O Século XX do Desporto

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1961 - Peyroteo seleccionador e derrota no Luxemburgo

A estreia de Eusébio na Selecção Nacional é, naturalmente, um momento importante para o futebol português por marcar o início de uma relação duradoura e que marca a inversão da tendência derrotista herdada dos anos 50. Curiosamente, o primeiro jogo de Eusébio na Selecção constituiu um dos mais desesperantes resultados de Portugal, uma surpreendente derrota no Luxemburgo, por 2-4, em partida a contar para as eliminatórias do Campeonato do Mundo de 1962. Para a partida disputada no dia 8 de Outubro de 1961 Fernando Peyroteo, na sua estreia como seleccionador nacional, escalou a seguinte formação: Costa Pereira (Benfica); Mário Lino (Sporting), Lúcio (Sporting), Morato (Sporting) e Hilário (Spor-ting); Pérides (Sporting) e Coluna (Benfica); Yaúca (Belenenses), Eusébio (Benfica), José Águas (Benfica) e Cavém (Benfica). Eusébio cumpriu o destino dos grandes, marcou na estreia (o outro golo foi de Yaúca), mas de nada valeu. Portugal ficava praticamente afastado do Mundial do Chile, isso porque já tinha empatado, em Lisboa, com a Inglaterra (1-1) — e ganhara ao Luxemburgo por 6-0. Faltava a visita a Wembley. Peyroteo respondeu às críticas com a promessa de vitória na grande catedral do futebol europeu, única forma de salvar a honra do convento e até de garantir a presença na fase final do Campeonato do Mundo. Até 25 de Outubro, data da partida em Londres, que Portugal perdeu por 0-2, por pouco o futebol português não vivia um momento histórico, o único em que teria sido possível ver em acção lado a lado, na mesma equipa, Eusébio e... Matateu. O avançado belenense, na curva descendente da carreira, estava convocado mas não actuou por lesão. Teria sido mágico, teria sido simbólico: numa Selecção orientada por Fernando Peyroteo uma frente de ataque composta por José Águas, Matateu e Eusébio. Falamos dos maiores pontas-de-lança portugueses de sempre, alguns desencontrados no tempo, todos unidos pela arte de marcar golos. Distante estava ainda a entrada em cena de Fernando Gomes. Foi em 1974/75. Se Eusébio não foi a tempo de encontrar Matateu na Selecção, Gomes atrasar-se-ia ligeiramente para o encontro com Eusébio.


Com PEDROTO vitória no torneio internacional de juniores

Em 1961 Portugal conseguiu importante vitória, ao vencer indiscutivelmente o Torneio Internacional de Futebol de Juniores, prova organizada pela UEFA que mais não era que uma espécie de Campeonato da Europa da categoria, disputada desde 1948. David Sequerra foi o seleccionador de uma equipa treinada por José Maria Pedroto, que deixara de jogar um ano antes e então orientava as escolas do F. C. Porto. Pedroto tinha 32 anos e o enorme êxito que foi o triunfo nessa prova constituiu o primeiro dos muitos com que iria chegar ao fim da carreira. Se o triunfo pode ser considerado em si mesmo surpreendente, a forma como foi obtido é mais ainda. No dia 30 de Março, nas Antas, Portugal empatou a zero com a Itália, numa estreia pouco auspiciosa. Mas a partir de então iniciou empolgante cavalgada até ao triunfo final: vitórias sobre Inglaterra (4-0), França (3-1) e Espanha (4-1), três potências do futebol europeu. Na partida derradeira Portugal encontrava a Polónia a 8 de Abril, no Estádio José Alvalade. Novo triunfo retumbante, por 4-0, com a particularidade de os quatro golos terem sido apontados por Serafim, jogador do F. C. Porto que viria a transferir-se para o Benfica em 1963. Era um avançado com qualidades extraordinárias, um goleador nato, mas que acabaria por não confirmar na Luz as promessas com que deixara as Antas. Terminou na Académica e viria a falecer cedo, aos 49 anos de idade. Da Selecção Nacional que obteve essa conquista faziam parte dois jogadores que haviam de ser magriços em 1966: António Simões e Fernando Peres. O primeiro tornava visível pela primeira vez o talento que o conduziu pouco depois ao estatuto de um dos melhores extremos-esquerdos da Europa e um dos mais brilhantes de sempre do futebol português. Vejamos agora quem integrava a equipa base comandada por José Maria Pedroto: Rui (F. C. Porto); Amândio (Benfica), Manuel Moreira (Leixões) e Nogueira (Benfica); Carriço (V. Setúbal) e Oliveira Duarte (Sporting); Crispim (Académica), Mário Nunes (Benfica), Serafim (F. C. Porto), Fernando Peres (Belenenses) e António Simões (Benfica). O guarda-redes João Melo (Benfica), Rodrigues (Belenenses) — que se lesionou no jogo com a Itália —, Luís Mira (Barreirense), Jorge (Benfica) e Faria (F. C. Porto) foram os suplentes.

Feitiço e chazinho
Béla Guttmann
Veio para o F. C. Porto e foi campeão em 1958/59. A cada pedido de renovação do contrato feito pelos dirigentes portistas respondeu que havia tempo. Já todos sabiam que estava comprometido com o Benfica. Béla Guttmann assinou contrato com os encarnados no dia 25 de Agosto de 1959. As negociações não foram difíceis. Quando tudo estava acertado acrescentou uma alínea aos 400 contos anuais, 150 pela conquista do Campeonato e 50 pela vitória na Taça de Portugal: 200 contos pela vitória na Taça dos Campeões. Sorrisos prolongados, palmadas nas costas e dirigente houve que não só aceitou como acrescentou 100 contos à verba. Chamaram-lhe feiticeiro. Bem vistas as coisas, a esta distância, se não era andava lá perto. Como treinador era o espelho fiel do homem especial que sempre foi. Ao pegar numa equipa estruturada pelos quatro anos de trabalho de Otto Glória as preocupações de Guttmann concentraram- -se na disciplina de ferro, no controlo quase total dos jogadores e da sua vida pessoal — da vida íntima, pode dizer-se, pois chegava a ter pesadelos só de pensar que tinham práticas sexuais antes dos jogos. Na época de estreia (1959/60) foi campeão nacional e garantiu o acesso à Taça dos Campeões de 1960/61. A 31 de Maio de 1961, em Berna, chegava ao topo da Europa. Ganhou ao Barcelona na final. Com sorte mas ganhou. Na época seguinte voltou a ganhar e dessa vez sem outra explicação que não fosse a maior capacidade da equipa e o talento superior dos jogadores. Glorificado como criador da maior potência europeia do futebol à entrada para a década de 60, decidiu regressar a casa. Não consta que tivesse saído zangado. Sussurrava apenas que «o terceiro ano é quase sempre mortal para um treinador». Nada que explique a maldição lançada na hora do adeus: «Nem daqui por 100 anos uma equipa portuguesa será bicampeã europeia e o Benfica jamais ganhará uma Taça dos Campeões sem mim.» Regressou três anos depois. Assinou contrato no dia 28 de Agosto de 1965 mas não seria feliz. Antes de um jogo em Manchéster, em Fevereiro de 1966, para os quartos-de-final da Taça dos Campeões, prestou declarações contundentes para com os seus jogadores, que estavam velhos, ricos e sem ambição. Explicou depois que tudo aquilo era para desorientar Matt Busby. Perdeu por 2-3. Um mês depois o Manchester United veio à Luz e ganhou por 5-1. Caiu em desgraça. As relações com os dirigentes deterioraram-se aos poucos, até à humilhação suprema de ter sido proibido de prestar declarações públicas. No dia 25 de Abril de 1965 pediu dispensa, lamentando que nunca tal lhe tinha acontecido. Partiu a 2 de Maio para Viena. Voltaria a Portugal em 1973, quase com 70 anos (nascera a 26 de Janeiro de 1905), para treinar o F. C. Porto. Seria a última aventura do treinador Béla Guttmann, marcada pela tragédia de Pavão, que caiu fulminado em pleno relvado das Antas, frente ao V. Setúbal. Quando morreu, a 28 de Agosto de 1981, levou consigo uma vida de excessos, glória e alguns mistérios, o principal dos quais a verdade ou não dos efeitos de uma das mais famosas bebidas do seu tempo, o chazinho de Guttmann.
 
