a prata foi para Silvio Cator, do... Haiti, com 7,58. Nunca mais qualquer outro haitiano voltaria ao pódio em Jogos Olímpicos. No triplo salto o japonês Mikio Oda, com 15,21 metros, também se tornou o primeiro campeão olímpico de atletismo da Ásia — e muitos anos volvidos haveria de ser presidente do comité organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964.

Clarence Houser arrecadou terceira medalha de ouro
Força de doutores
No lançamento do peso vitória do americano John Kick, com 15,87 metros. Clarence Houser já campeão do peso e do disco em Paris, arrecadou mais uma medalha de ouro nesta última especialidade apesar de só no último ensaio ter garantido acesso à final. No martelo chegou enfim a hora da glória da Irlanda — o berço do martelismo. Os quatro primeiros campeões olímpicos tinham nascido todos irlandeses mas foi pelos Estados Unidos que averbaram os respectivos títulos — em Amesterdão a vitória sorriu a Pat O\'Callaghan, que lançou 51,39 metros. No ano seguinte abandonou o atletismo, para Amesterdão fora treinado por John Flanagan, o grande triplo campeão de Paris, Saint Louis e Londres. Nota curiosa e de certo modo violadora das normas da proclamada democraticidade olímpica: pelos canudos que já tinham Houser e O’Callaghan apareceram em algumas classificações dos anais como... doutores. Havia necessidade?! No lançamento do dardo manteve-se o monopólio dos campeões escandinavos com a vitória do sueco Erik Lundkvist, em 66,60 metros. O dardo, que fora especialidade na Grécia Antiga, só surgiu no programa do atletismo em 1908 e a medalha de ouro coube ao sueco Erik Lemming, com 54,825 metros, que em Estocolmo revalidou o ceptro, arremessando 60,64. Antuérpia consagrou o finlandês Jonni Myyra (65,78), que também ganhou em Paris, com 62,96 metros. Finlandês foi também o campeão do decatlo, Paavo Yrjola, com 8053 pontos.

Argelino de França e chileno na maratona
Nos 800 metros o britânico Douglas Lowe revalidou o título alcançado em Paris, com 1.51,8 minutos, o prémio do azar coube ao alemão Otto Peltzer, que pouco antes batera o record mundial mas, agravando lesão, não conseguiu sequer chegar ao pódio. Nos 1500 metros vitória do finlandês Harry Larva, em 3.53,2 minutos — ponto de partida para um domínio que se alargou até aos 10 mil metros, com vitórias de Ville Ritola e Paavo Nurmi. Na maratona os escandinavos tiveram de se contentar com a medalha de prata, através de Martti Marttelin — a vitória coube a um francês, que o não era de facto, era argelino, chamava-se Mohammed El Ouafi, gastou 2.32.57 horas nos 42.195 metros, cabendo o segundo lugar ao chileno Miguel Plaza, com 2.33.23 horas.
Primeiro bis da história nos 800 metros

Lowe story
Lowe? Tinha o nome do odioso carcereiro de Napoleão Bonaparte em Santa Helena, os amigos na universidade e nas pistas brincavam com isso vezes sem conta, retorquia-lhes simplesmente que sentia muito mais jeito para a barra dos tribunais. Foi uma das grandes estrelas do atletismo em Amesterdão. Venceu os 800 metros com 1.51,8 minutos, recorde olímpico, tornando-se o primeiro homem no Mundo a bisar ouro na distância. Depois de si apenas mais dois o conseguiriam: Mal Whitfield, em 1948 e 1952, e Peter Snell, em 1960 e 1964. Caprichosa fora a vitória nos Jogos de Paris, quatro anos antes. Embarcou no veleiro que transportou a equipa britânica, que haveria de ficar imortalizada também pelo filme «Momentos de Glória», como suplente de Henry Stallard, que lhe ganhara os campeonatos britânicos e em vésperas de competição sofreu contusão num pé. Assim se abriu oportunidade para Douglas Lowe — que, em fantástica cavalgada, se apoderou da vitória e do recorde britânico, com 1.52,4 segundos. Tinha então 22 anos, estava a terminar o curso de direito na Universidade de Cambridge, onde começou a fulgir como jogador de futebol. Sete anos passados foi eleito secretário honorário da AAA, Associação Britânica de Atletismo, no cargo se manteria até 1939, por essa altura pediu dispensa por excessivos afazeres profissionais, era já advogado de sucesso, um dos mais históricos e badalados de todo o Reino Unido se tornaria. Morreria em 1981, com 79 anos.

David Burghley – Treino no jardim do palácio
O italiano Ugo Frigerio ganhou os 10 quilómetros marcha, juntando mais uma às duas medalhas de ouro que arrecadara em Antuérpia. Douglas Lowe venceu os 800 metros — e o único campeão olímpico do atletismo (sem contar com a marcha) que não era britânico nem finlandês nem americano foi o australiano Anthony Winter, que ganhou o triplo salto com 15,525 metros, recorde mundial. O domínio americano centrou-se quase em exclusivo nos saltos, nos lançamentos, nas estafetas e nas barreiras. Dan Kinsey venceu os 110 metros barreiras em 15,0 segundos — e Morgan Taylor os 400 metros em 52,6 segundos, o recorde mundial não foi homologado porque tocou ao de leve na última barreira e ela caíra, o que então era considerado ilegal. Ironia do destino — uma das habilidades com que Taylor gostava de encantar os amigos era equilibrar uma moeda na barreira para deitar ao chão com o pé de passagem. Garante que fez isso milhares e milhares de vezes. Mas naquele dia, sem moeda, a barreira caiu e o recorde perdeu-se.
 
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Na natação surpresa foi menina da América
Duas vezes ouro aos 14 anos

Na natação os americanos ganharam 10 das 15 medalhas de ouro em disputa, cinco nas provas masculinas e cinco nas femininas. Johnny Weissmuller voltou a vencer os 100 metros crawl, em 58,6 segundos, contribuiu para a vitória na estafeta de 4x200 metros e por via disso George Kojac, primeiro nos 100 metros costas, também foi para casa com duas medalhas do mais desejado metal. Nos 400 metros Andrew Charlton, menino-prodígio da Austrália, voltou a falhar na hora H, o primeiro lugar coube, surpreendentemente, ao argentino Alberto Zorilla. O sueco Arne Borg conseguiu, enfim, o primeiro título olímpico, nos 1500 metros — e nos 200 metros bruços ganhou um... japonês, Yosiyyuki Tsuruta. No sector feminino Martha Norelius, campeã de 400 metros, e Albina Osipowich, campeã dos 100 metros com apenas 14 anos, estiveram também na vitória ianque nos 4x100. Nos 100 metros costas e nos 200 metros bruços vitórias da holandesa Maria Johanna Braun e da alemã Hilde Schrader. Nos saltos Pete Desjardins, dos Estados Unidos, que aos 17 anos já se tinha tatuado a prata em Paris, ganhou em Amesterdão ouro quer no trampolim quer na prancha, repetindo proeza do compatriota Albert White em Paris.

Arne Borg conquistou medalha de ouro que lhe faltava na natação
Peso da prisão
O sueco Arne Borg foi um dos maiores rivais de Johnny Weissmuller. Natural de Estocolmo, entre 1921 e 1929 estabeleceu 32 records mundiais em estilo livre das 300 jardas à milha. No Velho Continente não tinha adversário que o importunasse sequer. Basta ver que em 1926, na edição de arranque dos Campeonatos da Europa, em Budapeste, levou para casa as medalhas de ouro dos 400 aos 1500 metros livres. No ano seguinte, na segunda edição da competição, ainda juntou a esses títulos o de 100 metros. Nos Jogos Olímpicos de Paris, com 23 anos, arrecadou medalhas de prata nos 400 e 1500 metros, batido apenas pelo imparável Weissmuller — e, contra todas as expectativas, ainda levou a sua estafeta de 4x200 metros ao bronze. Quatro anos depois, em Amesterdão, enfim o título olímpico que lhe faltava. Nos 1500 metros. Em 1927 colocara o record mundial a um nível estratosférico, percorrendo aquela distância em 19.07,2 minutos, máximo que só seria batido 11 anos volvidos. Outros dos seus máximos super-humanos foi o de 400 metros — em 1925 creditou-se de 4.50,3 minutos, marca que só seria sobrepujada em 1931. Patusco, às vezes estroina, adorava fazer da vida prazer intermitente — detestava regras ou tiranias fosse de que tipo fosse, por isso os suecos consideravam-no um rebelde a quem era preciso perdoar caprichos e pândegas. Uma vez houve em que tal não aconteceu. Achando que ninguém lhe negaria impunidade, faltou à incorporação militar e partiu de férias para o Sul de Espanha. Quando regressou tinha a polícia à espera, levaram-no directamente para o presídio, lá esteve três meses — e quando o libertaram tinha engordado oito quilos porque os fãs, num virote impressionante, faziam romaria à cela, deixando lá todo o tipo de petiscos e bebidas.

Miez, ginasta que mais medalhas levou
O mais medalhado atleta de Amesterdão foi o ginasta suíço Georges Miez, com três de ouro e uma de prata. Ganhou o concurso individual, as barras horizontais, o concurso completo por equipas e ainda foi segundo no cavalo com arções. Lucien Gaudin juntou ao ouro no florete e na espada medalhas de prata colectivas nessas mesmas armas. Ainda na ginástica, o suíço Hermann Hanggi arrecadou quatro medalhas, duas de ouro (cavalo com arções e concurso completo por equipas), uma de prata (concurso individual) e uma de bronze (paralelas). No sector feminino, abertos os Jogos às senhoras, tal como no atletismo, houve apenas concurso completo por equipas, ganho pela Holanda à Itália e à Grã Bretanha. Só 24 anos depois, em Helsínquia, as mulheres conquistaram o direito de discutir medalhas nas várias especialidades e no concurso individual.

Boxe DENTRO E fora de ringue com polícia e tudo
O pugilismo foi mais uma vez marcado por decisões incompetentes — e mosquitos por cordas. Na final de pesos médios, quando os árbitros consideraram Jan Hermanck derrotado pelo italiano Piero Toscani, levantaram-se distúrbios nas bancadas, o checo, instigado pelo ambiente, tentou entrar de novo em ringue pedindo desforço ao árbitro, arrastou consigo mole ululante, a polícia interveio, o boxe alastrou por todo o pavilhão, sem rei nem roque! Itália conquistou mais duas medalhas de ouro através de Vittorio Tamagnini (peso galo) e Carlo Orlandi (peso ligeiro), campeões olímpicos se sagraram igualmente o húngaro Antal Kocsis (peso mosca), o holandês Bep van Klaveren (peso pluma), o sueco Edward Morgan (peso meio-médio) e os argentinos Victor Avendano (peso meio-pesado) e Arturo Jurado (peso pesado). Na luta greco-romana, na classe de meio-pesado, o ouro foi para o Egipto, através de Ibrahim Moustafa.
Anéis de Coubertin em selo de Roque Gameiro

Peso da prisão
Como Salazar arranjou 90 contos de réis
Foi num selo português que os anéis olímpicos apareceram pela primeira vez, no Mundo inteiro, em obras de filatelia. Por inspiração de Roque Gameiro, um dos mais renomados aguarelistas da primeira metade do século. Corria o ano de 1926. O império estava engolfado em crise mais ou menos profunda. Salazar ainda só era o... ministro das Finanças. A representação olímpica nos Jogos de 1928 estava comprometida por falta de verbas. Salazar sugeriu, então, que se emitissem 4,6 milhões de selos, metade de 15 réis, outra metade de 30, para financiar a empresa olímpica. Pouco mais de 50 mil se venderam! Ainda assim apuraram-se 90 contos de réis. E graças à maquia Portugal pôde enviar de barco 29 homens a Amesterdão, entre os quais uma equipa de futebol que só não ganhou uma medalha porque nas meias-finais, contra o Egipto, o guarda-redes António Roquete, que alguns anos depois se tornaria agente da PIDE, teve tarde negra — e o árbitro também. Pelo menos é o que dizem todas as crónicas, que a pretexto disso descobriram as... vitórias morais, esse conceito de que se foi fazendo ou desfazendo anos a fio o jeito de ser português. Muita água foi, entretanto, correndo sob as pontes. Actualmente, com a mercantilização dos Jogos Olímpicos, os poéticos anéis de Coubertin tendem a ser cada vez mais ofuscados por símbolos de multinacionais. De tal forma que nos Jogos Olímpicos de Atlanta o ACOG juntou, em receitas de licenciamento, merchandising e marketing, cerca de 91,5 milhões de contos. Mais 45 mil que em Barcelona. Coubertin deu mais alguns saltos na tumba. Repare-se só no que escreveu em 1905: «Os Jogos Olímpicos correm o risco de ser corrompidos pelo dinheiro. O music-hall e o hipódromo [era assim que se referia ironicamente às apostas de cavalos] vigiam-nos — e não descansam enquanto não nos perverterem, como os romanos perverteram os Jogos da Grécia Antiga!!!»

António Roquete – Guardião da PIDE
António Roquete deu ao futebol português um novo estilo de guarda-redes: elegância em todos os movimentos, jogadas ao pé dentro da área até então jurisdição dos defesas, rapidez na saída aos cruzamentos e voos ousados para os pés dos avançados. Uma elasticidade fantástica, reflexos extraordinários. Aluno da Casa Pia, esteio do Casa Pia Atlético Clube, foi guardião de Portugal nos Jogos Olímpicos de Amesterdão. No lugar se manteve sem contestação até 1933. Pouco depois entrou para a PIDE, ainda jogou pelo Sport Lisboa e Elvas, pelo Valenciano e pelo União do Funchal. Quando, já na década de 40, Salazar decidiu enviar Cândido de Oliveira para o Tarrafal, houve rumores de que fora ele quem o prendera e até lhe partira os dentes. Não é verdade, dispensaram-no dessa missão. Afinal, Cândido fora seu companheiro de equipa, como ele campeão de Lisboa pelos gansos, seu protector, dando-lhe às vezes de comer até. Talvez pelo abalo emocional que a prisão lhe causou, Roquete pediu de imediato transferência para Moçambique, acabando por ligar-se, depois, a uma companhia de exploração de castanha de caju.
 
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Portugal eliminado por egípcios no torneio
Nasceu um tigre em Amesterdão

Em Amesterdão a equipa nacional de futebol abriu hostilidades perante o Chile. Os sul-americanos depressa chegaram a 2-0. E Portugal reduzido a 10 elementos. No livro A História do Futebol Português, de Fernando T. Pinto, publicado em 1956, épico é o tom que se coloca na rememoração do desafio: «Em consequência da dureza que empregavam, Vítor Silva recebeu um toque violento num joelho e houve que ser retirado, em braços, do campo, para só regressar depois do intervalo. Foi então que falou alto o ardor da velha alma lusitana. Jogando com o coração, concentrando o pensamento na pátria distante, os nossos representantes, apoiados por um grupo que se deslocara à Holanda, multiplicaram-se e num estrondoso alarde de valentia, ânimo, coragem e consistência técnica operámos a reviravolta.» Ou seja, vitória por 4-2 graças a dois golos de Pepe, um de Vítor Silva e outro de Valdemar. Segundo desafio, com a Jugoslávia. Mais uma vitória, por 2-1. Golos de Vítor Silva e Augusto Silva. Regresso à crónica de Fernando T. Pinto: «Tivemos sorte e jogámos com nobreza e generosidade nos 15 minutos finais, merecendo destaque Augusto Silva, que recebeu nesse jogo o epíteto de tigre de Amesterdão. Foi tão pujante, tão portentosa a exibição do médio-centro lusitano que, no final, os próprios holandeses o passearam em triunfo. Augusto Silva teve ainda o mérito de culminar o seu brilhante trabalho com um golo dos chamados de bandeira, obtido numa altura em que toda a gente estava convencida de que seria necessário prolongamento para dirimir a peleja. E isso ser-nos-ia fatal dado o esforço vertido pelos nossos no extenuante embate com jogadores fisicamente mais fortes.» No terceiro jogo Egipto no caminho de Portugal. Ganhar-lhes poderia escancarar as portas ao sonho da medalha. A vitória foi apenas... moral. Vítor Silva marcou um golo, os africanos dois. Eliminação irreparável. E logo se escrevinhou: «Se é verdade que obtivemos um golo legalíssimo o qual o árbitro, o italiano sr. Mauro (para muita gente apenas Mau...), arbitrariamente nos invalidou e que o nosso protesto nem sequer chegou a ser aceite, também não é menos exacto que alguns enviados dos jornais provocaram no público português a falsa crença de que éramos melhores que os egípcios e a vitória não podia fugir-nos... O que era calor mudou-se em gelo e sobre o campo pairou esta certeza: os egípcios possuíam uma classe superior, formavam uma equipa muito homogénea, eram rápidos e proficientes.» Pois, não é de agora: se a culpa não é dos árbitros, se não é dos fados — é dos jornalistas.

