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07/02
1928 Jogos Olímpicos de Amesterdão
Católicos do senado quiseram afastar jogos da Holanda
Contra culto pagão do corpo
Amesterdão teve os Jogos Olímpicos de 1928 a periclitar. A Câmara dos Deputados da Holanda votara o crédito indispensável à sua realização mas o Senado, dominado por católicos, rejeitara-o sob o peregrino argumento de que «o culto do desporto era um manifestação de paganismo». O COH, para não perder a face, abriu subscrição pública que rendeu o equivalente a 40 mil contos em moeda portuguesa, graças, sobretudo, aos contributos dos expatriados dispersos pelo seu então império colonial. A Câmara Municipal de Amesterdão contraiu empréstimo avultado e assim se completou o capital necessário. O estádio edificou-se sobre 16 hectares de terreno pantanoso, na parte sul da cidade, e para cimentá-lo houve que implantar no solo roubado ao mar 4500 pilares, numa obra de engenharia fantástica. Fez-se tudo em afogadilho, oito horas depois das obras terminadas, correram-se as primeiras eliminatórias do atletismo. Foram os Jogos da despedida de Coubertin, que três anos antes pedira dispensa da presidência do COI, com a saúde e as economias pessoais abaladas pelo sonho que tornara realidade. Nos Jogos da Antiguidade o fogo olímpico era aceso num altar à entrada do Templo de Hera. Havia nisso um simbolismo incontornável «a chama pura e imaculada do sol». Através de skapia (um vaso para calcinações) colocado ao sol, os seus raios concentravam-se num espelho côncavo, inflamando ervas secas lá colocadas. Esse ritual inspirou os holandeses, que puseram chama a crepitar no estádio, mas segundo João Marreiros, no seu livro Jogos Olímpicos e Olimpismo, tal só se institucionalizaria em Berlim: «Theodore Lewald, presidente do comité organizador dos Jogos da XI Olimpíada, propõe, em Maio de 1934, ao COI acender a chama em Olímpia e depois levá-la para Berlim. Os membros do COI ficaram entusiasmados com o projecto e dois anos mais tarde, em 21 de Julho de 1936, o jovem grego Konstantim Kondylis tornou-se o primeiro corredor da história dos Jogos da Era Moderna na corrida com o facho ao deixar Olímpia com a tocha na mão. Theodore Lewald necessitou de 12 dias e 3075 corredores para ligar a antiga cidade grega ao estádio olímpico da capital alemã, onde o alemão Fritz Schilgem entrou com a chama no estádio, no que devia ser entendido como o final da longa viagem percorrida desde Olímpia, onde, junto ao Templo de Hera, as sacerdotizas acenderam a chama.» Que fosse. Mas que houve chama em Amesterdão pela primeira vez na história moderna houve. E foi mais uma das novidades dos Jogos, que abriram o estádio às mulheres.
Mulher não deve oferecer-se em espectáculo?!
Machismo de Coubertin ou medo do chinfrim
Depois de já se terem verificado incursões na ginástica, na natação e no tiro ao alvo, as mulheres conquistaram, enfim, o direito de disputar provas de atletismo. Em 1925, numa reunião com a presença de dois portugueses, o conde de Penha Garcia como membro efectivo do COI e José Pontes, presidente do COP, o Comité Olímpico Internacional decidiu que apenas «os desportos violentos que lhes retirassem a natural gracilidade» seriam vedados às senhoras. «Não poderão mais praticar o futebol, o boxe, os pesos e halteres, todos os desportos combativos, enfim, impróprios do seu sexo.» Era um avanço histórico. Para exasperação de Coubertin, que no discurso de abertura não calou, indignado, o protesto, como se blasfemado tivesse sido: «Foi contra a minha vontade que as mulheres foram admitidas nos Jogos Olímpicos. Agora vamos tê-las na esgrima e, mais grave, nas provas de atletismo, que se disputam em pleno estádio.» Para si isso era afronta. Ou pior profanação do estádio como espaço sagrado. Venceram-no mas não o convenceram. Alguns anos transcorridos bradaria ainda, com Hitler à ilharga, em Berlim: «A mulher não deve oferecer-se em espectáculo, o seu papel nos Jogos Olímpicos não deveria ser senão o de coroar os atletas vencedores.» Quando, no movimento olímpico, o poder do barão se desfizera em farelo e a sua figura não passava já de histórico bibelot, apenas respeitado pelo seu passado, Coubertin voltaria pela última vez à carga, pedindo na sua carta de Reforma Desportiva a suspensão das mulheres de todas as provas em que participassem homens sob o argumento de que o desporto era uma paixão que, à semelhança de todas as paixões, «provocava inevitavelmente banzé e chinfrim», devendo os homens, por «imposição moral», sublinhava ele, afastar as senhoras de tais espaços para que assim se não «indignificassem»! Ninguém o levou, naturalmente, a sério. Os Jogos Olímpicos no feminino eram conquista irrevogável. Deusas dos estádios nasceriam de então em diante. Cada vez com mais encanto.
