1922 F. C. Porto primeiro campeão de Portugal
Na primeira mão portistas bateram Sporting muito enredado em superstições
Graciosidade das senhoras e críticas ao modelo
Nos anos 20, no Sporting, conheciam-se já registos de crenças, crendices e superstições. Delicioso um texto, publicado num Boletim do Sporting de 1923, desvendando segredos e misticismos. «Por exemplo, Martinho de Oliveira, quando os desafios eram duvidosos e não jogava, encanelava o cavalo a verde, punha-lhe dois leões de prata na cabeçada, metia no bolso uma garrafita de água e duas hóstias de aspirina e, colocando-se por detrás da baliza adversária, aguardava sereno os acontecimentos, certo de que o bucéfalo ia... chupar as bolas de forma a entrarem nas redes! Francisco Stromp arrancou da equipa a estrela de capitão porque sonhou que com ela nunca ganharia. Portela, por exemplo, tinha de se equipar tirando em último lugar o chapéu da cabeça e não consentia que lhe mexessem.» Foi com esse espírito que o Sporting, na qualidade de campeão de Lisboa, partiu para a disputa do primeiro título de campeão de Portugal, a 4 de Junho de 1922. Ante o F. C. Porto, campeão do Norte. Eram 16.15 de uma tarde escura, de chuva intermitente, de Junho. No céu pardacento estralejavam foguetórios. Como se na cidade fosse dia de arraial de S. João. Nas bancadas acanhadas do Campo da Constituição, cheias como um odre, os adeptos portistas, como que atiçados pelo fogo sagrado da esperança, agitavam-se como abelhas em cortiço. Fazendo fé no cronista de Os Sports, avultava entre a assistência «a graciosidade e a beleza das senhoras». Ganharam os portistas por 2-1. Conta Ribeiro dos Reis, em A História dos Desportos em Portugal, que «o jogo decorreu em ambiente apaixonadíssimo, de que os lisboetas, no regresso, se queixaram amargamente». Mas, mais que do jogo, as crónicas falavam da precipitação e até da «vergonha» de um Campeonato de Portugal organizado de escantilhão, envolvendo apenas duas equipas, os campeões de Lisboa e do Norte. E assim, no ano seguinte, a prova haveria de ser alargada a representantes de outras associações e até ao campeão da Madeira. Árbitro espanhol e prognósticos furados Para o segundo jogo entre F. C. Porto e Sporting a União Portuguesa de Futebol escolheu um árbitro... espanhol, de nome Montero. Esperava-se luta pegada no Campo Grande. Assim foi. Perante uma «assistência numerosíssima, tanto na geral como nas bancadas e camarotes», os sportinguistas venceram por 2-0, obrigando a terceiro jogo, que por sorteio calhou disputar-se no Porto, mas no... Bessa. Em Os Sports alvitrou-se sem pestanejos: «Sem desprimor para o F. C. Porto, vaticinamos nova vitória para o Sporting, pois a avaliar pelo que vimos neste desafio o F. C. Porto é, inegavelmente, inferior ao Sporting, apesar de este não ter feito um jogo perfeito e estando, até, numa tarde infeliz.» Mais seguro seria fazer-se os prognósticos só no fim do jogo, mas essa era filosofia ainda por inventar.
Portistas bateram Sporting
Morteiros noite dentro e dois escudos para o Bessa
Finalíssima a 18 de Junho de 1922. Jogo a cem à hora ou, como reportou Ribeiro dos Reis, «febre em cada atitude, excitação em cada grito de incitamento ou de reprovação, tudo em quente». Aos 51 minutos Balbino inaugurou o marcador. Cinco minutos depois os nortenhos conseguiram meter a bola no fundo das redes por intermédio de Artur Augusto, na cobrança de um penalty, o árbitro determinou repetição por ainda não ter apitado, no chuto válido a bola esbarrou na trave! O escapanço do penalty instigou os sportinguistas, que igualaram por intermédio de Emílio Ramos. No prolongamento, João Nunes e João de Brito deram a vitória ao seu bando e por todo o lado estoiraram os rastilhos da euforia, da festa, a loucura total. Aliás, esse era ambiente que já se incendiara no Porto havia dias. A chegada de Gago Coutinho e Sacadura Cabral ao Rio de Janeiro fizera o Porto (e Portugal inteiro) libertar-se da sua pacatez habitual. Morteiros sucediam-se, bandas de música percorriam as ruas embandeiradas da cidade, arrastando moles de povo. Nos jornais temia-se que, «perante o acontecimento mundial em que a palavra Portugal ficou mais uma vez escrita com letras de ouro no progresso da civilização», a finalíssima do primeiro Campeonato de Portugal fosse relegada para plano secundário. Ou prejudicasse o descanso de quem tinha batalha aberta à sua frente. O cronista de Os Sports não deixou de escrever: «A noite de sábado passou-se em constantes manifestações, com simpáticos morteiros, pelo que os jogadores de Lisboa, hospedados no Hotel Portuense, deveriam ter tido má noite de repouso...» Dois escudos custavam os bilhetes. Depressa esgotaram. Duas horas antes do início da partida já o Campo do Bessa era pequeno para conter a enorme e irrequieta assistência, comprimindo-se, na ânsia de se aboletar nas bancadas. Nunca se vira coisa assim. Imagina-se o que aconteceu de seguida, quando o árbitro Neves Eugénio, pertencente ao Académico do Porto, deu o jogo por encerrado.
Campeões de Portugal
Lino, Mota, João de Brito, Tavares Bastos, Júlio Cardoso, Velez Carneiro, Balbino, João Nunes, Artur Augusto, Floriano e Alexandre Cal