O Século XX do Desporto

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1914 – Sporting-Benfica com cenas lamentáveis nas barbas do Presidente da República

Bolas para fora, risotas, invasão e carga policial
Talvez tenha sido o primeiro grande escândalo do futebol português. O Sporting sagrara-se campeão de Lisboa em 1914 e no ano seguinte juntaria ao título (que tinha então o valor simbólico de um campeão de Portugal por se considerar que a hegemonia do futebol se centrava na capital) a segunda edição na Taça de Honra da Associação de Futebol de Lisboa. Na final, marcada para 4 de Junho no Estádio de Lisboa, propriedade de José Alvalade (e já não do Sporting, com quem estava em rota de colisão), o Benfica. A Direcção da AFL procurou dar-lhe ambiente de jornada grandiosa, espectacular, extraordinária. Por isso convidou o Chefe de Estado e alguns ministros, que compareceram, solicitando também ao Carcavelos que convencesse o seu mítico jogador Henry Frood a arbitrar a partida. O Sporting, tendo beneficiado da vantagem de um vento fortíssimo em toda a primeira parte, chegou ao intervalo a vencer por 1-0, decidindo no segundo tempo defender o resultado com recurso ao lançamento de bolas para fora. Na crónica do Sport de Lisboa, para além de se verberar o comportamento de Boaventura da Silva e Artur José Pereira (dois dos dissidentes do Benfica) por «utilizarem o sistema sem rebuço, rindo de si próprios e da sua proeza, voltando-se para fora do terreno de jogo e mandando a bola para cima do público que os apupava», censura-se Jorge Vieira, «um dos seus defesas, que fazia ainda pior: corria sobre a bola já saída do campo e, em vez de a amparar para a restituir ao juiz de linha, que a reclamava de bandeira erguida ao alto, chutava-a para o horizonte distante, por sobre esse público escarnecido, que silvava de indignação». E, amargurado, o cronista rematou: «É evidente que o público que pagou não podia assistir, sem violento protesto, a semelhante burla e acabou por invadir o campo, incitando os jogadores do Sport Lisboa e Benfica a abandonar o campo. Deu-se, então, a única nota consoladora dessa tarde de ruína para o futebol nacional: os jogadores do Sport Lisboa e Benfica ficaram no seu lugar, cumprindo o seu dever desportivo até ao fim e utilizando o prestígio da sua popularidade para restabelecer a ordem, o que só se conseguiu depois de várias cargas de cavalaria. Só um homem do Benfica teve a fraqueza de sair — aquele que mais imperioso tinha o dever de ficar, o velho Henrique Costa, seu capitão actual. Como ele deve estar, a esta hora, repeso do seu mau impulso! Ele que tão bem sabe que as primeiras qualidades de um capitão são a serenidade e a calma.» Henrique Costa foi suspenso por dois meses e destituído das funções de capitão pela Direcção do Benfica, a AFL puniu-o com cinco meses de castigo, mas pouco depois a Direcção do Benfica amnistiá-lo-ia, restituindo-lhe o cargo de capitão. A Associação é que não...
 
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1914-1917 – Copa América
A mais antiga competição de futebol por selecções

Magia no Uruguai
É a mais antiga das competições internacionais de futebol. A Copa América. Foi lançada em 1916, graças a Hector Rivadavia Gomez, uruguaio que para além de político e jornalista fundou a Confederação Sul-Americana de Futebol. Seis anos antes, também em Buenos Aires, o seu prefácio, num torneio envolvendo três selecções nacionais (Argentina, Uruguai e Chile) e mais três clubes: Alumni, o mais poderoso da Argentina por essa era, Brown e a Liga Rosarina. A ideia era organizar a Copa América todos os anos, até 1927 assim aconteceu, com uma excepção apenas, em 1918. Uruguai, Brasil, Chile e Argentina tomaram parte na abertura da Copa América. A vitória coube aos uruguaios, que a repetiriam em 1917. Estavam assim lançados os sinais da magia que mais se notaria nos Jogos Olímpicos de Paris e Estocolmo e na primeira edição do Mundial, em 1930. Os brasileiros só em 1919 inscreveriam o nome no quadro de vencedores, a Argentina fá-lo-ia dois anos depois. Desta competição nasceria o primeiro grande ídolo do futebol brasileiro, Friedenreich, autor do golo que deu o título à canarinha. El tigre lhe chamavam, era um «mulatão de olho azul, filho de um alemão e de uma brasileira», segundo as estatísticas terá marcado 1329 golos, mais que Pelé — e nunca falhou um penalty. Foi ele também que esteve na conquista da Copa América de 1922. Depois disso o Brasil andou 27 anos em jejum, só em 1949 voltaria a ganhá-la.

Boillot, astro morto fora de guerra
A dar para o gordinho, grande bigode, vivaz e supersimpático. Era assim George Boillot. O exemplo lendário do espírito vencer ou morrer. Em 1912 ganhou o Grande Prémio de França ao volante de um Peugeot, destronando os gigantes da Fiat. Dois anos volvidos a Mercedes surgiu em Lião para arrasar. Boillot resistiu estoicamente até que o carro começou a «cair aos pedaços», desistiu e saiu do volante a chorar. Nunca qualquer piloto tivera antes reacção assim. Os Mercedes ocuparam as três primeiras posições, vivia-se já na tensão do espectro da guerra, os alemães foram vaiados. Ironia cruel do destino, em 1916, numa das raras corridas de automóvel depois de o conflito estoirar, um Mercedes chocou violentamente contra o Peugeot de Boillot, matando-o. Entre 1917 e 1919 também não se disputaram corridas em Indianápolis. O circuito serviu de aeródromo e depósito de reparação de aviões de guerra. E, face à falta de dinheiro proveniente das corridas e dos testes, os proprietários decidiram plantar milho e feno no interior da pista para melhor proverem aos custos!
 
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1914-1917
Petit-Bréton, primeiro grande ciclista do século morreu na guerra

Sangue ilustre na trincheira
Para além de Jean Bouin, a França chorou amargamente a morte em combate de outras das suas estrelas. Lucién Petit-Bréton caiu, trespassado por uma bala, em Troyes, num dia negro de 1917. Era então considerado o primeiro grande ciclista mundial do século, vencera a Volta à França em dois anos consecutivos, 1907 e 1908, antes de si ninguém o conseguira — ganhara igualmente o Milão-San Remo e o Paris-Bruxelas, colocara o record mundial da hora em 41,110 quilómetros, embasbacando meio mundo com aquela média fabulosa, bem acima dos 40 km/h. Petit-Bréton não era nome de crisma, era pseudónimo, Lucien Mazan se chamava... Haveria de estar indirectamente na construção da vedeta que o substituiria em termos de grande projecção mediática, não tanto de popularidade, mas enfim. Henri Pélissier fora até 1911 um ilustre desconhecido do pelotão. Ganhou fama internacional quase sem querer. Vencera apenas pequenas corridas, estava na estação central de Paris à espera de comboio para casa, de súbito salta-lhe ao caminho Lucién Petit-Bréton, engalfinhado em malas e sonhos, disse-lhe que estava de partida para Itália, para disputar a Volta à Lombardia, durante uma semana — e desafiou Pélissier a acompanhá-lo. Num ápice foi a casa buscar roupas e bicicleta e... 10 dias depois dava-se a conhecer ao mundo como vencedor de uma das provas mais prestigiadas de então, talvez só suplantada pelo Tour. Repetiria a vitória em 1913 e 1920 e em 1923 ganhou a Volta à França. Também andara pela guerra, vira a morte nos olhos, fora gaseado mas salvara-se. Petit-Bréton não. Faber e Lapize, outros dois vencedores do Tour, também deixaram o seu ilustre sangue nas trincheiras, abatidos em combate.

