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1924 Jogos Olímpicos de Paris
Nurmi, o homem das cinco medalhas
Para além da humanidade
De Paavo Nurmi, para além do fulgor com que conquistava mundos e fundos, pouco se sabia. Mas sabia-se que a sua alma vivia na eterna esperança de ter dentro de si espírito de condor, o que, contudo, não o impedia de estar, antes das provas, em longas preces. Conta-se que, por exemplo, nos 55 minutos que separaram os 1500 dos 5000 metros nos Jogos de Paris se escondeu num recanto do balneário para rezar e na véspera orara noite dentro, na capelinha da Cidade Olímpica, durante duas horas. Também se revela que vivia para lá da humanidade. Frio, reservado, pessimista, fanático. Um dia falaram-lhe nisso, reconheceu que sim que era fanático da perfeição e da glória. E fechou o rosto o seu estado normal. Pouco comunicativo, fugia aos fotógrafos e aos jornalistas como o Diabo da cruz, vivendo até alheado dos próprios companheiros de selecção e, ao contrário de muitos outros deuses dos estádios, nunca se lhe viu um gesto de felicitação, de complacência ou de incentivo pelos vencidos. Timidez? Talvez. Temor? Nem por sombras. A correr não havia medo que lhe coalhasse o peito, o que sentia era quase desprezo pelos adversários, disso fazendo a chama do seu brilho, a lava do vulcão em que se tornava pista fora. Terminadas as provas tirava os sapatos, vestia os seus abafos e dirigia-se, mordiscando os lábios, de olhos metidos no chão, para os balneários, sempre sisudo, sempre indiferente a saudações, aplausos, vibrações.
Indeclinável ritual
Chamaram-lhe finlandês voador. Fantasma com asas. Inigualável Paavo. Após as cinco medalhas de ouro que conquistou nos Jogos Olímpicos de Paris, fizeram-se na Finlândia 42 banquetes de homenagem aos heróis das pistas. A todos eles Nurmi foi no seu jeito glacial, de sorriso escondido o inverso de Hannes Kolehmainen, que ria, ria, ria... E nunca deixou de cumprir indeclinável ritual: por mais sumptuosos que fossem os repastos, depois do café dirigia-se discretamente aos lavabos, trocava de roupa, vestia fato de treino, calçava as sapatilhas, depositava o fato de gala no automóvel do treinador e... corria durante uma hora, nada se incomodando com o estômago cheio. Aliás, pouco cheio estava porque dizem as crónicas que apenas petiscava como um passarinho.
Nurmi, o homem das cinco medalhas
Para além da humanidade
De Paavo Nurmi, para além do fulgor com que conquistava mundos e fundos, pouco se sabia. Mas sabia-se que a sua alma vivia na eterna esperança de ter dentro de si espírito de condor, o que, contudo, não o impedia de estar, antes das provas, em longas preces. Conta-se que, por exemplo, nos 55 minutos que separaram os 1500 dos 5000 metros nos Jogos de Paris se escondeu num recanto do balneário para rezar e na véspera orara noite dentro, na capelinha da Cidade Olímpica, durante duas horas. Também se revela que vivia para lá da humanidade. Frio, reservado, pessimista, fanático. Um dia falaram-lhe nisso, reconheceu que sim que era fanático da perfeição e da glória. E fechou o rosto o seu estado normal. Pouco comunicativo, fugia aos fotógrafos e aos jornalistas como o Diabo da cruz, vivendo até alheado dos próprios companheiros de selecção e, ao contrário de muitos outros deuses dos estádios, nunca se lhe viu um gesto de felicitação, de complacência ou de incentivo pelos vencidos. Timidez? Talvez. Temor? Nem por sombras. A correr não havia medo que lhe coalhasse o peito, o que sentia era quase desprezo pelos adversários, disso fazendo a chama do seu brilho, a lava do vulcão em que se tornava pista fora. Terminadas as provas tirava os sapatos, vestia os seus abafos e dirigia-se, mordiscando os lábios, de olhos metidos no chão, para os balneários, sempre sisudo, sempre indiferente a saudações, aplausos, vibrações.
Indeclinável ritual
Chamaram-lhe finlandês voador. Fantasma com asas. Inigualável Paavo. Após as cinco medalhas de ouro que conquistou nos Jogos Olímpicos de Paris, fizeram-se na Finlândia 42 banquetes de homenagem aos heróis das pistas. A todos eles Nurmi foi no seu jeito glacial, de sorriso escondido o inverso de Hannes Kolehmainen, que ria, ria, ria... E nunca deixou de cumprir indeclinável ritual: por mais sumptuosos que fossem os repastos, depois do café dirigia-se discretamente aos lavabos, trocava de roupa, vestia fato de treino, calçava as sapatilhas, depositava o fato de gala no automóvel do treinador e... corria durante uma hora, nada se incomodando com o estômago cheio. Aliás, pouco cheio estava porque dizem as crónicas que apenas petiscava como um passarinho.