Boicote ao torneio de futebol contra farsa de falsos amadores
Bailado azul-celeste
Eram 18 as selecções de futebol em Amesterdão. Britânicos e alemães recusaram-se a... «entrar na farsa dos falsos amadores». Outras «potências europeias» boicotaram o torneio solidárias com a UEFA, em guerra com o COI, que no congresso de Praga, em 1925, decidira que só poderiam entrar nos Jogos Olímpicos «os grupos de futebol que se deslocassem dos seus países menos de 15 dias por ano e sob autorização da FIFA, tendo tal providência o fim de evitar que, para fazer negócios com encontros particulares no estrangeiro, os atletas se inutilizem [!!!]» — sublinhando mais que isso, em jeito de código de conduta: «Entendendo que os interesses monetários prejudicam a correcção e a nobreza que devem caracterizar um amador, o congresso deliberou que sejam abolidos também os pagamentos de salários a amadores que eram concedidos a título de indemnização por perda de trabalho, sendo apenas permitido aos clubes pagar aos seus homens quando se deslocarem as despesas de transporte e alimentação...» Ou seja, utilizando-se a táctica da avestruz, mantinha-se acesa a hipocrisia. Em Portugal os futebolistas mais famosos já ganhavam entre 500 e 1000 escudos por mês. Nos outros países mais ainda. Foi contra essa mentira que algumas federações recusaram disputar o futebol olímpico. O Uruguai manteve o título conquistado quatro anos antes em Paris, depois de bater em dura final a Argentina no prolongamento. A medalha de bronze coube aos italianos. Dois anos depois o primeiro Campeonato do Mundo conquistava-se a azul-celeste. Em Amesterdão a estrela maior do futebol continuou José Leandro Andrade, cujo epíteto maravilha negra — se devia aos extraordinários dotes de agilidade, elegância e combatividade, único negro na formação uruguaia onde pontificava igualmente José Nasazzi. Filho de um emigrante que partira da Lombardia, era conhecido entre os companheiros por el caudillo e pelos adversários como el terrible — pela notável capacidade atlética, intransponibilidade no jogo aéreo, sendo o primeiro defesa a descobrir, instintivamente, a melhor forma de aproveitar o campo aberto pela mudança da lei do offside.

Mais uma medalha para Portugal, na esgrima e direito até a «pocket money»
Atiradores de bronze
Ao contrário do que acontecera quatro anos antes, a preparação da missão olímpica de Portugal para Amesterdão não se fez de pedinchices e penúrias. Bem pelo contrário, os seleccionados até tiveram, pela primeira vez na história, direito a... pocket money, no valor de 100 escudos por dia. Não, não era uma exorbitância, é preciso não esquecer que a inflação continuava a galope, andava amiúde pelos 300 por cento! Aliás, num sinal de algum fulgor e muito mais prestígio, José Pontes e Nobre Guedes conseguiram em 1925, em Praga, que o congresso do COI de 1926 se realizasse en Lisboa. Foi a primeira grande reunião desportiva internacional que se fez em solo nacional. O COP levara igualmente a cabo uma série de outras iniciativas como I Jogos Nacionais de Atletismo, I Jogos Internacionais de Desporto, II Congresso Nacional de Educação Física, etc. O Comité Olímpico de Portugal, apesar de o seu presidente ser senador na I República, passou incólume pelo 28 de Maio — o trajecto para Amesterdão foi muito mais sereno que para edições anteriores e não apenas a nível financeiro. A Amesterdão foram 29 representantes de 8 modalidades, sendo o futebol a grande novidade — mas o caminho foi aberto porque a recém-criada UEFA e o COI se atiraram a guerra intestina que passou pelo boicote puro e simples de vários países europeus, com destaque para britânicos, alemães, italianos e franceses. E Portugal alcançou a segunda medalha olímpica. Coube desta vez o feito à esgrima. A equipa de espada (Eça Leal, Mário Noronha, Jorge Paiva, Henrique Silveira, Frederico Paredes e João Sasseti), que tão bem se tinha comportado em Paris, atingiu de novo a final, sendo derrotada pela França (7-9) e pela Itália (6-9); mas como a competição era em poule a vitória sobre a Bélgica (8/20 toques — 8/21 toques) permitiu a conquista da medalha de bronze em espada.

Emigrante de nova Iorque e morte de António Martins
Como o tiro não fez parte do programa olímpico de Amesterdão Portugal perdeu mais uma oportunidade histórica, talvez a maior. António Martins, médico ilustre (pai de Gentil Martins, que haveria de ser bastonário da Ordem dos Médicos e o cirurgião que separaria as duas siamesas moçambicanas em meados de 1999), que já brilhara em Paris — apesar de utilizar armas obsoletas —, ganhara os Jogos de Pershing, vencera quase todos os grandes torneios internacionais, ficou assim impossibilitado de lutar pela consagração olímpica. Dois anos passados, a 3 de Outubro de 1930, morreria num acidente na carreira de tiro de Pedrouços quando, ao tentar melhorar a mira da sua arma, a colocou no chão carregada e um disparo acidental lhe atingiu a face, alojando-se o projéctil no occipital e destruindo-lhe na passagem tecidos vitais do cérebro. No atletismo Prata de Lima foi quarto na 12.ª eliminatória dos 100 metros; Henrique Santos, emigrante em Nova Iorque e que era companheiro de treinos e de equipa de Ville Ritola, sétimo na 2.ª série dos 3000 metros obstáculos; e Palhares da Costa quarto na 9.ª eliminatória dos 110 metros barreiras. E assim ficaram todos pelo caminho.
 
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Aos 42 anos Lucien Gaudin conseguiu, enfim, medalhas que o destino lhe roubara
General arrombador

Depois do período de expurgação, causado pela I Guerra Mundial, Alemanha, Áustria, Bulgária e Hungria voltaram ao seio do movimento olímpico. E aos Jogos. A URSS manteve-se afastada, prometendo que talvez na próxima. A França esteve muito tempo com a participação em risco porque o governo recusou financiar a missão — colheu-se dinheiro necessário através de uma subscrição pública que teve como principal benemérito mr. Coty, dono de um império de cosméticos. Turbulentos foram os dias que antecederam a abertura. Com o estádio em obras, o pânico de não se acabarem a tempo coalhado no espírito de quase toda a gente, o comité organizador proibiu quaisquer treinos de adaptação nas instalações que haveriam de servir de palco às diversas modalidades. Quando barraram a entrada à selecção de atletismo dos Estados Unidos, comandada por aquele que haveria de ser o famoso general Mac Douglas, este não se conformou, exigiu aos motoristas dos três automóveis alugados que entrassem no estádio de marcha atrás, arrombando as protecções e «passando a ferro» quem se pusesse à frente, porque, afiançou petulante, «pagaria todos os prejuízos do próprio bolso e o governo dos Estados Unidos assumiria todas as demais responsabilidades»! Cumprida foi a voz de comando. E assim os atletas tiveram o primeiro contacto com a pista, por entre máquinas em manobras e operários em rebuliço. Entretanto, um dos porteiros decidiu deixar passar a equipa da Alemanha mas vedou caminho à francesa. Burburinho. Altercação. Insultos em fogo cruzado. Daninhos impropérios — os gauleses ameaçando com regresso imediato a casa, boicote aos Jogos, demovidos foram apenas quando, já em desespero, o presidente do comité organizador despediu o porteiro sob alegação de excesso de sentimento pró-germânico, o que na Holanda, por esse tempo, era sacrilégio no mínimo. Não fora isso e o esgrimista Lucien Gaudin perderia mais uma oportunidade de fugir a um destino marcado por incrível crueldade.

Lucien Gaudin – Espadachim do azar
Nascido em Arrás a 27 de Setembro de 1886, Lucien Gaudin foi provavelmente o mais tecnicamente sofisticado dos esgrimistas do século XX, apesar da popularidade e das medalhas dos irmãos Nadi. Só que os deuses pareciam ter-se coligado contra si. Iniciou-se em armas no ano de 1904 e sagrou-se logo campeão mundial. No entanto apenas em 1928, quando já fizera 42 anos, logrou a conquista de duas medalhas olímpicas de ouro, vencendo individualmente em florete e espada, a que juntou mais duas medalhas de prata colectivas nas mesmas armas. O que poderia ter ganho? Muito mais, certamente... Em 1904 a França não esteve em Saint Louis, em 1908 o florete foi riscado de Londres, em 1912 os franceses renunciaram à esgrima, em 1920 lesionou-se numa mão e em 1924 uma nevrite paralisou-lhe a mão direita! Em 1934 era banqueiro de renome. Vivia em Paris. No dia 23 de Setembro apareceu morto em circunstâncias misteriosas. É apenas isso que se diz em todos os livros de história que exaltam o seu fulgor de espadachim.

Britânicos contra hipocrisia
No final dos Jogos Olímpicos de 1928 recrudesceram as campanhas britânicas contra a «perversão do amadorismo», contestando a aceitação pelo próprio COI de «pagamentos simbólicos aos atletas para compensação dos salários perdidos para treinos ou competições» — e muito mais ainda a política de atletas-estudantes que os americanos tinham já alargado a todas as modalidades, revelando-a sem complexos fosse de que espécie fosse. Aliás, os quatro países britânicos recusaram-se a participar no torneio de futebol por acharem que era um escândalo o que estava a passar-se nos outros países, com os futebolistas todos pagos por baixo da mesa, amadores só no falso estatuto. Talvez por isso na Grã-Bretanha ninguém ligasse muito aos Jogos, o interesse estava todo centrado nas suas próprias competições, no futebol, no ténis — onde os profissionais assumiam o que eram...

Primo do pai da princesa
O americano Paul Costello ganhou em Amesterdão a terceira medalha de ouro consecutiva em scull de dois. Em Antuérpia e Paris fizera equipa com o primo John Kelly, pai de Grace do Mónaco, em 1928 remou com Charles McIlvaine. Tornou-se assim o primeiro remador a averbar três títulos olímpicos consecutivos na mesma especialidade.

Espectáculo da índia
Dhyan Chand
Dhyan Chand, nascido em 1905 na Índia, é considerado o maior jogador de hóquei em campo de toda a história, não só por ter levado a sua selecção à conquista dos títulos olímpicos de 1928, 1932 e 1936 — sobretudo pela arte que colocou na acção, jogando sempre, como um malabarista, com a bola colada ao taco. Era o quinto de onze filhos, aprendeu o hóquei com soldados britânicos aquartelados em Jhansei. Na final dos Jogos de 1932, em Los Angeles, a Índia bateu os Estados Unidos por 24-1 (record na disputa do título) e Dhyan e seu irmão Roop Singh somaram ambos 18 golos. Quatro anos depois mais uma humilhação para Hitler, os indianos venceram a Alemanha por 8-1 e Chand apontou seis golos.

56 medalhas e muita discussão no «Presidente Roosevelt»
Globalmente os Estados Unidos ganharam o maior número de medalhas (22 de ouro, 18 de prata e 16 de bronze), adiante da Alemanha (10+7+14), da Finlândia (8+8+9), da Suécia (7+6+12) e da Itália (7+5+7). Apesar disso, face ao fiasco no atletismo, o espaço sagrado e de excelência dos Jogos Olímpicos, o regresso a casa — no navio Presidente Roosevelt — foi em ambiente de cortar à faca, com os campeões culpando-se uns aos outros e sem ninguém a aceitar que se calhar todos haviam simplesmente tido mais olhos que barriga — e um excesso de confiança fatal.

Gertrude Ederle, mais jovem recordista mundial de natação
Mulher que foi ao canal humilhar homens
Em 1919, quando contava apenas 12 anos e 298 dias, Gertrude Caroline Ederle tornou-se notícia ao estabelecer o máximo mundial das 880 jardas, com 13.19,0 minutos, o que a deixou como a mais jovem recordista de natação do século XX. Pelo menos. Depois da fantástica proeza de Indianápolis os americanos habituaram-se a ver o seu nome nos jornais. Voltou a bater vários máximos universais entre os 100 metros e as 880 jardas, ganhou uma medalha de ouro e duas de prata nos Jogos Olímpicos de Paris, em 1924, pouco depois foi irradiada pela sua federação por participar em competições não autorizadas, no âmbito do... «código do amadorismo» — mas a explosão de notoriedade surgiria a 6 de Agosto de 1926. Tinha 19 anos e já era nadadora profissional. Seu pai, rico homem de negócios de Nova Iorque, prometeu-lhe um automóvel novinho em folha se conseguisse atravessar o canal da Mancha. Nunca nenhuma mulher ousara desafio assim. Gastou entre o cabo Gris-Nez e Deal 14 horas e 31 minutos, melhorando em mais de duas horas o máximo da travessia! Proeza ainda mais épica porque a meio do caminho precipitou-se sobre si horrenda tempestade que a desviou da rota que traçara. Thomas Burgess, seu treinador, o segundo homem a atravessar a Mancha, pediu-lhe que desistisse, que tudo aquele terrível vento levava, mas Trudy retorquiu-lhe que não, tinha um carro para ganhar. Quando colocou pé na rocha do lado de lá os oficiais de imigração não esconderam desconfiança — uma mulher a nadar no mar?! Julgaram que poderia ser trapaça, só após longos minutos de investigações e justificações a deixaram entrar em Dôver. «Enquanto estava a ser arrastada para o mar do Norte disse para mim mesma que continuaria até ter um colapso ou chegar lá ao outro lado. E cheguei! Sobretudo graças ao apoio que o meu pai e irmã davam do barco e aos telegramas que a minha mãe ia enviando.» Logo se levantaram suspeitas de que fizera parte do percurso de barco ou então a algum atrelada, só assim, asseguravam alguns críticos, uma mulher poderia ser mais lesta que os homens todos que pela Mancha tinham passado, provar-se-ia que não, foi mesmo tudo cumprido a nado — e quando desembarcou em Nova Iorque, no porto estava o prometido automóvel à sua espera. E uma emoção ainda mais quente: uma parada que se estendeu pelas principais ruas da cidade, milhares e milhares de pessoas a gritarem-lhe o nome, como a primeira grande heroína do desporto americano. Nos anos que se seguiram, para além de se manter em actividade nas provas profissionais de natação, Gertrude Ederle andou pela América e pela Europa num espectáculo de vaudeville mas, ao sofrer um esgotamento, perdeu a audição — acabou por recuperá-la e decidiu então que todo o seu dinheiro e toda a sua vida seriam aplicados a ensinar crianças surdas a nadar e a viver melhor. Como filhos de um deus menor...

Mancha de mulher
O capitão Webb foi o primeiro homem a atravessar a Mancha, em 1875. Em 1911 o inglês Burgess tornou-se recordista do canal. A façanha espalhou-se, épica, a sete ventos, e até deu palavra em português. Nem mais: burgesso, sinónimo de homem gordo e baixo, brutamontes, estúpido, surgiu, inspirada no nadador. Sullivan haveria de destroná-lo. Mas uma mulher faria melhor que qualquer deles: Gertrude Ederle, treinada precisamente por... Burgess!
 
