O Século XX do Desporto

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Obrigado pelo reparo, caro fcporto56. De todos os modos, fica aqui um pequeno vídeo do combate.
Abraço. ;-)


http://www.kewego.com.br/video/iLyROoaftHgX.html
 
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1922 – F. C. Porto primeiro campeão de Portugal
Na primeira mão portistas bateram Sporting muito enredado em superstições

Graciosidade das senhoras e críticas ao modelo
Nos anos 20, no Sporting, conheciam-se já registos de crenças, crendices e superstições. Delicioso um texto, publicado num Boletim do Sporting de 1923, desvendando segredos e misticismos. «Por exemplo, Martinho de Oliveira, quando os desafios eram duvidosos e não jogava, encanelava o cavalo a verde, punha-lhe dois leões de prata na cabeçada, metia no bolso uma garrafita de água e duas hóstias de aspirina e, colocando-se por detrás da baliza adversária, aguardava sereno os acontecimentos, certo de que o bucéfalo ia... chupar as bolas de forma a entrarem nas redes! Francisco Stromp arrancou da equipa a estrela de capitão porque sonhou que com ela nunca ganharia. Portela, por exemplo, tinha de se equipar tirando em último lugar o chapéu da cabeça e não consentia que lhe mexessem.» Foi com esse espírito que o Sporting, na qualidade de campeão de Lisboa, partiu para a disputa do primeiro título de campeão de Portugal, a 4 de Junho de 1922. Ante o F. C. Porto, campeão do Norte. Eram 16.15 de uma tarde escura, de chuva intermitente, de Junho. No céu pardacento estralejavam foguetórios. Como se na cidade fosse dia de arraial de S. João. Nas bancadas acanhadas do Campo da Constituição, cheias como um odre, os adeptos portistas, como que atiçados pelo fogo sagrado da esperança, agitavam-se como abelhas em cortiço. Fazendo fé no cronista de Os Sports, avultava entre a assistência «a graciosidade e a beleza das senhoras». Ganharam os portistas por 2-1. Conta Ribeiro dos Reis, em A História dos Desportos em Portugal, que «o jogo decorreu em ambiente apaixonadíssimo, de que os lisboetas, no regresso, se queixaram amargamente». Mas, mais que do jogo, as crónicas falavam da precipitação e até da «vergonha» de um Campeonato de Portugal organizado de escantilhão, envolvendo apenas duas equipas, os campeões de Lisboa e do Norte. E assim, no ano seguinte, a prova haveria de ser alargada a representantes de outras associações e até ao campeão da Madeira. Árbitro espanhol e prognósticos furados Para o segundo jogo entre F. C. Porto e Sporting a União Portuguesa de Futebol escolheu um árbitro... espanhol, de nome Montero. Esperava-se luta pegada no Campo Grande. Assim foi. Perante uma «assistência numerosíssima, tanto na geral como nas bancadas e camarotes», os sportinguistas venceram por 2-0, obrigando a terceiro jogo, que por sorteio calhou disputar-se no Porto, mas no... Bessa. Em Os Sports alvitrou-se sem pestanejos: «Sem desprimor para o F. C. Porto, vaticinamos nova vitória para o Sporting, pois a avaliar pelo que vimos neste desafio o F. C. Porto é, inegavelmente, inferior ao Sporting, apesar de este não ter feito um jogo perfeito e estando, até, numa tarde infeliz.» Mais seguro seria fazer-se os prognósticos só no fim do jogo, mas essa era filosofia ainda por inventar.

Portistas bateram Sporting

Morteiros noite dentro e dois escudos para o Bessa
Finalíssima a 18 de Junho de 1922. Jogo a cem à hora ou, como reportou Ribeiro dos Reis, «febre em cada atitude, excitação em cada grito de incitamento ou de reprovação, tudo em quente». Aos 51 minutos Balbino inaugurou o marcador. Cinco minutos depois os nortenhos conseguiram meter a bola no fundo das redes por intermédio de Artur Augusto, na cobrança de um penalty, o árbitro determinou repetição por ainda não ter apitado, no chuto válido a bola esbarrou na trave! O escapanço do penalty instigou os sportinguistas, que igualaram por intermédio de Emílio Ramos. No prolongamento, João Nunes e João de Brito deram a vitória ao seu bando — e por todo o lado estoiraram os rastilhos da euforia, da festa, a loucura total. Aliás, esse era ambiente que já se incendiara no Porto havia dias. A chegada de Gago Coutinho e Sacadura Cabral ao Rio de Janeiro fizera o Porto (e Portugal inteiro) libertar-se da sua pacatez habitual. Morteiros sucediam-se, bandas de música percorriam as ruas embandeiradas da cidade, arrastando moles de povo. Nos jornais temia-se que, «perante o acontecimento mundial em que a palavra Portugal ficou mais uma vez escrita com letras de ouro no progresso da civilização», a finalíssima do primeiro Campeonato de Portugal fosse relegada para plano secundário. Ou prejudicasse o descanso de quem tinha batalha aberta à sua frente. O cronista de Os Sports não deixou de escrever: «A noite de sábado passou-se em constantes manifestações, com simpáticos morteiros, pelo que os jogadores de Lisboa, hospedados no Hotel Portuense, deveriam ter tido má noite de repouso...» Dois escudos custavam os bilhetes. Depressa esgotaram. Duas horas antes do início da partida já o Campo do Bessa era pequeno para conter a enorme e irrequieta assistência, comprimindo-se, na ânsia de se aboletar nas bancadas. Nunca se vira coisa assim. Imagina-se o que aconteceu de seguida, quando o árbitro Neves Eugénio, pertencente ao Académico do Porto, deu o jogo por encerrado.

Campeões de Portugal
Lino, Mota, João de Brito, Tavares Bastos, Júlio Cardoso, Velez Carneiro, Balbino, João Nunes, Artur Augusto, Floriano e Alexandre Cal
 
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1922 – Sporting campeão de Portugal
Augusto Sabbo preparou título de campeão do Sporting de forma... Revolucionária

Pão com manteiga e boxe
Quando a I Guerra Mundial eclodiu Jorge Vieira tinha 16 anos apenas. Stander, um engenheiro da Companhia de Telefones que alinhava na primeira equipa do Sporting, foi mobilizado para o exército britânico. Numa reunião na moradia do visconde Sousa Prego, entre este dirigente, o capitão Francisco Stromp e Artur José Pereira, fica decidido que o lugar seria preenchido pelo... miúdo, que actuava havia três anos nas terceiras categorias e já trabalhava como operário da Imprensa Nacional, a chefe da central eléctrica chegaria, vestindo fato-macaco em todos os dias úteis de trabalho, treinando-se ao amanhecer, antes do serviço de café com leite e pão com manteiga que o guarda do Campo do Lumiar servia a todos os jogadores do Sporting como se fosse «primor de bem tratar»! Descobria-se, assim, o mais elogiado defesa da primeira metade do século XX. O treinador que assinou o primeiro título de campeão de Portugal a verde foi Augusto Sabbo, engenheiro que estudara na Alemanha, uma das vedetas do CIF na década de 10, reconhecido «técnico cultíssimo» que por vezes deixava os pupilos em desespero por lhes tirar a bola dos treinos, obrigando-os ao invés a corridas, saltos à corda e ginástica, muita ginástica, como se militares fossem. Chegou mesmo a contratar Silva Ruivo, primeiro boxeur português a assumir o profissionalismo, para ministrar exercícios físicos, corda e algumas noções de boxe. Tudo correu às mil maravilhas até ao dia em que o pugilista, fazendo luvas com conhecido futebolista, desferiu-lhes golpes mais agrestes; este desconfiou do excesso e, descabelado, rompeu aos pontapés ao professor.