Granada que esfacelou Bouin era francesa!
A 13 de Setembro de 1914 Jean Bouin partiu para a guerra. Batera records mundiais nas corridas de fundo, era a arma francesa para opor (nas pistas) aos nórdicos liderados por Kolehmainen. Ganhara, dois anos antes, tal prestígio em Estocolmo que os franceses o consideravam o seu maior desportista. Deram-lhe o privilégio de se salvar da guerra. Fez questão de ir. «É o meu dever para com a pátria.» Atribuíram-lhe o posto de capitão do 141.º Regimento de Infantaria. A 29, perante dificuldades de comunicação entre dois regimentos, Bouin ofereceu-se para, a correr, levar a mensagem. A noite caiu, um vulto ondulou no front — ao aperceber-se disso companheiro de armas do outro batalhão lançou em sua direcção granada que o esfacelou, presumindo ser alemão em ataque surpresa. Quase como no poema de Pessoa, do bolso da farda já ensopada em sangue de Bouin caiu uma bolsinha com a carta de amor que escrevera horas antes à noiva que ficara em Marselha. Tinha 26 anos. O bastante para se tornar uma das maiores lendas do atletismo mundial.
 
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1914-1917
Vidal Pinheiro vítima da debandada de La Lys

Trágico destino
Por entre os mais de 89 mil homens vários tinham sido os desportistas portugueses lançados à guerra, quer na defesa de territórios africanos quer na frente europeia. Assim, durante esses trágicos anos, por cá, para além do futebol e das modalidades de cariz militarizado, quase tudo se suspendeu, em cruciante agonia. Ah! também se mantinham os torneios de ténis para a alta burguesia, com algumas senhoras jogando no intervalo das campanhas e peditórios para apoio aos soldados através de vendas simbólicas de flores! Três jogadores do F. C. Porto foram chamados à batalha: Vidal Pinheiro, capitão do exército, uma das suas estrelas, Floriano Pereira e Harrison, interior-esquerdo que foi incorporado no contingente escocês — e de quem se dizia ser o melhor estrangeiro que alguma vez passara pelos campos de Portugal... Na Primavera de 1918 o exército americano galga para a Europa. Os alemães, temendo que isso fosse a chave do conflito, decidem jogar na antecipação... Os oficiais do Corpo Expedicionário Português na Flandres estão por essa altura de licença em Portugal, não regressam, deixam as suas tropas quase abandonadas nas trincheiras. Há motins entre os soldados; quando, na noite de 8 para 9 de Abril, a segunda divisão do CEP ensaia a saída da frente, por troca com ingleses, sofre assanhado bombardeamento, a infantaria teutónica precipita-se para si como em avalancha, La Lys transforma-se em terrível campo de morte, 327 oficiais e 7089 praças da divisão portuguesa ficam sem vida espalhados por montes e vales, numa ironia macabra os alemães deixam uma cruz no meio dos corpos exangues com cínica frase: «Aqui descansa um português.» Assim nasceu o culto do soldado desconhecido. Nessa madrugada de sangue e dor Vidal Pinheiro seria um dos mais ilustres mortos. Floriano e Harrison regressariam e ainda haveriam de fazer do F. C. Porto campeão de Portugal.

Balas, tifo... e outras misérias
Nos despojos da guerra «Portugal é uma nau à deriva, perto do naufrágio. A sociedade está depauperada pela carestia, radicalizada pela política, instabilizada pela economia e esgotada pela balbúrdia». Retrato negro, traçado por Joaquim Vieira, em Século XX — Crónica em Imagens. Falta tudo. Carne, peixe, arroz, feijão, leite, carvão, fósforos. Um jornal conta que no matadouro de Lisboa se abate um boi por dia para abastecer 600 mil habitantes! A peste pneumónica alastra, ceifa mais de 70 mil vidas só em 1918 — Álvaro Gaspar, futebolista do Benfica, é uma das suas mais ilustres vítimas. Organizam-se jogos de futebol a favor dos tifosos... Apesar de a bola continuar a rolar mais ou menos aos solavancos, como única forma de escape aos abalos da penúria e da vida cruel de um povo quase todo transformado em sórdido aleijão, o desporto era o espelho do país agónico. Tirante os militares do hipismo, do tiro e da esgrima, não houve sequer gente para enviar aos Jogos Olímpicos de Antuérpia. E suspensas estavam até as competições chiques na burguesia nascente do princípio da década, as gincanas — ou as insólitas e exóticas «corridas com patos (!) para senhoras, por entre as provas de agulha e linha, contas de somar e luta de tracção para mademoiselles e cavalheiros».
 
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1917 – Primeiros ensaios de futebol nocturno

Cosme Damião tentou modernidade mas público não apareceu
Cosme Damião conhecera no Brasil o futebol nocturno e havia muito que magicava experimentá-lo em Portugal. Em 1917 o proprietário do campo de Sete Rios exigiu 400 escudos de renda pelo aluguer, a Direcção benfiquista considerou a proposta inaceitável. Seis meses depois construiu-se o Campo de Benfica, com uma entrada pela Estrada de Benfica, outra pela Av. Gomes Pereira. Foi nesse espaço, no fecho da época de 1918/19, que a novidade fulgurou. A 9 de Agosto O Sport de Lisboa publicou a primeira notícia da «fabulosa iniciativa» — um jogo de futebol nocturno. Colocaram-se 18 mil reflectores de mil velas à volta do terreno, instalando-se nas bancadas e nos camarotes elevado número de lâmpadas encarnadas e brancas, alternando-se. A 10 de Setembro a inauguração da luz, em partida entre Benfica e um misto de Império, CIF e Vitória de Setúbal. Empate a um golo, o primeiro tento nocturno em Portugal coube ao benfiquista Mengo. Apesar de os espectadores não serem «em número colossal», de ter havido banda de música e tudo, o Benfica até apurou um lucro de 10$17.