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1928 – Carcavelinhos campeão de Portugal
Magia ganhou fama e por isso surgiu epíteto de «Sparta de Alcântara»

Revolta do proletariado
O Campeonato de Portugal de 1928 teve vencedor inesperadíssimo. O Carcavelinhos Futebol Clube, agremiação popularíssima de Alcântara, à qual todo o meio operário do bairro incitava e amparava com extraordinário apego, num quase evangélico espírito de comunhão. Os seus futebolistas jogavam de fato-macaco e, segundo Ribeiro dos Reis, a equipa possuía um sistema de ataque verdadeiramente sui generis: eram simulações a passar a bola, simulações a recebê-la, jogadores em corrida para o esférico dando a impressão de o irem dominar mas deixando-o seguir para um companheiro que já previa a manha do movimento, era, enfim, toda uma série de lances em que a imaginação se aguçava, rasgava, encantava. Esse jogo de entendimento e fantasia tornou-se tão notável que o rapazio alcunhou a equipa de Sparta de Alcântara — reflexo do estilo que, anos antes, estarrecera os portugueses. Dessa linha de ataque faziam parte três diabos de garrulice, manha e excelente toque de bola. E volta a ser através da escrita empolgada e apaixonante de Ribeiro dos Reis que se tira o cliché ao que aquilo era — em magia, em espectáculo: «A meia-direita jogava Armando Silva, o chocolatinho; ao centro Carlos Canuto, um dos fundadores da colectividade e depois árbitro famosíssimo; à meia-esquerda, José Domingos, o Zé grilo. No que estas alminhas faziam com a bola, às vozes de ‹pisa!›, ‹deixa!› e ‹sai!›, assentava o segredo do jogo de ataque e o segredo foi mantido durante muito tempo. E que era eficiente prova-o o facto de no Campeonato de Lisboa de 1928, embora a equipa ficasse em terceiro lugar, os avançados do Carcavelinhos terem feito 55 goals, mais que nenhum outro concorrente. A linha média era também interessada no jogo de ataque, e neste jogo entendia-se e completava muito bem o trabalho da frente, mas à defesa o conjunto de médios, defesas e guarda-redes já não era tão sólido, em especial como bloco.» Nesse sector apenas um nome despontava. E empolgava. Carlos Alves, defesa-direito, jogador de categoria internacional, que atracção se tornara ainda mais por actuar de luvas pretas porque uma admiradora lhe fora ao hotel entregar o par, prometendo-lhe que se as usasse ganharia o... Campeonato de Portugal. A promessa cumpriu-se e ele nunca mais as largou. Muitos anos depois o neto João manteria a tradição.

1000 escudos por treinador, 2 contos por 20 botas
Em 1928 o húngaro Akoz Tezler, que dera ao F. C. Porto o título de campeão de Portugal, solicitou aumento de ordenado de mil para dois mil escudos por mês, avisando que em Lisboa se ganhava já muito mais que isso. Convocou-se Assembleia Geral que recusou o pedido. Acabou a época, despediu-se e partiu para os Estados Unidos. E o F. C. Porto quedou-se pelos oitavos-de-final do Campeonato de Portugal, eliminado pelo Salgueiros! Mil escudos era o que o Sporting pagava também ao treinador, uma exorbitância se se pensar que os pequenos-almoços fornecidos aos jogadores durante a época orçavam 1500 escudos e 20 pares de botas para futebol dois contos.
Pensamento já no rio deixou «leões» como cordeirinhos
Magia e pugilato
Coube para adversário deste Carcavelinhos buliçoso e eficiente no ataque, o Sporting, equipa sólida e que recolhia favoritismo quase total. Só que chegara ao Lumiar convite para digressão ao Brasil, «a perspectiva de um passeio até à América do Sul impressionou os jogadores da equipa do Sporting e cada um deles e todos em conjunto, por muito que pensassem em ganhar a partida, eram subjugados pela ideia de não se magoarem, de não serem tocados, de evitar, enfim, tudo o que pudesse obstar à partida no paquete que no dia seguinte os esperaria. A ideia das malas prontas e da acomodação nas cabinas de um transatlântico prevalecia, na sua mente de viajantes, sobre a vontade de ganhar» e deu no que deu. A pressa com que a final foi marcada para um sábado, num campo ainda não utilizado, o de Palhavã, não permitiu nem a costumada battage na imprensa nem a presença de elementos oficiais. No entanto, as crónicas não deixam de falar de «bom espectáculo» — apesar de a equipa leonina ter o espírito todo centrado no portaló do paquete. Na crónica que redigiu, para o Sport de Lisboa, Ribeiro dos Reis sintetizou a vitória do Carcavelinhos «como uma lição de vontade e de energia». Os alcantarenses cedo passaram ao domínio do jogo. Aos 20 minutos José Domingos, numa decisão corajosa de que resultou entrar de roldão com a bola pela baliza do Sporting, pôs termo a uma avançada desconcertante da sua equipa e marcou, assim, o primeiro golo. Aos sete minutos da segunda parte empate através de remate de cabeça de Abrantes Mendes. Pouco depois o desafio esteve interrompido cinco minutos devido a uma carga violenta do extremo-esquerdo do Sporting José Manuel Martins a Gabriel, guarda-redes adversário. Envolveram-se ambos em cena de pugilato, generalizou-se o conflito por vários outros, o árbitro, em pânico, nem sequer foi capaz de manter a ordem de expulsão que já dera a Martins, continuou tudo na mesma, onze para cada lado, mas mais rispidez. O jogo reatou-se para o Carcavelinhos fazer 2-1, por José Domingos. Retraíram-se os homens do Sparta de Alcântara mas o destrambelho dos avançados do Sporting foi mantendo tudo na mesma, até que, a um quarto de hora do fim, Manuel Rodrigues marcou terceiro golo, aproveitando um centro longo de Abrantes a que Canuto fingiu acorrer mas deixou seguir a bola... E o Carcavelinhos ainda se deu ao luxo de falhar um penalty.

Campeões de Portugal
Gabriel, Carlos Alves, Abreu, A. Pereira, Daniel, Carlos Domingos, Abrantes, Armando Silva, Carlos Canuto, José Domingos, Manuel Rodrigues

Carcavelinhos caçou «águias»
Dos desafios a caminho da final, para além da já referida débâcle do F. C. Porto ante o Salgueiros, nos oitavos-de-final, evidência especial para a vitória do Carcavelinhos sobre o Benfica, na meia-final, por 3-1. Carcavelinhos sobre o Benfica, na meia-final. O confronto dos quartos-de-final, entre o Vitória e o Belenenses, no campo das Amoreiras, pouco antes da partida do onze de Portugal para o torneio olímpico de Amesterdão, decorreu muito tumultuoso, sendo expulso o médio belenense César de Matos, cujo castigo foi perdoado, mesmo dentro dos regulamentos da Federação, por se tratar de um jogador seleccionado para a equipa nacional desse jogo se falou como final antecipada.

Goleadas
Nesta edição o campeonato arrancou sob o signo do golo. Nos 1/16 de final o Sporting goleou o Torres Novas por 18-0 e o F. C. Porto o Vila Real por 13-1. Nos 1/4 de final, o Carcavelinhos despachou o Salgueiros, que afastara o F. C. Porto por... 8-1!

Luvas que menina lhe deu
Carlos Alves
As luvas de Carlos Alves foram durante anos um dos maiores enigmas do futebol português. Alguns diziam que era o hábito, que como trabalhava com produtos químicos as utilizava para evitar mazelas e não era capaz de retirá-las em jogo. Outros que era para evitar que as unhas se escalavrassem porque também era tocador de guitarra. Por fim ele explicou tudo. Era superstição, fora uma admiradora que lhas dera insinuando-lhe que se as utilizasse seria um dia campeão de Portugal. Foi. Pelo Carcavelinhos, seu clube de origem. Defesa-direito, jogou nos Jogos Olímpicos de Amesterdão. Foi, aliás, considerado o melhor jogador nessa posição, de parceria com o espanhol Jacinto Quincoces. Era diferente, refinou o modo de actuar dos backs — privilegiando a finura do toque de bola e a destreza do desarme em vez do tradicional estilo impetuoso da dureza na marcação e dos longos pontapés de despacho. A sua preocupação era defender para sair a jogar — mas também foi o primeiro homem a aplicar o tackle, tanto do uso dos britânicos nos campos de futebol de Portugal. Tinha um pé direito que era uma autêntica raqueta, por isso marcava muito golos, especialista sobretudo em livres a média e longa distâncias. Do Carcavelinhos passou para o F. C. Porto, por essa altura problemas pulmonares atiraram-no para um sanatório, onde esteve durante dois anos. Recuperado, passou a treinador do Farense, criando equipa famosa, a que se chamou... «8.º exército» pela sua invencibilidade larga em todo o Algarve. Contudo, o feitio desconcertante envenenou as relações com pupilos e dirigentes, coartando-lhe maiores veleidades como treinador. Refugiou-se, então, em Albergaria-a-Velha, onde permaneceria até morrer, orientando o Alba. Foi nesse clube que João Alves, o neto, começou a despontar para a glória.

4 contos MENSAIs para artista
Em 1926 Augusto Ferreira, cujo nome de guerra era Simplício, artista gráfico que desenhou a versão actual do emblema do F. C. Porto, exigiu aos dirigentes do clube quatro contos por mês para continuar a jogar futebol. Por essa altura os portistas foram buscar Álvaro Pereira à União da Foz, oferecendo-lhe 600 escudos mensais. E tinham nas suas fileiras um sueco pago a mais de três contos que raramente jogava. Oficialmente eram todos amadores, lá e nos demais clubes. Ah! A exigência de Simplício foi aceite...
 
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1928 – Automobilismo
Antes da explosão Bugatti e da morte de Ascari

Coroa dos Alfa Romeo
Nos loucos anos 20 as corridas de automóveis despertaram ainda mais emoções. Foi o tempo do surgimento de circuitos que haveriam de tornar-se lendas. Em 1922 inaugurou-se o autódromo de Monza para o Grande Prémio de Itália, que juntou mais de 100 mil espectadores. A corrida foi totalmente dominada pela Fiat. Um ano mais tarde, mas ainda em estradas fechadas, disputou-se o Grande Prémio de França, perto de Estrasburgo, a Fiat voltou a ser rainha. Por essa altura os mecânicos ainda seguiam nos bólidos, à ilharga dos pilotos, os quais já trajavam diferentemente da virada do século — em vez de bonés clássicos, cocos às vezes e... sobretudos de levar a galas, desataram a ir para as pistas com vestimentas semelhantes às dos pilotos de aviões, macacões de couro, protectores de ouvido, luvas e óculos. Tal como já se fazia nos Estados Unidos, em 1925, a par de uma série de desenvolvimentos tecnológicos na construção de pistas, — surgiram igualmente os circuitos de Spa-Francorchamps e Miramas, nos arredores de Marselha — e, sobremodo dos automóveis, os mecânicos passaram para as boxes, abriu-se a era do monolugar. Reunindo os Grandes Prémios da Bélgica, da França, da Itália e as 500 Milhas de Indianápolis, organizou-se o I Campeonato do Mundo de Automobilismo, competição para consagrar mais construtores que... pilotos. A Alfa Romeo, onde pontificavam Camari e Ascari — mas António, pai de Alberto, que haveria de explodir em glória na década de 50. Infeliz coincidência: ambos morreram ao volante, António no G. P. de França de 1925, Alberto em Monza, na curva que agora tem o seu nome, em 1955, faltando aos dois poucos dias para completarem 37 anos —, arrebatou o campeonato. Para celebrar a conquista do primeiro título mundial a Alfa Romeo integrou a coroa de louros no seu logótipo. No entanto a vida deste campeonato foi curta. Face aos crescentes custos e escassos benefícios retirados a grande maioria das fábricas abandonou a competição — e em 1928 surgiu a denominada fórmula livre, sem limitações de peso e motor, onde a maioria dos corredores eram privados mas amiúde apoiados por fábricas como a Maserati, a Alfa Romeo e a Bugatti — que dominou literalmente as pistas, com pilotos como Louis Chiron e William Grover Williams, vencedor, em 1929, da primeira edição do Grande Prémio do Mónaco, a escreverem a ouro a (sua) história. Por essa altura, no entanto, outro herói despontava: Rudolf Caracciola. O nome pode não parecer mas era alemão. Estrela da Mercedes-Benz, foi o primeiro piloto a ganhar o epíteto de rei da chuva. O seu vendaval de vitórias haveria de torná-lo instrumento de propaganda de Adolf Hitler mas, depois de três assustadores acidentes sucessivos no Mónaco, em Indianápolis e em Berna, decidiu abandonar em definitivo as pistas. Mas por muitos anos mais dois nomes se cruzariam na mesma imagem de glória e memória dela: Caracciola e Mercedes.

Jim Murphy «Made in USA»
Apesar da vida curta, primeiro grande ás de volante da década de 20. Ao volante de um Duesenberg, de design aparentemente supersónico. Primeiro americano a ganhar no mesmo ano, em 1922, o Grande Prémio de França e as 500 Milhas de Indianápolis. O seu nome talvez tivesse hoje efeito lendário se em 1924, durante uma competição em Siracusa, estava ele a caminho dos 30 anos, não sofresse terrível acidente mortal. Nasceu na Califórnia, em 1906, e no tragicamente famoso terramoto de São Francisco morreram-lhe os pais. Descobriram-no milagrosamente entre os escombros, parentes criaram-no. Na adolescência ofereceram-lhe uma moto. Com a paixão da velocidade assim aguçada o seu destino mudou.

Bugatti e as (más) travagens
Bugatti foi a primeira marca mito do século. Eram as preciosidades de Molsheim, na Alsácia, território que depois da I Guerra Mundial passou da Alemanha para a França. Ettore Bugatti nasceu numa família de consagrados dotes artísticos. Seu pai, Carlos, era pintor e desenhador de mobiliário clássico. Seu irmão Rembrandt, escultor — e da sua pena saiu o elefante que se tornou símbolo da marca. Ettore foi corredor efémero, em 1910, com 29 anos passou a desenhar modelos de automóveis, revolucionando-os com verdadeiro génio artístico. Após a I Guerra Mundial os Bugatti tornaram-se objectos de adoração e desejo, com inovações inimagináveis ao nível da forma do motor, dos eixos, dos radiadores e das jantes de alumínio. Nesses anos nenhuma outra marca venceu mais competições que os Bugatti 35. Mas, como não há bela sem senão, por vezes tinham problemas ao nível das travagens, que se tornavam fatais para os pilotos. Quando lhe falavam nisso, Ettore Bugatti redarguia, sardónico: «Construo os meus carros para andarem, não para travarem!»
 
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1929 – Belenenses campeão de Portugal
Homens da Cruz de Cristo assinam segundo título, batendo União de Lisboa por 2-1

Azul quanto baste
A final entre o Belenenses e o União, tal como a anterior no Campo da Palhavã, foi curta de ambiente e cerimonial. E de futebol notável também. Basta ler o modo como Ribeiro dos Reis a traçou: «A equipa do Belenenses, fatigada talvez mais de nervos que de músculos, não chegou nunca à exuberância possível, jogava muito ligada e certa mas os seus elementos pareciam presos de movimentos. A do União, já feliz por ter chegado tão longe, contentava-se em tocar segundo violino. Isto fez desvalorizar o nível técnico do jogo desenvolvido. O desafio teve apenas três períodos, o primeiro até ao momento em que o Belenenses, aos 15 minutos, conseguiu 1-0, de remate mandado por José Luís, o segundo quando no primeiro quarto de hora dos campos trocados o União estabeleceu o empate, coisa de poucos minutos de maior engodo por banda dos santamarenses, e finalmente o terceiro constituído com um ligeiro forçar do Belenenses nas alturas da meia hora da segunda parte e que terminou pelo golo de desempate marcado também por José Luís. Em suma, tudo se arrastou em andamento moderado, em disputas de bola claramente cautelosas e em negligências de corridas mais firmes, tudo como que vergado ao peso de duas situações desde o início tacitamente aceites pelos dois grupos em presença.» Nesta edição o F. C. Porto teve arranque supersónico, com goleada de 13-0 ao Sp. Braga, mas nos oitavos-de-final caiu aos pés do Sporting. Nesse turno o Belenenses eliminou o Benfica, por 3-1. O remate com uma curiosidade: algum tempo depois o Carcavelinhos, campeão de Portugal de 1928, e o União de Lisboa fundiram-se no Atlético Clube de Portugal. Mas a glória nunca mais seria a que fora.

Campeões de Portugal
João Tomás, Júlio Morais, João Belo, Carlos Rodrigues, Augusto Silva, Joaquim Almeida, Alfredo Ramos, Pepe, Silva Marques, Rodolfo Faroleiro e José Luís

Mosquitos por cordas no Sado
Na época anterior o União de Lisboa estreara-se no Campeonato de Portugal, quedando-se pelo turno eliminatório. Um ano depois a final! A carreira do clube de Santo Amaro fora relativamente fácil até aos quartos-de-final mas valorizou-se com a eliminação imposta na meia-final ao Sporting, andando os leões empolgados pela vitória sobre o FC Porto por 3-2. Esta partida pouco impressionou porque as atenções estavam voltadas para o Vitória-Belenenses, que o sorteio estabelecera jogar-se em Setúbal. Perante assistência recorde no Campo dos Arcos, empate a um golo. O árbitro aveirense, tenente Natividade, obrigou, porém, a novo desafio no dia seguinte, aproveitando-se o feriado de Camões. Os jogadores do Belenenses esperaram a partida em repouso na... praia de Albarraquel e levaram consigo uma surpresa: Pepe, que na véspera não alinhara. O Belenenses ganhou por 2-0, houve polícia dentro de campo, confrontações entre adeptos e corte de relações entre clubes.