Apito histórico de jorge vieira
Estava nos hábitos do tempo haver jogadores de futebol de grande categoria — como Francisco Stromp, Cosme Damião, Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira — a arbitrar jogos, normalmente os mais difíceis. Em Outubro de 1921, nas vésperas de um Espanha-Bélgica rodeado de grande expectativa, a União Espanhola solicitou à União Portuguesa de Futebol a nomeação de um árbitro português. Coube a honraria a Jorge Vieira, lateral do Sporting, que «não se atemorizou por aquele ser jogo de desforra, pois, em 1920, as duas equipas disputaram o título olímpico, em Antuérpia». Vencera a Bélgica, a Espanha ficara em segundo lugar. Neste jogo foi o contrário: a fiesta foi espanhola. O Diário de Notícias deu à coisa tom empolgado: «Nunca um match internacional de football despertou entre nós um interesse tão grande. A razão estava em ir arbitrar esse match um juiz português, tendo a Associação de Foot-Ball escolhido para desempenhar esse cargo Jorge Vieira, o magnífico back do SCP.» O Século, por seu lado, foi na onda: «O jogador português Jorge Vieira, que arbitrou o desafio, foi, no final, levado em triunfo pela forma correcta e imparcial como se conduziu. O entusiasmo causado em Bilbau por esta vitória foi enorme.» Para além da onda de encómios, para a história entrou como o primeiro português a apitar um grande jogo de futebol entre selecções. E tinha apenas 23 anos...
 
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Golos sportinguistas apontados por jogadores de fim trágico

Rocambolescas viagens
Em 1923 ocorre o primeiro título de campeão de Portugal pelo Sporting, que conquistara pela quarta vez no seu historial o campeonato de Lisboa, batendo, na final, o Casa Pia Atlético Clube, de Cândido de Oliveira, por 2-0. O passo de gigante para a façanha maior surgiria com a vitória por 3-0 sobre o F. C. Porto (que vencera a edição de arranque) no campo da Académica. A final foi marcada para Faro, colocando diante dos sportinguistas a Académica de Coimbra, que se desenvencilhara do Marítimo, nas meias-finais, por 2-1. Também por 3-0 ganhou o Sporting o seu primeiro título nacional. Viagem para o Algarve, durante quase 12 horas. A crónica dela, pela pena de Júlio de Araújo, dá uma ideia do Portugal real de então. «No Barreiro tomámos a zorra do Algarve, que se permite o luxo de carruagens de 1.ª classe, sem luz e com insectos vários, cuja presença nos esperta de quando em vez para não esmorecer a cavaqueira. A União Portuguesa de Futebol, numa possível boa intenção, marcou lugares à razão de 1$80, marcação que um amável revisor informou não ter importância de maior, quando outros sem terem pago os tais 1$80 se apossaram dos lugares. A nossa carruagem foi finalmente invadida pelos malteses, que de armas, bagagens, cestos e cestinhos se instalaram tão comodamente, que receámos a morte por asfixia, cheiro a próximo e a queijos que um deles transportava num cesto...» Se rocambolesca foi a viagem dos leões, mais ainda foi a da Académica, que só desembarcou em Faro seis horas antes do jogo, quase sem os seus jogadores descansarem... porque, segundo Ribeiro dos Reis, sendo a viagem em dia de S. João, «os estudantes tiveram por bem remediar o entorpecimento das pernas e das longas paragens em várias estações com bailes e descantes, de capa aos ombros, e viras contínuos à beira da linha, enquanto não havia indicação de o comboio prosseguir na sua lentíssima marcha». O Sporting era então equipa de jogo veloz e afinado, que conseguira até empatar com o famosíssimo Sparta de Praga, mas a Académica «vendeu cara a derrota». Basta ver o trecho da crónica de Ribeiro dos Reis: «O primeiro goal foi fortuito e os dois seguintes derivaram de penalty, um tanto forçado o primeiro e por completo fora de razão o segundo. No primeiro ponto Carlos Fernandes, o extremo-esquerdo do Sporting, correu ao longo do touch e o centro saiu-lhe muito para trás; o lance parecia destinado a perder-se mas Francisco Stromp, leão de raça, estava a atacar a bota perto do local onde a bola foi ter e, apercebendo-se num momento da situação, fez-se ao lance e mesmo com a bota desatacada mandou a bola para a rede.» Os penalties foram transformados por Joaquim Ferreira, que, muitos anos depois, haveria de ser treinador sportinguista, morrendo bárbara e misteriosamente assassinado no Parque Eduardo VII. E Francisco Stromp suicidar-se-ia, atirando-se à linha do comboio.

Campeões de Portugal
Cipriano dos Santos, José Leandro, Torres Pereira, João Francisco, Joaquim Ferreira, Filipe dos Santos, Jaime Gonçalves, Carlos Fernandes, Jorge Vieira, Henrique Portela e Francisco Stromp
 
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1923-1924 – Olhanense campeão de Portugal Olhanense campeão com presidente pela primeira vez no estádio

Imagem poética de Tamanqueiro
À terceira o Campeonato de Portugal deu vencedor surpreendente: Olhanense. O passaporte para a final selou-se através da vitória por 1-0 sobre o Vitória de Setúbal, que se sagrara campeão de Lisboa. O F. C. Porto tentava recuperar o título que averbara na edição de arranque. Ao intervalo 2-2, resultado final 4-2. Ribeiro dos Reis escreveria: «A vitória dos algarvios foi aclamadíssima e no dia seguinte toda a imprensa lhe tecia os maiores elogios. Usança já praticada no estrangeiro, mormente em Inglaterra, onde o rei comparece regularmente nos desafios da famosa Taça, esta primeira final em Lisboa ficou assinalada pela presença no camarote principal do sr. Dr. Teixeira Gomes, Presidente da República. Antigo desportista praticante, frequentador assíduo dos campos de futebol e perito conhecedor do jogo, o Chefe de Estado seguiu a partida com vivo gosto e no final do desafio mandou chamar os jogadores e o árbitro ao seu camarote, a todos apertando a mão, ao mesmo tempo que os felicitava. Para Tamanqueiro teve palavras de particular parabém...» José Pontes, presidente do COP, que fora médico na Flandres durante a I Guerra Mundial e senador na I República, também haveria de turibular Tamanqueiro, citado por Norberto Lopes em O Exilado de Bougie: «Se alguma visão risonha e animadora me ficou do turvo período da minha presidência, foi dos combates de futebol e dos espectáculos dados pelas nossas associações desportivas a que assisti. Diante dos olhos ainda me perpassam os corpos elegantes dos voadores do Ginásio Clube, atirando-se em curvas harmoniosas pelas alturas estonteadoras do Coliseu; das tardes heróicas do Campo Grande, aclamadas pela multidão imensa, destaca-se, na luz vermelha do poente, a forma tão juvenilmente obstinada, na sua ubiquidade inverosímil, do Tamanqueiro, caindo, erguendo-se, pulando com a elasticidade de uma péla, ou como se a terra lhe servisse de trampolim, sem deixar nunca de sorrir...»