Quase 10 mil réis para champanhe!
A organização de um torneio de futebol tinha custos elevados. Por exemplo, a banda de música poderia cobrar oito escudos para «abrilhantar o espectáculo». Anúncios nos jornais montariam a quatro escudos. Nos lanches aos jogadores gastavam-se mais 10, 60 pela hospedagem. Mais 30 para a polícia, sete para troféus e medalhas. Foram essas as verbas para o lançamento do torneio que o F. C. Porto organizou na Constituição, em 1919, com Sporting (que estadeava o título de campeão de Lisboa), Benfica (contando já com Cândido de Oliveira e Ribeiro dos Reis nas suas hostes) e Sp. Espinho. Foi a primeira vitória portista, envolvendo os dois grandes de Lisboa. A festa foi de arromba. Só em champanhe gastaram-se 9$47 e a competição deu um lucro de 750$35. No entanto só no ano seguinte, a 4 de Abril de 1920, o F. C. Porto conseguiu a primeira vitória sobre o Benfica em Sete Rios: 3-2 foi o resultado, na edição de Os Sports exaltou-se a «enchente colossal» e a «inesperada superioridade dos nortenhos, pela primeira vez com o admirável Normann Hall».

Primeiros ensaios de futebol nocturno
Jogos de Pershing foram antestreia de Antuérpia e houve brilho de Portugal!

Ouro e senhores da guerra
A guerra abalara, naturalmente, toda a estrutura desportiva, já de si precária, titubeante, de Portugal. O futebol, cujos campeonatos se mantiveram em disputa, fora, a par de algumas modalidades de índole militar, o que melhor sobrevivera a tão conturbados tempos. Com o regresso da Flandres animaram-se os quadros competitivos do hipismo, da esgrima e do tiro. Em 1919 o general americano Pershing decidiu organizar jogos desportivos com o seu nome, que funcionassem como rampa de lançamento para Antuérpia — mas abertos apenas aos... Aliados. Portugal esteve presente e viveu até alguns dos primeiros grandes momentos de glória, numa competição que em termos de nível pedia meças aos Jogos Olímpicos. Estavam lá todas as estrelas que brilhariam em Antuérpia. António Martins ganhou a medalha de ouro no concurso de tiro de pistola a 25 metros e na esgrima Jorge Paiva venceu a competição de espada. Assim, naturalmente, ambos se tornaram esperanças nacionais para a conquista das primeiras medalhas olímpicas... Em Janeiro de 1920 Prestes Salgueiro, presidente do COP e governador civil de Lisboa, em entrevista à revista Football, deixava claro o cenário do país desportivo: «Não há possibilidade de constituirmos uma equipa nacional que possa representar-nos condignamente ao lado das outras nações em Antuérpia. A guerra, levando uns à França, outros à África, destroçando os nossos atletas, determinou um período de tão fraca actividade desportiva que eles, por falta de preparação, não podem competir na próxima Olimpíada com atletas estrangeiros. Pelas indicações que possuímos, esgrima, hipismo e tiro são as únicas especialidades que podemos enviar confiadamente.»
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
Inspiração dos anéis no templo de Delfos

A bandeira de Coubertin
Cinco anéis entrelaçados. Cinco cores para a representação de cinco continentes. Sondagem recente concluiu que o símbolo olímpico era reconhecido por 85 por cento dos habitantes de todo o Planeta. Coubertin criara-o em 1913 para a bandeira que sonhara ver desfraldada nos céus de Berlim, em 1916. Por essa altura a cidade estaria já dizimada pela guerra que não parava. Foi, pois, em Antuérpia que tremulou pela primeira vez. Os anéis entrelaçados para a bandeira olímpica explodiram na imaginação de Coubertin em 1913 — com base numa inscrição que se descobrira no Templo de Delfos. «Estes cinco anéis de cores azul, amarela, preta, verde e vermelha representam a união das cinco partes do Mundo. E o fundo branco da bandeira a paz...» Foi assim na génese mas só alguns anos volvidos se acertaria o tom ao simbolismo, ligando cada cor a seu continente. O azul, a Europa. O amarelo, a Ásia. O negro, a África. O verde, a Oceânia. O vermelho, a América. A bandeira, que era como que um pedaço sagrado do coração do barão, foi mandada confeccionar, por ele próprio, nos armazéns do Bon Marché, perto do palacete onde crescera, em Paris. Ironia cruel do destino: essa relíquia seria roubada e destruída precisamente em Paris, levando até a que, por via disso, oráculos e pitonisas previssem a morte dos Jogos Olímpicos.

Coubertin... soldado e vencidos da guerra afastados
Em Abril de 1915 Coubertin estabeleceu o quartel-general do COI em Lausana, na Suíça, para onde fora viver. Por essa altura escreveu uma carta aos colegas de direcção, pedindo suspensão da presidência por não lhe parecer correcto que o COI fosse dirigido por um... soldado, uma vez que estava a pensar alistar-se para a guerra, propondo, inclusivamente, que nesse interim as funções fossem atribuídas ao barão Godefroy de Blonay. Foi ele quem lançou o convite para Antuérpia substituir Berlim — crendo de forma evangélica que o ideal olímpico não sucumbira nos despojos da guerra. Coubertin tentou em última instância que os países do Eixo não fossem afastados, acreditava também que a sua presença poderia servir como antibiótico. A tese não venceu e Alemanha, Áustria, Hungria, Bulgária e Turquia foram suspensas do COI para que não pudessem inscrever atletas se o quisessem. Deixá-los competir na Bélgica, que fora dos países mais sacudidos e dizimados pelos seus bombardeamentos, seria, afinal, deitar sal em ferida ainda por suturar. Aliás, o COI foi claríssimo na explicação: «Esta decisão é lamentável mas não pode ser posto em dúvida que a catástrofe que ensanguentou a Europa criou um estado psíquico especial, ainda muito vivo, que obscurece o pensamento puramente desportivo de muitos atletas de indiscutível honorabilidade.» A URSS nem sequer respondeu ao repto, os seus jovens continuavam de armas na mão, era a guerra civil entre vermelhos e brancos.
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
Suzanne Lenglen ganhou o ténis já ao seu jeito rebelde e vanguardista

Saias puxadas para cima
Suzanne LenglenNo ténis Antuérpia sentiu o perfume de Suzanne Lenglen. Ainda não lhe chamavam A Diva, mas a sua imagem era já marcante. Pelo estilo e pela ousadia. Quando, em 1905, May Sutton ganhou Wimbledon jogando com uma saia pouco acima do joelho choveram nos jornais ingleses imprecações por tal topete. Escândalo maior estalaria 14 anos volvidos, quando a francesa, electrizante, desafiou a visão patriarcal que impunha até o modo de vestir das mulheres num dos espaços sagrados da moral vitoriana. Antes de si, e excepção feita ao arrojo de Sutton, as tenistas atiravam-se à relva com longas saias por baixo de apertados corpetes. Lenglen mudou tudo. Levantou as bainhas, descobriu os braços e só usou meias da cor da pele para se proteger do frio. Nesse ano de 1919 a primeira vitória em Wimbledon, num duelo empolgante com Dorothea Chambers — e depois um domínio incontestável até 1926. Sete anos em que, para além do título olímpico, não permitiu que as adversárias por junto e atacado lhe ganhassem mais de cinco jogos. E perdeu apenas dois torneios — em 1921, no Open dos Estados Unidos, foi para o court com quase 40 graus de febre, não aguentou a doença e desistiu, oferecendo a vitória à americana Molla Mallory; em Wimbledon, em 1926, desistiu na terceira ronda, por lesão num braço. Iniciara-se no ténis em 1913 e no ano seguinte sagrar-se-ia logo campeã mundial em terra batida. Foram os anos da Guerra que a impediram de alargar ainda mais a fantástica folha de serviços, ponteada a ouro com vitórias em Wimbledon, Roland Garros, U. S. Open — e, mais que isso por uma faiscante forma de actuar, bailando nos courts, dando ao jogo beleza e charme como nunca tivera, nunca se imaginara que pudesse ter.