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1962 – Campeonato do Mundo de Futebol no Chile

Pelé afastado logo ao segundo jogo
Marcas de violência
Surpreendente a escolha do Chile para sede do Mundial de 1962, definida no congresso da FIFA efectuado em Lisboa a 10 de Junho de 1956. O pai da ideia e principal mentor do projecto foi Carlos Dittiborn, dirigente do futebol chileno de origem brasileira. Ironia do destino, viria a falecer no dia 28 de Abril de 1962, a cerca de um mês da abertura do Mundial — início a 30 de Maio, fecho a 17 de Junho. Em todos os estádios figurou uma faixa com uma frase sua: «Porque nada temos tudo faremos.» É difícil enquadrar a fase final do Campeonato do Mundo de 1962. Não teve o brilho das suas antecessoras — menos golos, menos espectadores, muita violência — mas proporcionou argumentos para sustentar a ideia de que o jogo estava a evoluir. Em termos tácticos, por exemplo, o inovador Brasil de 1958 — que apresentou o 4x2x4 — deu o passo seguinte. Orientado por Aimoré Moreira (que substituiu Vicente Feola, adoentado), o escrete apareceu no Chile com uma selecção envelhecida, que dificilmente suportaria tão forte aposta no ataque. Por força da astúcia de Mário Zagallo, extremo-esquerdo de grande talento que passou a recuar mais no terreno, o Brasil actuou num mais comedido mas ao mesmo tempo mais seguro 4x3x3. Para além do Mundial de Garrincha, a edição de 1962 foi a primeira da violência. Os jogos da primeira ronda foram, quase todos, autênticas batalhas campais. No União Soviética-Jugoslávia (2-0), por exemplo, dois russos saíram prematuramente de campo: Doubinsky com uma perna partida e Metrevelli com o sobrolho aberto. A FIFA reuniu de emergência e censurou a actuação do árbitro alemão Rusch. Mas o Uruguai-Jugoslávia não foi melhor e o Chile-Itália, sem lesões graves, envolveu despiques físicos ainda mais espectaculares — o italiano Ferrini foi expulso logo aos oito minutos mas para sair do terreno foi precisa a intervenção da polícia. A partida começou, desenrolou-se e terminou com violentas cenas de pancadaria. De tal forma que jornalistas italianos afirmaram não estar preparados para a cobertura do acontecimento. Tinham levado fotógrafos, gente para os comentários e a apreciação aos jogadores, faltava-lhes alguém para contar os feridos.

Marcadores mas pouco
Se Just Fontaine tinha obtido a impressionante marca de 13 golos no Mundial da Suécia (record até aos dias de hoje), o melhor marcador no Chile foi dos menos expressivos do pós-guerra, o jugoslavo Drazen Jerkovic com apenas cinco golos. Com quatro tentos um quinteto: Leonel Sanchez (Chile), Albert (Hungria), Ivanov (União Soviética), Garrincha e Vavá (Brasil)

Seis expulsões e emergência
A violência apareceu surpreendentemente. E de rajada. Ao cabo da primeira ronda a Comissão de Disciplina da FIFA reuniu de emergência, censurou alguns árbitros e mostrou-se intransigente no combate a futuras batalhas campais. Numa altura em que os árbitros não podiam recorrer aos cartões houve seis expulsões. Hoje parece pouco mas era significativo. Aqui fica o registo dos prevaricadores: Popovic (Jugoslávia), Ruben Cabrera (Uruguai), Ferrini (Itália), Mario David (Itália), Garrincha (Brasil) e Honorindo Landa (Chile).

Campeões do mundo
Gilmar, Djalma Santos, Mauro, Zito, Nílton Santos, Zózimo, Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo, Zagallo e Pelé

Sem Pelé mas com Amarildo
À Garrincha!
O Brasil perdeu Pelé no segundo jogo, frente à Checoslováquia (0-0). Amarildo foi substituto à altura. Na terceira partida, com a Espanha, o perigo de eliminação era real. Ao intervalo os brasileiros perdiam por 0-1. Dariam a volta no segundo tempo, através de dois golos de Amarildo (ambos a passe de Garrincha), o último dos quais a escassos quatro minutos do termo da partida. Nos quartos-de-final o Brasil venceu a Inglaterra (3-1) e a Checoslováquia mantinha a qualidade evidenciada desde o primeiro encontro, batendo a Hungria (1-0). Nas meias-finais os campeões derrotaram os donos da casa por 4-2 — Chile que era treinado por Fernando Riera, então já bem conhecido dos portugueses. Garrincha foi expulso mas acabou por ser despenalizado. Por isso jogou a final, disputada com a Checoslováquia, vencedora da Jugoslávia por 3-1. O derradeiro jogo provou que estavam frente a frente as melhores equipas. O Brasil de Garrincha mais forte que a Che-coslováquia de Masopust, tal como ficou provado em campo. O Chile de Riera acabou em terceiro — vitória sobre a Jugoslávia (1-0) — e o treinador foi dimensionado à condição de herói nacional, o que acabaria por dificultar, e bastante, a sua contratação pelo Benfica, três meses depois.

Oitenta e nove golos
A média de 2,78 golos por jogo era a mais baixa de sempre da história das fases finais do Campeonato do Mundo. A tendência a partir de então foi baixar até aos nossos dias. Ainda manteve em 1966 (precisamente o mesmo número de golos), chegou mesmo a subir no México, em 1970, mas a partir daí foi sempre a cair.

Josef Masopust – Sombra de Eusébio
Josef Masopust chegou ao Chile com 30 anos e o que fez na fase final do Campeonato do Mundo permitiu-lhe ser Bola de Ouro de 1962 (prémio instituído pelo France Football destinado ao melhor jogador europeu), à frente de Eusébio (que vencera a Taça dos Campeões) e do alemão Schnellinger. Grande proeza de um jogador do Leste que só Yachine (1963), Florian Albert (1967), Blokhine (1975), Belanov (1986) e Stoitchkov (1994) repetiriam. Josef Masopust era um extraordinário jogador de equipa, a grande figura da selecção checa que se sagrou vice-campeã mundial em 1962. Tecnicamente perfeito, pisava todos os terrenos do campo e era sóbrio apesar de todo o jogo passar pelos seus pés, o que lhe dava, naturalmente, grande visibilidade. Possuía um drible fantástico, colocava a bola perfeitamente com ambos os pés. Passou a maior parte da carreira no Dukla de Praga, de onde se transferiu para o Crossing Molenbeck (Bélgica). Está entre os grandes. Seria mais fácil considerá-lo um dos maiores de sempre se a proeza de 1962 não fosse o único momento da carreira em que teve uma grande equipa à sua volta.
 
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Timofte 2-3

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Ainda hoje se diz que Pavão faleceu graças aos \"chazinhos de Guttman\"
 
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1962 – Campeonato do Mundo de Futebol no Chile

24 500 espectadores
A média de espectadores no Chile foi de 24.500 espectadores. É um dos Mundiais com menos gente nos estádios, situação à qual não são alheias as dificuldades por que passava o país e a início de um fenómeno que havia de ter influência determinante no futuro do futebol: a televisão. Todos os jogos foram transmitidos em directo. A Câmara de Deputados do Chile chegou a cancelar reuniões parlamentares importantes.

Garrincha – Não está Pelé, estou cá eu!
Dominou, quase por inteiro, o Mundial de 1962. Era um menino grande de pernas arqueadas, corpo franzino, para quem a vida só fazia sentido se tivesse uma bola nos pés e um adversário para driblar. Manuel Francisco dos Santos, Garrincha para o bem e para o mal, terá sido mesmo o maior driblador da história do futebol. Não dispunha de reportório vasto mas o que tinha era suficiente para marcar diferenças. A finta era normalmente a mesma, todos o sabiam, até aqueles que tinham por missão marcá-lo. Mas passava sempre. Entre os maiores jogadores de sempre ninguém como ele chegou onde chegou apenas e só à custa do génio, do instinto, da intuição. Nunca passou de um jogador da bola, ingénuo, despreocupado, e mesmo assim foi um dos maiores artistas que o futebol conheceu. Participara na conquista do Mundial de 1958 como miúdo que saiu do banco ao fim do segundo jogo (juntamente com Pelé). Chegava ao Chile com o estatuto de grande talento e arma assustadora. No segundo encontro da prova, frente à Checoslováquia, Pelé, a estrela da companhia, lesionou-se com alguma gravidade. Não jogaria mais naquela edição. Amarildo substituiu-o bem mas foi Garrincha, por instinto, como sempre, quem assumiu a responsabilidade de fazer esquecer o rei, assim no jeito de quem diz a todos, mas principalmente aos companheiros de equipa, «se não está Pelé, não se preocupem, estou cá eu». E esteve sempre. Participou na esmagadora maioria dos 14 golos apontados pelo escrete, três dos quais da sua autoria, dois deles na meia-final com o Chile (vitória por 4-2), e foi indiscutivelmente a grande figura da prova. O Brasil deve-lhe o segundo título mundial. Essa dívida, a que teremos de juntar os momentos mágicos que proporcionou ao longo da carreira e a personalidade frágil, infantil mesmo, que sempre evidenciou, transformou-o num mito entre os compatriotas. Quando deixou de jogar tornou mais visíveis os traços do seu carácter e a tendência natural para uma vida desregrada, que terminou cedo e mal. Mané Garrincha, a alegria do povo, o mestre do drible, protagonista principal de muitas tardes e noites de glória para o Botafogo e para o Brasil, acabaria os seus dias na miséria, entregue ao álcool, vítima da teia que deixou crescer à sua volta. Recordado pelo génio, Garrincha permanece no coração dos brasileiros como o mais genuíno dos seus heróis. O futebol em geral deve-lhe respeito e admiração. E o agradecimento que os talentos únicos justificam.
 