Campeões de Portugal
C. Martins, Américo, Falcate, Fausto Peres, Tamanqueiro, Montenegro, Cassiano, Belo, J. Gralho, J. Carlos Delfim e Júlio Costa

Tamanqueiro... taxista
Raul Figueiredo se chamava. Tamanqueiro era alcunha. Nasceu em Setúbal, Cândido Ventura, quando sonhou fazer do Olhanense campeão, foi pescá-lo ao Sado. Era a sua arma atómica, um desses jogadores fabulosos que chegavam até a driblar a própria sombra. Apesar de condição meã, tinha uma impulsão extraordinária, tornando-se por isso (para espanto de todos) temível até em jogadas aéreas. Taxista de profissão, assim continuou quando, em 1926, ingressou no Benfica, recebendo «secretamente dinheiro para jogar» — e tornou-se um dos seus maiores ídolos. Como médio-centro discernido no trato da bola, rápido e versátil no desenho de todas as jogadas, tão ecléctico que poderia ser defesa ou avançado também, foi uma das estrelas de Portugal nos Jogos Olímpicos de Amesterdão. Já em final de carreira passaria por Sp. Braga, Académico do Porto e União de Coimbra — e pelo Huelva, como jogador-treinador. Um dos seus filhos, Figueiredo, foi defesa famoso do Belenenses, emigrando depois para os Estados Unidos.
 
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Divina em Portugal

Suzanne Lenglen
Já era a maior estrela internacional do desporto feminino. Suzanne Lenglen — dois nomes com efeito faiscante. Astrais. O Sporting de Cascais, que desde os tempos do rei D. Carlos se tornara o mais chique clube de Portugal, «fulgurando em aristocráticos e burgueses torneios», continuava a organizar os Campeonatos de Portugal, em jeito de luxuosa parada. Em 1923 os seus dirigentes convidaram Lenglen. Aceitou, quiçá por ter no seu círculo de amizades D. Manuel II, rei destituído pela implantação da república, frequentador dos seus courts na Côte d\'Azur. Para lhe permitir maior adrenalina, puseram-na a jogar pares contra os dois melhores portugueses, D. José da Verda e D. João Vila Franca (que fizera parte da primeira equipa de futebol do Sporting Clube de Portugal e até entrou para a história como o marcador do seu primeiro golo) — e só então se pôde ver A Divina em todo o seu esplendor, como se relata na reportagem de O Sport de Lisboa. Na prova feminina Suzanne arrasara a campeã nacional, Angélica Plantier, com uma bicicleta. O ténis era, na vertigem dos loucos anos 20, dos poucos redutos em que se notavam mulheres desportistas em Portugal. O outro era a natação, as travessias do Tejo ou de Lisboa, as meias-milhas no rio, nas quais Margarida Pala e Estela de Carvalho, duas senhoras de alta sociedade que «davam chás depois das provas», também se davam ao luxo de vencer vários homens! O que naqueles tempos era coisa levada da breca.
 
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200 mil pessoas e só 35.527 bilhetes vendidos

A final do cavalo branco
Com a hipótese de Stamford Bridge arredada pela tacanhez do estádio, esfriada também a vontade de se voltar à liça no Crystal Palace pelos custos que isso acarretava sempre, a Football Association (FA) aceitou de bom agrado a possibilidade de usufruir da construção de um estádio novo nos subúrbios verdejantes do norte de Londres para a disputa da final da Taça de Inglaterra de 1923. Nascia assim o fascínio de Wembley. E nunca mais se perderia. Com capacidade para pouco mais de 127 mil espectadores, fora erguido em apenas 300 dias de trabalho e baptizado de Estádio do Império, por se encontrar integrado na Exposição do Império Britânico. Inimaginável o que aconteceu então. Como os britânicos ainda não estavam habituados a pagar bilhete para ver futebol, a organização, à cautela, decidiu mandar imprimir apenas... 35.527 talões de ingresso para o Bolton Wanderers-West Ham United. Às 13.45 fecharam-se quase em desespero os portões mas no interior de Wembley havia já mais de 200 mil pessoas. Outro tanto se aboletava do lado de fora, na ânsia de saltar, na esperança de que os portões voltassem a abrir-se ou a... rebentar! Quando o rei Jorge V chegou, às 14.45, já nem o verde da relva de enxergava. O secretário-geral da FA comunicou ao monarca que receava pela realização do desafio. Enquanto uma banda de granadeiros e guardas irlandeses levantava a sua música, a polícia, a pé e a cavalo, empurrava para fora das quatro linhas a multidão que se mantinha surpreendentemente calma. Um cavalo branco de 13 anos, chamado Billy, tornou-se então o centro das atenções — montado pelo guarda George Scorey foi factor decisivo no afastamento do público. Assim, apesar dos 45 minutos de atraso, o encontro realizou-se perante 250 mil (!) espectadores, a esmagadora maioria arrumada por filas em redor de todo o campo, por onde, de vez em quando, desapareciam bola e jogadores. Não houve um incidente que fosse, uma atrapalhação que se notasse a quem jogasse. Diferente de tudo apenas o facto de os futebolistas não poderem recolher aos balneários, por incapacidade de acesso, descansando sentados no centro do terreno. O Bolton venceu por 2-0, com David Jack a marcar o primeiro golo de Wembley logo aos 3 minutos. E, por tudo o que aconteceu entretanto, essa ficou famosa como a final do cavalo branco. Mostrando um jeito poético de os ingleses verem futebol sem precisar de redes a defender o campo ou coisas piores.