«Ballet» de Debussy
Suzanne Lenglen foi a primeira grande jogadora profissional de ténis. E por isso já não pôde estar nos Jogos Olímpicos de Paris, quatro anos depois da vitória em Antuérpia. Foi a grande mágoa dos franceses. A sua popularidade galgara já pelo mundo inteiro. Em Inglaterra era tal que antes de Wimbledon a publicidade se fazia com imagens suas nos painéis publicitários dos tradicionais autocarros londrinos e uma simples palavra como íman: Suzanne! Foi por ela que se construiu em Wimbledon um court de 14 mil lugares. Fama e glória conquistadas, passou a viver em Nice, montou o seu clube de ténis, por lá passavam, alardeando-se, artistas, políticos, reis, rainhas, príncipes, princesas, marajás. Claude Debussy compôs um ballet inspirado em si por achar que Suzanne conquistava os pontos nos mais perfeitos passos de dança que alguma vez vira. Não era bonita, não tinha, nem nada que se parecesse, a beleza magnética de Gabriela Sabatini, mas fazia do charme a arma principal. Por exemplo, era capaz de alugar em exclusivo um vagão de luxo em viagem de Veneza a Saint-Moritz — e no regresso a casa tinha sempre à sua espera na estação um atrelado com oito cavalos aperaltados que a conduzia a casa como se fosse em imperial cortejo. Era também por esse jeito muito bem cuidado de aparecer que inundava páginas e páginas de jornais, como nunca nenhum outra desportista antes.
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
Vestidos do estilista e salvação do rei da Suécia

Arma para derrotar rei de Portugal Um cometa a cortar os céus. Rasgante. Com igual rapidez encomiaram de La Divine — em referência ao seu jogo aéreo e gracioso mas também pela beleza dos vestidos, por insistir em ir para os courts sempre «maquilhada como se fosse para uma festa de gala». Aliás, em 1921, passou a actuar sempre com fatos especiais do estilista Jean Patou, que também lhe desenhava jóias, ténis e alças para prender o cabelo. Reis, rainhas e princesas cortejavam-na, disputavam a sua presença para festas e saraus desportivos nos palácios. Por isso lhe chamavam também a campeã dos reis. Um dia, num aristocrático Verão na Côte d\'Azur, Gustavo V da Suécia fez questão de alinhar ao lado de Suzanne Lenglen num torneio misto, para assim ganhar enfim ao seu arqui-rival dos courts — D. Manuel II de Portugal, que a república mandara para o exílio e fazia do ténis a sua melhor descompressão, jogando-o com grande habilidade.

Dança clássica
Suzanne Lenglen nasceu a 24 de Maio de 1899 em Paris, no seio de uma família de alta burguesia. O avô enriquecera lançando rede de autocarros para cruzar toda a cidade. Pequenina, aprendeu a montar a cavalo. E dedicou-se à dança clássica. Abalada pela morte do irmão mais novo, a família deixou Paris e foi viver para o campo. Para a tirar do torpor em que caíra, em 1910, o pai, seu primeiro treinador, deu-lhe uma raqueta e prometeu fazer de si a mais fantástica jogadora do universo. Ela sorriu, agarrada ao seu pescoço. Aos 14 anos, graças ao efeito eléctrico dos seus vóleis e smashes, sagrou-se campeã mundial. Foi o primeiro sinal do seu império. Dominava a seu bel-prazer qualquer adversária graças à precisão dos golpes, suportados por um magnífico jogo de pernas. Muito ligeira, quase em pontas de pés, uma rapidez estonteante.
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
Paavo Nurmi ganhou nove medalhas de ouro e três de prata

Herói beliscado pela tentação dos dólares O finlandês Paavo Nurmi foi herói de três Olimpíadas. Em 1920, em 1924 e em 1928. Em Antuérpia ganhou três medalhas de ouro (nos 10 mil metros e no corta-mato individual e por equipas) e uma de prata (nos 5000 metros). Em Paris dose ainda mais fantástica: cinco medalhas de ouro (nos 1500 metros, 5000 metros, 3000 metros por equipas e corta-mato individual e por equipas) — mas mais espantoso ainda foi o facto de ter ganho a légua 55 minutos depois da vitória nos 1500 metros! Em Amesterdão, já com 31 anos, averbou a nona medalha de ouro (nos 10 mil metros), juntou ao rol mais duas de prata (nos 3000 metros obstáculos e nos 5000 metros). Programara a despedida para 1932, em Los Angeles. Na maratona. Mas, poucas horas antes da partida, um despacho do COI desqualificava-o por suspeita de profissionalismo — na sequência de um jornalista sueco o ter acusado de receber 60 mil francos da organização do meeting de Helsínquia, onde dois anos antes batera o record mundial das duas milhas. A Federação Alemã de Atletismo revelou então ter-lhe pago importantes cachets. Mas não havia documentos que o provassem... Estava já de malas feitas para Los Angeles quando um jornalista americano apresentou provas de que só em 1925 um organizador lhe pagara 25 mil dólares para correr em Nova Iorque. Era uma fortuna. E um sacrilégio. O famoso decreto sobre profissionalismo, publicado em 1894 por Pierre de Coubertin, proclamava a «suprema importância de preservar, contra o profissionalismo, o nobre e cavalheiresco carácter do desporto» — e preceituava até que o período destinado ao treino para os Jogos Olímpicos teria de ser, regra geral, de 30 dias, «não devendo, em caso algum, ultrapassar os 60 dias no decurso de um ano»! Com o dinheiro amealhado nas corridas Paavo Nurmi deixou a vida militar e tornou-se próspero homem de negócios em Helsínquia, onde morreria em Outubro de 1973.