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1962 – «Rocket Rod»

O australiano Rod Laver foi o primeiro tenista a conquistar o Grand Slam por duas vezes, em 1962 e 1969. Nunca mais alguém o igualaria. Rocket Rod lhe chamavam pela forma violenta como batia a bola, a que juntava top-spin demolidor e subtileza de toques quando subia à rede. Canhoto, ao passar a profissional, em 1963, viu-se arredado dos grandes torneios durante cinco anos mas ainda teve tempo de apanhar a era open — e logo em 1968 alcançou a terceira vitória em Wimbledon (as anteriores foram em 1961 e 62). No ano seguinte de novo o Grand Slam. Quando abandonou, após 23 anos de competição, dos 47 títulos singulares que possuía 11 eram do Grand Slam. Na altura apenas Roy Emerson fizera melhor. Na variante de pares, em 37 triunfos, nove (seis masculinos, três mistos) provinham também dos quatro principais torneios mundiais. Cotado como n.º 1 mundial em 1961, 62, 68 e 69, Rod Laver foi ainda o primeiro tenista a ultrapassar, em 1971, o milhão de dólares em prémios de jogo — ganharia no total 1,5 milhões. A 27 de Julho de 1998, a poucos dias de completar 60 anos, Rod sofreu uma trombose durante uma entrevista para o canal de televisão americano ESPN, em programa dedicado aos atletas do século. Um mês depois voltava a casa, em Newport Beach, na Califórnia, apesar de ligeira paralisação dos membros do lado direito. E não deixou de dizer que essa fora a maior vitória da sua vida — contra a morte.

O lado lunar de Pelé
Esther Bueno
Nos anos 60 Brasil significava Pelé e Garrincha — mas não só. Significava também Esther Bueno! Nascida em São Paulo em 1939, Estherzinha virou selo comemorativo, tornou-se comendadora, juntou no seu clube de fãs ou no elitista grupo de amigos nomes fulgentes como Isabel II, Ted Kennedy, Charlston Heston ou a duquesa de Kent — mais ainda: o papa Pio XII, de quem até então se desconhecia gostar de ténis, fez-lhe convite especial para o Vaticano, recebeu-a com honras de chefe de estado! Tricampeã individual (1959, 1960 e 1964) e pentacampeã de pares, de parceria com Althea Gibson ou Billy Jean King (1958, 1960, 1963, 1965 e 1966), vencedora do U. S. Open em 1959, 1963, 1964 e 1966, também ganhou a prova de pares de Forest Hills em 1960, 1962 e 1968 — juntando no palmarès vitórias em Roland-Garros e no Open da Austrália em 1960. Famosa foi a final perdida para Billie Jean King no U. S. Open de 1960 — depois de 10 horas seguidas de jogo! Foi alta a factura, contusões várias e algumas lesões agravadas, um ano parada. Fechou a carreira em 1974 e teve direito a estátua ao lado de Pelé no museu de cera da madame Tussaud, em Londres.

Batido por Sampras
Roy Stanley Emerson
O nome não é dos mais conhecidos. Mas que é um dos maiores tenistas da história, disso não pode haver dúvida. Roy Stanley Emerson ganhou, em 1961, o primeiro título de relevo — nos campeonatos australianos. Perdeu a coroa no ano seguinte e depois foi uma série ininterrupta de vitórias até 1967. Habilidoso e rápido como poucos — viera do atletismo, como como velocista —, bisou ainda nos campeonatos americanos (1961 e 1964), Roland-Garros (1963 e 1967) e Wimbledon (1964 e 1965). Quanto à competição inglesa, em 1966 o tenista australiano era apontado como principal candidato para a vitória (a terceira consecutiva). No entanto uma lesão num ombro, devido a queda durante os quartos-de-final, obrigou-o a abandonar o court. Apesar desse percalço os 12 triunfos de singulares que registou em torneios do Grand Slam mantiveram-se como record até 1999, só foi ultrapassado por Pete Sampras, após Wimbledon. Em pares mais uma mão-cheia de grandes vitórias: seis em Roland-Garros, quatro no U. S. Open e três na Austrália e em Wimbledon. Foi também um dos heróis da Davis — decisivo para que entre 1959 e 1967 a selecção australiana ficasse na posse da saladeira em oito ocasiões, só perdendo em 1963, com os Estados Unidos.
 
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1964 – Jogos Olímpicos de Tóquio

Bikila revalidou título da maratona
Sapatos de fortuna levaram japonês ao suicídio
Só em 1951, com 19 anos de idade, é que o etíope Abebe Bikila começou a praticar desporto. Antes vida dura a cavar, de sol a sol, terra ressequida de Mout, onde nascera — ou então os campos percorridos em desesperante busca de erva para dois cadavéricos animais de casa. Na tropa lançou-se nas corridas. Era sempre o melhor. Por isso o levaram para a guarda imperial de Hailé Selassié. Onni Niskanen, treinador que lhe descobrira o talento, tentou que fosse aos Jogos Olímpicos de Melburne. Quando pediu dispensa ao imperador Selassié saltou solene a resposta: «Só se me garantir que o rapaz ganha a medalha de ouro.» O técnico retorquiu, embaçado: «Talvez nos Jogos de 1960, talvez...» Niskanen sujeitou a partir de então, Bikila a treinos severos durante quatro anos, duas vezes por semanas fazia corridas de 20 milhas por entre caminhos cardados de montanhas a mais de seis mil pés — foi assim que se preparou para os Jogos de Roma. Lá correu como sempre correra — descalço. E sagrou-se campeão olímpico, com 2.15.16 horas — record mundial. Poucas semanas antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio Abebe teve de sujeitar-se a uma pequena cirurgia mas nem isso lhe escamoteou o ânimo, o sonho — ao invés de Roma calçou-se para correr, uma marca japonesa ofereceu-lhe milhares de dólares para isso, aceitou a custo — dizia que assim talvez não se sentisse tão livre como costume. Impôs ritmo duríssimo à prova, só Hogan arriscou segui-lo, aos 30 quilómetros o inglês, correndo já de forma sinuosa, desvairada, caiu para a borda do passeio, desmaiado. Bikila seguiu o seu caminho, entrou no estádio a sorrir, só o corpo de ébano a brilhar de suor — quando os espectadores relancearam os olhos para o cronómetro electrónico foi o deslumbramento, o êxtase, a apoteose: 2.12.11 horas — o segundo classificado, o inglês Hatley só chegaria quatro minutos depois. Em terceiro, de lábios gretados de cansaço, o japonês Kokichi Tsuburaya. O bronze era pouco para a ânsia que levara. Que se desmoronara em estilhaços no coração. Dentro de si tudo fugiu — até a vontade de viver. Três semanas depois fez haraquiri e deixou numa carta escrita a razão amarga do suicídio: «Não ter sido capaz de dar ao povo a alegria que o povo merecia, vencendo a maratona.»

Acidente, cadeira de rodas e hemorragia cerebral
Apesar do record mundial esfanicado, Abebe Bikila continuou a correr pela pista do Estádio Olímpico de Tóquio, agradecendo os aplausos por entre flexões e exercícios de descontracção. Peter Snell, que acabara de se lançar também à cumeeira dos heróis, diria pouco depois: «Julgava que algumas das ovações que sentira no estádio não eram realidade, eram ilusão, mas depois de ver o modo como o público recebeu o etíope tenho de admitir que tudo o que se passou antes e tudo o que se passaria depois parecia mais coisa de críquete — euforia olímpica só mesmo com o Bikila.» Poucas foram as palavras do etíope aos jornalistas — quase só uma promessa aventada da ambição que já lhe ardia no corpo, a alma estendendo-se em língua de fogo: «No México, com a altitude ao nível da Etiópia, hei-de fazer melhor ainda.» Não faria. Só o destino conseguiria vencê-lo. Uma lesão na perna infernizou-o durante todo o ano de 1967. Chegou aos Jogos quase sem se treinar. Mancando até. Aos 16 quilómetros parou. E chorou. Havia pior à espreita. No regresso a Adis Abebe a acidente de automóvel atirou-o para uma cadeira de rodas. Paraplégico. Em 1973 uma hemorragia cerebral matá-lo-ia. Ficava a lenda. A glória. E Abebe Bikila — o nome suspenso no Olimpo. Para sempre. Treze maratonas correra, apenas uma, a última, não vencera. E selara as duas medalhas olímpicas de ouro com dois records mundiais.