Le Mans, o mito da resistência
Tudo começou a 26 de Maio de 1923. Inscreveram-se para a primeira edição das 24 horas de Le Mans 35 viaturas de 18 construtores. Duas não chegaram a arrancar às 16 horas do dia 26 em frente da tribuna dos Reineries. «A partida foi impressionante, não apenas por se dar por entre forte granizada mas porque era a primeira prova em que os concorrentes largavam todos ao mesmo tempo, organizados na grelha de acordo com a cilindrada dos seus carros....» O Chenard et Walker Sport, de André Lagache e René Léonard, entrou na história como primeiro vencedor, com 2209,536 quilómetros percorridos à média de 92,064 km/h
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
José Pontes, presidente do COP, em batalha louca por 300 contos

Esmolar até ao bronze
A I República estava já em arrastado processo de agonia. Perdera-se até a nostalgia por Sidónio, o presidente-rei que Raul Brandão definiu assim: «Metade príncipe, metade condottiere, seduziu, passou como um relâmpago e não deixou vestígios, porque a força que o ergueu até ao alto, se não era fictícia, desapareceu ao primeiro sopro.» Pouco tempo depois surgiriam, de rompante, os messianismos do Estado Novo — e descobrir-se-ia num professor de Coimbra chamado Oliveira Salazar, o «mago capaz de endireitar as finanças do País». Pior seria o que ele haveria de fazer depois ao país. Salazarento. Antes disso, José Pontes, presidente do COP, era um dos senadores de Portugal. E não escondia a angústia por que passou para levar a missão olímpica a 1924. Amargurado, desvendou em entrevista ao Sport de Lisboa: «Eu morri... Morri definitivamente para o desporto...» Nessa peça revela-se a forma rocambolesca como conseguiu que Paris não se tornasse numa (mais uma) olímpica miragem: «Todos os clubes desportivos para quem apelámos e cujo auxílio pecuniário era de esperar que fosse grande deram, para um orçamento calculado de mais de 300 contos, apenas uma importância pouco superior a 16 contos. Outro qualquer que não fosse eu teria desistido perante este resultado quase irrisório. Não desanimei porém. Como o dinheiro faltava, tive de recorrer a promessas que depois fui efectivando, pagando despesas à custa do meu crédito pessoal... Quando comecei esta faina de pedinte, esmolando aqui e ali para honrar Portugal lá fora, subiu ao poder o sr. Álvaro de Castro, com um programa financeiro de economias severas. Pois tais argumentos utilizei, tanta convicção pus nas minhas palavras que fez a primeira brecha no seu programa de economias, dando 110 contos pelo Ministério da Instrução... Ora, o COP tinha prometido levar aos Jogos Olímpicos uma dezena de atletas. Aqueles 110 contos não representavam cousa alguma no orçamento que tinha sido elaborado... Não desanimei... Para Sua Ex.ª, o Sr. Presidente da República, os Jogos Olímpicos representaram um desfalque pessoal de algumas dezenas de contos! Numa época em que não havia dinheiro nos bancos, nem nos cofres do Tesouro Público, nem nas caixas económicas, ninguém poderia conseguir mais do que eu consegui, ninguém, absolutamente ninguém, faria mais do que eu fiz... Sofri dissabores, travei uma questão com a direcção do Banco de Portugal, inimizei-me com as direcções de outros bancos, mas Portugal esteve em Paris.» E até conquistou a sua primeira medalha. No hipismo...

Comité também decidiu que campeões teriam de ficar gravados na parede
A escolha do barão
A escolha foi sentimental. À beira da reforma, Pierre de Coubertin pediu aos seus companheiros do COI que escolhessem Paris para sede das VIII Olimpíadas da Era Moderna por forma a limpar-se a imagem de desorganização e espírito de feira que marcou os Jogos de 1900 — feitos à revelia do barão, às vezes até para declaradamente o irritar. Ninguém se esquecera ainda de que até a mágica denominação de Jogos Olímpicos fora substituída por uma outra — Concours Internacionaux d’Exercices Physiques et du Sport e entre outras bizarrias se fez uma prova de pesca à cana no Sena! Ou que a maratona, ganha por Michel Théato, distribuidor de pão em Paris, se fizesse por estradas esconsas, sem trânsito cortado, num dia escaldante, por entre o pó levantado pelos coches que cruzavam os caminhos. Era, pois, justo dar a oportunidade a Coubertin. Na Cidade-Luz. Assim foi. E os membros do COI concordaram também que daí em diante todos os campeões olímpicos teriam os nomes gravados a letras de ouro nas paredes do estádio em que se divinizaram. Dos remoçados Jogos de Paris sairia a famosa divisa — citius, altius, fortius. Mais rápido, mais alto, mais forte. A inspiração brilhou na cabeça de um monge chamado Henri Didon, o barão ficou encantado com ela, lançando-a, de imediato, urbi et orbi. As cheias no Sena, que infernizaram a vida dos parisienses, chegaram a colocar os Jogos em risco. No entanto acabaria por ser o calor a marcá-los; por exemplo, durante a final dos 10 mil metros os termómetros subiram aos 45 graus! E nem isso evitaria o seu fulgor — no fulgor de uma mão-cheia de super-heróis: Nurmi, Weissmuller, Abrahams, Ritola, Liddel...

Miséria
José Pontes foi eleito presidente do COP em 1923. Portugal sofria a maior recessão económica desde a monarquia, moeda em contínua desvalorização, inflação galopante — a miséria correndo, chocante, pelas ruas, nos jornais lamentava-se a mendigagem «com a sua exposição de aleijões repugnantes, a sua lamúria impertinente e a sua farrapagem sórdida». Recrudescia a emigração para o Brasil e para a América. O jogo que mais empolgava era o da batota. O COP abriu subscrição que permitisse presença em Paris. O Presidente Teixeira Gomes entregou contribuição de 10 libras. Uma semana depois Álvaro de Castro, com todos os seus ministros, fez o mesmo. Mas José Pontes teve mais que batalhar porque os donativos eram escassos. E Teixeira Gomes continuou a abrir os cordões à sua bolsa.
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
Bandeira do Brasil não se inclinou por causa da... Constituição

Aos beijinhos no desfile
A 5 de Julho de 1924 o presidente da República de França, acompanhado do príncipe de Gales, do rei Carol da Roménia (que depois de destituído viveria largo tempo em Portugal) e do xá da Pérsia, declarou solenemente abertos os Jogos de Paris, que a história fixaria pelo fausto, pela organização, pelo seu interesse popular e pelo nível atlético — apesar de um ou outro aspecto pitoresco. No momento solene em que o francês Géo André prestava o juramento olímpico, em nome de todos os demais concorrentes, os porta-estandartes que formavam à sua roda em hemiciclo inclinaram as bandeiras em sinal de saudação — 44 inclinadas para o solo, uma não, a brasileira, erguida a toda a altura, drapejando ao vento. Um oficial abeirou-se do portador, murmurou-lhe qualquer coisa, recebeu como resposta frase mais ou menos nestes termos: «No Brasil a bandeira não se saúda inclinando-se mas sim erguendo-se completamente ao alto, a nossa Constituição diz isso, não podemos desrespeitá-la.» E assim ficou... Imponente se quis que fosse o desfile dos concorrentes no dia da abertura solene dos Jogos de Paris. Imponente foi, apesar de em alguns casos se ter exagerado um bocadinho — para a fotografia! Como alguns dos inscritos não chegassem, para dar ideia de que os países participantes eram mais do que na realidade seriam o comité organizador utilizou incrível manivérsia e destarte: o pavilhão chinês era conduzido por um francês de grandes bigodes louros, os atletas do Haiti não passavam de empregados da sua legação e por detrás do escudo da Nova Zelândia seguia, em garbo, um apaixonado e beijoqueiro par de mãos dadas — não, não eram atletas, eram dois noivos em turismo acidental por Paris que decidiram ir ao estádio e quando souberam que eram neozelandeses puseram-nos a desfilar para... «dar mais imponência à sessão de abertura», porque a comitiva olímpica verdadeira não chegara a tempo!