Almirante da Cruz de Cristo
Augusto Silva
Nos Jogos Olímpicos de 1928 Augusto Silva ganhou epíteto que lhe marcaria o resto da vida: leão de Amesterdão. O seu nome ganhou ainda mais ressonância, sobretudo após o jogo com a Jugoslávia, que Portugal eliminaria no prolongamento — numa das suas peculiares arrancadas, driblou quantos adversários lhe apareceram na galopada, batendo com um golo de raiva Siflis, então considerado um dos melhores guarda-redes da Europa. Era de rasgos assim que fazia o seu futebol. E a sua fama. Por exemplo, numa partida para o Campeonato de Portugal entre Belenenses e União de Lisboa, estava a sua equipa a perder por 1-3, César de Matos estava KO, com uma perna partida fora de campo, a equipa reduzida a 10, passou para avançado- -centro e resolveu a eliminatória — 4-3! Mais épico ainda foi o que fez em 1932, no Campo do Arnado, em Coimbra, contra o FC Porto, também para o Campeonato de Portugal. Estavam os portistas a ganhar por 4-1, de médio-centro saltou para o ataque, marcou três golos, andou, depois, num delírio nunca visto, passeado em ombros pelas ruas da cidade, como um herói na finalíssima, contudo, os azuis de Lisboa não conseguiram o terceiro título nessa competição, lograram-no os portistas. Oficial da marinha, discípulo de Artur José Pereira, que substituiu como médio-centro e treinador do Belenenses, foi ele quem conquistou, em 1945/46, o único título de campeão nacional da I Divisão que fugiu ao Benfica, ao FC Porto e ao Sporting — que teve a sua marca na marca da cruz de Cristo.
 
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1930 – Campeonato do Mundo do Uruguai
3850 quilos de ouro para susto do escultor

Taça roubada
Já com a máquina do Mundial de 1930 em andamento, Rimet foi ao atelier de Abel Lefleur, em Boulougne-sur-Seine, encomendar troféu de ouro maciço. O escultor, especialista em obras de pedra, renitiu por receio de trabalhar com material que lhe era estranho, o presidente da FIFA insistiu — que teria de ser ele, que tentasse e não se assustasse. Foi. Utilizou 3,850 quilos de ouro na estatueta de 30 centímetros que representava a deusa Vitória. O seu custo ficou pelos 50 mil francos, uma fortuna! Quando a olhou pela primeira vez Jules Rimet não escondeu o deslumbramento: «É linda! Por isso é que queria ouro, não por ostentação mas por ser nobre, símbolo de grandeza, da grandeza que quero que venha a ter a Taça do Mundo.» Em 1946 o troféu passou a ter o nome do seu ideólogo. Jules Rimet. E 20 anos depois, pouco antes do Mundial de 66, a taça foi roubada. Graças a uma cadela chamada Pickles reencontraram-na, em 1983 voltou a desaparecer da sede da Confederação Brasileira de Futebol, no Rio de Janeiro, concluindo-se, alguns meses volvidos, que fora derretida e o ouro vendido. A CBF mandou, então, construir uma réplica, que mantém guardada num cofre-forte e quase secreto. Em 1974 a FIFA instituiu novo troféu para o campeão mundial. E deu-lhe o seu próprio nome. Desenhada pelo escultor italiano Silvio Gazzaniga, custou 100 mil francos suíços: 36 centímetros de altura, cinco quilos de ouro puro, a simbologia dos atletas sustentando o Mundo.

Primeira lesão, primeiro golo
O primeiro lesionado de um campeonato mundial foi o guarda-redes francês Thepot, que contra o México levou um pontapé no queixo, sendo por isso obrigado a abandonar o campo e a receber assistência hospitalar. Apesar de jogar 70 minutos apenas com 10, e um avançado à baliza, a França ganhou por 4-1. O primeiro golo coube ao francês Laurent — apenas 500 espectadores assistiram a esse instante histórico: aos 19 minutos iniciou a jogada pelo círculo central, driblou um mexicano, abriu para a esquerda, Langiller devolveu-lhe o esférico e de fora da área desferiu tiro certeiro que bateu Bonfiglio sem apelo nem agravo. E a primeira expulsão foi do peruano De Las Casas. Aliás, a primeira e única em todo o campeonato.

Polícias a cavalo, árbitro em fuga
Primeiro escândalo de um Campeonato do Mundo. No França-Argentina os sul- -americanos ganhavam por 1-0, os europeus em ataque sucessivo em busca do empate e aos 84 minutos o árbitro brasileiro Almeida Rego decide acabar a partida! Os uruguaios, que nas bancadas apoiavam os franceses levados pela antipatia contra os vizinhos, invadiram o campo, alguns tentaram agredir o juiz — que a custo conseguiu fugir para os balneários... Polícias a cavalo continuavam a tentar limpar o relvado à bastonada, tal só se conseguiu quando se anunciou que o árbitro se enganara no tempo e estava pronto a voltar ao campo para fazer jogar o que faltava. Nada aconteceu nesse intermezzo. A Argentina ganhou e os franceses andaram num rebuliço, aos ombros dos uruguaios, como se tivessem acabado de ganhar o Campeonato do Mundo.

Final em ambiente de loucura com argentinos afastados no estádio

Árbitro exigiu protecção
Em 1921 o francês Jules Rimet, assumindo a presidência da FIFA, considerou que o futebol era «o desporto mais apaixonante do Mundo, o meio mais seguro de fazer diplomacia, a maneira mais eficiente de levar a paz a todos os povos». E nesse sentido propôs a criação de um Campeonato do Mundo. Oito anos depois, a 18 de Maio de 1929, no congresso de Barcelona, aprovava-se a sugestão. O governo do Uruguai, empolgado com os títulos olímpicos de Paris e Amesterdão, comprometeu-se a pagar todas as despesas aos concorrentes. A balança pendeu para o seu lado, a organização foi integrada nas comemorações do primeiro centenário da independência. Apesar de todas as facilidades financeiras oferecidas pelos seus governantes, apenas quatro equipas europeias se deslocaram ao Uruguai: França, Bélgica, Jugoslávia e Roménia. O mundo agonizava em crise, os efeitos do crash de Nova Iorque mantinham o seu trágico efeito dominó, Alemanha, Áustria, Espanha, Itália, Hungria, Suíça e Inglaterra desistiram. Nas meias-finais a Argentina arrasou os Estados Unidos: 6-1. Para manter a emoção em lume crepitante os uruguaios despacharam os jugoslavos pela mesma medida: 6-1. Ao saberem que hordas de argentinos preparavam invasão a Montevideu pelo rio da Prata, com centenas de barcos fretados, os organizadores puseram apenas 10 mil bilhetes à disposição da Associação de Futebol Argentina. Por isso muitos deles tiveram de ficar na rua no dia do jogo. Sabendo da rivalidade aguçada que alastrava, o árbitro escolhido para a final, o belga John Langenus — único que apitou fases finais de três Campeonatos do Mundo e ainda o jogo para o ouro nos Jogos Olímpicos de Amesterdão —, pediu protecção policial durante... 24 horas. Foi-lhe concedida. A polémica começou logo em torno da bola. Cada equipa queria que a sua fosse utilizada. Langenus, salomónico, decidiu — cada bola em sua parte. Aos 12 minutos Pablo Dorado pôs o Centenário ao rubro. Mas os argentinos, com uma grande equipa, impávidos perante o ambiente de loucura e histeria, empataram por Carlos Peucelle e logo depois Stabille faz 2-1, deixando o estádio em silêncio sepulcral, só quebrado quando Nasazzi marcou, tendo o golo sido anulado. A sorte de Langenus foi o 2-2 surgir de seguida, por Pedro Cea, Iriarte desempatar e Héctor Castro, aos 68 minutos, colocar o placard em 4-2. Quando, com o presidente da república, dr. Cimpistegui, a seu lado, José Nasazzi, recebendo-a das mãos de Jules Rimet, se tornou o primeiro homem a erguer a deusa das asas de ouro — as lágrimas misturavam-se com os gritos: «Uruguai, Uruguai, Uruguai!» Das equipas campeãs olímpicas de Paris e Amesterdão apenas Andrade, Sacrone, Cea e Nasazzi eram remanescentes. No dia seguinte decretou-se, em Montevideu, feriado nacional.

Campeões do Mundo
Enrique Ballestero, Alvaro Gestido, José Nasazzi, Ernesto Mascheroni, José L. Andrade, Lorenzo Fernández, Pablo Dorado, Héctor Scarone, Héctor Castro, Pedro Cea e Santos Iriarte
 
H

hast

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1930 – Português no mundo do boxe
Santa Camarão até entrou em duelo com campeão mundial de pesados

Comparado aos mamutes
Para o escritor João Sarabando, que foi seu amigo e sobre ele escreveu as mais poéticas e comoventes páginas, José Santa Camarão acabou por ser um ídolo com pés de barro mas com coração de ouro. «Brilhou nos ringues da Europa e na América, podia ter sido campeão do Mundo se outros homens possuíssem uma consciência límpida como límpida era a alma de José Santa.» Contou também que, nos Estados Unidos, «onde travou dezenas de combates com os maiores boxeurs dos começos de 1930, a imprensa o comparava, expressivamente, a um arranha-céus, aos mamutes, ao Colosso de Rodes e, até mesmo, a Sansão.» Na América não conseguiu o título mundial mas engordou a conta bancária o bastante para não andar à míngua de dinheiro. «Apesar de espoliado, tantíssimas vezes, por managers pouco escrupulosos, o antigo fragateiro conseguiu, ainda assim, salvar, ele que ganhou sobre a lona, e naquele tempo, mais de 6000 contos, o bastante para viver tranquilo, sem apreensões, o resto da vida.» Natural de Ovar, onde nasceu a 25 de Dezembro de 1902, José Santa não foi, ainda na opinião de Sarabando, «um pugilista da classe ou da subtileza de um Carpentier, mas dispunha de um punch de ferro que em nada perdia em confronto com o de Primo Carnera, que Joe Louis definiu como cordilheira de carne e osso». Lutou contra o alemão Max Schmeling, que haveria de se sagrar campeão mundial de pecados, acabando derrotado ao 10.º round. E assim em muita gente ficou a ideia de que também ele poderia ter sido dono do mundo. Com Max Schmeling e Olga Tchescowo participou em dois filmes: Amor ou Ringue e O Boxeur e a Mulher. Teve, depois, convite para Hollywood mas, farto da América, em 1934 optou por ficar em Ovar a viver dos rendimentos que o boxe lhe dera. Morreu com 65 anos, igual a si próprio — na bonomia do sucesso sem a empáfia da petulância. Não admira. Apesar da força hercúlea, assevera Sarabando, «fora dos ringues foi sempre um modelo de mansidão e de bondade». Numa das últimas entrevistas, trecho de onde poderia tirar-se o seu epitáfio: «Exploravam-me e ia muitas vezes para o ringue moralmente vencido. Mas recordo com saudade a rota que trilhei, sem bem a saber trilhar. Os espinhos eram bastantes mas havia também algumas rosas. Estou grato ao boxe por me proporcionar um razoável nível de vida e aos meus pais, no ocaso da existência, um pouco de pão mais branco. Não fiquei, apesar de tudo, com ódio a ninguém. Nem àqueles que me inutilizaram a carreira por ambição desmedida de lucros. Muito menos aos adversários que, atingindo-me com violência, me fizeram sentir a dor. E para aqueles que bati, no decorrer das lutas, só guardo um sentimento de piedade. Depois das batalhas em que se mata e se morre, os soldados são outra vez irmãos. Há fraternidade e os sentimentos puros renascem sempre. Com os boxeurs acontece o mesmo.»

Santa e outros brilharetes
José Santa era nome de baptismo. Camarão alcunha. Descoberto casualmente no Porto pelo lutador Manuel Grilo, quando trabalhava na estiva, o primeiro brilharete foi em 1929, na arena do Campo Pequeno, no combate com o belga Charles, campeão da Europa de todas as categorias, que só o bateu aos pontos. Foi nessa altura que partiu para a América, onde já estivera Tavares Crespo e para onde partiria também Cruz Coelho, que alguns consideraram sucessor de Camarão mas regressaria a Portugal na mais profunda miséria física e... material. Outros foram os boxeurs em altos duelos. Em 1927 Pinto de Sá combateu com Fidel la Barba para o título mundial de galos. Na década de 30 António Rodrigues lutou no Campo Pequeno contra o italiano Erminio Spalla, numa eliminatória para o título mundial de meios-pesados, e José Maria Liberato perdeu, em Barcelona, para o espanhol Baltazar Sangchili, luta para o Mundial de plumas. Esse era o tempo em que o boxe enchia arenas, despertava emoções como o futebol, enchia páginas de jornais — às vezes, para lamentar a farsa, os combates combinados, a vergonha dos bastidores.

Max Schmeling humilhado por Joe Louis

Calar o grito
José Santa Camarão defrontou Paulino Uzcundun para o título europeu de pesados e Max Schmeling para o mundial — combate que serviria até para tema de um filme de Artur Duarte. O alemão chegou a campeão do Mundo de forma anacrónica: estava já a gemer numa maca, com um massagista a tratar-lhe de uma virilha, quando, por falta grave de Jack Sharkey, Max foi decretado vencedor, sucedendo a Gene Tunney, corria o ano de 1930. Dois anos depois perdeu o cinturão para Yussef Jacobs e em 1938, numa luta com Joe Louis, que Hitler quis transformar em mais uma acção de propaganda do arianismo, a humilhação total: KO ao fim de 124 segundos de combate, a rádio nacional da Alemanha a cortar de imediato a transmissão com receio de que os seus gritos de dor pudessem passar pelas ondas hertzianas! Apesar de dizer várias vezes que não era nazi, Schmeling serviu o exército de Hitler como pára-quedista, participou até na invasão de Creta, em 1947 voltou aos ringues mas já sem grande fulgor. Tornou-se então representante da Coca-Cola na Alemanha e assim enriqueceu muito mais que no boxe. Casado com a estrela de cinema Anny Ondra, apaixonado pela caça, adorava passar longas temporadas pelas estepes frias da Finlândia em busca de ursos. Deixou de fazê-lo quando o manager lho proibiu por «distorcer a sua imagem». Dedicou-se então, nas horas vagas, ao cultivo de flores e à leitura de poesia. HISTÓRIA ANTES DE CAMARÃO O primeiro espectáculo de pugilismo organizado em Portugal ocorreu no Campo Pequeno, por iniciativa do empresário António Santos, no dia 4 de Junho de 1909. O negro Sam Mac Vea, ao tempo um dos melhores do Mundo, lutou contra o irlandês Drumond, que foi posto fora de combate ao oitavo assalto. Por essa altura praticava-se boxe no Ginásio Clube Português e no Ateneu, os pioneiros eram Alves Martins, Luís Pinto Basto, Vieira Caldas, Silva Ruivo e... Nascimento de Lys, que o aprendera em Itália, por onde andara como... cantor. Em 1912, clubes reunidos por iniciativa do jornalista Mário Santana decidiram fundar a Federação Portuguesa de Boxe. Só dois anos depois, a 14 de Março, se oficializaria e o presidente seria Manuel da Silveira, primeiro português a tornar-se recordista mundial de halterofilismo. Por essa altura Silva Ruivo aderiu ao profissionalismo, lutando contra o americano Jack Hanlon. Em Outubro de 1919, no Casino Estoril, primeiro combate entre dois portugueses assumidamente profissionais, opondo Rui da Cunha a Silva Ruivo — deu em empate e assim se dividiu ao meio a bolsa de 200 escudos. Mas a primeira grande figura nacional foi Basílio de Oliveira, emigrante em Manchéster, que nos anos 10 ganhou quase todos os combates que fez, sempre como amador, em Inglaterra e na Alemanha. Aliás, quando veio a Portugal exibir-se pela primeira vez fez de Silva Ruivo gato-sapato.
Mulher-foguete

Kay Pette
Foi uma vertiginosa desafiadora de costumes. A primeira mulher piloto a rasgar fronteiras de fama. E sedução. Kay Petre nasceu no Canadá em 1903. Seu marido, aviador britânico, comprou-lhe, como prenda de anos, um Wolseley Hornet Sport. Pequenina, de cabelos pretos e enrolados, sempre imaculadamente vestida com casaco de seda azul-marinho, lançou-se às corridas de automóveis. Um espanto. Em 1934, no circuito de Brooklands, em Surrey, atingiu 199 km/h ao volante de um Bugatti — nunca senhora alguma atingira tal rapidez. O seu exemplo já contagiara outras aventureiras e por isso alguns meses depois Elsie Wisdom, em Riley, apoderou-se do recorde, foi a primeira a mais de 200 à hora. Kay decidiu, então, pedir emprestado a um amigo um Delage de 10,5 litros e marcou uma volta a 207 km/h. O impacte mediático da façanha levou a que, em 1935, se lançasse um duelo entre Kay Petre e Glenda Stewart, que rendeu grande publicidade a Brooklands. A competição era tão perigosa que, para minimizar riscos, se optou por corridas individuais. Petre chegou aos 215 à hora, Stewart, num Derby-Miller, atingiu 218! Os juízes, alarmados, proibiram quaisquer outras tentativas. Depois disso, em Delage, com o assento e os pedais adaptados à sua minorca figura, Kay venceu várias corridas, algumas delas com os melhores pilotos de então. Um acidente quase fatal, atingida pelo bólido em despiste de um outro piloto, atirou-a durante largos meses para o hospital, quando de lá saiu a primeira coisa que quis foi voltar à competição. O marido pediu-lhe apenas que fosse para as «provas de montanha, menos perigosas». Aceitou e voltou a brilhar, morrendo em 1994, com 91 anos.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
7,173
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Sacramento
O Max Schmeling e o Joe Louis tornaram-se em grandes amigos,e foi o Schmeling que pagou as despesas funerarias do Joe Louis,que apesar de ter ganho muito dinheiro, morreu practicamente em ruina.
Lembro-me do meu pai falar nesse Joe Santa,parece que nao era muito habilidoso,e tinha realmente um estilo parecido com o Carnera.Mas este teve a ajuda da mafia que o ajudou a ser campeao.
 