A inspiração de Kolehmainen
Aos 15 anos Paavo Nurmi sentiu-se impressionado pela forma como Hannes Kolehmainen conquistara três medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Estocolmo e, «para tentar fazer melhor que ele» dedicou-se ao atletismo, no Turun Urheiluliitto, clube de Turku que representaria durante toda a carreira. Estabeleceu o primeiro record nacional a 29 de Maio de 1920, ao correr 3000 metros em 8.36,2 minutos, e nesse mesmo ano, em Antuérpia, tornou-se, tal como prometera a si mesmo, o sucessor do ídolo — arrecadando três medalhas olímpicas de ouro e uma de prata. O primeiro record mundial batê-lo-ia a 22 de Junho de 1921, gastando 30.40,2 minutos nos 10 mil metros. Por 31 vezes repetiria a façanha — com máximos entre os 1500 metros e a dupla légua. Ao longo de toda a carreira ganhou mais de 300 corridas e apenas há registo de ter sido desfeiteado por 15 vezes entre 1914 e 1934!
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
31 «Recordes» mundiais e misterioso olhar para a palma da mão

Cronómetro ou foto da mãe? Nascido em Turku a 13 de Julho de 1897, o finlandês Paavo Nurmi bateu, entre 1920 e 1932, 31 records mundiais, num leque fabuloso estendendo-se dos 1500 aos 10 mil metros, passando pelos 2000, 3000 e 5000 metros — milha, duas, três, quatro e cinco milhas. Durante os nove meses em que andou em digressão pelos Estados Unidos, em 1925, ganhou 70 corridas! Tinha uma postura extremamente erecta de correr, um rosto impassível, cabeça desde cedo cavada de cabelo — e de quando em vez olhava de relance para a palma da mão direita, a lenda foi dizendo que era para se inspirar numa foto de sua mãe, os adversários sabiam que era para controlar as operações através de um cronómetro minúsculo que funcionava para si em jeito de talismã. Nos Jogos Olímpicos de 1952, em Helsínquia, o estádio quase foi abaixo quando se soltou arrepiante tremor de aplausos no preciso momento em que Paavo, já completamente careca, assomou na pista com o facho olímpico erguido no último percurso da viagem da Grécia à Finlândia.

Primeiras medalhas a falar português
Em Antuérpia o Brasil ganhou a primeira medalha de ouro olímpica, através de Guilherme Paraense, no tiro à pistola de velocidade. Utilizou um Colt 22 — arma que conseguira que os americanos lhe emprestassem já no campo de tiro. Chegou a coronel do exército, morrendo aos 82 anos, em 1968. No tiro ao alvo a 50 metros, Afrânio da Costa ganhou a medalha de prata e na prova colectiva de revólver os brasileiros conquistaram bronze.

20 quilos de moedas
Através de campanha realizada em Chicago, as crianças desta cidade do estado de Ilinóis recolheram um total de 20 quilos em moedas de pennies com o intuito de ajudar financeiramente a campanha olímpica americana para os Jogos Olímpicos de Berlim, marcados para 1916 — que a I Guerra Mundial haveria de matar.

William Peterson – Quarto de dólar no sapato
Em 1920, em Antuérpia, o sueco William Petersson foi o campeão surpresa do salto em comprimento, batendo os americanos, que para o corredor de salto foram com estatuto de superfavoritos. A meio do concurso descobriu um quarto de dólar na pista, por impulso, se calhar divino, pô-lo no sapato esquerdo e logo no ensaio seguinte conseguiu salto que lhe valeu a medalha de ouro.
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
Primeiro brilharete de Portugal nos Jogos Olímpicos

Quarto aberto a golpes de espada No início de 1920 tentou o COP realizar provas de selecção de atletismo com vista a Antuérpia mas sem êxito, pois os arremedos de pistas então existentes ficaram praticamente vazios. Acerca deste fiasco pode ler-se na edição de 8 de Maio de 1920 da revista Football: «O fracasso do seu primeiro campeonato deveu-se, quanto a nós, a duas causas a que não quiseram atribuir o relevo ou importância que realmente possuíam: hora escolhida e falta de prémios. O comité, tentando abruptamente romper a rotina, como se fora fácil modificar e corrigir de momento hábitos de muitos anos, este hábito que todos nós possuímos de deitar e erguer tarde, marcou o início das provas para as nove da manhã!» Não houve atletismo em Antuérpia, natação também não, aspiração houve até porque nos Jogos de Pershing Portugal participara com equipa de pólo aquático. Mas, com a missão subsidiada pelo Ministério da Guerra, houve esgrima e tiro. E o primeiro brilharete olímpico... A equipa de espada, constituída por Mascarenhas de Meneses, Rui Mayer, Frederico Paredes e João Sasseti, classificou-se em quarto lugar, sendo afastada na final pela Itália, a maior potência mundial, campeã olímpica, mas que até tinha baqueado frente aos portugueses na ronda inicial, dando ideia de escândalo — e depois, na luta pela medalha de bronze, com os belgas, o sonho ficou a três toques apenas. Individualmente Mascarenhas de Meneses obteve o sexto lugar. No tiro de revólver a 30 metros, sob comando de António Martins, Portugal classificou-se em oitavo lugar, fazendo ainda parte da equipa Hermínio Rebelo, António Santos, António Damião e Dario Canas. Lamentável foi a não selecção, por desconhecimento das suas potencialidades, de António Pereira, que, face aos recordes mundiais que estabelecera entretanto, poderia ter ganho a medalha de ouro no halterofilismo, categoria de levíssimos.

Checos sem cobertura
Foi a última vez que se disputou a tracção à corda, o lançamento de esfera com ambas as mãos e os 400 metros bruços em natação. Novidade? O hóquei sobre gelo e o futebol já com grandes equipas à compita mas cuja final acabaria em escândalo. A excitação era explosiva, quando os belgas entraram em campo os aplausos pareciam tremores de terra. O desafio começou, a Bélgica chegou depressa a 2-0, mas de súbito, quando o árbitro expulsou um dos seus jogadores, os checos, irritados, foram todos com o companheiro para os balneários, praguejando contra «os roubos do juiz». O comité organizador desclassificou-os por «desrespeito intolerável», tirando-lhes as medalhas a que teriam direito. Nesse dia os belgas ganharam o apodo de diabos vermelhos. Antes tinham eliminado a Espanha, em cujas balizas fulgurava já Ricardo Zamora.
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
A fantástica colheita dos esgrimistas da família Nadi

Irmão em Hollywood a roubar cena Apesar de Nedo Nadi ter conquistado cinco medalhas de ouro em esgrima, sagrando-se individualmente campeão de florete e de sabre e colectivamente nas três armas, seu irmão Aldo, como ele tri-campeão colectivo e ainda medalha de prata no sabre, depressa lhe roubaria a cena. A revista Time considerou-o o maior esgrimista que alguma vez existiu — apesar de Nedo ter sido muito mais medalhado. Aldo nasceu em Itália em 1899, os Jogos Olímpicos de Antuérpia ainda o apanharam em fase de projecção, a profissionalização precoce impediu-o de aumentar o pecúlio olímpico, já nem sequer estaria em Paris, em 1924. Durante 15 anos, antes da II Guerra Mundial, reinou de forma suprema, ganhando a qualquer adversário em qualquer arma. A sua lenda inspirou espadachins de todo o mundo. Na sua autobiografia, A Espada Viva, conta assim 12 anos de invencibilidade nas três armas da esgrima. Pouco depois dos Jogos Olímpicos profissionalizou-se, partiu para os Estados Unidos, naturalizou-se americano e tornou-se professor de esgrima de estrelas de Hollywood como Errol Flynn, Lilian Gisk, Rex Harrison, Jose Ferrer. No final da vida, amargurado, lamentou-se: «Sinto-me desprezado pelos meus conterrâneos no seu abismo de ignorância sobre a esgrima.»