O escândalo da dentada no boxe
No boxe os dois vencedores americanos, o peso-mosca Fidel la Barba e o peso-pluma John Fields, descobriram em Paris o trampolim para os títulos profissionais que haveriam de arrecadar depois. Nesse reduto poder-se-ia ter dado um dos escândalos maiores dos Jogos. O britânico Harry Mallin, um dos especialistas mundiais, perdeu controverso combate com o francês Roger Brousse, cuja táctica lhe valeu sérias admoestações — mas pior que isso, pior que a má decisão dos árbitros, foi Brousse ter mordido violentamente o peito de Mallin sem que algum dos juízes disso se apercebesse, porque, nessa altura, estavam todos fora do ringue. As marcas dos dentes eram tão pronunciadas que o júri de apelo, perante a ameaça de boicote imediato de todos os países anglófonos se o francês não fosse desclassificado, recolocou Mallin na final, opondo-se ao seu compatriota John Elliott. Ganhou e tornou-se assim o primeiro boxeur a manter o título olímpico.
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
Cidade olímpica apresentada como uma das maravilhas do mundo

TSF, cinematógrafo...
O estádio foi construído em Colombes. Em seu redor montaram-se acampamentos para atletas e técnicos, mais um esboço das modernas aldeias olímpicas. Pomposamente lhe chamaram... Cidade Olímpica. E o jornal L’Auto falou dela como uma das sete maravilhas do novo mundo: «Será construída com todo o conforto, dotada de alojamentos absolutamente isolados de todos os ruídos exteriores e tendo ainda uma pequena galeria que permitirá ao ocupante tomar ar em frente da porta. Cada quarto terá três camas e será mobilado com um armário, uma mesa e várias cadeiras. Terá ainda lavatórios com água corrente quente e fria em cada quarto. Os duches e os water closets serão dispostos no centro de cada pavilhão, de tal modo que cada atleta possa fazer a sua toilette nas melhores condições de comodidade. Além dos alojamentos individuais e dos serviços a eles afectos funcionarão mais os seguintes serviços: arrecadação de objectos de valores; troco de moedas; cabeleireiro; lavandaria; uma grande sala de divertimentos, comportando instalação de TSF, concertos, cinematógrafo, etc. Cada pavilhão terá iluminação eléctrica e aquecimento, tendo ainda um serviço de bombeiros permanente. Quanto à alimentação dos habitantes da Cidade Olímpica, será montado um serviço de cozinha adequado aos gostos relativos à nacionalidade de cada um. Como se vê, um projecto em tudo grandioso e que dificilmente poderia ser excedido...»

A maratona fixada
Paavo Nurmi e Ville Ritola chamaram a si todos os títulos olímpicos dos 1500 aos 10 mil metros, passando pelo corta-mato. Mas, para compor o ramalhete, a medalha de ouro da maratona também coube à Finlândia, através de Albin Stenroos, 35 anos, que deixou o italiano Bertini a mais de seis minutos. Foi a partir de Paris que a maratona passou a ter a oficializada e fixa distância de 42.195 metros — medida exacta entre os jardins de Windsor e o Estádio de White City, pois nos Jogos de Londres, em 1908, a princesa Alexandra fez questão de que o tiro de partida se fizesse por baixo da janela do seu palácio.

Kelly e o escritor infantil
No remo John Kelly, pai de Grace do Mónaco, ganhou a terceira medalha de ouro, fazendo equipa com o primo Paul Costello, em scull de dois. O facto de ter perdido, algumas semanas antes, o título individual americano impediu-o de repetir o empolgante duelo de Antuérpia com Jack Beresford — e assim, livre de Kelly, o inglês conquistou confortavelmente a primeira medalha olímpica. No scull de oito a vitória coube aos Estados Unidos e na tripulação figurava Benjamin Spock, que haveria de tornar-se famoso como escritor de literatura infantil.
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
Portugal em terceiro lugar apesar de cavalo doente e outro emprestado

«Hebraico» apenas a açúcar!
Com um cavalo doente, que durante uma semana apenas pôde alimentar-se a açúcar, e outro emprestado por um milionário que madrugava para lhe dar banho, Portugal conquistou nos Jogos Olímpicos de Paris a primeira medalha. Os cavaleiros do bronze foram o capitão Mouzinho de Albuquerque, o tenente Hélder Martins e «os civis Aníbal Borges de Almeida e Luís Margaride». José Pontes, presidente do COP, estava num hospital de Paris quando a notícia lhe chegou aos ouvidos. «Eles deram-me a maior alegria da minha vida. Tinha-me sucedido um acidente de automóvel, minha esposa tinha ficado contundida e estava toda entrapada, depois do curativo. Soubemos pouco depois da notícia e a felicidade fez-nos esquecer o desastre. Os nossos cavaleiros manifestaram sempre uma fé inabalável na vitória, todos nós nos deixámos contagiar por esse espírito. Reinaldo Pinto Bastos, por exemplo, que emprestara o seu cavalo a um dos concorrentes para tomar parte no torneio olímpico, sendo um homem rico e habituado a todas as comodidades, levantava-se de manhã cedo para ir lavar o cavalo!»

Vingança fora dos jogos
Apesar do fulgor de Portugal no concurso de obstáculos, Mouzinho de Albuquerque não deixou de demonstrar sentimento acre e doce na primeira entrevista como medalhado olímpico ao Sport de Lisboa. «Batemos 12 nações que compraram, todas elas, cavalos especiais para o concurso olímpico, o preço por que os adquiriram variou entre 25 e 50 mil francos. Nós não pudemos fazê-lo. Os equipiers estrangeiros chegaram a Paris com um mês de antecedência, nós tivemos oito dias para fazer todos os preparativos — e ainda por cima dois cavalos iam doentes...» Na corrida ao ouro Mouzinho de Albuquerque, o mais famoso cavaleiro nacional, utilizou Hebraico, cavalo-lenda de Portugal, nascido em 1915, desbatado e ensinado pelo capitão, que ganhou mais de 70 prémios, entre os quais concursos internacionais famosíssimos como a Copa de Ganadores em Madrid. Aliás, oito dias depois dos Jogos Olímpicos, com todas as suas estrelas presentes, em Fontainebleau, o Hebraico, já recomposto do achaque, foi o primeiro classificado do grande prémio. «Só 24 horas antes das provas olímpicas começou a melhorar, esteve proibido de comer ração durante seis dias, foi alimentado apenas a açúcar e luzerna. Estava por isso muito fraco. Garanto-lhe que se essa circunstância se não tem dado a equipa portuguesa teria sido campeã olímpica em vez de ter ficado terceira. Aliás, em Fontainebleau foi isso mesmo que aconteceu, os concorrentes eram exactamente os mesmos dos Jogos Olímpicos.»
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
Medalha perdida na esgrima depois da precipitação de Henrique Silveira