Nos 800 metros drama e... Proibição
À altura de «miss»
Cinco foram as provas de atletismo disputadas em Amesterdão por mulheres. Nos 100 metros a americana Elizabeth Robinson, com 12,2 segundos, bateu as canadianas Fanny Rosenfeld e Ethel Smith por um décimo. O Canadá ganhou a estafeta 4x100 m e o salto em altura através de Ethel Catherwood, que pulou 1,59 metros e acabou por ser a figura mais mediatizada dos Jogos devido ao facto de os fotógrafos de serviço acharem que «a sua beleza era digna de concurso de misses»! A polaca Halina Konopacka venceu o lançamento do disco com 39,62 metros. Nos 800 metros vitória da alemã Lina Radke-Batschauer, em 2.16,8 minutos, sobre a japonesa Kinue Hitomi (2.17,6). Corrida dramática, atletas desfalecendo nos últimos metros, esgares de dor, passos trocados, corpos incontrolados sucumbindo em aflição e por via disso se decidiu que nunca mais nenhuma senhora correria distância superior a 200 metros nas Olimpíadas, «por incapacidade provada para ir mais além». Até 1960 foi realmente assim.
Mais três medalhas para Paavo Nurmi
Ataques de reumatismo e queda na vala de água
Em 1926 Paavo Nurmi foi fustigado pelos primeiros ataques de reumatismo. Os sonhos começavam já a cansar-se. E a imagem a empanar-se. Mesmo assim ainda bateu os records do Mundo dos 2000 e 3000 metros apesar de 11 de Setembro de 1926 marcar o fim de longa invencibilidade. Em Berlim, numa prova de 1500 metros, o alemão Otto Peltzer e o sueco Edwin Wide arrasaram-no e o primeiro arrebatou-lhe o máximo mundial. Não, não se deixou naufragar em mágoas e náuseas decidiu viver ainda mais como um anacoreta, treinando-se com mais arreganho, prometendo vingar-se nos Jogos Olímpicos que se avizinhavam, mesmo que as dores nos ossos o infernizassem. Tinha 31 anos. E, em Amesterdão, ganhou os 10 mil metros, foi segundo nos 5000 e nos 3000 metros obstáculos. Nesta prova passou por momentos anacrónicos, caricatos ao tentar saltar a vala de água desequilibrou-se, caiu de costas na água, cerrou os dentes num sinal de raiva quando viu que estragara o cronómetro talismã com que corria sempre na palma da mão, arremessou-o para a relva, furibundo, simulou desistência mas, num arranco bravio retirado do fundo da alma, voltou à corrida, o seu compatriota Toivo Loukola já lhe ganhara mais de 80 metros, os outros adversários também, a recuperação não chegou para mais que a medalha de prata. Claro que já não era o atleta de fulgor farfalhudo de Antuérpia ou Paris, mesmo assim se cochichou que apenas perdera a légua porque isso lhe pediram os dirigentes finlandeses, para que Ville Ritola arrecadasse mais uma medalha de ouro. Quem lhe conhecia o feitio não acreditou que pudesse ser verdade, perdeu porque não conseguira ganhar continuava a ser um fanático do sucesso, aliás, saiu de pista com mágoa cavada no rosto, sem sequer um gesto de felicitação ao compatriota. Na dupla légua Nurmi vingou-se e ganhou a Ville como nos bons velhos tempos. Ritola nascera em 1896, aos 17 anos emigrou para os Estados Unidos, lá ganhou 14 títulos da Amateur Athletic Union. Décimo quarto filho de uma prole de 20, deu nas vistas pela primeira vez ao classificar-se em segundo lugar na Maratona de Boston a mais antiga do Mundo em 1922. Após mais duas medalhas em Amesterdão somando assim cinco de ouro e três de prata radicou-se, em definitivo, na Finlândia, com a sua estrela apenas ofuscada pelas de Nurmi e Kolehmainen.