22 medalhas de ouro a tiro
Talvez fossem ainda os efeitos da guerra sem a sua marca trágica em jeito de descompressão ritual — em Antuérpia disputaram-se 22 medalhas de ouro no tiro. Várias eram as especialidades: pistola livre, arma militar deitado e de pé, pequeno calibre, tiro aos pratos, tiro à silhueta de veado fixo ou em movimento, revólver a 30 e 50 metros... Por isso não espanta que o mais medalhado atleta de Antuérpia fosse um atirador, o americano Wills Lee, que ganhou sete medalhas — cinco de ouro, uma de prata e outra de bronze — mas não conseguiu qualquer título individual. O domínio colectivo americano foi tal que Lloyd Spponer arrecadou quatro medalhas de ouro, uma de prata e duas de bronze e Carl Osburn apenas menos uma de bronze.
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
Na natação as grandes figuras dos Estados Unidos eram do Havai

Duke e as medalhas do capitão Radmilovic
Na natação, o havaiano Duke Kaha-namoku revalidou o título de 100 metros crawl e o americano Norman Ross arrecadou as medalhas de ouro nas distâncias mais longas: 400 e 1500 metros — e Waren Paoa Kealoha, também americano do Havai, venceu em costas. Em bruços, que se tinham estreado em Estocolmo, ambas as vitórias para o sueco Kakan Malmroth. No pólo aquático, apesar dos tumultos que chegaram a sentir-se nas bancadas, a Grã-Bretanha conquistou o quarto título olímpico consecutivo. Aliás, nunca outro fora o vencedor — e assim o capitão Paul Radmilovic averbou mais uma medalha para o seu fantástico pecúlio. Nasceu em Cardife, no País de Gales, em 1886, filho de pai sérvio e de mãe irlandesa, e participou em cinco edições de Jogos Olímpicos, de 1908 a 1928! Em Londres ganhou medalhas de ouro nos 4x200 metros e no pólo aquático. De ouro continuou a tatuar o seu mito com vitórias no pólo em Estocolmo e Antuérpia. E esteve também nas equipas britânicas em Paris e Amesterdão, então já fora do pódio. Por essa altura ainda se destacava nas provas de cinco milhas que se faziam no rio Tamisa, aparecendo o seu nome no quadro de vencedores entre 1907 e... 1926!

Albert Hill – cigarros e Prémio Nobel
Albert George Hill tinha 31 anos, era guarda dos caminhos-de-ferro. Para se preparar para os Jogos Olímpicos deixou de fumar 20 cigarros por dia e passou a treinar-se todas as noites pelos bosques em redor da guarita no intervalo da passagem dos comboios. Durante a guerra combatera em França. Quando, depois de vencer as 880 jardas, pediu que o levassem a Antuérpia só o seleccionador acreditou no seu «estilo durão de competir» e na sua velocidade avassaladora nos últimos metros; convocou-o e... quase foi linchado pelos jornais ingleses. Hill pediu então duas semanas de licença não remunerada e do seu chefe ouviu: «Dou-lhe apenas uma semana e se não ganhar as Olimpíadas desconto no ordenado. Por isso trate de vencer.» Não venceu apenas uma, venceu duas provas, 800 e 1500 metros. Na distância mais longa bateu o compatriota Phillip Noel-Baker, que chegaria a ministro dos Negócios Estrangeiros e em 1959 haveria de ganhar o Prémio Nobel da Paz, pela sua acção nos acordos para a limitação das armas nucleares.
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
Kolehmainen averbou quinto título olímpico na maratona

Gaseado de França e maratona em risco
Bevill Rudd, sul-africano que nascera na Grã-Bretanha, formado na Universidade de Oxford, ganhou os 400 metros a Guy Butler, seu arqui-rival dos tempos dos duelos com Cambridge. Gastou 49,6 segundos; nos 800 metros foi batido por Hill mas apenas depois de um acidente à beira da meta. O inglês tocou-lhe no pé, Bevill torceu-o, mesmo assim conseguiu a medalha de prata, chegou mesmo a estar em risco de correr a volta à pista... Nos 5000 metros Paavo Nurmi falhou a medalha de ouro, batido ao sprint pelo francês Joseph Guillemot, que durante a guerra estivera à beira da morte por ter sido gaseado pelos alemães... Vingou assim o compatriota Jean Bouin, que em Estocolmo perdera o título para Kolehmainen — e caíra no campo de batalha, morto por granada atirada por um homem do próprio pelotão, quando a correr fora levar mensagem a outro esquadrão... Depois da saga fabulosa de Estocolmo, Kolehmainen averbou o quinto título olímpico, desta feita na maratona. Que, depois da morte de Francisco Lázaro, estivera para ser riscada do programa... Belgas e britânicos pediram a sua exclusão, o COI disse nim — mas acabou por correr-se e Kolehmainen bateu o estónio Juri Lossman... Ao contrário do que se decidira, não se uniformizara a distância nos 42.195 metros de Londres, tal aconteceria apenas em Paris, quatro anos depois; o finlandês gastou 2.32.35,8 horas para percorrer 42.772 metros.

Aileen Riggin, ouro aos 13 anos, natação e bailado
Em Antuérpia mais uma especialidade de salto para a água, para além da plataforma, que se estreara quatro anos antes, em Paris. A americana Aileen Riggin, com apenas 13 anos, sagrou-se campeã olímpica. A mais nova de todos os tempos. Quatro anos passados, quando já encantava igualmente a América como bailarina, ganharia a medalha de prata nos saltos e a de bronze na natação pura — conquistando assim mais um pedaço de história, pois nunca mais qualquer mulher conseguiria o pódio em ambas as coisas, saltos e natação.
 
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1920 – Jogos Olímpicos de Antuérpia
«Batalha raivosa» de John Kelly e ouro vezes três

Pai de Grace na vingança do pedreiro
No remo as duas medalhas de ouro de John Kelly deixaram os britânicos em estado de choque. Depois da vitória na classe dupla, com seu primo Paul Costello, ganhou a prova individual, título que revalidaria em 1924. O americano ganhara notoriedade quando a sua participação em Henley, no Diamond Sculls — cujo fascínio era, então, de pedir meças às regatas Oxford-Cambridge, abrindo-se unicamente a amadores sem mácula —, foi recusada. A lenda que se teceu e ele próprio encorajou dizia que tal acontecera por o considerarem... pedreiro e as regras de Henley proibirem trabalhadores braçais de competir como amadores. Garantido está que o seu emblema, o Vesper Boat Club de Filadélfia, fora banido em 1905 por violação do código do amadorismo e só por isso não o deixaram remar. Serviu fria a vingança em Antuérpia, batendo Jack Beresford — herói que Henley consagrara — numa prova apontada como «autêntica batalha raivosa», apesar de ambos se tornarem, mais tarde grandes amigos. Não muito depois também os negócios na área da construção transformaram John Kelly em multimilionário, sua filha Grace, depois do sucesso como actriz em Hollywood, tornou-se princesa do Mónaco e seu filho John haveria de vencer o Diamonds Scull com uma provocatória camisola que dizia simplesmente — «Kelly em construção...»