Impulso do espadachim que se sentiu criminoso
Nos Jogos Olímpicos de Paris meritória foi também a classificação em espada por equipas. Portugal atingiu as finais, onde foi derrotado pela França, e depois perdeu a medalha de bronze no confronto renhido com a Itália por 7-9. A equipa portuguesa era constituída por Henrique Silveira, Mário de Noronha, António Mascarenhas, Rui Mayer, Eça Leal, Frederico Paredes e António Olivais — fechando concurso em quarto lugar. Para José Pontes, presidente do COP, a medalha perdeu-se por uma precipitação do melhor dos esgrimistas — que depois do falhanço sentiu fremente em si o sentimento de criminoso, tudo piorando ainda mais. «Todos esperavam ver Portugal em segundo mas... Henrique Silveira, que foi o maior de todos nós, na final, com um impulso bem português e no desejo de acabar depressa, atacou o adversário italiano, a quem não tocou mas deixou-se espetar na espada dele. Nessa altura estávamos em absoluta igualdade de vitórias e com a diferença a nosso favor de dois toques. Se Silveira gastasse os minutos regulamentares simplesmente a defender-se, o que era legítimo, a medalha seria nossa... Tal impressão fez essa derrota a Silveira que ele, brilhante em todo o torneio, se enervou tanto por se julgar criminoso para com o bom nome de Portugal que o estado de excitação lhe não deixou mais mostrar as suas maravilhosas faculdades na luta com a França, onde o prodigioso Paiva e o correctíssimo Mayer tiveram a suprema glória de tocar Lucien Gaudin...»

Apenas brilharete Na pistola de António Martins
No tiro António Martins alcançou a nona posição na prova de pistola a 25 metros, tendo sido ainda o 12.º na sua série do lançamento do disco! António Pereira, a quem se vaticinavam grandes possibilidades, desistiu no halterofilismo por lesão. Gentil Martins alinhou na velocidade. Nos 100 metros foi terceiro na sua série, apesar de uma partida ao retardador, por excesso de nervosismo, e nos 200 metros foi igualmente terceiro, mas atrás de Harold Abrahams e de Charles Paddock — ambos medalhados em Paris. Não poderia ter tido mais azar. Refira-se que Portugal ainda alinhou com Karel Pott nos 100 metros, Silva Marques na natação, Benjamim Araújo no halterofilismo e Manuel Queirós no florete — todos precocemente eliminados.
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
Harold Abrahams, primeiro europeu a sagrar-se campeão olímpico de 100 metros

Momentos de glória
A prova choque de Paris foram os 100 metros. Meia surpresa a vitória de Harold Abrahams sobre os americanos Charles Paddock, que entretanto se casara com a actriz Bebe Daniels, e Jackson Sholtz — apesar de o inglês nem sequer ter efectuado a partida-canhão que era já reconhecidamente sua habilidade, seu principal trunfo. Tornou-se assim o primeiro europeu a sagrar-se campeão olímpico. Dois dos irmãos de Harold tinham participado nos Jogos Olímpicos de Estocolmo. Foram eles que o influenciaram. Estreou-se em Antuérpia, caiu eliminado ao segundo round, percebeu, então, que só com um treino sistemático, profissionalizado, poderia rivalizar com os velocistas dos Estados Unidos. Contra o fanático sentimento inglês do amadorismo sem mácula, pediu a Sam Mussabini, treinador... profissional, que o orientasse com vista a Paris. A decisão po-lo em conflito com as autoridades desportivas da Universidade de Cambridge que, acusando-o de comportamento anti-desportivo, lhe lançaram o anátema da ex-comunhão. Não se importou. Pagou a Mussabini para o treinar, uma das primeiras medidas do técnico haveria de ficar famosa pelo exotismo: como percebeu que a sua passada era curta de mais, espalhava em todos os treinos pedacinhos de papel que Harold teria de pisar com os sapatos de bicos. Quando chegava ao fim o técnico, no seu arábico estilo, contava os pedaços presos nos bicos e sorria — ou explodia em imprecauções. E assim Harold Abrahams se tornou furacão. Para Paris apurou-se nos 100 e 200 metros e no salto em comprimento, para além de estar naturalmente seleccionado para a estafeta de 4x100 metros. Uma carta anónima escrita para o Daily Mail, considerando que a sua presença no salto poderia ter o mesmo desfecho que a história da galinha dos ovos de ouro (!), levou o seleccionador a excluí-lo. Mais tarde haveria de ficar a saber-se que fora ele próprio quem mandara a missiva para o jornal...

Salto dramático «chariotts of fire»
Em 1925, depois de bater o record britânico do salto em comprimento, Harold Abrahams partiu uma perna e abandonou a competição. O máximo que batera de forma dramática haveria de perdurar durante 30 anos. Em 1981 o filme Chariotts of Fire, que em Portugal recebeu o nome de Momentos de Glória, deu às plateias o retrato vivo, apaixonante, comovente, de Harold Abrahams na luta pelo ouro em Paris. E mostrou também o que foi depois, em igual grandeza — juiz de direito, escritor, jornalista e presidente da Federação Britânica de Atletismo.
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
Eric Liddel recusou correr ao domingo e na capela descobriu o caminho da volta à pista