H

hast

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1930 – Primeiro Europeu de hóquei em patins
Portugal estreou-se no europeu de hóquei em rocambolesca aventura

Voo louco do patim...
No atletismo Amesterdão marcou um eclipse quase total dos americanos. Nas corridas apenas uma medalha de ouro conquistada, por Raymond Barbuti nos 400 metros, em 47,8 segundos. Foi vitória arrancada a ferros. Dramática. Jogador de futebol americano, fora aos Jogos Olímpicos sem grande experiência, apenas na esperança da sua rapidez, faltava-lhe controlo das operações. Lançou-se, na final, em louca cavalgada, a 50 metros do fim quase desfaleceu, arrastou-se pela pista, o canadiano James Ball em épica recuperação, mesmo sobre a linha Barbuti caiu para a frente, cortando a meta inconsciente, um décimo adiante do perseguidor. Na velocidade nem um americano no pódio. Estranhíssimo se se pensar que, das 16 medalhas de ouro anteriormente em disputa nos 100 e 200 metros, 14 foram parar aos Estados Unidos. O rei do sprint foi o canadiano Percy Williams, 20 anos, olhar frágil — mas corrida electrizante. Nas provas de qualificação em Toronto igualara o record mundial de Abrahams, com 10,6. Apesar do fogacho ninguém o levou muito a sério — mudaram-se os sentimentos quando, nas eliminatórias, repetiu a marca mas bastaram-lhe 10,8 segundos na final para bater o inglês (de cor) Jack London — o primeiro negro a tornar-se velocista fulgurante na Europa —, os resultados finais foram prejudicados por uma série sucessiva de falsas partidas. No duplo hectómetro, através de metros finais fulgurantes, bateu outro britânico, Walter Rangeley — com 21,8 segundos, aquém dos 21,6 que, quatro anos antes, valeram a Jackson Scholz record olímpico. Dois anos mais tarde colocou o record mundial dos 100 metros em 10,3 segundos, mostrando que as medalhas de ouro de Amesterdão não foram fruto do acaso ou de capricho divino — e nesse mesmo ano arrecadou medalhas de ouro nas 100 jardas e nos 4x100 metros nos Jogos do Império, a primeira denominação dos Jogos da Commonwealth. Foi estrela em fogo-fátuo, em 1932, em Los Angeles, não conseguiu sequer acesso às finais dos 100 ou 200 metros, abandonou o atletismo de competição pouco depois, suicidando-se em 1982 em Vancôver, onde nascera, com 74 anos de idade.

Fabuloso «record» de golos de Dean na FA
Bombardeiro!
Uf!, 39 jogos da Premier League e... 60 golos! Essa foi a saga fabulosa de William Ralph Dean, avançado-centro do Everton na temporada de 1928. Jogador fisicamente poderoso, temido pela capacidade de rematar com ambos os pés e pela força de morteiro das cabeçadas, tinha então apenas 21 anos — e assim se tornou recordista de golos do principal campeonato inglês, nunca mais sendo ultrapassado. E, para colocar a cereja no bolo, fechou contas com hat trick diante do Arsenal no último jogo do campeonato, 60 mil espectadores no seu Goodison Park em gáudio pela conquista do título inglês. Nas restantes competições averbou mais 22 golos. Ou seja 82 num ano só. Adquirido pelo Everton ao Tranmere Rovers em 1925, Bill Dixie Dean por lá permaneceu até 1938, marcando 349 golos em 399 partidas da liga inglesa, contribuindo de forma decisiva para a conquista pelo Everton dos campeonatos de 1927/28 e 1931/32 e da Taça de Inglaterra de 1933. Em 1938 transferiu-se para o Notts County; vítima de várias lesões, nove jogos apenas realizou, mudando-se de seguida para o Sligo Rovers, que graças a si atingiu a final da Taça da Irlanda de 1939. Estalou a guerra e foi o ponto final numa carreira com 473 golos (37 hat tricks) em 502 encontros; 18 tentos foram apontados nas 16 vezes que vestiu a camisola de Inglaterra.

Acidente de moto, prata nos maxilares
Aos 19 anos Dean esteve entre a vida e a morte devido a acidente de moto no Norte de Gales. Tendo fracturado o queixo e o crânio, os médicos tentaram impedi-lo de continuar a jogar futebol, respondeu-lhes que nem pensar, para tal teve de colocar placas de prata nos maxilares — e dois anos depois o Everton pagou pela sua transferência três mil libras.

Cobrador de impostos, perna amputada
Cobrador de impostos e mais tarde funcionário das piscinas de Littlewoods, Bill Dean foi obrigado a reformar--se devido a doença. Em 1976, depois de múltiplas operações para lhe retirarem um coágulo, foi-lhe amputada a perna direita. Quatro anos passados, em pleno Goodison Park, ao assistir a derrota do Everton com o Liverpool, sofreu ataque cardíaco, morrendo com 74 anos. A caminho do cemitério onde se faria a cremação, no préstito pelas ruas de Birkenhead, uma imensidão de gente.

Ivar Ballangrud – Nurmi do gelo e a outra
Nas corridas no gelo da década de 30 um nome se destacou dos demais: Ivar Ballangrud. Em 1939 participou pela última vez num Campeonato do Mundo, fechando a carreira com invejável palmarès: sete medalhas de ouro nos 5000 metros, quatro nos 10.000 e outras tantas nos 1500. Com presença igualmente fulgurante em Europeus — campeão em 1929, 1930, 1933 e 1936 —, conquistou sete medalhas em Jogos Olímpicos de Inverno, igualando proeza do finlandês Clas Thunberg, o Paavo Nurmi do gelo, que entre 1924 e 1928 arrecadou cinco medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze. A safra de Ballangrud foi assim: nos Jogos de St. Moritz-28 venceu os 5000 metros e ficou em segundo nos 1500; em Lake Placid-32 conseguiu a medalha de prata nos 10.000 metros; em Garmisch-Partenkirchen-36 o fulgor supremo: três medalhas de ouro nos 500, 5000 e 10.000 metros e uma de prata nos 1500. Só mesmo Sonja Henie seria capaz de o ofuscar. E bem ao de leve.
António já morrera de sífilis, em 1921, e vírus voltou a atacar Francisco
Stromp atirou-se para a frente do comboio
Stromp. Um apelido, dois nomes. António e Francisco. Dois nomes de destino trágico. Simbolizando Sporting. Como duas bandeiras no mesmo ideal. Em 1921 António, que fora o primeiro olímpico do clube e um dos seus melhores futebolistas morreu das primícias, de sífilis. Três anos depois, ainda a sofrer o abalo emocional que isso lhe causara, Francisco entregou a chefia da equipa de futebol a Jorge Vieira, abandonando, definitivamente, a camisola que envergara desde 1906. Por essa altura corria-lhe já nas veias o mesmo vírus que vitimara o irmão. Estava empregado como tesoureiro do BNU, o dinheiro começava a faltar na caixa, por vezes à refeição tentava comer a sopa com um garfo, a memória perdia-se dia após dia, esfarrapando-se... A 1 de Julho de 1930, precisamente quando o Sporting cumpria 24 anos de idade, levantou-se cedo e, em vez de se deslocar para o banco, rumou à estação de Sete Rios. Comovente, arrepiante, o relato do que a seguir se passaria, tragicamente feito na biografia que Romeu Correia lhe escreveu: «Em Sete Rios há uma recta de linha férrea que vem de Entrecampos. Por ali passa todas as manhãs o rápido. Passa veloz e não pára. É um sítio ermo, aquele, esquecido, só alertado pelo silvo enfurecido do comboio. Naquele sábado, às 11 horas da manhã, a presença de um homem chama a atenção de quantos passavam por ali. Esse ser anónimo estava quieto, olhos postos na linha, mas tão pegado ao chão que só o silvo longínquo do comboio o fez despertar. Então despiu o casaco e logo o arremessou para o lado como coisa sem interesse. E quando o monstro mecânico lhe apareceu pela frente correu para ele, de braços abertos, corajoso e leal, como fora sempre em toda a sua vida. Nessa tarde alguns jornais trouxeram o nome e o retrato de Chico Stromp.

Fred Perry – Morrer sem sucessor!
Venerado como último inglês a vencer Wimbledon, Fred Perry ainda estava à espera de sucessor quando morreu, em 1995, poucas horas depois de marcar presença, em Melburne, num jantar de homenagem a Ken Rosewall, onde fez questão de estar apesar de ter quebrado as costelas numa queda, dias antes. Tinha 86 anos. Destacou-se inicialmente como campeão de ténis de mesa, chegou mesmo a campeão mundial, já nos courts, ganhou Wimbledon em 1934, 35 e 36, ao que juntou mais quatro vitórias de Inglaterra na Taça Davis, três no U. S. Open (1933, 34 e 36), uma em Roland-Garros (1935) e outra no Australia Championships (1934). A sua projecção era tal em toda a Grã-Bretanha que no dia em que conquistou o título na catedral da relva, West End, no coração de Londres, estava apinhado de cartazes que diziam apenas: Fred! O seu pai fora membro do Parlamento britânico, durante a II Guerra Mundial serviu o exército americano, foi o primeiro tenista a juntar vitórias nos quatro torneios do Grand Slam, só que não no mesmo ano — e, quer antes quer depois da despedida, inundava as páginas das revistas de coração em imagens com as mais famosas actrizes do mundo. Tornando-se profissional em 1936, deixou a Inglaterra, foi viver para Los Angeles, nacionalizou-se americano, tornando-se co-proprietário do Beverly Hills Tennis Club, do qual faziam parte, entre muitas outras estrelas, Charlie Chaplin, Errol Flynn e David Niven. Lançou também uma linha chiquérrima de roupas de ténis, fazia questão de estar todos os anos como comentador da BBC durante o torneio que o consagrou e no dia em que o All England Club ergueu a sua estátua no portão Fred Perry chorou — como nunca chorara nos dias das grandes vitórias.

Helen Wills Moody – Fugir da guerra e da fama
Primeiro sinal de brilho aos 19 anos, com a conquista da medalha de ouro nos Jogos de Paris. Dois anos depois, em Cannes, protagonizou uma das partidas mais célebres da história contra Suzanne Lenglen, a extravagante grande dama. A californiana Helen Wills (que ainda não adoptara o Moody por casamento) deu-lhe luta inesperada, perderia mesmo o confronto através de decisão polémica do árbitro, com a francesa a ameaçar abandonar o court se não lhe fosse averbado ponto. Por receio o juiz disse que sim, até o Paris Herald Tribune pôs a história na primeira página, o mundo inteiro ansiava pela révanche mas por destino nunca mais se cruzariam em jogo. Helen embarcou então para uma carreira de sonho, com oito vitórias em Wimbledon, record que haveria de ser batido apenas por Martina Navratilova, e mais sete no U. S. Open, outra mão-cheia em Roland-Garros. Entre 1927 e 1932 Wills Moody não perdeu um único set para qualquer adversária. Durante a II Guerra Mundial desapareceu das vistas do grande público e quando o conflito fechou também não deu mais sinal. Decidira viver «na doce pacatez do anonimato». Só recentemente se voltou a falar de si. Estava já para além dos 90 anos, vivia numa casa de repouso em São Francisco e numa das raras entrevistas que deu ao longo de toda a vida admitiu admirar Navratilova, mas logo acrescentou, lesta, irónica: «Os meus anos no ténis já passaram há tanto tempo que nem me recordo do que fui... E do jogo de hoje já não entendo nada...»
 
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hast

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1930 – Basebol – Babe Ruth herói americano
Babe Ruth bateu «record» de transferência (400 mil contos)

Gordinho do reformatório
Nariz de batata. Cara de lua cheia. Mais de 100 quilos de peso. Um andar exótico. Gingão. Era assim Babe Ruth. Aliás, George Herman Ruth. Aos 19 anos ainda estava internado num reformatório para adolescentes em Baltimore. Seis anos depois, em 1919, já era uma das maiores figuras desportivas de toda a história americana. O melhor pitcher (lançador pertencente à equipa defensiva) canhoto do campeonato de basebol. Entre 1915 e 1919 conduziu os Boston Red Sox à conquista de três títulos da American League (AL), em quatro possíveis, e ao World Series de 1918 — por acaso o último do historial do clube de Bóston. E foi eleito MVP de todas essas temporadas. Mas era ainda só a luz bruxuleante da estrela. A explosão surgiria na década seguinte. Face a graves problemas económicos, em Dezembro de 1919 Harry Frazee, produtor de teatro e dono dos Red Sox, viu-se obrigado a vender o seu fenómeno aos New York Yankees — que em 17 anos de existência nada tinham ganho. Para além de lhe pagarem 20 mil dólares por época, mais mil só pela assinatura, Jacob Ruppert e Tillinghast Huston, proprietários dos Yankees, ainda entregaram mais 400 mil dólares a Frazee. A maior transferência do desporto mundial numa altura em que os Estados Unidos viviam na euforia da economia dourada.

Mais de um milhão no estádio
Detentor de capacidades infinitas e passando a actuar igualmente como batedor, ao serviço dos Yankees Babe Ruth sobrepujou todos os records. Entre eles destaque para os 60 home runs realizados em 1927 — feito apenas superado passados 34 anos — ou os 714 conseguidos ao longo da carreira. Logo em 1921 os Yankees — que nunca haviam ficado melhor que no quarto lugar — ganharam a American League, proeza que reeditariam em 1922 e 1923. A febre estoirou, de súbito toda a gente queria ir ao basebol, todos queriam ver Babe, que os emigrantes italianos de Nova Iorque passaram a tratar carinhosamente por... bambino. Em 1920 os Yankees tornara-se o primeiro clube a receber mais de um milhão de fãs (1.289.000) numa temporada só. Era o efeito Ruth, inquestionavelmente. Só uma equipa não sentiu os efeitos da nova vaga – Boston Red Sox.