Rugby made in USA
Em Antuérpia o râguebi voltou aos Jogos Olímpicos, os Estados Unidos, utilizando alguns especialistas de futebol americano, bateram a França na final por 8-0, os gauleses prometeram vingança para quatro anos depois, em Paris, jogaram todo o seu potencial na révanche mas, de forma ainda mais surpreendente, os americanos voltaram a arrebatar a medalha de ouro. Os ingleses nunca quiseram colocar o seu prestígio em jogo olímpico, preferiam concentrar esforços no Torneio das Quatro Nações, assim continuaram — e essa foi uma das razões por que o râguebi se eclipsaria do programa em Amesterdão e em hibernação ficaria daí em diante.

94 medalhas para os Estados Unidos
Apesar dos tumultos no barco da morte os americanos reconquistaram o primeiro lugar no medalheiro, perdido surpreendentemente em Estocolmo, oito anos antes. Conquistaram 41 medalhas de ouro, 26 de prata e 27 de bronze, contra 17 de ouro, 19 de prata e 26 de bronze da Suécia. A Grã-Bretanha manteve o terceiro posto, com 15 medalhas de ouro e outras tantas de prata e 17 de bronze e a Bélgica, que só em 1900 estivera no top five, arrecadou 35 medalhas (14, 11, 10). A Finlândia — que pela primeira vez competiu com o estatuto de nação livre e não de grão-ducado russo com mais ou menos autonomia — somou 14 medalhas de ouro, 10 de prata e 8 de bronze.

Barreiras, obstáculos e americanos da Irlanda
O canadiano Earl Thompson, que aprendera a técnica moderna de passagem na Universidade de Dartmouth, ganhou os 110 metros barreiras com novo record mundial (14,8 segundos), intrometendo-se assim no baluarte americano, que apenas conseguiu o pleno nos 400 metros barreiras, ganhos por Frank Loomis, em 54 segundos. Nos 3000 metros obstáculos o britânico Percy Hodge modernizou o estilo, colocando o pé na barra, e assim ganhou. Ugo Frigerio venceu ambas as provas de marcha, os 3000 e os 10 mil metros. Um dos resultados mais fantásticos de Antuérpia coube ao americano Frank Foss, que nos salto à vara colocou o record em 4,09 metros. E Paddy Ryan continuou uma espectacular tradição no martelo, com todos os campeões olímpicos entronizados sob bandeira americana mas tendo nascido na Irlanda.

Alvo de pássaro pequeno e grande
O tiro com arco também engordou. Lançaram-se provas de alvo fixo em... pássaro pequeno e pássaro grande, os belgas levaram as seis medalhas em disputa, campeões foram, respectivamente, Edmond van Moer e Edouard Cloetens. O francês Julien Louis Brulé impediu os belgas do pleno no tiro ao arco, Hubert van Innis, campeão de alvo em movimento em 28 e 33 metros, saiu de Antuérpia com quatro medalhas de ouro e duas de prata.
 
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1921 – Primeiro jogo da Selecção Nacional de futebol
Espanha bateu Portugal mas equipa não foi a de todos nós

Renegados a norte
Nasceu torta a estreia da Selecção Nacional. Foi a 18 de Dezembro de 1921 no campo do Atlético Madrid. Apenas um jogador do F. C. Porto, por sinal lisboeta e para lá transferido a troco de ordenado de mil escudos por mês, num dos primeiros casos encapotados de profissionalismo no futebol português: Artur Augusto. Por isso, a norte, a campanha de afrontamento à selecção de Lisboa atingiu índices de emotividade tais que, por vezes, se perderam as estribeiras. Por exemplo, a revista Sporting, na véspera do jogo — sob o título Uma selecção que nada representa — zurzia: «É para lamentar e até encher-se de pesar a alma de todos aqueles que amam o desporto e a sua terra, torrão abençoado e digno de melhor sorte, levado pela ambição, pela vaidade de meia dúzia de criaturas onde morreu o sentimento da mais elementar dignidade, a fazer-se representar em terras estranhas, fora do solo que amamos, por uns elementos cujos nomes foram escolhidos por simpatia, demonstrando à evidência um desconhecimento profundo de patriotismo, ligado ao maior desprezo pela causa pela qual tanto trabalhamos... São a dignidade, a honra e a sinceridade dos desportistas portugueses que exigem uma satisfação clara dos factos que se passaram com a nossa representação. É em nome daqueles que trabalham em prol de uma causa que pretendemos saber o que levou a Associação de Futebol de Lisboa a deixar entre nós, senão todos, dos melhores jogadores que possuímos e levar em sua substituição elementos escolhidos ao acaso sem que a sua competência, a sua forma científica, fossem postas à prova.» No dia seguinte a notícia do desfecho, ponteada de ironia: «A ansiedade dos desportistas portuenses em conhecer o resultado do desafio de Madrid foi satisfeita pelas 6 horas da tarde quando os nossos placards noticiaram que a Espanha tinha vencido o onze de Lisboa por 3-1. O resultado bastante honroso que o telégrafo nos anunciava era de molde a entusiasmar pessimistas e optimistas...»
 
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> «É para lamentar e até encher-se de pesar a alma de todos aqueles que amam o desporto e a sua terra, torrão abençoado e digno de melhor sorte, levado pela ambição, pela vaidade de meia dúzia de criaturas onde morreu o sentimento da mais elementar dignidade, a fazer-se representar em terras estranhas, fora do solo que amamos, por uns elementos cujos nomes foram escolhidos por simpatia, demonstrando à evidência um desconhecimento profundo de patriotismo, ligado ao maior desprezo pela causa pela qual tanto trabalhamos... São a dignidade, a honra e a sinceridade dos desportistas portugueses que exigem uma satisfação clara dos factos que se passaram com a nossa representação. É em nome daqueles que trabalham em prol de uma causa que pretendemos saber o que levou a Associação de Futebol de Lisboa a deixar entre nós, senão todos, dos melhores jogadores que possuímos e levar em sua substituição elementos escolhidos ao acaso sem que a sua competência, a sua forma científica, fossem postas à prova.»

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Estas canalhices já vêm de há quase 90 anos atrás. Nada, portanto, que cause grande admiração nos tempos que correm.
 