Missionário assassinado
Nos 200 metros Harold Abrahams não conseguiu repetir a vertiginosa proeza do hectómetro. E os americanos vigaram-se. A medalha de ouro foi parar a Jackson Scholz, Charles Paddock voltou a ganhar prata e em terceiro lugar classificou-se Eric Liddel, outro dos heróis, o mais trágico mas o mais encantador também de Momentos de Glória. Jogador de râguebi na Escócia, durante um ano dedicou-se em full-time ao atletismo na ânsia de tornar-se campeão olímpico, quer nos 100 quer nos 200 metros; famosos eram os seus duelos com Abrahams. Chegou a Paris como recordista britânico das 100 jardas — os seus 9,7 segundos obtidos em 1923 durariam como máximo nacional até 1958. Filho de um missionário, nasceu na China, cresceu na Escócia, mas, apesar de ser mais rápido que Abrahams, desistiu dos 100 metros, antes sequer de desembarcar em Paris, por se recusar a disputar eliminatórias a um... domingo. Perturbado com isso, nos 200 m não foi além da medalha de bronze. Estava na capela a rezar quando na cabeça lhe bailou a ideia de se inscrever nos 400 metros. Raramente correra a distância. Antes da prova, num sinal de crença de que tudo estava já divinamente decidido, os bagpipers, com as suas tradicionais, vestimentas encarnadas e verdes e com os instrumentos tradicionais tocaram do rebuliço das bancadas algumas músicas... «para que Liddel se lembrasse da sua querida Escócia e por ela vencesse»! Atirou-se à pista e ganhou em 47,6 segundos, record mundial — e a mais electrizante e badalada vitória de Paris! Cortou a meta e as primeiras palavras tiveram efeito de tremor de terra, ficariam famosas, correriam o Mundo inteiro, inapagáveis, tão inapagáveis como a sua façanha: «O segredo? Enquanto rezava senti algo de divino dizendo-me que só precisaria de correr 200 metros como sempre corri porque nos restantes 200 correria mais rapidamente ainda com a ajuda de Deus, nas asas do Senhor!» Mais um ano continuou Liddel dividido entre o râguebi e o atletismo, internacional em ambas as modalidades — até que decidiu partir para a China como missionário. Vinte anos andou em pregação, espalhando a sua palavra — em 1945 os japoneses invadiram o território, prenderam-no num campo de concentração, matando-o algum tempo depois, barbaramente.

Almoço com governador até à morte de Abrahams
Os americanos, com Charles Paddock à cabeça, julgavam-se invencíveis mas apanharam o primeiro valente susto quando, nas eliminatórias dos 100 metros, Harold Abrahams colocou o record olímpico em 10,6 segundos. Em estado de choque ficaram na final face à vitória claríssima do inglês, outra vez em 10,6 — com Paddock a ter de contentar-se com a medalha de prata e, surpresa ainda maior, o bronze do neozelandês Porritt, que muitos anos depois haveria de tornar-se governador-geral da Nova Zelândia, que é como quem diz primeiro-ministro. Ambos criaram laços de amizade tão fortes que depois de Paris, e até à morte de Abrahams, em 1978, jantavam juntos todos os anos às sete da tarde do dia 7 de Julho...
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
Com 17 anos, quatro medalhas para Johnny Weissmuller

Roménia, doença, orfandade e herói a salvar náufragos
Johnny Weissmuller transformou a alma em asas de albatroz. E assim se tornou gigante. Imortal. Nasceu a 2 de Junho de 1904 em Winbar, estado da Pensilvânia, por mera questão de semanas. A mãe desembarcara lá em alto estado de gravidez. Partira, com o marido, de Freidorf, localidade que actualmente pertence à Roménia, então território do Império Austro-Húngaro, na ânsia de horizontes mais largos, ambos fartos de mágoas pingando ilusões perdidas — na vida de quase miséria e náusea. Ele era mineiro, ela cozinheira. Depois de curta passagem por Winbar o clã juntou, enfim, alguns dólares e mudou-se de armas e bagagens para Chicago, onde abriu um saloon que rapidamente ganhou sucesso graças aos conhecimentos que Weissmuller sénior tinha do fabrico de cerveja e aos dotes culinários da mulher. Preocupação apenas uma, a doença de Johnny, o filho pequenino, atacado de poliomielite. Para a tratar um médico aconselhou natação. Ninguém imaginaria que se descobria assim o seu destino, a conquista da eternidade. Meteram-no nas piscinas da YMCA, organização de colégios católicos que inventara o basquetebol e o voleibol, mas no lago Michigão, ao jeito das aventuras de Tom Sawyer, aperfeiçoaria o estilo. Vivia perto da praia de Oak, a água era o seu fascínio, o único brinquedo. Tinha nove anos quando de súbito lhe morreu o pai. Johnny — que entretanto mudara o nome de Petr Jánös Weiszmüller para Peter John Weissmuller — teve de abandonar a escola, indo trabalhar para ajudar a família. Herói do Michigan se consagrou quando, juntamente com o irmão, salvou 20 pessoas de morrer afogadas num acidente de barco. Por essa altura Bill Bacharach, treinador do Illinois Athletic Club que chefiara a equipa olímpica de natação nos Jogos de 1920, descobriu-o em Oak e não mais o largou. Sob a sua aturada orientação Johnny revolucionou a braçada do nado em crawl e surpreendeu o mundo, um ano depois, nos Jogos Olímpicos de Paris. Com 17 anos destronou o havaiano Duke Kahananoku com record olímpico de 100 metros livres e arrasou o sueco Arne Borg com o máximo mundial dos 400 metros livres. A terceira medalha de ouro conquistou-a na estafeta dos 4x200 metros, tendo o seu percurso sido decisivo para mais um record do Mundo. E, chamado à equipa de pólo aquático dos Estados Unidos, ganhou bronze. Em 1928 regressaria aos Jogos Olímpicos, em Amesterdão, para se cumular de mais duas medalhas de ouro, nos 100 metros livres e nos 4x200 metros. O seu mito faiscava. O seu nome empolgava. Profissionalizou-se, dedicou-se ao cinema.
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
32 filmes e vida concentrada na imagem de Tarzan

Metade homem, metade lancha!
Johnny Weissmuller ou... Tarzan?Apesar do sucesso desportivo há-de ser sempre recordado sobretudo pela tanga, a rapariga alçada à cintura, o grito ululante no balancear de uma árvore para outra por liames e cipós — e o jeito comovente de se tornar amigo de chimpanzés. Apesar de já ter entrado num filme em 1929, Glorifying the American Girl, Johnny Weissmuller foi verdadeiramente descoberto para a sétima arte pelo argumentista Cyril Hume, quando ambos se encontraram na piscina de um hotel de Las Vegas durante um show de natação apresentado pelo pluricampeão olímpico. Em Outubro de 1931 assinou contrato de sete anos com a Metro Goldwyn-Mayer por 250 dólares semanais. Foi Tarzan em 12 filmes, durante 16 anos, e como Jane mais famosa teve Maureen O’Sullivan, mãe de Mia Farrow! Tarzan, o Homem-Macaco abriu a saga em 1932 — e daí em diante as imagens de Johnny e de Tarzan tornaram-se uma só, de tal forma que apenas cinéfilos fanáticos e com memória de elefante se lembrarão dos outros 20 actores que também vestiram a pele do rei da selva imaginado por Edgar Rice Burroughs. Os amigos garantiam que era «alegre, irresponsável e amante da diversão — como Tarzan». Paul Gallico, numa das suas biografias, escreveria: «Era metade homem, metade lancha; quando se lançava a toda a velocidade numa piscina ou num filme parecia voar sobre a água, em vez de estar dentro dela. Assim se fez o seu sucesso, todo o seu sucesso...» Entre 1948 e 1955, já com contrato com a Columbia Pictures, Weissmuller representou também, por 16 vezes, o papel de Jungle Jim — herói de popular série da rádio e de banda desenhada. Contudo, a associação da sua imagem a Tarzan tinha deixado marcas profundas em todas as áreas e em todas as consciências, o que levaria um crítico a escrever que Jungle Jim não era mais que... «Tarzan com roupa». Ao cabo de 32 películas gravadas, em 1970 despediu-se do cinema com The Phynx.