Dinheiro gordo que lhe davam era utilizado em prazeres e devaneios
Corridas com polícias e casaco de castor
Babe Ruth era um animal de espectáculo. Vivia para isso. Dentro e fora de campo. Adorava passar tardes inteiras em voltas e reviravoltas pela Broadway no seu descapotável, trajando espampanante sobretudo de pele de castor — desmultiplicando-se em autógrafos e fotografias com os fãs. Em 1922 renovou contrato com os Yankees por mais cinco temporadas, a 52 mil dólares por época. Dizia que o dinheiro só lhe servia para gozar a vida, para descobrir «nem que fosse no fim do mundo» as bebidas alcoólicas que a lei seca proibia, para as emborcar ao som do jazz e do charleston — e para poder guiar «todos os dias a alta velocidade, desafiando os limites como se estivesse num jogo de basebol». Tinha, pois, tanto de génio como de louco. Amiudadas vezes obrigou polícias em motos a lançarem-se a mais de 150 à hora para o parar. Numa dessas perseguições, como nos filmes, o carro capotou, só por milagre de lá saiu sem uma arranhadura sequer. Para os treinos ia muitas vezes em estado de quase embriaguez — talvez por isso, em 1925 sofreu um colapso cardíaco dentro do campo, teve também problemas hepáticos, foi operado a uma úlcera. Esse foi o seu ano negro. Logo houve quem o enterrasse como jogador. Foi uma temporada para esquecer. Porém, em 1926 surgiu melhor que nunca e levou os Yankees à conquista do quarto campeonato da American League em seis possíveis. Um ano depois, já a receber 70 mil dólares, estabeleceu o famoso máximo de 60 home runs e ganhou os World Series, os Yankees venceram 110 jogos e acabaram por ser aclamados como a melhor equipa de basebol de todos os tempos. Em 1928 voltaram a arrebatar os World Series e Ruth terminou com 54 home runs. No campeonato de 1929 a equipa teve de contentar-se com o segundo lugar mas Ruth liderou a liga em home-runs pela décima vez. Em 1930, com a maior depressão de sempre da economia mundial, ainda valia 85 mil dólares por ano — não havia, então, na América banco que valesse tanto, era o tempo do crash... Morreria a 16 de Agosto de 1949, vítima de cancro na garganta. Era uma das figuras mais populares da América, partilhava aventuras com os não menos famosos actores Mary Pickford e Douglas Fairbanks, não havia festa de alta sociedade que não o convidasse. Apenas três semanas antes do seu falecimento estreara o filme The Babe Ruth Story. E o Yankee Stadium, arquitectado pouco depois da sua chegada a Nova Iorque, há muito era conhecido «como a casa que Babe construiu». Ainda é (era) assim que lhe chamam.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
O Babe Ruth foi de facto atleta unico.Fazia as coisas completamente ao contrario,bebia demais,era gordo demais,foi sempre ao contre das leis tecnicas do baseball, mas batia todos os tipos de recordes.Ainda hoje e apesar de muitos dos seus recordes ja terem sido batidos ainda e considerado por muitos como o melhor de todos os tempos.
 
H

hast

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> Em 1930, com a maior depressão de sempre da economia mundial, ainda valia 85 mil dólares por ano — não havia, então, na América banco que valesse tanto, era o tempo do crash...

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Não é preciso adiantar mais nada, fcporto56.
 
H

hast

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1931 – Portistas começam a montar ataque ao título
Szabo, Pinga e as falsificações
Só erro clamoroso do árbitro não quebrou pé ao Benfica
Seria na presidência de Eduardo Dumont Vilares, ex-campeão de natação e guarda-redes de futebol, que o F. C. Porto lançaria rede no Funchal. Primeira aposta, que então muitos portistas julgaram ser tiro no escuro, a contratação para treinador da equipa de futebol de um dos jogadores húngaros do Szorbately, que alguns meses antes tinha deslumbrado Portugal com a maestria do seu futebol. Jogava e treinava o Nacional da Madeira. Chamava-se Joseph Szabo e haveria de tornar-se mágico, revolucionário. Segunda aposta, a contratação de um jogador que começara a espalhar o seu perfume pelos campos. Chamava-se Artur de Sousa mas como Pinga se tornaria herói e génio. Chegou abrupta e timidamente ao Porto a dois dias do Natal de 1930 — verdadeiro virtuose do esférico, hábil em malabarices, chutador potentíssimo. A propósito da sua apressada ligação ao F. C. Porto escreveu-se na revista Stadium: «Sousa deixou de jogar no Marítimo para ficar no Porto. E vale dizer aqui que foi necessário fazerem-se umas falsificaçõezinhas, umas tratantadazitas — para ele começar desde logo a exercer a sua acção de esplêndido jogador. Uma troca de retratos... umas malabarices na Associação... E aquela carta lavrada no livro da Associação em que, constatando-se que Pinga estava preso pelo Funchal, lhe era vedado jogar no Porto mas, por interferência de alguém que apareceu um dia, depois foi dada como não existindo pelos mesmos directores que, transigindo, lapisaram-na e Pinga já jogou? Oh! a Associação de Futebol do Porto é fértil em mistérios...»

Primeira vitória sobre brasileiros coube ao F. C. Porto
Ainda sem contar com Pinga, o F. C. Porto de Szabo arrebatou, pela 14.ª vez consecutiva, o título de campeão da A. F. Porto. A estreia do jogador-treinador ocorreria em partida memorável na qual os portistas bateram o Leixões por 8-0, alinhando numa equipa em que as estrelas eram, sobretudo, Valdemar Mota (primeiro olímpico do F. C. Porto, dois anos antes, em Amesterdão), Acácio Mesquita (que era também recordista nacional do... triplo salto) e Avelino Martins. A eles se juntou Pinga. E foi a explosão... Nunca antes qualquer equipa portuguesa lograra bater uma brasileira em futebol. O F. C. Porto conseguiu-o, em Março de 1931, vencendo o Vasco da Gama, recheado de alguns dos melhores jogadores cariocas, por 2-1. A façanha fez com que nos portugueses do Rio de Janeiro crescessem pinchos de brio e honra. E, assim, decidiram abrir subscrição pública para compra de troféu que a perpetuasse. Amealharam mais de 30 contos de réis e mandaram fabricar, num dos mais reputados artesãos brasileiros, uma estátua de bronze, que fosse «obra magnífica e de muito apreço da colónia portuguesa por um clube onde sempre palpitou a alma nervosa do mais puro desejo de dignificar a sua terra e o seu país». Um ano depois Leopoldina Mendes Belo, rainha da colónia portuguesa do Rio de Janeiro, trouxe para o Porto a estátua, medalhas de ouro para distribuir por todos os jogadores que participaram na tarde épica do Lima, para além, ainda, de «uma arca com motivos alegóricos dos Descobrimentos Portugueses»— ao que os portistas retribuíram à miss pasta de pele e uma salva de prata estilo D. João V tendo gravado a azul e branco, no centro, o emblema do F. C. Porto
Salvação na morte súbita
A propósito de uma visita do Vitória de Setúbal ao Brasil, abriu-se guerra de alecrim e manjerona entre a FPF e a AFL — e em Maio de 1930 a Associação de Lisboa proibiu os filiados de jogar com clubes das Associações do Porto, de Setúbal e do Algarve ou até de «participarem de futuro no Campeonato de Portugal ou em competições internacionais»! O Benfica, presidido por Manuel da Conceição Afonso, operário da Imprensa Nacional e que chegaria a ser também... arquivista de A BOLA, não concordando com o agravo, declarou, num fósforo, que não se submeteria a tal, até porque desejava defender o título nacional conquistado na edição transacta. O Casa Pia Atlético Clube fez causa com os benfiquistas — e assim ambos se inscreveram no Campeonato de Portugal de 1931, únicos clubes da AFL a fazerem-no. Belenenses, Carcavelinhos, Sporting, União de Lisboa, Luso e Barreirense cederam o passo aos adversários, alguns deles bem modestos. Cenas igualmente insólitas aconteceriam nos oitavos-de-final, na partida entre o Benfica e o Olhanense. Depois de os algarvios terem perdido nas Amoreiras por 1-5, ganharam em Olhão por 2-0. Como da diferença de golos se fazia tábua rasa, o desempate foi marcado para Setúbal. Ao fim dos 90 minutos igualdade a um golo. Prolongamento e, aos 110 minutos, golo do Olhanense. O árbitro decidiu, então, dar o jogo por terminado — no que seria a primeira edição mundial da... morte súbita. Era um erro mas, como nem os próprios jogadores do Benfica conheciam os regulamentos, convencidos de que tinham sido afastados, regressaram aos balneários de rostos fechados, marginados em pesadume, como num préstito fúnebre. E foi então que assomou o coronel Ribeiro dos Reis, estupefacto mas portador de nova alma: «Então o que há?! Os períodos suplementares são de 30 minutos. Vamos protestar e ganhar.» Assim foi. A 27 de Maio, no quarto jogo, os lisboetas ganharam por 2-0; depois de aviarem o Lusitano de Évora (7-0 e 4-2), mais dois triunfos ante o Vitória de Setúbal (3-0 e 2-1), escancarado o caminho da final, com o F. C. Porto à espera.
Benfica vence 3-0 o FC Porto na final do punhal escondido e da entrevista bombástica
Olha o balão, olha o arraial!
Era cada vez mais o F. C. Porto à... Szabo. De futebol enleante. De vitória em vitória. De goleada em goleada. Por isso os portistas moviam-se de novo numa constelação mágica em que cada um dos jogadores era um sol de confiança na reconquista dos grandes títulos que começavam a ser nostalgia. Nessa final de 31, contra o Benfica, Szabo optou por ficar no banco apenas como treinador. Em Coimbra, no Arnado, campo de belíssimo piso mas de instalações mais que precárias, a partida decorreu com raros períodos de despique ardoroso ao intervalo o Benfica já vencia por 2-0, golos obtidos aos 37 e 44 minutos, o primeiro por Vítor Silva, em recarga de um remate seu aproveitando o ressalto da bola de um dos postes da baliza de Siska, o segundo a seguir a um pontapé de canto mandado com força por Manuel de Oliveira — Denis adivinhou o ponto de queda da bola e, com a cabeça, deu-lhe o caminho da baliza do F. C. Porto e Siska, carregado no momento preciso em que recolhia a bola, deixou que esta lhe escapasse das mãos e tocasse na rede. A meio do segundo tempo o Benfica passou a 3-0 — lance assim revivescido por Ribeiro dos Reis: «O golo nasceu de um pontapé livre contra o Benfica, a defesa aliviou, a bola foi ter a Vítor Silva e todo o resto foi obra deste famoso jogador, que, captando-a a meio campo, correu de viés com ela sobre o flanco esquerdo e em plena cavalgada, com uma das suas geniais simulações, obrigou Siska a mover-se de forma que lhe desguarneceu um dos flancos da baliza; conseguindo isto, foi para esse ponto que de longe mesmo, pois não fazia questão da distância, tão certa estava a entrada da bola, ele apontou e conseguiu o golo.» Esta foi a final conhecida também como a do punhal escondido porque Vítor Silva pediu a Aníbal José, famoso por «jogar de faca na liga», que... destruísse Norman Hall, escocês que era maestro azul. Fê-lo, foi despedido no final da época e em entrevista bombástica contaria tudo.Porque se estava em vésperas de S. Pedro, organizaram-se marchas por quase toda a cidade de Lisboa, a mais famosa seria a do Bairro Alto, que num rebuliço andou toda a noite, cantando em estribilho: «Olha o balão, olha o arraial! Viva o Benfica — campeão de Portugal.»

Campeões de Portugal
Artur Dyson, Ralph Bailão, Luís Costa, João Correia, Aníbal José, Pedro Ferreira, Augusto Denis, Emiliano Sampaio, Vítor Silva, João de Oliveira, Manuel de Oliveira

Magia na dança
Harlem Globetrotters. A magia do nome. O fascínio do espectáculo. O basquetebol diferente. Em 1926, devido à quebra de público nos salões de dança com grandes orquestas, os donos do famoso Savoy Ballroom, de Chicago, decidiram apostar em basquetebolistas geniais como atracção especial. E assim, Abe Saperstein, então com 24 anos, tomou o comando técnico da trupe que denominou Savoy Big Five. Face ao recuo dos financiadores o projecto entrou em banho-maria. Saperstein decidiu então lançar-se numa digressão pela América com ligeira alteração ao nome: Savoy Big Five Globetrotters. A 7 de Janeiro de 1927 cerca de 300 pessoas da cidade de Hinckley, no estado de Ilinóis, assistiram à primeira exibição; 75 dólares foi a maquia recebida pelos artistas da bola ao cesto. Como os equipamentos tinham gravada a sigla New York criou-se a ideia de que a equipa era da Big Apple – e o próprio mentor, para dar mais... charme na digressão seguinte, por Iowa, Wisconsin, Minesota, já se apresentou como Saperstein New York Globetrotters. E, como todos os jogadores eram negros, poucos anos passados fez-se o último ajustamento à firma: Harlem New York Globetrotters. Nessa altura ainda eram jogadores... sérios. As palhaçadas com que se faz o seu encanto, com que se fez a sua história, surgiram espontaneamente em 1939, quando esmagavam uma equipa adversária. Foi o delírio. O must. Apesar de estarem quase só vocacionados para as exibições, em 1940 aceitam entrar no World Professional Basketball Tournament – e batem os Chicago Bruins na final. Um ano antes Bob Karstens tornou-se o primeiro branco a assinar contrato com os Globetrotters. Quando se lançaram na primeira digressão pela Europa, em 1950, Portugal foi uma das escalas. E apenas em 1968, 42 anos após a fundação, actuaram no bairro de Harlem, que lhes deu nome – e se calhar fama.

Vítor Silva – Golpe dos 15 contos
Em 1927 o Carcavelinhos, dadas as magníficas actuações que Vítor Silva registava pelo Hóquei Clube de Portugal, tentou adquirir a sua colaboração, o que de certo modo conseguiu, fazendo-o alinhar na Taça Preparação da AFL. Foi o jogador-sensação, marcando golos impressionantes a Benfica, Sporting e Belenenses. Só que ainda não estava oficialmente desvinculado do Hóquei e ao aperceberem-se disso os dirigentes do Benfica lançaram-lhe o canto da sereia e, a troco de... 15 contos pela assinatura e mais cinco por mês, contrataram-no. Nunca ninguém recebera tanto dinheiro pelo futebol em Portugal. Mas foi óptimo o investimento, depressa se tornou o craque vermelho. Marcava golos de extraordinária espectacularidade, sobretudo quando se lançava à bola em acrobáticos saltos de peixe, por vezes, com a bola a três palmos do terreno, a sua cabeça surgia como que por encanto a desferir remates imparáveis deixando toda a gente estupefacta. Fazia da bola o que queria, era um avançado desconcertante, capaz de fechar jogada à biqueirada ou ao toque de calcanhar! Graças a um poder de impulsão fabuloso chegava com a cabeça onde alguns guarda-redes não chegavam com as mãos — e foi igualmente vedeta no hóquei, trabalhando com o stick como um artista de circo. Como futebolista participou nos Jogos Olímpicos de Amesterdão. Tinha apenas 28 anos quando, em 1936, começou a preparar a despedida. Prematuramente. Problemas físicos impediram-no de estar na final do Campeonato de Portugal de 1930, contra o Barreirense, outros muito mais graves afastá-lo-iam do terceiro título do seu clube, em 1935, ante o Sporting — vítima de flebite, ainda se sujeitou a operação cirúrgica, poucas foram as melhorias — e o adeus surgiria num jogo contra o Sporting. Nas Amoreiras o Benfica ganhou por 4-2, dois dos tentos tiveram a sua assinatura, ambos em golpes de cabeça para trás, com um brilhantismo tal que no último até Artur Dyson, guarda-redes leonino, lhe bateu palmas!
 
H

hast

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1931 – Morte (misteriosa) de Pepe
José Manuel Soares... louro envenenado aos 23 anos

Génio e tragédia
José Manuel Soares Louro. Pepe. Simplesmente Pepe. Para a fama, para a tragédia, para a história. Nado e criado nas Terras do Desembargador, ainda garoto de rua apresentou-se num dia de 1926 a jogar, nas Amoreiras, pelo Belenenses, contra o Benfica — numa equipa em que militavam astros como Augusto Silva, César de Matos, Almeida... Fora Augusto Silva quem insistira em pôr o miúdo a interior-direito. A 15 minutos do fim o Benfica ganhava por 4-1. Acabou por perder por 4-5, o golo da vitória dos homens da cruz de Cristo foi apontado, já ao lavar dos cestos, por Pepe, na transformação de um penalty. Ninguém queria assumir a responsabilidade de o bater, olhavam todos uns para os outros, Pepe, em jeito de puto reguila, disse para Augusto Silva: «Deixem estar que eu chuto!» Naquele pontapé nasceu uma nova estrela. Nesse mesmo ano estreou-se pela Selecção Nacional, contra a França, marcando dois dos quatro golos de Portugal. Severiano Correia passa duas pinceladas sobre o seu génio: «Era de facto um jogador extraordinário! Irrequieto e franzino, dentro do rectângulo era um elemento que chamava as atenções do público. Chutador por excelência, de uma combatividade extraordinária, constituía perigo para qualquer defesa, por muito valiosa que fosse. Era o menino mimado das gentes de Belém, de tal modo que nem com uma rosa se lhe poderia bater — expressão do seu mestre Artur José Pereira.» Em apenas cinco anos contribuiu para o crescimento fulgurante do Belenenses, que viu passar do Campo do Pau do Fio para as Salésias, ajudou à conquista de três Campeonatos de Lisboa, em 1926, 1929 e 1930, num jogo contra o Progresso marcou 10 dos 11 golos do seu clube — um record nunca mais batido em competições oficiais... Na época de 1931/32 o Belenenses voltou a sagrar-se campeão da AFL. A fotografia comemorativa do título mostra todos os heróis de fumo negro. Por Pepe. Fora assim que jogaram o ano inteiro.