Bob Hayes, homem-bala que o futebol americano roubou
Tentação do dólar, droga, cadeia...
Parecia um super-homem. Um mar de músculos a ondularem-se-lhe no corpo, largo, impressionante. Quando o tiro soava o voo escabreado, em vertigem, até à meta. Era Bob Hayes. Foi assim nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Na meia-final, apesar de favorecido pelo vento, correu os 100 metros em 9,91 segundos. Nunca ninguém fora tão rápido. Na final 10,06 segundos — marca homologada como record mundial, o cubano Enrique Figuerola, segundo classificado, a mais de dois metros. Mais espantosa a prestação na estafeta de 4x100. Recebeu o testemunho com três metros de atraso de um polaco, aos 30 metros já estava na frente, registos apontaram para um tempo (lançado) de 8,6 segundos aos 100 metros — outra vez a sensação da irrealidade a pairar no Estádio Olímpico. À partida para o Japão já Hayes levava nos olhos a quimera do ouro, o fulgor da alma — em Abril, na pista de Walnut, na Califórnia, fora o primeiro homem a ser cronometrado (manualmente) em 9,9 segundos — colocara também o record mundial das 100 jardas em 9,1 segundos e esfrangalhara outra barreira histórica na pista coberta: 5,99 segundos nas 60 jardas. Durante a passagem pela Florida A&M University, para além da prática de atletismo, Bob fez igualmente parte da equipa de futebol americano, a sua velocidade era autêntica bomba atómica nas operações de ataque. Por isso foi sem surpresa que, após as conquistas em Tóquio, no regresso a casa, em Jacksonville, lhe apareceram propostas irrecusáveis para mudar de rota. Era o adeus ao atletismo. Aos 22 anos. No draft de 1965 foi escolhido para jogar nos famosos Dallas Cowboys como wide receiver. Após uma sensacional época de rookie, o mesmo fulgor anos a fio, duas escolhas para a equipa ideal da NFL. A famosíssima liga de futebol americano, fábrica de sonhos e fortunas. E pesadelos. Esmagado por outras tentações, metido em sarrafus-cas, foi-se desfazendo na vida, viciou-se em álcool e drogas, afundou-se no inferno em que se tornou ele próprio. Em 1979 foi condenado por posse e tráfico de estupefacientes, cumpriu 18 anos de pena — e após várias curas de desintoxicação pelo menos voltou a sentir o prazer de viver sem a dependência da droga.

Mary Rand venceu nervos
A inglesa Mary Rand chegara aos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, literalmente invicta no salto em comprimento. Hipnotizada por um súbito ataque de nervos, não conseguiu sequer apuramento para a final do comprimento. Quatro anos depois, em Tóquio, vingou-se do destino e juntou ao ouro o record mundial: 7,25 metros. Para além disso ganhou ainda medalha de prata no heptatlo, batida apenas pela intransponível Irina Press, e a medalha de bronze nos 4x100 metros.

Galês do futebol e bis de polaco no triplo
Lynn Davies nasceu no País de Gales num vilarejo chamado Nantymoel — para se divertir só tinha duas opções: ou jogar futebol ou andar à aventura pelos campos, saltando, caçando. Foi o que fez. Depois de alinhar como futebolista no Cardiff City, decidiu saltar para outro mundo — para o atletismo. Em Tóquio, num dia agreste de vento e chuva, sagrou-se campeão olímpico do comprimento com 8,07 metros apenas, batendo por quatro centímetros o americano Ralph Boston, campeão em Roma — e que um ano depois colocaria o máximo mundial em 8,35 metros. Em 1967 essa marca seria igualada pelo soviético Igor Ter-Ovanesian, graças à altitude da Cidade do México, e que nos Jogos de 1964 se mostrara ao mundo com a medalha de bronze. No triplo-salto a vitória coube ao polaco Jozef Szmidt, com 16,85 metros — e, para além de record olímpico, a revalidação do título logrado em Roma, quatro anos antes.

Ann Parker e toque a telenovela japonesa
Ouro por amor
Foi o lado romântico de Tóquio. Como num conto de fadas. Recordista europeia, a inglesa Ann Packer tinha os olhos postos na conquista da medalha de ouro nos 400 metros. A australiana Betty Cuthbert, que em Melburne já ganhara os 100 e os 200 metros, fez ainda mais história com a vitória na volta à pista em 52 segundos, dois décimos adiante de Ann, que tão desapontada ficou que mandou anular a sua inscrição nos 800 metros. Estava despedaçada por si e pelo noivo — Robbie Brightwell que nem sequer ao pódio chegara nos 400. Choravam ambos no ombro um do outro quando ele lhe pediu que tentasse nos 800 metros uma medalha que «seria dos dois». Com incrível performance, Packer colocou o record mundial em 2.01,1 minutos e ao cortar a meta caiu nos braços de Brightwell, como se ele fosse o seu príncipe encantado. Casaram-se poucas semanas depois, tiveram quatro filhos. Dois tornaram-se jogadores de futebol de nomeada, jogando no Manchester City e no Bradford City — outro um razoável corredor de 400 metros. Através da galesa Mary Rand a Grã-Bre-tanha ganhou outra medalha de ouro no atletismo feminino — no comprimento. Foi um concurso fremente, com a polaca Irena Kirzenstein (ainda não Szewinska e ainda não a fabulosa velocista que haveria de ser) a dar os primeiros sinais do seu fulgor. Para lhe ganhar foi preciso que Mary colocasse o record do Mundo em 6,76 metros. Ron Pickering, seu treinador, diria de si não há muito tempo: «Não consigo pensar em outro atleta que combinasse com tanta perfeição dedicação ao treino, temperamento competitivo e personalidade magnética.»

Brilharete de Manuel Oliveira, acidentes da vela e espingarda encravada
A delegação portuguesa que aterrou no Parque Olímpico de Meiji, em Tóquio, tinha apenas 18 elementos. Nos 3000 metros obstáculos Manuel Oliveira tornou-se num ápice a grande esperança nacional quando, na eliminatória, bateu o record ibérico por oito segundos, com 8.40,8 minutos. Na final, por volta do segundo quilómetro, o belga Gaston Roellants impôs ritmo alucinante à corrida, só Taxereau e o americano Young reagiram — pagaram cara a ousadia. Numa última volta verdadeiramente espectacular, Herriot, Belyaev e Oliveira só não conseguiram chegar-se a Roellants, o recordista mundial, que venceu com 8.30,8 — record olímpico. O britânico Maurice Herriot foi segundo com 8.32,4 e o russo Ivan Belyaev marcou 8.33,8 — o sportinguista, com 8.36,2, era o primeiro fora de pódio mas com uma das melhores marcas mundiais de sempre. Aliás, em toda a história olímpica, antes de Tóquio apenas o campeão Zdislaw Krzyskowiak fizera melhor, com 8.34,2 a darem ouro. Para Duarte e Fernando Belo Tóquio significou azar nascente. E persistente. Falharam o sonho da medalha em star, na terceira regata quebrou-se o mastro e na quinta a cana do leme — e assim caíram para nono lugar. No concurso hípico de obstáculos, no qual a federação equestre investira 160 mil escudos para enviar um cavalo — e já agora refira-se que as despesas de deslocação e estada por atleta andaram pelos 35 contos —, a sorte manteve-se arredada dos portugueses — uma penalização no último percurso atirou Duarte Silva para quinto lugar. Mais aziago ainda: quando Guy de Valle Flor estava na luta pelas medalhas, na prova de tiro com chumbo, partiram-se as molas do gatilho de ambas as espingardas!

Seis «records» mundiais, duas medalhas, acidente aos 23 anos
Brumel impediu amputação
Valeri Brumel nasceu numa aldeiazinha perdida nas estepes mais gélidas da Sibéria. Mas sempre teve dentro de si o fogo do sonho de voar. Com 18 anos fez a primeira viagem ao estrangeiro — o debute internacional era nos Jogos de Roma, em 1960. O ambiente não lhe encolheu as asas. Bem pelo contrário. Só perdeu o título olímpico para o compatriota Robert Shavlakadse no desempate a 2,16 metros. Foi estonteante a revelação, até porque não tinha o perfil clássico do saltador, de altura mediana, e fazia uma corrida completamente inédita de balanço — era isso que lhe punha molas nos pés. No ano seguinte o primeiro dos seis records mundiais. Em 1963 já estava a 2,28 metros, 43 centímetros acima da sua cabeça (outro máximo até então...) — e o treinador previu, num impulso, que chegaria breve aos 2,35 — barreira então julgada sobre-humana. Não se deu bem com o clima de Tóquio, não foi além dos 2,18 metros — ainda assim o bastante para derrotar (no desempate) o americano John Thomas. Em Outubro de 1965 Brumel sofreu terrível acidente de moto, esteve em coma, entre a vida e a morte, uma perna esfrangalhada, os médicos tentados a amputá-la. Estava já marcado o dia para a trágica cirurgia, Valeri recusou — garantiu que assumiria todas as responsabilidades mas que lhe deixassem a perna. E ainda aventou: «É que quero voltar a saltar.» Em seu redor sorrisos fechados de dó apenas. E o cirurgião, num murmúrio, para o anestesista: «Milagre seria se voltasse a caminhar.» De muletas andou até 1968. Sujeitou-se a 32 cirurgias — e regressou mesmo às pistas. Dois anos depois ainda alcançou 2,13 metros — e foi a euforia do homem a saltar para além de si, para lá da sua alma: «Nesse dia senti-me mais feliz que quando ganhei as medalhas de ouro e de prata nos Jogos Olímpicos — porque provei a mim mesmo que um homem pode ir para além de todos os limites quando faz disso uma obsessão.»