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1921 – Primeiro jogo da Selecção Nacional de futebol
Jogadores do Belenenses contestados pediram dispensa de Madrid através de carta

Cândido, Ribeiro dos Reis e pai de Vasco Gonçalves
Confiada à Associação de Lisboa a incumbência de realizar o primeiro jogo da Selecção, coube a Augusto Sabbo, antigo médio-centro do CIF, o cargo de seleccionador, sendo coadjuvado por Correia Leal e Salazar Carreira, «técnicos de atletismo necessários à preparação da equipa». Chamou para Madrid três jogadores do Belenenses: Artur José Pereira, seu irmão Francisco Pereira e Alberto Rio, o que levantou assanhada contestação pública, pelo que em carta enviada ao secretário-geral solicitaram escusa: «Os motivos que para isso alegam são para Alberto Rio o de doença que o impossibilita de se treinar durante talvez muito tempo; para Artur José Pereira e Francisco Pereira o conhecimento que têm de que a opinião geral desportiva recebeu com manifesto desagrado a sua nomeação.» Artur José Pereira foi substituído por Vítor Gonçalves (pai de Vasco Gonçalves, que haveria de ficar famoso durante o PREC), Francisco Pereira por Cândido de Oliveira e Alberto Rio por Alberto Augusto. Ou seja, Portugal alinhou com Carlos Guimarães (CIF); António Pinho (Casa Pia) e Jorge Vieira (Sporting); João Francisco (Sporting), Vítor Gonçalves (Benfica) e Cândido Oliveira (Casa Pia); António Augusto Lopes (Casa Pia), José Maria Gralha (Casa Pia), Ribeiro dos Reis (Benfica), Artur Augusto (F. C. Porto) e Alberto Augusto (Benfica). Ribeiro dos Reis, depois de lamentar que «o terreno, sem relva, muitíssimo duro, não pudesse ser experimentado pelos nossos, porquanto tal não foi consentido apesar de solicitado», adiantou na crónica que de lá enviou: «O resultado traduz com certa justeza a diferença de jogo produzido pelos dois grupos.»

Campeão cego... morto a consertar nariz
Harry Greb era um dos mais violentos e determinados homens a entrar num ringue de boxe. Nasceu nos Estados Unidos em 1894, foi campeão mundial de pesos médios entre 1923 e 1926. Lutava com brilhantina no cabelo e pó de arroz no rosto e gostava de dizer que encarava os adversários como... «simples sacos de areia para socar»! Foi o único lutador que conseguiu derrotar Gene Tunney, atirando- -o, inclusivamente, para a cama durante uma semana, com o nariz escaqueirado e dois supercílios abertos. Quando o seu brilho começara já a embaciar-se um adversário deixou-o cego de um olho e quase do outro. Desencantado, anunciou assim a despedida: «Tenho de me deixar disto porque já só consigo distinguir um homem de uma mulher pelo farfalhar das saias ou pelo cheiro do perfume — a primeira coisa que vou fazer é uma operação para consertar o nariz e contratar o melhor oftalmologista do Mundo.» Não teve tempo. Com 32 anos, durante a anunciada operação cirúrgica, morreu.
 
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1921 – Primeiro jogo da Selecção Nacional de futebol
Descoberto para o Brasil

Rio de honor
Com ternura lhe chamavam batatinha. Não foi só por ter sido autor do primeiro golo da Selecção Nacional de futebol — colocando, na cobrança de uma grande penalidade, D. Ricardo Zamora num lado e a bola no outro, em Madrid — que Alberto Augusto garantiu lugar na história. Foi também o primeiro futebolista de Portugal a ser contratado para o Brasil, dois anos actuou como defesa-esquerdo do América, espalhou categoria pelo Rio de tal forma que os directores do clube, depois de goradas várias outras tentativas para o prender mais algum tempo por lá, ainda foram ao barco minutos antes de zarpar para Lisboa suplicando-lhe que ficasse, mostrando-lhe livro de cheques e insinuando que dinheiro não seria óbice. Agradeceu, disse apenas que era hora de regressar ao Benfica. De um eclectismo sem paralelo, foi internacional como extremo-esquerdo, interior-esquerdo, avançado-centro e médio-centro, alinhou até como guarda-redes numa digressão do Benfica pela Catalunha. Em final de carreira haveria de passar ainda por Salgueiros, Sp. Braga e V. Guimarães, indiscutível é que foi um dos maiores da década de 20.
George Carpentier – «Homem-orquídea»
George Carpentier, francês que nasceu em 1894, foi o primeiro boxeur a ganhar um milhão de dólares — maquia que estava à disputa em combate frente ao lendário Jack Dempsey pelo título de pesos-pesados, em 1921. Arrecadou todo aquele dinheirame e nem sequer venceu o combate. É que a sua figura valia mais que a força dos seus punhos. Homem-orquídea lhe chamavam, era um galã, deixava as mulheres em transe, despedaçou corações como se fosse cantor ou artista de cinema — os americanos pagaram-lhe o que pagaram na ânsia de alargar o boxe ao público feminino, nesse sentido a aposta foi um sucesso. Conquistou o primeiro título europeu em 1911 como meio-médio, nos anos seguintes juntou-lhe os de médio e de meio-pesado, que manteve até 1922. Campeão europeu de pesados se manteve também até 1919. Durante a I Guerra Mundial esteve ao serviço da Força Aérea Francesa, os seus actos de bravura valeram-lhe a Cruz de Guerra. Apesar de não ser peso-pesado, antes ainda de ser derrotado por Dempsey tentou a coroa absoluta mas Jack Jackson não lhe permitiu veleidades — consideraram-no campeão mundial de pesos-pesados... branco. Retirou-se de competição em 1927, abriu famoso restaurante de luxo em Paris, gerindo-o com sucesso até 1975, ano em que morreu com 81 anos. Arnold Bennet, famoso crítico de boxe, espantou-se pelo seu estilo e lançou frase que ficaria famosa: «Poderia ter sido advogado, poeta, músico, adido estrangeiro, mas pugilista ninguém imaginaria...»

O jóquei do meio século
Steve Donoghue foi um dos maiores ídolos do desporto britânico. Era jóquei. Começou a carreira em França e na Irlanda mas foi em Inglaterra que se afamou. Ganhou derby por seis vezes, três vitórias consecutivas averbou entre 1921 e 23. Aposentou-se em 1937 e Brownie Carslake, seu rival, disse: «Steve consegue mais do seu cavalo com um dedinho que a maioria dos jóqueis com as pernas e o chicote.»
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
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George Carpentier, francês que nasceu em 1894, foi o primeiro boxeur a ganhar um milhão de dólares — maquia que estava à disputa em combate frente ao lendário Jack Dempsey pelo título de pesos-pesados, em 1921. Arrecadou todo aquele dinheirame e nem sequer venceu o combate. É que a sua figura valia mais que a força dos seus punhos. Homem-orquídea lhe chamavam, era um galã, deixava as mulheres em transe, despedaçou corações como se fosse cantor ou artista de cinema — os americanos pagaram-lhe o que pagaram na ânsia de alargar o boxe ao público feminino, nesse sentido a aposta foi um sucesso.

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Nao foi bem assim.O Carpentier nao recebeu um milhao de dollars.O combate entre o Carpentier e o lendario Dempsey e que resultou na primeira receita de um milhao de dolares num jogo de boxe.