Potassa em vez de sal
Num dia sujo de Outubro de 1931 a morte ceifou o génio e abriu um mistério que o tempo nunca mais desfez, adensou, transformou em lenda. Em lendas. Pepe estava a caminho dos 23 anos, nascera a 29 de Janeiro de 1908. Comprovado está que morreu ao comer um chouriço. Versões sobre o envenenamento há várias. Uma que foi a namorada que deixara que se infiltrou à sorrelfa pela casa, deitando na cozedura deletério qualquer. Outra que foi a irmã Ana, casada com o também futebolista Rodolfo Faroleiro, que por inveja o quisera matar — no que, em Belém, ninguém acreditou, por ser Pepe quem mais a ajudava em momentos de aflição e penúria. Outra ainda que fora uma osga que caíra do tecto e na fervura espalhara peçonha. No entanto, a partir de trabalho publicado por Homero Serpa, em A BOLA magazine, se desvenda a versão mais credível. Muitos anos depois da tragédia um agente da PJ haveria de contar que fora a potassa que a mãe confundira com sal que matara Pepe, que a versão oficial se guardou em silêncio para não destroçar ainda mais quem tão tragicamente perdera o filho destinado a herói. O veneno segregara-se no chouriço, o pai e a irmã, que apenas comeram o caldo, salvaram-se com simples lavagens de estômago no Hospital de São José. Pepe, quando agonizava no Hospital da Marinha, já só teve força para lançar meia-dúzia de dramáticas últimas palavras: «Cortem-me as pernas mas salvem-me a vida.» Nada se conseguiu. E foi, então, um país inteiro em pesadume, o mito em voo largo para a eternidade — e todos os anos a imagem, que não deixa de comover, das flores que os jogadores do F. C. Porto depositam no monumento que se transferiu das Salésias para o Restelo, o mausoléu construído para perpetuar o ídolo grande, apesar da vida pequena.


Gata do Arsenal comeu lasca e também morreu
Chouriço fatal e últimas horas
O pai de Pepe mercanciava hortaliça de porta em porta numa carrocinha, a mãe vendia fruta no velho mercado de Belém, destruído em holocausto à Exposição do Mundo Português — a família vivia assim numa pobreza cortante, só atenuada quando o filho começou a ganhar algum (secreto) dinheiro no futebol e o ordenado de operário no Arsenal da Marinha. Para almoço de gente em paupérie, numa altura em que o País continuava mergulhado em crise profunda, sopa havia e pouco mais. Luxo era juntar-lhe um enchido. Foi o que se fez naquele dia trágico. À mesa comeram-se os legumes apenas na malga, o chouriço foi posto carinhosamente, pela mãe, na lancheira de Pepe para que merendasse no trabalho. Deu uma lasca a uma gata e ela morreu. Ele faleceria algumas horas depois. Em O Século, Tomé Vieira conta assim os primeiros sinais da tragédia: «Às 10.30 Pepe sai do torno e vai buscar a bucha. Meia hora depois sentiu-se mal. Ainda ironizou — ‹há quinze dias que tomei o purgante e só agora é que está fazendo efeito.›» Flamínio Azevedo, no Diário da Manhã, desvenda as horas amargas, a angústia do morbo, a vida a desfazer-se, no entardecer do dia triste — as palavras de Mendes Belo, médico do Hospital da Marinha: «Impressionou-me com a sua modéstia, vinha de fato de ganga e boina e quando lhe perguntei do que sofria queixou-se de violentas dores de barriga. Daí por duas horas apareceram sintomas de mais gravidade, aquilo foi vertiginoso: algidez, hemorragias, colapsos, reacções deficientes às excitações exteriores, Pepe a queixar-se de que tinha vontade de vomitar e não podia... O pulso desaparecera e duas transfusões de sangue não deram qualquer resultado...»

Mistério da Dama de Luto
Mistério e romance. A abordagem do velório de Pepe por Belo Redondo, um dos maiores repórteres portugueses deste século. Aliás, o título da peça era como algodão, não enganava: O Mistério da Dama de Luto. «Chamava-se Celeste, figura simpática da cidade noctívaga, uma personagem da cidade maldita. Tinha a paixão pelo Benfica e de vermelho aparecia muitas vezes, de madrugada, na Leitaria Martins, na Rua da Escola Politécnica. Mas mais forte fora a paixão pelo Pepe, que vira pela primeira vez no Portugal-França. E por ele se encantou, pelo Belenenses se apaixonou. Na câmara-ardente, sentou-se à esquerda da mãe de Pepe, à direita estava Rosa do Carmo, a noiva do jogador, que residia na Calçada do Galvão. Existia entre as duas mulheres um abismo e um mistério.» Homero Serpa recontou em A BOLA magazine o que Belo Redondo desvendara então, a propósito da cena de ciúmes que uma coroa de flores, com mensagem de amargura e paixão e transportada até junto da urna por Augusto Silva, provocou em Rosa do Carmo: «Só ela tinha o direito de ser ali a noiva enlutada» — e por isso quis expulsar da sala a dama de luto, mulher que sofrera o amor impossível e ali estava apenas para chorar o seu ídolo. Soube-se depois que a coroa fora enviada por uma senhora portuense chamada Maria das Dores.
 
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1931 – José Maria Nicolau vence Volta a Portugal em Bicicleta

Morte horrível na estrada
Foi num dia escurentado de Agosto de 1969. Em Cabrela, lá para os lados de Vendas Novas. A queda do gigante trespassado por um camião. Nicolau morreu, Alfredo Trindade era técnico de ciclismo do... Benfica e um jornal dava à estampa as suas palavras embrulhadas em lágrimas: «Eu não quis acreditar. Quando o motorista de um camião qualquer, que eu nunca vira, me veio dar a notícia não quis acreditar. Mas mais dramático foi o que me contou: que, ao passar pela estrada, encontrara o rosto ensanguentado daquele que fora em vida um dos maiores campeões da estrada ao ser retirado do carro que o matou.» Tinham nascido à beira um do outro, no mesmo ano. «Entre nós havia só uma diferença de cinco meses e fomos trabalhar mais ou menos na mesma altura para o Cartaxo. Fomos sempre amigos, sei que era capaz de dar a camisa por mim. Tal como ele poderia sempre contar comigo... Uma morte estúpida... Quando me contaram achei que era brincadeira de mau gosto. Depois desejei que fosse mesmo brincadeira. Por fim, que fosse engano. Mas não, fora ele, o Nicolau, o meu amigo atropelado assim, morto assim... E só me lembrei com lágrimas nos olhos do que ele dizia quando nos encontrávamos, que a saúde estava cada vez mais forte, seria aborrecido mas lá teria de ir ao meu enterro...»

De cigarrinho na boca
Bobby Jones
Bobby Jones é considerado um dos três maiores jogadores de golfe de todos os tempos, juntamente com Ben Hogan e Jack Nicklaus. Estreou-se no U. S. Open quando tinha apenas 18 anos, tendo ficado classificado em 8.º lugar. Com camisa e gravata brancas, muitas vezes com um cigarro pendurado nos lábios, ganhou 13 dos 21 campeonatos mais importantes entre 1923 e 1930, acabando em primeiro ou segundo lugar no U. S. Open, oito vezes em nove anos, desde 1922. Em 1929, tendo desperdiçado uma vantagem de seis tacadas durante os últimos seis buracos do U. S. Open, fez uma espectacular tacada de 462 metros no 72.º buraco que lhe permitiu o empate para o primeio lugar com Al Espinosa. Em 1930 atingiu o expoente máximo ao alcançar a vitória nos quatro mais importantes torneios do Mundo: U. S. Open, British Open e Amadores dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha — dando origem ao Grand Slam do golfe. Depois deste extraordinário feito retirou-se da alta competição. Aos 28 anos. Para matar saudades todos os anos competia no grande torneio que fundara em Augusta, na Jórgia — o Masters. Apesar de nunca ter sido acusado de racismo, esta competição foi o último bastião do golfe apenas para brancos, só em 1975 se abriu a um negro, Lee Elder. Apesar de 1,83 metros e 82 quilos, Jones tinha um swing muito próprio e gracioso, nos greens com o Calamity Jane, o putter preferido, era um mago sob pressão. Nos últimos 25 anos da sua vida sofreu uma doença crónica na espinal medula que o atirou para uma cadeira de rodas, morrendo em 1971, com 69 anos. A seu respeito o historiador Charles Price escreveu: «O golfe parecia ter sido inventado propositadamente para ele, para aparecer e mostrar-nos quão bem pode ser jogado.»
 
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1932 – Jogos Olímpicos de Los Angeles
Americanos gastaram um milhão de dólares no estádio

«Crash» mas pouco e novidades do pódios
O Comité Olímpico dos Estados Unidos tinha conseguido, ainda em 1928, a organização dos Jogos da X Olimpíada. Era ainda o tempo da economia a florescer, aparentemente sem freio. Mas a 24 de Outubro de 1929 tudo se desmorona, como um castelo de cartas. Num só dia as acções transformaram-se em simples pedaços de papel para esfarrapar. Ou secar lágrimas por tudo perdido. O desespero contagiou a Europa. Miséria, desemprego, fome. Os Jogos de Los Angeles trepidam, críticas esvoaçam contra o facto de se gastar mais de um milhão de dólares com isso quando começa até a faltar dinheiro para as sopas de pobres que se espalham por todo o lado. As obras de melhoramento do estádio, construído em 1923, prosseguem, dotando-o de capacidade para 105 mil espectadores, acaba-se a piscina olímpica, ergue-se uma aldeia. Ao contrário do que aparece registado em vários anais, não foi nos Jogos de 32 que se fez a primeira Aldeia Olímpica de raiz. Foi nos de Paris, em 1924 — toda ela construída em material prefabricado. Novidade de Los Angeles foi o pódio com os três degraus. A 30 de Julho o presidente Hoover inaugura os Jogos, há um bailado de pombos pelos céus — e uma razia de concorrentes, metade dos que estiveram, quatro anos antes, em Amesterdão. A maior parte dos países europeus não tinha dinheiro para pagar passagens aos atletas. Dado curioso — quem viajasse de Lisboa para a costa do Pacífico teria de penar numa viagem de sete dias de barco e mais cinco dias de comboio!

Campeonato para artistas
Apenas os homens foram colocados na Aldeia Olímpica de Los Angeles. As mulheres foram hospedadas em hotéis de luxo. A pista foi construída em turfa moída – que a tornou a mais rápida do Mundo, os records caíram em enxurrada no atletismo. Coubertin, já quase com 70 anos, doente e arruinado, não esteve presente. Foi a única vez em vida que tal aconteceu. Gostaria de ter visto, certamente, que, sob inspiração helénica, para além das provas desportivas, houve um Festival Olímpico de Artes, com competição para escrita, pintura e música.

Eddie Tolan dominou velocidade, outros campeões pouco tempo tiveram de festa
Óculos, pastilha e tragédia
Os 100 metros foram ganhos pelo pequeno (tinha apenas 1,60 metros) e atarracado Eddie Tolan, primeiro negro a sagrar-se campeão olímpico de velocidade. De óculos e mascando pastilha elástica bateu, em duelo empolgante, o seu grande rival Ralph Metcalfe. O registo de ambos foi de 10,3 segundos, que assim repartiram o record do Mundo. A decisão do ouro teve de ser feita pela primeira vez através da sofisticação do photo-finish, depois de várias análises periciais. Nos 200 metros Tolan bisou, aí a vantagem já foi claríssima, 21,2 segundos, contra 21,4 de George Simpson, para Metcalfe o bronze. Na velocidade pura o alemão Arthur Jonath (10,4) foi o único não americano no pódio. Os 400 metros foram uma das mais fantásticas corridas dos Jogos. Duelo entre um minorca de cabelo escuro, Wee Willie Carr e um gigantone louro, Big Ben Eastman. Os últimos metros devastadores de William valeram ouro e record mundial: 46,2 segundos, Benjamin gastou mais dois décimos. O terceiro, Alexander Wilson, do Canadá, ficou a um segundo de Carr — que alguns meses depois, num acidente de automóvel, despedaçou ambas as pernas, foi parar a uma carreira de rodas. Wee Willie averbou a segunda medalha de ouro nos 4x400 metros e na estafeta curta os americanos até se deram ao luxo de deixar de fora os dois primeiros do hectómetro, batendo a Alemanha por quase um segundo com Robert Kiesel, Emmett Topino, Hector Fyer e Frank Wykoff marcando 40,0. Nas barreiras outro campeão olímpico de destino trágico. George Saling ganhou os 110 metros em 14,6 segundos, o britânico Don Finlay foi ao pódio receber a medalha de prata mas, pela reanálise do photo-finish, concluiu-se que afinal o segundo fora Percy Beard, ambos trocaram as medalhas em plena Aldeia. Pouco tempo depois Saling envolveu-se em aparatoso acidente de viação e morreu.

Saltos do Japão e das... Filipinas
Os Estados Unidos perderam o monopólio do ouro no salto em altura. A vitória coube ao canadiano Duncan McNaughton. Quatro homens passaram 1,97 metros. Pelos critérios de desempate o ouro coube ao canadiano, a prata ao americano Robert van Odsel, havendo depois, pela primeira vez na história, dois homens no terceiro degrau do pódio: Cornelius Johnson e Simeon Toribio, que assim conquistou a primeira medalha no atletismo para as... Filipinas! No triplo salto nem América houve na festa das medalhas: a de ouro coube ao japonês Shushei Nambu, com 15,72 metros, repetindo o brilharete do compatriota Mikio Oda em Amesterdão, igualmente para o Império do Sol Nascente a de bronze, por intermédio de Kenkichi Oshima, e a de prata coube ao sueco Erik Svensson. Nambu ainda seria terceiro no comprimento, atrás de dois americanos: Edward Gordon (7,64) e Charles Redd (7,60). No salto à vara Bill Miller, com 4,315 metros, ganhou e bateu o record do Mundo mas o japonês Shushei Nishida ficou a apenas 1,5 centímetros do ouro!

Primeira de África
No atletismo feminino o vendaval... Mildred Didrikson, com duas medalhas de ouro, nos 80 metros barreiras e no lançamento do dardo, e uma de prata no salto em altura. No disco a vitória coube a Lilian Copeland, com 40,58 metros, que fora segunda em Amesterdão, batida pela polaca Konopacka. Nos 4x100 metros vitória americana, adiante do Canadá. A sul-africana Marjorei Clark, terceira nos 80 metros barreiras, foi a primeira mulher de África a ganhar uma medalha olímpica no atletismo.

Bis de O\'Callaghan
Leo Saxton ganhou o peso para os Estados Unidos, com 16,005 metros. O irlandês Pat O\'Callaghan, treinado pelo mítico John Flanagan, repetiu a vitória de 1928. Matti Jarvinen liderou os três finlandeses que conquistaram todas as medalhas no dardo, mantendo inexpugnável esse seu reduto de sucesso. No decatlo James A. Bausch, com 8462,23 pontos, estabeleceu novo record mundial, destronando o finlandês Arkilles Jarvinen, anterior recordista e que teve de se contentar com a medalha de prata, tal como já acontecera em Amesterdão.

Professor e arquitecto
Nos 800 metros mais uma vitória inglesa. Por Tom Hampson. Especialíssima. Porque foi a primeira conseguida a menos de 1.50 minutos. Hampson era um modesto professor de escola primária que descobriu instintivamente que a melhor táctica para se correr os 800 metros era tentar a igualdade de tempo em ambas as voltas. Foi o que fez, entrou para a segunda volta em último lugar e ganhou, com 1.49,7 quebrando barreira histórica, derrotando dois canadianos, Alex Wilson (terceiro nos 400 metros) e Phil Edwards. A Grã-Bretanha conseguia assim a quarta vitória consecutiva na especialidade. Nos 1500 metros Edwards ganhou a medalha de bronze, o finlandês Harri Larva, campeão em Amesterdão, voltara à liça mas o ouro foi para a um arquitecto de Milão, Luigi Beccali. Tinha no estádio uma fervorosa claque de emigrantes italianos que durante toda a prova cantaram num fulgor sem intermitência «Luigi, Luigi...». Para confirmar que, apesar da grande surpresa, a vitória não fora por acaso, no ano seguinte colocou o record mundial em 3.49 minutos.