51 «records» do mundo e duas barreiras históricas
Impressionante o seu corpo, aquela imagem de rei da selva, desnudo, de músculos tensos, do alto de 1,90 metros de altura. Tão impressionante como essa imagem que cruzou gerações e gerações, num ícone inapagável, o seu fulgor dentro de água. Johnny Weissmuller conquistou 52 títulos nacionais de natação, 36 individuais e 16 em estafetas, ganhou 67 provas internacionais, averbando cinco medalhas olímpicas de ouro e mais uma de bronze, no pólo aquático. Para além disso, estabeleceu 94 records dos Estados Unidos e 51 records do Mundo. Quebrou duas barreiras históricas: foi o primeiro homem a baixar do minuto nos 100 metros livres e o primeiro aquém dos cinco minutos nos 400 metros. Até aos 36 anos divertiu-se a bater máximos mundiais, mesmo quando, por via do cinema e não só, já era considerado profissional, estando com os Jogos Olímpicos barrados.
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
Weissmuller morreu em Acapulco, para onde fora em refúgio nostálgico

Furacão e cadeira de rodas
Primeira imagem do nadador que marcaria o século todoJohnny Weissmuller passou por seis casamentos. O primeiro, verdadeiramente tumultuoso, com a temperamental actriz Lupe Velez, denominada... furacão mexicano. A sua última mulher foi Maria, com quem viveu em Acapulco, não muito longe dos locais paradisíacos e exóticos em que se rodaram os filmes de Tarzan — e de onde nunca mais sairia, quando já sentia os sonhos todos desmoronados, o coração em estilhaços, a perder-se. Pai de três filhos, em 1977 começou a sentir problemas cardíacos graves, caiu numa cadeira de rodas, acabando por morrer em 1984, com 80 anos. No testamento legou vasta colecção de objectos de estimação, pedaços sagrados da sua história fantástica nas piscinas e no cinema, a uma fundação para apoio às crianças miseráveis do México. Foi a sua última medalha. E o último sinal de um homem de alma grande e turbulenta, como se houvesse nela lava a arder num sempre invencível espírito de ternurento aventureiro.

Spitz ou talvez não
Até às sete medalhas de ouro de Mark Spitz nos Jogos de Munique, em 1972, Johnny Weissmuller foi considerado o melhor nadador mundial de todos os tempos. Terá, então, perdido a coroa? Esse é tema que se mantém polémico, porque em 1924 e 1928 não teve oportunidade de nadar o mesmo número de provas que Spitz nadaria depois. Ninguém acredita que perdesse.

Três W e nostalgia
Como empresário de pouco sucesso promoveu uma linha de roupa para natação, fundou, em Chicago, uma empresa de construção de piscinas denominada Johnny Weissmuller — e enquanto viveu em Fort Lauderdale, na Florida, dirigiu o International Swimming Hall of Fame, no qual passou a figura de proa em 1965. Dois anos depois lançou autobiografia intitulada Water, World and Weissmuller — que é como quem diz Água, Mundo e Weissmuller. Mas o destino começava a pregar-lhe partidas às vezes cruéis. E por isso sentia-se já pedaço de terra queimada nas bordas da alma a apequenar-se. Bebia para esquecer, deixava-se levar pela nostalgia das aventuras de Tarzan. Num dia assim decidiu ir viver para Acapulco...
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
Falando da Lupe Velez o Errol Flynn disse que foi a unica mulher que conheceu que podia fazer rotacao das mamas sem mexer o resto do seu corpo.:)
 
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hast

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> rotacao das mamas sem mexer o resto do seu corpo.

;-)))))))))))))))
 
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1924 – Jogos Olímpicos de Paris
Natação nos jogos de 24 com várias peripécias para além do maremoto-Weissmuller

Perigo da publicidade e excomungadas
Na natação domínio quase avassalador dos Estados Unidos — e apenas o australiano Andrew Charlton, com 16 anos, campeão dos 1500 metros crawl, evitou que as medalhas de ouro fossem todas para a América. Johnny Weissmuller ganhou os 100 metros livres a Duke Kahanamoku, o havaiano que vencera Estocolmo e Antuérpia, e apoderou-se de mais uma medalha de ouro nos 400 metros livres, batendo o sueco Arne Borg, que pouco antes era considerado invencível na distância. Antes de os Jogos se iniciarem Arne Borg andou em bolandas — depois de vários records estilhaçados. A União de Sports da Suécia esteve mesmo para lhe vetar a participação olímpica por não ter acatado a convocação para fazer um período de serviço militar, preferindo sair para Espanha com a sua equipa do Neptune Stockolm. E, pior, chegou a ter o COI à perna por... «ter emprestado o seu nome, assinatura e silhueta para reclamo de produtos vários, pondo em dúvida a sua qualidade de amador pelo facto de se ter prestado a essa combinação comercial, consentindo que, à semelhança dos campeões profissionais, o seu nome se transformasse em placard de publicidade». Queixou-se que foram essas complicações todas que o abateram. Warren Paoa Kealoha, americano do Havai, tal como Kahanamoku, sagrou-se campeão olímpico nos 100 metros costas. Nos saltos para a água o americano Albert White ganhou o trampolim e a prancha. Aileen Riggin, que em Antuérpia se tornara a mais jovem campeã olímpica de toda a história, com 13 anos apenas, e entretanto se dedicara também já ao... bailado, perdeu o título de trampolim para a compatriota Elisabeth Becker, mas, ao obter medalha de bronze nos 100 metros costas, tornou-se a primeira mulher a ganhar medalhas em natação e saltos. De bronze se tatuou também Gertrude Ederle, que haveria de se tornar muito mais famosa dois anos volvidos por ser a primeira senhora a ligar o canal da Mancha de ponta a ponta. Fora uma das sete nadadoras dos Estados Unidos «desqualificadas para toda a vida» por terem tomado parte numa «prova proibida a amadores». Outra ilustre irradiada foi Ethel Lackie, campeã olímpica de 100 metros livres.

45 medalhas de ouro para os estados unidos
A França ganhou a maior parte das suas medalhas em ciclismo e esgrima. Lucien Michard venceu os 1000 metros em velocidade, acabaria, alguns anos depois, por se tornar tetracampeão mundial de profissionais. Armand Blanchonnet ganhou a prova de estrada. Na esgrima Roger Ducret foi a premonição do célebre D\'Oriola, obtendo cinco medalhas, duas delas de ouro. Treze foram as medalhas de ouro gaulesas, mais 15 de prata e 10 de bronze. Os Estados Unidos somaram 45 de ouro, 27 de prata e 27 de bronze e a Finlândia 14 de ouro, 13 de prata e 10 de bronze. Foram os três mais do medalheiro, só então surgindo a Grã-Bretanha (9+13+12) e a Itália (8+3+5).