Peter Snell – Búfalo dourado
Nos Jogos Olímpicos de Roma Peter Snell já sacudira o mundo de espanto com a medalha de ouro nos 800 metros. Quatro anos depois, em Tóquio, mais fulgor ainda — todo ele em ímpeto heróico, todo ele em gesta, duas vitórias incontestáveis. Nos 800 metros precisou de bater o seu record olímpico para se desembaraçar do canadiano Crothers por cinco décimos, cortando a meta em 1.45,1 minutos. Nos 1500 metros deixou correr o marfim, só atacou a 300 metros do fim, parecia que estava a começar a corrida — venceu em 3.38,1 minutos, cinco décimos menos que o checo Josef Odlozil, marido da ginasta Vera Caslavska. Gabarito de alto porte, equipamento negro — compararam-no a um búfalo em todo o seu fervor. Desde 1920 ninguém conseguia a dobradinha no meio-fundo curto, o autor da proeza fora o britânico Albert Hill. Em 1962, numa pista de relva, o neozelandês estilhaçara o record mundial da milha de Herb Elliott colocando-o em 3.54,4 minutos. O máximo de 800 m batera-o dias antes por 1,4 segundos (!), com 1.44,3 minutos. Quando se esperava o ataque a Elliott, o fantástico recordista de 1500 metros, Snell lançou anúncio surpreendente do abandono — para casar e ter tempo para a família, foi a desculpa. Tinha 27 anos apenas.
 
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Três medalhas de ouro colectivas e muito mais

«Happy» Endo
Tal como Haruhiro Yamashita com o salto que lhe deu o título no salto de cavalo — Yukio Endo eternizou-se num rodopio — quando criou exercício inédito, com grau extremo de dificuldade, que se tornaria padrão de julgamento na ginástica desportiva — obviamente Endo se chama essa sucessão de movimentos na barra fixa. Aconteceu nos Jogos Olímpicos de Tóquio — e a inovação não convenceu os juízes, não foi além do quinto lugar na especialidade, a vitória coube ao russo Schaklin. Contudo, a vitória no concurso individual coube a Yukio, com 115,95 pontos, mais 0,45 que o triunvirato que haveria de tatuar-se a prata: Shuji Tsumuri, Viktor Lisitzky e Boris Schaklin. Mais duas medalhas de ouro arrecadou Endo: nas paralelas e no concurso geral por equipas — e ainda uma de prata nos exercícios no solo, ganhos pelo italiano Franco Menichelli. Nascido em 1937, Yukio não era minorquinha e nem sequer tinha peso de mosca — mas a sua excelência permitiu-lhe proeza que mais ninguém repetiria: conquistar três títulos olímpicos competitivos por equipas — por entre o reinado dourado de 16 anos do Império do Sol Nascente, de Roma a Mon-treal. Individualmente Endo ainda arrecadaria medalha de prata no salto de cavalo no México, fechando a carreira com cinco medalhas de ouro e duas de prata.

Quebra de várias barreiras
O americano Fred Hansen tornou-se o primeiro campeão olímpico a mais de cinco metros, fechando o concurso de salto à vara com 5,10 — de então em diante a evolução seria vertiginosa. Outra barreira quebrada: o americano Dallas Long lançou o peso a mais de 20 metros, com 20,33 juntou ouro ao bronze de Roma. O compatriota Randy Matson foi segundo — no México lançaria o engenho a 20,54 metros. Com a explosão dos esteróides anabolisantes os homens da força pareciam cada vez mais super-homens. No dardo o ouro voltou à pátria do lançamento — com 82,66 metros Pauli Nevada conquistou título que fugira da Finlândia havia 12 anos. O soviético Romuald Klim venceu o martelo com 69,74 metros — record olímpico.

Decatlo sem estados unidos
Pela primeira vez em toda a história olímpica no pódio do decatlo não houve um americano que fosse. Ouro para o alemão Willi Holdorf, bem aquém do record de Ralph Boston, o negro do Texas que quatro anos antes, em Roma, mantivera duelo faiscante com Yang Chuang-Kwang, chinês de Taipé, fechando ambos os 10 trabalhos com mais de 8300 pontos. Holdorf ficou-se pelos 7887.

Ouro no fundo da américa
Nos 400 metros o americano Mike Larrabee colocou o record olímpico em 45,1 segundos, adiante de Wendell Mottley — que representava ilhas então desconhecidas no atletismo: Trindade e Tobago. Americanos foram também os campeões de meio-fundo e fundo: Robert Schul venceu a légua com 13.48,8 minutos e Billy Mills os 10 mil metros com 28.24,4. Nas barreiras o mesmo domínio dos Estados Unidos: Hayes Jones nos 110 metros e Warren Cawley nos 400.

Jerzy Pawlowski – Homem do sabre preso por espionagem
A golpes de sabre, Jerzy Pawlowski pintou fantástica folha de serviço. Campeão olímpico individual em 1968, com 41 (!) anos — conquistou as primeiras medalhas em 1956, nos Jogos de Melburne: prata individual e por equipas. Em 1960 voltou a ser vice-campeão colectivamente e quatro anos depois, em Tóquio, levou a Polónia ao bronze. Pelo caminho títulos mundiais em 1957 (com 16 anos apenas), em 1965 e 1966. Esgrimia com elegância, timing perfeito, economia de esforço. Nos primeiros anos da década de 70 foi condenado a 20 anos de prisão, acusado de espionagem anti-soviética para a NATO. De uma coisa ninguém teve dúvidas — do seu ódio pela URSS e pelo comunismo, que espalhava sem medo de represálias mesmo nos anos mais cálidos da guerra fria. O que o ia salvando do cárcere era o facto de a esgrima ter feito de si herói nacional. Em 1988 foi amnistiado — passando a dedicar-se a curas espirituais, ganhando a vida como pintor (cada vez mais famoso) de aguarelas.
Don Schollander – primeiro com tetra dourado na mesma olimpíada

Mononcleose e economia
A mãe de Don Schollander, Martha, fora campeã de natação — e participara em vários filmes de Tarzan como dupla das Janes que Weissmuller foi encontrando pelo caminho — sempre que lhes coubesse nadar ou mergulhar. Nascido a 30 de Abril de 1946 em Charlotte, no estado da Carolina do Norte, estreou-se na natação em 1961, no Santa Clara Club — um ano depois já era o melhor da América. Chegou aos Jogos Olímpicos de Tóquio com 18 anos — e foi um espanto! O primeiro nadador a arrecadar quatro medalhas de ouro: 100 metros (53,4 segundos), 400 metros (4.12,3 minutos) e estafetas de 4x100 e 4x200 metros livres. Apesar de ser especialista de distâncias maiores, George Haines, o treinador, desafiou-o a tentar a vitória no hectómetro, quase em jeito de aposta: garantiu-lhe que a braçada-moinho, forte e perfeita, bastava para derrotar qualquer adversário — foi o que fez, de trás para a frente. E só não chegou à quinta medalha porque os 200 metros livres não figuravam no programa — batera já o record do Mundo por nove vezes, em 1963 tornou-se o primeiro homem a menos de dois minutos na distância, com 1.58,9. Ainda se colocou a hipótese de lançá-lo na estafeta de 4x200 metros estilos, em substituição do colega de equipa Steve Clark, para chegar ao penta olímpico — mas recusou, disse apenas que não seria capaz de roubar o sonho a um amigo e até já tinha medalhas que bastavam para o deixar na história. No regresso de Tóquio foi atacado por mononucleose, só em 1966 pôde regressar à competição — a tempo ainda de bater mais records do Mundo. Nos Jogos do México a estrela estava já em processo de empalidecimento, não conseguindo lugar na equipa americana nos 100 e nos 400 metros — e ganhou a quinta medalha de ouro na estafeta de 4x200 metros e a medalha de prata nos 200 metros livres, atrás do australiano Michael Wenden, vencedor igualmente dos 100 metros. Nos 400 e 1500 metros era já o tempo do americano Michael Burton. Para Don Schollander México significou adeus. Definitivo. Dedicou-se então aos estudos, licenciou-se em economia política pela Universidade de Yale, dois anos depois, aos 24 anos, tornou-se o mais jovem membro do Comité Olímpico dos Estados Unidos. Para trás ficavam 22 records do Mundo e todos os títulos dos 100 aos 1500 metros livres. E ainda a honra de ter sido o único nadador a ser eleito Atleta do Ano no mundo inteiro — por aquela saga fantástica de Tóquio.

Joe Frazier, O massacrado no terror de Manila
O boxe de Tóquio haveria de revelar o arqui-rival de Muhammad Ali. Quando partiu para o Japão Joe Frazier trabalhava como carregador num açougueiro da Filadélfia. Nascera num dos lugares mais miseráveis da Carolina do Sul, ganhou a medalha de ouro de pesos pesados. Foi o destino. Foi chamado à equipa olímpica dos Estados Unidos porque, pouco antes da partida, Buster Mathis, o titular, quebrara o dedo grande de uma das mãos num treino. No ano seguinte estava já profissionalizado, em 1970 conquistou o título mundial, derrotou Ali — foi destronado por George Foreman, que o deitou ao tapete seis vezes em apenas dois rounds. Em 1975 o último duelo pela coroa de senhor do mundo do soco — inevitavelmente contra Muhammad no combate que haveria de ficar epicamente famoso como terror em Manila. Após 12 cruéis assaltos de Ali, com Frazier já literalmente destroçado, Eddie Futch, o treinador, entrou pelo ringue dentro e retirou de lá o pupilo, que cambaleava com o rosto orvalhado de sangue, dizendo-lhe apenas: «Joe, meu filho, está tudo acabado, vamos embora. Mas ninguém há-de esquecer mais o que você sofreu aqui.» Apesar de ser visto sobretudo como eterno número 2, Frazier seria considerado, numa votação recente de críticos de boxe dos Estados Unidos, o nono maior pesado de todos os tempos, atrás de Ali, Joe Louis, Jack Dempsey, Jack Johnson, Gene Tunney, Rocky Marciano, Larry Holmes e Jersey Joe Walcott.