Erro na volta, gesto poético
Volmari IsoHollo ganhou confortavelmente os 3000 metros obstáculos mas foi obrigado a correr uma volta extra devido a um erro dos contadores! O finlandês manteve a supremacia mas houve troca nos lugares seguintes. O britânico Tom Evenson subiu ao segundo posto em prejuízo do americano Joe McCluskey. Quando se desvendou o lapso Evenson correu para McCluskey para lhe dar a medalha de prata mas Joe não aceitou, agradeceu apenas — e ficou a cena como uma das mais bonitas, das mais comoventes da história do imaculado espírito olímpico.

Maratona aos 19 e marcha de Frigerio
Na maratona a vitória coube ao argentino Juan Carlo Zabala, de 19 anos (!), com 2.31.36 horas, adiante do inglês Samuel Ferris (2.31.55) e do finlandês Armas Toivonen (2.32.12). Os 50 quilómetros marcha foram facilmente ganhos por um ferroviário britânico de 39 anos, Thomas Green (4.50.10), com o letão Janis Dalinsch a 7.20 minutos! O italiano Ugo Frigerio, que nos Jogos Olímpicos de Antuérpia e Paris sacara três medalhas de ouro, ficou em 3.º, arrecadando assim a quarta medalha. Mais poderiam ter sido se a marcha não tivesse sido riscada dos Jogos de Amesterdão.

Obstrução, confusão, silêncio
Para a Finlândia mais medalhas no fundo, apesar de Paavo Nurmi ter sido impedido de alinhar nos Jogos, acusado de profissionalismo. Nos 5000 metros vitória controversa de Lauri Lehtinen, detentor do record do Mundo. No sprint com o americano Raplh Hill algumas escaramuças, o escandinavo sob suspeita de obstrução, que os juízes não confirmariam. Por isso, quando se anunciou o seu nome como campeão olímpico, levantou-se no estádio horda a ulular, o silêncio só voltou quando o speaker Bill Henry, jornalista famoso, disse simplesmente: «Lembrem-se, por favor, estas pessoas são nossas convidadas...»

Oito dias de cama e desgraça da última barreira
Robert Tisdall
Foi a prova romântica dos Jogos de 1932. David Burghley, marquês de Exeter, estava lá para defender o título de 400 metros barreiras conquistado quatro anos antes em Barcelona. As eliminatórias eram pouco depois da cerimónia de abertura. Ao aperceber-se de que o rival americano era porta-estandarte não aceitou a determinação dos seus oficiais para ficar a descansar e integrou igualmente o desfile inglês. «Para que estivéssemos todos em igualdade de condições.» Na final, corrida empolgante. Fantástica. Burghley nem sequer chegou ao pódio, apesar de marcar 52,0 segundos, que como record britânico figuraria até 1954! A vitória, em 51,7, coube ao irlandês Robert Tisdall, que havia corrido a distância apenas três vezes. Contava treinar passagens já em Los Angeles, depois de 15 dias de viagem de barco e mais sete de comboio, mas ao chegar caiu de cama e lá esteve enfronhado durante oito dias. Levantou-se ainda atabalhoado para a eliminatória e na final foi um espanto. Os olhos estavam todos centrados no que se esperava fosse um duelo entre os dois anteriores campeões olímpicos, Morgan Taylor e David Burghley, mas o irlandês disparou como gazua e, apesar de derrubar a última barreira e quase se estatelar na pista, creditou-se de 51,7 segundos, três décimos melhor que o máximo mundial de Morgan. A decisão das medalhas teve de fazer-se por photo-finish, do segundo ao quarto foram todos postos a 52,0 segundos, três passaram a ser os recordistas, Hardin, Taylor e Burghley, porque a marca de Tisdall não foi homologada devido ao derrube do último obstáculo. Era assim naquele tempo. Depois da surpreendente vitória, sem dar grande cavaco, Robert Tisdall decidiu nunca mais competir seriamente.
 
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Guest
Stanislawa Walasiewicz morte em tiroteio, 41 «records» mundiais, duas medalhas olímpicas
Campeã afinal era... homem!

No atletismo feminino apenas um título escapou aos Estados Unidos. Mas pode dizer-se que as medalhas de ouro ficaram lá todas. A campeã dos 100 metros correu pela Polónia mas vivia na América desde os dois anos. Nascera a 11 de Abril de 1911, Stanislawa Walasiewicz se chamava, com 11,9 segundos igualou o record mundial da holandesa Tollina Schuurman, que não se deslocou a Los Angeles por falta de dinheiro! A canadiana Hilde Strike foi creditada com a mesma marca, no photo-finish decidiram-se, então, o ouro e a prata. Dois anos depois, em Varsóvia, onde fora a convite dos governantes para ser consagrada como heroína nacional, correndo contra homens (!) colocou o record do Mundo dos 100 metros em 11,7 segundos. Em 1937 ainda haveria de retalhá-lo mais: 10,6 no Estádio Olímpico de Berlim, no mesmo local onde perderia o título de Los Angeles para Helen Stephens, cabendo-lhe apenas a medalha de prata — 37 records mundiais haveria de bater ao longo de toda a carreira, alguns não oficializados. Ninguém fez mais na história do atletismo. Pouco antes de Hitler invadir a Polónia trocou de nacionalidade, passou a chamar-se Stella Walsh, ainda averbou 41 títulos americanos — e até serviu nos marines durante a II Guerra Mundial. Em Dezembro de 1980 foi apanhada no fogo cruzado de um assalto, uma bala acabou por matá-la. Durante a autópsia o médico legista descobriu, embasbacado, que afinal Stella Walsh, aliás Stanislawa Walasiewicz, era homem.

Matti Jarvinen – Família de medalhas e dardo sagrado
Entre 1930 e 1936 Matti Jarvinen dominou completamente o lançamento do dardo. No seu primeiro record mundial lançou o engenho a 71,57 metros. Por 10 vezes o bateu, colocando-o, em 1936, nos 77,23. A força e o jeito estavam-lhe nos genes. Seu pai, Verner, fora o vencedor do dardo nos Jogos de 1906, que se disputaram em Atenas, quando os gregos ainda batalhavam para que entre cada Olimpíada se fizessem jogos intermédios em nome da tradição helénica. Seu irmão Akilles ganhara já a medalha de prata em Amesterdão e em Los Angeles repetiu o feito... A vitória nos Jogos de 1932 foi verdadeiramente avassaladora, com 72,71 metros deixou o segundo classificado, o compatriota Matti Sippala, a quase três metros (!). Quatro anos volvidos partiria para Berlim como favorito incontestado à revalidação do título olímpico mas uma lesão grave num ombro deixou-o KO. Mesmo debilitado quis lançar e ainda foi quinto classificado. Campeão europeu em 1934 e 1938, manteve-se em competição para além dos 40 anos, falecendo em 1985, com 76 anos. Como é óbvio ainda hoje é considerado herói nacional. Porque os finlandeses vivem obcecados pelo dardo, encaram-no como autêntica religião.
Eleanor Holm, campeã olímpica, rebelde, actriz e muito mais
Jazz, língua de fora, champanhe e cigarros
Antes de os Jogos se inciarem uma revista da alta sociedade surpreendeu a América com reportagem sobre a «atleta mais bonita do Mundo». Eleanor Holm se chamava. Tinha 18 anos. Olhos azul-celestes, cabelos ruivos. Nos 100 metros costas estabeleceu, logo nas eliminatórias, record mundial. Na final, mais um retalhinho: 1.19,4 minutos. Não muitas semanas passadas casou-se com Art Jarrett, líder de uma banda de jazz, estrela de um clube nocturno. Ganhou ainda mais fama. Mas má. Que se treinava à base de champanhe e cigarros. O Comité Olímpico dos Estados Unidos andava desesperadamente à espera de um pretexto para a irradiar. Só que Eleanor nadava cada vez mais depressa. Com os Jogos Olímpicos de Berlim à porta estilhaçou mais records do Mundo, não a poderiam deixar em casa... Durante a viagem de barco para a Alemanha passava a noite no bar do veleiro, por entre copos de uísque e baforadas de cigarros. Avery Brundage, presidente do comité, que fora adversário de Jim Thorpe no decatlto de Estocolmo, perdeu a paciência, escabreou-se e decretou-lhe recolher obrigatório. A sua resposta foi deitar-lhe a língua de fora. Suspensa de imediato em Berlim quase não passou pelo estádio, andou o tempo todo a divertir-se. De regresso aos Estados Unidos entrou para a Aquacade de Billy Rose, contracenou a Vingança de Tarzan, em 1938, com Glen Morris, campeão olímpico de decatlo em Berlim. Os seus três casamentos e os dois divórcios mantiveram-na anos a fio nas páginas dos jornais americanos, até que um dia deu entrevista a dizer que a festa chegara ao fim e só queria fugir de cena. Só não deixaram de falar de si porque se tornou uma das mais famosas decoradoras de interiores da Florida.

Depois do ouro, o marido
Apesar do fulgor de Mildred Didrikson, quem mais medalhas levou para casa nos Jogos Olímpicos de Los Angeles foi a nadadora Helene Madison. Ganhou os 100, os 400 e os 4x100 metros crawl. Não, não se ficou por aqui o seu brilho. Foi a primeira mulher a nadar as 100 jardas em menos de um minuto. Às três medalhas juntou três records mundiais: 1.06,8 minutos no hectómetro, 5.28,5 minutos na prova mais longa e 4.38,0 na estafeta. Marcas fabulosas que durariam vários anos. A marca dos 100 metros só deixaria de figurar na lista de recordistas 15 anos depois. O máximo que obtivera nas 500 jardas duraria 23 anos! Após os Jogos, com três anos apenas de actividade e nenhuma derrota, 17 records mundiais batidos, decidiu abandonar a natação para se dedicar em exclusivo à família, pois acabara de casar com Jack Medica, seu companheiro de equipa no Washington Athletic Club que quatro anos depois, em Berlim, sagrar-se-ia campeão olímpico dos 400 metros crawl e vice-campeão de 1500.

Vitórias na natação fizeram estalar verniz americano
Oxigénio dos japoneses
Se na natação feminina os Estados Unidos só perderam uma medalha de ouro — para a australiana Clare Dennis —, nos 200 metros bruços, nos homens, foi uma razia japonesa. Um império em Sol nascente, cinco títulos em seis, 11 medalhas em 16 possíveis! Yoshiyuki Tsuruta manteve-se campeão nos 200 metros bruços e Kusuo Kitamura ganhou os 1500 metros livres, com apenas 14 anos. Yasuji Miyazaki, 17 anos, e Masaji Kiyokawa, 16 anos, arrecadaram o mais precioso dos metais olímpicos nos 100 metros crawl e nos 100 metros costas. No pódio duas novidades: um francês, Jean Taris, segundo nos 400 metros, e a outra, ainda mais inesperada, um filipino, Teofilo Yldefonso, terceiro nos 1500 metros. Sem esconderem os efeitos psicológicos da devastadora humilhação, os jornais americanos gastaram páginas e páginas em insinuações à... impureza dos nipónicos e o mínimo que deles se disse foi que «era inadmissível que utilizassem oxigénio à bomba antes das provas, para se tornarem mais resistentes». No pólo aquático os brasileiros atacaram um árbitro húngaro, depois da derrota frente à Alemanha, e foram automaticamente afastados dos Jogos. A Hungria impôs um domínio imperial na conquista do seu primeiro título, batendo na final os alemães por 35-2! Buster Crabbe homem que também foi Tarzan Buster Crabbe nasceu na Califórnia em 1908 mas cresceu no Havai, onde o pai era supervisor de uma fazenda. Nos Jogos Olímpicos de 1928 ganhou a medalha de bronze nos 400 metros livres mas foi nos de Los Angeles, quatro anos passados, que o seu nome explodiu. Bateu por um décimo de segundo o record olímpico de John Weissmuller — era o caminho aberto para 16 records mundiais. Fez testes para actor na MGM mas o papel de Tarzan acabou por ir parar a... Weissmuller. Tarzan haveria de ser em filme de um outro estúdio. Já agora refira-se que outros dois craques olímpicos o foram também: Herman Brix e Glenn Morris, estrela do decatlo. Crabbe acabou por estrear-se no cinema em 1933, como Kasha, o Homem Leão, em O Rei da Selva. Haveria de ser igualmente Flash Gordon, Buck Rogers, Jungle Jim e Billy the Kid. Morreu em 1984, quando era uma das peças principais na organização dos Jogos que fariam de Carlos Lopes campeão olímpico, e a revista Time, comparando os Tarzan de Crabbe e Weismuller, escreveu: «Do pescoço para baixo eram iguais mas do pescoço para cima Buster era muito melhor.»

Viagem de portugueses paga por ministro desportista
E as gorjetas?
Se deslocar missão portuguesa a Amesterdão fora já bico-de-obra, zarpar para Los Angeles parecia apenas miragem. A 1 de Fevereiro de 1932 o COP decidiu que Portugal teria de estar nos Jogos da X Olimpíada. Custasse o que custasse, nem que fosse pelo simbolismo de lá estar. A 17 desse mesmo mês José Pontes, seu presidente, alertou para o facto de o Comité Olímpico estar de cofres vazios. No fundo à imagem do País, anunciando que cada passagem para os Estados Unidos custaria 21 contos. O Ministério do Estrangeiros, chefiado pelo comandante Mesquita Guimarães, em nome do seu passado de desportista, decidiu financiar as despesas e a 13 de Julho oito atletas deixaram Lisboa a caminho de Nova Iorque, de onde viajariam de comboio até à contracosta. Lá chegariam 15 dias depois. E os problemas financeiros continuaram a infernizar a vida do chefe de missão, que a meio do percurso não deixou, desesperado, de enviar SOS a José Pontes, por não ter sido prevista a... «praga das gorjetas que são um pinga-pinga constante». Tirante os brilharetes do tiro, em que Rafael de Sousa e Soares Andreia foram quintos classificados na prova de pistola automática e Francisco Real sétimo em carabina livre, discreta foi a participação de Portugal nos Jogos Olímpicos de Los Angeles. No atletismo António Sarsfield não passou do quinto lugar na sua eliminatória de 100 metros. No pentatlo moderno, dando razão às críticas ferozes lançadas pela Stadium acerca da total ausência de critério de selecção, levando os pentatlonistas e deixando por cá gente de maiores capacidades noutras modalidades, D. Sebastião Herédia e Rafael de Sousa roçaram ambos os últimos lugares e os atiradores Manuel Guerra e José Andreia Ferreira também não conseguiram entrar nos 20 primeiros.

Greve de fome deu ouro na luta
Na luta acontecimento notável: o sueco Ivar Johansson ganhou a medalha de ouro na categoria livre de médios e em menos de uma semana sujeitou-se a terrível dieta, quase em... greve de fome, para perder cinco quilos que lhe permitissem ir à luta greco-romana como meio-médio. Conseguiu e ganhou segunda medalha de ouro. Outro sueco, Carl Westergren, venceu a categoria de pesos pesados na luta greco-romano. Já ganhara medalhas de ouro em 1920 e em 1924, só não tendo participado nos Jogos de Amesterdão por estar lesionado.

Neri de ouro
Na ginástica, ao contrário do que acontecera em Amesterdão, as senhoras não tiveram direito a disputa olímpica, nem sequer através do acanhado concurso completo. A estrela foi o italiano Romeo Neri, que arrecadou três medalhas de ouro no concurso individual, nas paralelas e no concurso completo por equipas. Quatro anos antes fora, simplesmente, vice- -campeão olímpico em barra fixa.

Um milhão de dólares de lucro
A média de assistências no Estádio Olímpico foi de 60 mil pessoas, foi vendido um total de 1,25 milhões de bilhetes em todas as competições e por via disso, numa altura em que a economia ainda estava a recuperar do coma profundo em que caíra com o crash, a organização arrecadou um milhão de dólares de lucro. Nunca tal acontecera. Países presentes em Los Angeles? Quarenta, menos seis que em Amesterdão. Atletas? Quatro anos antes foram 2700, 350 mulheres — desta feita 1200 e apenas 130 do sexo feminino. Quinze se mantiveram as modalidades. Nisso os Jogos estavam estabilizados: Atletismo, natação, pugilismo, halterofilismo, luta greco-romana, luta livre, esgrima, pentatlo moderno, remo, vela, ciclismo, equitação, tiro, ginástica e hóquei em campo.