1928 Jogos Olímpicos de Amesterdão
Católicos do senado quiseram afastar jogos da Holanda
Contra culto pagão do corpo
Amesterdão teve os Jogos Olímpicos de 1928 a periclitar. A Câmara dos Deputados da Holanda votara o crédito indispensável à sua realização mas o Senado, dominado por católicos, rejeitara-o sob o peregrino argumento de que «o culto do desporto era um manifestação de paganismo». O COH, para não perder a face, abriu subscrição pública que rendeu o equivalente a 40 mil contos em moeda portuguesa, graças, sobretudo, aos contributos dos expatriados dispersos pelo seu então império colonial. A Câmara Municipal de Amesterdão contraiu empréstimo avultado e assim se completou o capital necessário. O estádio edificou-se sobre 16 hectares de terreno pantanoso, na parte sul da cidade, e para cimentá-lo houve que implantar no solo roubado ao mar 4500 pilares, numa obra de engenharia fantástica. Fez-se tudo em afogadilho, oito horas depois das obras terminadas, correram-se as primeiras eliminatórias do atletismo. Foram os Jogos da despedida de Coubertin, que três anos antes pedira dispensa da presidência do COI, com a saúde e as economias pessoais abaladas pelo sonho que tornara realidade. Nos Jogos da Antiguidade o fogo olímpico era aceso num altar à entrada do Templo de Hera. Havia nisso um simbolismo incontornável «a chama pura e imaculada do sol». Através de skapia (um vaso para calcinações) colocado ao sol, os seus raios concentravam-se num espelho côncavo, inflamando ervas secas lá colocadas. Esse ritual inspirou os holandeses, que puseram chama a crepitar no estádio, mas segundo João Marreiros, no seu livro Jogos Olímpicos e Olimpismo, tal só se institucionalizaria em Berlim: «Theodore Lewald, presidente do comité organizador dos Jogos da XI Olimpíada, propõe, em Maio de 1934, ao COI acender a chama em Olímpia e depois levá-la para Berlim. Os membros do COI ficaram entusiasmados com o projecto e dois anos mais tarde, em 21 de Julho de 1936, o jovem grego Konstantim Kondylis tornou-se o primeiro corredor da história dos Jogos da Era Moderna na corrida com o facho ao deixar Olímpia com a tocha na mão. Theodore Lewald necessitou de 12 dias e 3075 corredores para ligar a antiga cidade grega ao estádio olímpico da capital alemã, onde o alemão Fritz Schilgem entrou com a chama no estádio, no que devia ser entendido como o final da longa viagem percorrida desde Olímpia, onde, junto ao Templo de Hera, as sacerdotizas acenderam a chama.» Que fosse. Mas que houve chama em Amesterdão pela primeira vez na história moderna houve. E foi mais uma das novidades dos Jogos, que abriram o estádio às mulheres.
Mulher não deve oferecer-se em espectáculo?!
Machismo de Coubertin ou medo do chinfrim
Depois de já se terem verificado incursões na ginástica, na natação e no tiro ao alvo, as mulheres conquistaram, enfim, o direito de disputar provas de atletismo. Em 1925, numa reunião com a presença de dois portugueses, o conde de Penha Garcia como membro efectivo do COI e José Pontes, presidente do COP, o Comité Olímpico Internacional decidiu que apenas «os desportos violentos que lhes retirassem a natural gracilidade» seriam vedados às senhoras. «Não poderão mais praticar o futebol, o boxe, os pesos e halteres, todos os desportos combativos, enfim, impróprios do seu sexo.» Era um avanço histórico. Para exasperação de Coubertin, que no discurso de abertura não calou, indignado, o protesto, como se blasfemado tivesse sido: «Foi contra a minha vontade que as mulheres foram admitidas nos Jogos Olímpicos. Agora vamos tê-las na esgrima e, mais grave, nas provas de atletismo, que se disputam em pleno estádio.» Para si isso era afronta. Ou pior profanação do estádio como espaço sagrado. Venceram-no mas não o convenceram. Alguns anos transcorridos bradaria ainda, com Hitler à ilharga, em Berlim: «A mulher não deve oferecer-se em espectáculo, o seu papel nos Jogos Olímpicos não deveria ser senão o de coroar os atletas vencedores.» Quando, no movimento olímpico, o poder do barão se desfizera em farelo e a sua figura não passava já de histórico bibelot, apenas respeitado pelo seu passado, Coubertin voltaria pela última vez à carga, pedindo na sua carta de Reforma Desportiva a suspensão das mulheres de todas as provas em que participassem homens sob o argumento de que o desporto era uma paixão que, à semelhança de todas as paixões, «provocava inevitavelmente banzé e chinfrim», devendo os homens, por «imposição moral», sublinhava ele, afastar as senhoras de tais espaços para que assim se não «indignificassem»! Ninguém o levou, naturalmente, a sério. Os Jogos Olímpicos no feminino eram conquista irrevogável. Deusas dos estádios nasceriam de então em diante. Cada vez com mais encanto.