Anton Geesink – Tulipa para inundar Japão de lágrimas
O judo é o desporto nacional dos japoneses. Lágrimas saltaram em torrente quando, na final de pesados, Akio Kaminaga foi ao tapete. No pavilhão silêncio gelado. Sepulcral. E o holandês Anton Geesink, de braços ao alto, olhos fixos no telhado de zinco... Mas, mais que as expressões da sua euforia, notava-se o som murmurado da mágoa, do choro. Como se o Japão se humilhasse todo naquele seu golpe de glória. Geesink já se sagrara campeão mundial em 1961 graças à técnica (pessoalíssima) de rasteira. Entre 1952 e 1967 conquistou 18 títulos europeus, durante esse período apenas o francês Bernard Pariset conseguira ganhar-lhe uma vez. Nos Mundiais de 1956 arrecadou a medalha de bronze, literalmente dominado pelos nipónicos, então considerados imbatíveis. Foi dentro do próprio coração que provou que afinal não eram. E o drama estendeu-se pelo tatami — ficando para a posteridade como uma das imagens mais comoventes dos Jogos de Tóquio: Kaminaga, tal como toda a sua entourage, tal como todos os compatriotas, chorando como criancinhas. Haveria de dizer depois que a primeira reacção foi pensar no harakiri. Arrependeu-se a tempo. Afinal só perdera uma medalha de ouro — que pode valer a eternidade mas nunca a vida.

Dawn Fraser, única nadadora com três títulos consecutivos nos 100 metros
Golpe palaciano
Um pouco por todo o lado Dawn Fraser surge considerada a nadadora do século. Contra um facto não há argumento: mais ninguém conseguiu três títulos olímpicos consecutivos na mesma prova — vencendo os 100 metros livres em Melburne, Roma e Tóquio. Mais uma medalha de ouro e outras quatro de prata ganharia pelo caminho. De 1956 a 1972 deteve o record mundial do hectómetro, o seu pecúlio talvez não seja ainda mais arrebatante porque em 1964 foi banida pela União Australiana de Natação — castigo pelo facto de, durante os Jogos de Tóquio, ter sido acusada de tentar levar uma bandeira do palácio imperial como recordação!!! Com mão pesada se assassinava o fenómeno que voava sobre as águas, com o encanto de um golfinho. Tinha apenas 27 anos. Fora sempre rebelde. Nos Jogos de Roma era já a mais famosa e deslumbrante das water babes australianas — e passou o tempo quase todo em complicações e sarrafuscas com os dirigentes. «Queriam que fosse para a cama às nove da noite, não lhes ligava nenhuma, fazia o que me apetecia — andara a treinar o meu corpo para ganhar, não seriam algumas horas de conversa no bar da aldeia ou um saltinho à discoteca que me trariam problemas. Aliás, a minha mente só relaxava a partir das 11 da noite.» Nascera a 4 de Setembro de 1937 em Balmain, nos arrabaldes de Sydney. «Éramos sete filhos, a casa estava sempre muito agitada. Fui para a natação porque tinha asma e nadar ajudava ao tratamento. Mas era óptima em tudo, até no futebol. Uma vez, numa festa de escola, a equipa dos meus irmãos tinha um jogador a menos — levaram-me à casa do vigia e com uma tesoura cortaram-me o cabelo rentinho e puseram-me a jogar a lateral, ninguém percebeu que era uma rapariguinha que estava ali.» Don era o irmão predilecto de Dawn e costumava levá-la à piscina. Morreu com 13 anos. «Quando estava no hospital disse-me que eu tinha um dom, que continuasse a nadar por ele, que sempre que fosse campeã me lembrasse de si, das nossas brincadeiras, das nossas rebeldias. E que vivesse sempre assim, livre, apaixonada. Foi o meu farol. Para sempre.» Poucos dias antes da partida para Tóquio, faleceu a mãe de Fraser. Abalada, pensou em nem sequer seguir viagem. Lembrou-se do irmão Don — foi e arrecadou o terceiro título consecutivo de 100 metros. Depois a visita ao palácio do imperador, a tentação da bandeira, a excomunhão. Jurou sempre não ter cometido o crime de que a acusavam. Regressou a casa. Angustiada ficou ao sentir que nem sequer emprego decente lhe davam. Trabalhou numa loja de queijos e como barwoman de um pub — vendeu roupas numa loja de modas. Casou, divorciou-se depressa — em 1988 dedicou-se à política e foi eleita para o parlamento de Nova Gales do Sul, em representação de Balmain. A rebeldia continuou a ser o seu signo.

Seis medalhas de skoblikova e rival morta pelo marido
Nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1964, em Innsbruck, a russa Lydia Skoblikova ganhou todas as medalhas em disputa nas provas de patinagem de velocidade: 500, 1000, 1500 e 3000 metros — e nos campeonatos mundiais desse mesmo ano repetiu a dose. Nos Jogos de 1960, em Squaw Valley, já se sagrara campeã nos 1500 e 3000 metros. Pouco depois engravidou, ainda tentou voltar às lides nos Jogos de 1968 mas já não atingiu o pódio. Decidiu, então, despedir-se da alta competição, tornando-se professora universitária de desporto em Moscovo. Era de uma timidez desarmante, o contrário da sua colega de equipa e também recordista mundial, já apontada como sua sucessora — Inga Voronina, que se lançava à compita como uma miss, com os lábios pintados de vermelho cru, os olhos sombreados a condizer — e um casaco de peles em jeito de fato de treino. Em 1966, quando já batia Skoblikova com relativa regularidade, Voronina ficou com o futuro tragicamente cortado — assassinada pelo próprio marido durante uma crise de ciúmes.

Sixten Jernberg – Crosse vezes nove
No esqui nórdico há duas especialidades olímpicas: cross-country e saltos. O sueco Sixten Jernberg talvez seja o crossista do século. Em 1964, em Innsbruck, ao cabo de três Jogos Olímpicos, apoderou-se da nona medalha: quatro de ouro, três de prata e duas de bronze. Era um mestre clássico. À antiga. Só depois da sua reforma, quando os esquis se sofisticaram e se tornaram mais leves, é que o esqui nórdico passou a parecer-se mais com a patinagem. Antes da cristalização do estilo dizia-se que ou se esquiava à moderna ou se esquiava à Jernberg. Fica tudo dito, não fica?!
 
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1965 – Sonho desfeito da Taça dos Campeões

Benfica perde com Inter em S. Siro
Frango maldito e cadeira de rodas
A época 1963/64, para o Benfica, não foi brilhante em termos europeus. Acabou nos oitavos-de-final, aos pés dos alemães do Borússia de Dortmund, com a derrota mais pesada da década (0-5 em Dortmund). O regresso às altas andanças aconteceu logo a seguir, com a presença na final de S. Siro, frente ao Inter de Helénio Herrera, vencedor da edição anterior. O romeno Elek Schwartz, que sucedera ao húngaro Lajos Czeizler, foi responsável por uma das mais tranquilas e ao mesmo tempo exuberantes campanhas na Europa assinadas pelo Benfica. Para começar os encarnados tiveram uma pêra doce chamada Aris Bonnevoie (Luxemburgo), que despacharam com duas vitórias pelo mesmo resultado: 5-1. Para os oitavos-de-final o sorteio ditou outro adversário acessível, o Le Chaux-de-Fonds (Suíça). Ao empate (1-1) fora respondeu o Benfica com vitória categórica na Luz por 5-0. Nos quartos-de-final o tira-teimas há muito aguardado: aí estava outra vez o Real Madrid, já sem Di Stefano, ainda com Puskas e com enorme sede de vingança. A noite de 24 de Fevereiro de 1965 entra para a lenda do Estádio da Luz como um momento mágico e inesquecível: o Benfica trucidou o ilustre antagonista por 5-1. Eusébio marcou um dos golos da sua vida: pegou na bola a meio campo, descaído para a esquerda, driblou quem lhe apareceu pela frente, mudou de velocidade uma vez, duas vezes, e à entrada da área rematou fortíssimo, sem defesa. A viagem a Madrid foi assim transformada em mero cumprimento de calendário — derrota por 1-2. Nas meias-finais o Benfica defrontou o mais acessível dos adversários disponíveis, os húngaros do Vasas de Gyor, enquanto Inter e Liverpool discutiam entre si a passagem à final. Os encarnados cumpriram o dever de ganhar as duas partidas, 1-0 em Budapeste, 4-0 em Lisboa. O Benfica encontrava o Inter no jogo decisivo, Inter que dispunha da enorme vantagem de jogar em S. Siro. Os dias que antecederam a final foram de temporal. A chuva intensa deixou o relvado em péssimo estado e chegou a admitir-se a possibilidade de o jogo ser transferido para Bruxelas. Ideia que os italianos recusaram com veemência. Naturalmente. Assim sendo, no dia 27 de Maio Inter e Benfica defrontaram-se em relvado transformado em lamaçal. Seria um jogo de paciência e muita luta. Sabia-se, também, que quem marcasse primeiro teria grandes possibilidades de ganhar. O golo do brasileiro Jair, aos 42 minutos, foi um balde de água fria. Ainda por cima um golo incrível, um frango de Costa Pereira, que deixou passar a bola lentamente por debaixo das pernas. Aos 57 minutos o guarda-redes alegaria lesão impeditiva de continuar em campo e foi Germano ocupar a sua posição. O Benfica tinha pela frente mais de meia hora de jogo, uma equipa em vantagem numérica, a ganhar e preparada para fechar a baliza a sete chaves. Chegar à vitória, naquelas circunstâncias, era missão impossível. Na memória de todos ainda está a chegada de Costa Pereira a Lisboa em cadeira de rodas. Lesão ou encenação para esconder o drama de um homem destroçado?

Máfia e morte do «preto mau»
Talvez nunca nenhum pugilista tenha provocado tanta controvérsia e tanto pânico, tanto amor e tanto ódio. Durante os anos quentes do racismo, que haveria de explodir nas expressões mais visíveis do black power, Charles Sonny Liston era abominado, como gostava de dizer num misto de orgulho e raiva, por ser o «preto mau». Mas também electrizante por isso mesmo. Nasceu na lama de um gueto, os pais tiveram 25 filhos, foi o penúltimo. Punhos maciços, força imensa de corpo e de alma, conquistou o título mundial de pesados em 1962, destroçando o petrificado Floyd Patterson em apenas dois minutos. Incrustado num temível grupúsculo de gangsters, foi preso, treinou-se na prisão... Perderia o título para Cassius Clay (que então ainda se não chamava Muhammad Ali), esteve apenas um minuto de pé, acusado de não se ter esforçado na luta, a máfia, que então o protegia, virou-lhe as costas, espojando-o na vida dura e no medo. Várias vezes se queixou de que o queriam matar mas, tremendo como varas de bambu em dias de tempestade, mais não dizia. Cinco anos depois, em 1970, apareceu morto. Misteriosamente. Adensaram-se suspeitas de assassínio e latejaram as dúvidas: pagara assim por não servir sabujamente os obscuros interesses da máfia ou por saber demasiados segredos da organização — eram as perguntas que mais se faziam. Certo, certo, é que ao morrer deixara uma pequena fortuna por receber. E nunca mais nenhum dos seus familiares viu a cor do dinheiro.

O guarda-redes de... São siro!
Germano de Figueiredo
Não foi o mais brilhante, não teve tempo para ser o mais decisivo, mas foi, seguramente, um dos expoentes máximos do futebol português e europeu. Ninguém leva a mal se o considerarmos o melhor defesa-central nacional de sempre, o de maior classe, o mais preponderante, aquele que reunia mais qualidades: Germano de Figueiredo. Nasceu em Alcântara no dia 23 de Dezembro de 1932. Em 1947 já actuava nas camadas jovens do Atlético e cinco anos depois, com 20 anos, já era titular da equipa principal. No ano seguinte, em 1953, chegou à Selecção Nacional, entrando para o lugar de Fernando Cabrita numa partida com a Áustria (0-0). Tinha tudo acertado com o Sporting quando lhe foi detectada grave doença pulmonar. Esteve internado, temeu-se pela carreira e o mesmo raciocínio seguiram os dirigentes leoninos, que se desinteressaram da sua contratação. Em 1960, ou seja com 28 anos, assinou pelo Benfica. A glória estava à sua espera. Uma glória que soube sempre entender como efémera e atrás da qual só correu por obrigação, olhando muito para o jogo e pouco para si. Germano começou por ser avançado e avançado chegou à Selecção — da qual esteve afastado entre 1955 e 1960, pelas razões já explicadas. Fixou-se mais tarde a central. E foi nessa posição que conheceu as páginas mais brilhantes da sua vida desportiva. Germano de Figueiredo foi o primeiro jogador total ao mais alto nível que o futebol português conheceu, um extraordinário polivalente, como nenhum outro surgiu até aos dias em que se conta a história de um século. Na final da Taça dos Campeões de 1964/65, em S. Siro, depois de ter actuado a avançado, a médio e a defesa, foi obrigado a jogar a guarda-redes. Aos 57 minutos do jogo com o Inter, Costa Pereira lesionou-se e teve de abandonar o terreno. Num tempo em que não havia substituições, Germano assumiu a baliza encarnada. Pela frente tinha mais de meia hora de jogo. Não sofreu golos e, mais importante, teve duas ou três intervenções dignas de guarda-redes com excelentes recursos — surpresa para muitos mas não para quem o conhecia do dia-a-dia, aqueles que sabiam de fonte segura que era tão bom nessa posição como nas outras. A caminho de completar 33 anos, Germano de Figueiredo ainda esteve presente na fase final do Mundial de 1966, tendo actuado apenas no jogo frente à Bulgária. Quando regressou de Inglaterra teve a desagradável surpresa: Fernando Riera não contava com ele para a época seguinte. Foi para o Salgueiros. Na final de 1968, em Wembley, fazia parte, juntamente com Fernando Cabrita, da equipa técnica comandada por Otto Glória. Mantém-se afastado do futebol, com aquele olhar triste que o acompanhou ao longo da vida, um dos maiores jogadores que este país algum dia conheceu. Um homem íntegro que na altura de quebrar o silêncio de 30 anos, numa entrevista, falou assim do responsável pelo fim de uma carreira excepcional: «(...) Fernando Riera foi um grande treinador, uma pessoa amável, profundo conhecedor do futebol, incapaz de cometer injustiças no relacionamento com os jogadores.»
 
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1966 – Campeonato do Mundo de Futebol em Inglaterra

Ingleses bateram alemães na final mas brilho foi português
Na corte dos reis magriços
Portugal chegou ao Mundial de Inglaterra como outsider mais perigoso. As proezas de Benfica e Sporting nas competições europeias de clubes davam para ser o melhor dos segundos planos, não chegavam, em princípio, para discutir com Brasil (bicampeão mundial em título), Inglaterra (país organizador), Itália (potência europeia das provas da UEFA, à custa de Milan e Inter) e Alemanha (já nessa altura os alemães discutiam sempre os lugares cimeiros das competições em que participavam). O Mundial de 1966 constitui o marco mais extraordinário do futebol português, o que já seria suficiente para centrar atenções nos inesquecíveis magriços. Mas a Selecção Nacional ganhou o direito objectivo de entrar na história da competição como aquela que melhor futebol praticou e a que lhe ofereceu a figura de referência: Eusébio da Silva Ferreira, que chegava a Inglaterra com 24 anos, suportado por cinco épocas excepcionais e que a partir dessa data se transformou definitivamente num dos melhores jogadores do Mundo de todos os tempos. Portugal começou a ganhar com alguma felicidade à Hungria (3-1), despachou a Bulgária por 3-0 e bateu os bicampeões do Mundo por 3-1, vitória que afastou os brasileiros dos quartos-de-final. E foi precisamente nessa fase que os magriços, rebocados pelo talento incomparável de Eusébio (quatro golos), viveram a mais fabulosa tarde da grande epopeia: triunfo por 5-3 sobre os norte-coreanos, que aos 23 minutos venciam por 3-0. O que a seguir aconteceu foi espelho de uma edição cujas críticas maiores apontaram no sentido de ter sido concebida para levar a Inglaterra ao colo até à vitória. A meia-final, atendendo ao que estava definido, devia ser jogada em Liverpul e não em Londres. Alteração de última hora obrigou os portugueses a fazer a viagem até à capital para defrontar em Wembley os donos da casa. Na catedral surgiu uma equipa cansada — a única crítica ao comando técnico nacional teve a ver com a inexistên-cia de rotatividade entre os jogadores, da qual saíram penalizados Américo, Cruz, Custódio Pinto, Fernando Peres, Figueire-do, Lourenço e Manuel Duarte, que não actuaram. Portugal perdeu bem. Como bem ganhou à URSS, de Lev Yashine, na partida de atribuição dos 3.º e 4.º lugares. O Mundial de 1966 teve enorme contestação à volta das arbitragens. No Inglaterra-Argentina, Rattin foi expulso quando pedia um intérprete para falar com o árbitro alemão Kreitlein; no Alemanha-Uruguai, Schnellinger salvou uma bola com a mão em cima da linha de golo e só o inglês Finney não viu, em jogo duro de parte a parte mas que acabou por só ter conse-quências para os sul-americanos, que terminaram com nove por expulsão de Troche e Hector Silva. E os casos prolongaram-se até à final, precisamente entre aqueles que mais beneficiados tinham sido ao longo do certame. O Inglaterra-Alemanha teve muitos casos que ficaram para sempre: o segundo golo alemão, obtido muito para lá dos 90 m regulamentares, nasceu de uma falta inexistente; o terceiro golo da Inglaterra permanece mistério indecifrável, ainda hoje não se sabe se a bola entrou ou não; quando Hurst marcou o último tento do jogo já o relvado tinha sido invadido pelos adeptos.