Nos 800 metros drama e... Proibição
À altura de «miss»
Cinco foram as provas de atletismo disputadas em Amesterdão por mulheres. Nos 100 metros a americana Elizabeth Robinson, com 12,2 segundos, bateu as canadianas Fanny Rosenfeld e Ethel Smith por um décimo. O Canadá ganhou a estafeta 4x100 m e o salto em altura através de Ethel Catherwood, que pulou 1,59 metros e acabou por ser a figura mais mediatizada dos Jogos devido ao facto de os fotógrafos de serviço acharem que «a sua beleza era digna de concurso de misses»! A polaca Halina Konopacka venceu o lançamento do disco com 39,62 metros. Nos 800 metros vitória da alemã Lina Radke-Batschauer, em 2.16,8 minutos, sobre a japonesa Kinue Hitomi (2.17,6). Corrida dramática, atletas desfalecendo nos últimos metros, esgares de dor, passos trocados, corpos incontrolados sucumbindo em aflição e por via disso se decidiu que nunca mais nenhuma senhora correria distância superior a 200 metros nas Olimpíadas, «por incapacidade provada para ir mais além». Até 1960 foi realmente assim.
Mais três medalhas para Paavo Nurmi
Ataques de reumatismo e queda na vala de água
Em 1926 Paavo Nurmi foi fustigado pelos primeiros ataques de reumatismo. Os sonhos começavam já a cansar-se. E a imagem a empanar-se. Mesmo assim ainda bateu os records do Mundo dos 2000 e 3000 metros apesar de 11 de Setembro de 1926 marcar o fim de longa invencibilidade. Em Berlim, numa prova de 1500 metros, o alemão Otto Peltzer e o sueco Edwin Wide arrasaram-no e o primeiro arrebatou-lhe o máximo mundial. Não, não se deixou naufragar em mágoas e náuseas decidiu viver ainda mais como um anacoreta, treinando-se com mais arreganho, prometendo vingar-se nos Jogos Olímpicos que se avizinhavam, mesmo que as dores nos ossos o infernizassem. Tinha 31 anos. E, em Amesterdão, ganhou os 10 mil metros, foi segundo nos 5000 e nos 3000 metros obstáculos. Nesta prova passou por momentos anacrónicos, caricatos ao tentar saltar a vala de água desequilibrou-se, caiu de costas na água, cerrou os dentes num sinal de raiva quando viu que estragara o cronómetro talismã com que corria sempre na palma da mão, arremessou-o para a relva, furibundo, simulou desistência mas, num arranco bravio retirado do fundo da alma, voltou à corrida, o seu compatriota Toivo Loukola já lhe ganhara mais de 80 metros, os outros adversários também, a recuperação não chegou para mais que a medalha de prata. Claro que já não era o atleta de fulgor farfalhudo de Antuérpia ou Paris, mesmo assim se cochichou que apenas perdera a légua porque isso lhe pediram os dirigentes finlandeses, para que Ville Ritola arrecadasse mais uma medalha de ouro. Quem lhe conhecia o feitio não acreditou que pudesse ser verdade, perdeu porque não conseguira ganhar continuava a ser um fanático do sucesso, aliás, saiu de pista com mágoa cavada no rosto, sem sequer um gesto de felicitação ao compatriota. Na dupla légua Nurmi vingou-se e ganhou a Ville como nos bons velhos tempos. Ritola nascera em 1896, aos 17 anos emigrou para os Estados Unidos, lá ganhou 14 títulos da Amateur Athletic Union. Décimo quarto filho de uma prole de 20, deu nas vistas pela primeira vez ao classificar-se em segundo lugar na Maratona de Boston a mais antiga do Mundo em 1922. Após mais duas medalhas em Amesterdão somando assim cinco de ouro e três de prata radicou-se, em definitivo, na Finlândia, com a sua estrela apenas ofuscada pelas de Nurmi e Kolehmainen.