Eusébio e coreanos
Para Eusébio o Mundial de 1966 foi o ponto alto de uma grande carreira. E o jogo com a Coreia do Norte a mais exuberante demonstração de classe dada em Inglaterra. Essa é a ligação conhecida do pantera negra aos coreanos. Mas outra existe, mais rebuscada, é certo, mas igualmente válida. E interessante. É que a Coreia eliminou a Itália da primeira fase, ganhando-lhe o jogo decisivo por 1-0. Os italianos, que partiam como favoritos ao triunfo final, entraram em depressão. E, terminado o Mundial, decidiram fechar as fronteiras a jogadores estrangeiros numa altura em que Eusébio tinha quase tudo acertado para jogar no Inter de Milão. Ele e Bobby Charlton.

Melhores marcadores
Numa edição do Mundial em que Portugal foi a grande surpresa o máximo goleador foi Eusébio da Silva Ferreira, com nove golos, mais três que o alemão Haller. Com quatro golos um quarteto: Parkoujan (URSS), Beckenbauer (Alemanha), Bene (Hungria) e Hurts (Inglaterra). José Augusto e José Torres (Portugal), Malafeev (URSS), Artime (Argentina), Bobby Charlton e Hunt (Inglaterra) apontaram três tentos cada.

6 de Janeiro, arranque
No Royal Garden Hotel, em Londres, é definida a composição dos grupos para a fase final do Campeonato do Mundo.

7 de Março, plano
É tornado público o plano de preparação da Selecção. A pré-concentração seria a 30 de Maio e Nuno Ferrari é nomeado fotógrafo oficial da delegação.

9 de Junho, código
Fica a saber-se que a Selecção que iria estar no Mundial terá o nome pelo qual ficou eternamente conhecida: magriços.

30 de Junho, «Magriços»
É divulgada a lista dos 22 jogadores convocados para a fase final do Campeonato do Mundo.

8 de Julho, viagem
Portugal faz a viagem para Inglaterra.

13 de Julho, vitória
Primeiro jogo. Vitória sobre a Hungria por 3-1 (dois golos de José Augusto e um de Torres). Vítor Santos comenta que «32 anos de espera até justificam uma aragem de sorte».

16 de Julho, bis
Portugal volta a ganhar, agora à Bulgária, por 3-0 (golos de Eusébio, Torres e Voutsov na própria baliza).

19 de Julho, vingança
«A terrível vingança da bola quadrada», eis como Carlos Pinhão se referiu ao triunfo (3-1) sobre o Brasil (dois golos de Eusébio, um de Simões). Helénio Herrera não tinha dúvidas: «Podiam ter sido cinco!»

23 de Julho, reviravolta
Partida histórica, nos quartos-de-final, com a Coreia do Norte. Vitória por 5-3 (quatro golos de Eusébio, um de José Augusto) depois de o adversário ter chegado a 3-0 à passagem dos 20 minutos. Eusébio liderou a Selecção à vitória que abria as portas das meias-finais.

26 de Julho, mágoa
Portugal joga em Wembley e não em Liverpool, como estava previamente estabelecido, com a Inglaterra. Perde por 1-2 (marcou Eusébio) e fica afastado da final.

28 de Julho, consolação
Ao vencer a União Soviética, em Wembley, a Selecção Nacional garantiu o terceiro lugar no Campeonato do Mundo. Vitória por 2-1 (golos de Eusébio e José Torres). A única de Eusébio em toda a carreira na grande catedral do futebol europeu.

31 de Julho, consagração
Os heróis regressam a casa e têm recepção a condizer. O País agradece-lhes com manifestação de milhares de pessoas nas ruas.

Solução «Made in England»
A Inglaterra campeã do Mundo de 1966 constituiu a solução britânica para as novas tendências. Nem o 4x2x4 do Brasil de 1958 nem o 4x3x3 apresentado em 1962 também pelos brasileiros nem a tendência defensiva desenhada a partir do atelier de Herrera em Milão. Um 4x4x2 made in England, imutável até meados da década de 90 e só alterado a partir da contratação de jogadores e treinadores continentais. Orientada por Alf Ramsey, a selecção campeã do Mundo consolidou a personalidade de Bobby Charlton como um dos grandes futebolistas da década, mostrou um guarda-redes extraordinário ainda hoje referência fundamental (Gordon Banks), potenciou a classe e a voz de liderança de um defesa excepcional como Bobby Moore e encontrou em Geoff Hurst o goleador implacável que só na final marcou três golos.

Os 22 «Magriços»
Manuel da Luz Afonso convocou 22 jogadores para a operação magriços. Abriu-lhes assim um lugar na história. Três guarda-redes: 1 — Américo (F. C. Porto); 2 — Carvalho (Sporting); 3 — José Pereira (Belenenses). Oito defesas: 4 — Vicente Lucas (Belenenses); 5 — Germano de Figueiredo (Benfica); 9 — Hilário da Conceição (Sporting); 14 — Fernando Cruz (Benfica); 17 — João Morais (Sporting); 20 — Alexandre Baptista (Sporting); 21 — José Carlos (Sporting); 22 — Alberto Festa (F. C. Porto). Quatro médios: 6 — Fernando Peres (Sporting); 10 — Mário Coluna (Benfica); 16 — Jaime Graça (V. Setúbal); 19 — Custódio Pinto (F. C. Porto). Sete avançados: 7 — Ernesto Figueiredo (Sporting); 8 — João Lourenço (Sporting); 11 — António Simões (Benfica); 12 — José Augusto (Benfica); 13 — Eusébio (Benfica); 15 — Manuel Duarte (Leixões); 18 — José Torres (Benfica).

70 inscritos
O número de países inscritos na FIFA não parava de aumentar desde 1950. Para 1966 houve 70 pedidos, mais 13 que em 1962.

17 golos
Foi o total obtido por Portugal na fase final. Nenhuma selecção marcou tanto. Os magriços tiveram o melhor ataque, 2 golos à frente da Alemanha, 6 da Inglaterra e 7 da União Soviética.

Golo 700
Foi apontado por Bobby Charlton na vitória inglesa sobre o México, na partida dos oitavos-de-final.

Campões do Mundo
Banks, Cohen, Jack Charlton, Bobby Moore, Wilson, Stiles, Bobby Charlton, Ball, Hurst, Hunt, Peters, Greeves, Connely e Paine
 
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1968 – Jogos Olímpicos do México

Homens que denunciaram América racista foram irradiados
Black Power!
Lorde Burgley, campeão olímpico de 400 metros barreiras em 1928, personagem do filme Momentos de Glória, presidente da Federação Internacional de Atletismo havia 20 anos, gelou ao primeiro olhar. Rosto de alvenaria. Estátua. Desviou o olhar do pódio, destrambelhado. Diria depois que era para não manchar o seu purismo olímpico. A seu lado Avery Brundage, presidente do COI, que com Jim Thorpe disputara o decatlo dos Jogos de Estocolmo, em 1912, praguejava para dentro promessas de vingança — e no dia seguinte correu para a Aldeia Olímpica a expulsar os heróis do black power que sem medo coalhado no peito desafiaram o protocolo olímpico, desrespeitaram a bandeira dos Estados Unidos mas passaram ao mundo uma das mensagens mais ensurdecedoras da história da luta pela igualdade dos povos. Era o pódio mais famoso do Mundo. Tommie Smith e John Carlos, ostentando o distintivo do Olympic Project for Human Rights, os punhos erguidos, envoltos por luva negras, calças levantadas, pés nus. «Nós somos pés-descalços no nosso país, voltaremos a sê-lo quando regressarmos, porque não sê-lo também aqui?», diria Carlos, pouco depois. Era o epílogo de uma luta que, em face da gravidade dos acontecimentos raciais verificados ao longo de todo o ano de 1968, mantivera, quase até às vésperas do embarque para o México, o país na expectativa de ver os seus melhores atletas recusarem o convite de defender as cores americanas nos Jogos Olímpicos.

David Hemery – Até parecia sem barreiras!
David Hemery era o exemplo típico do gentleman inglês: alto, eloquente, modesto e cortês. Nasceu em Gloucestershire em 1944 e com 12 anos partiu para os Estados Unidos. Num colégio de Massachusetts descobriu o talento para o atletismo. Quando regressou a Inglaterra logo se tornou campeão de 400 metros barreiras. Em 1963, ao ingressar na Universidade de Boston, passou a viver dividido pelo Atlântico, metade do tempo em Boston, outra metade em Londres. Treinadores também tinha dois — nos Jogos Olímpicos do México foi um dos atletas mais explosivos. Com uma velocidade inacreditável, correu os 400 metros barreiras em 48,12 segundos, baixando o máximo mundial em sete décimos (!) e deixando o segundo classificado a mais de um segundo. Verdadeiramente assombroso. Quatro anos depois, na final olímpica de Munique, perdeu o record do Mundo para o tanzaniano John Akii-Bua (47,82), a consolação foi a medalha de bronze.

Tommie Smith bateu «recorde» mundial com lesão tratada a gelo
Foguetão de gelo e punho cerrado
Tommie Smith nascera a 12 de Junho de 1944, era o último de 12 irmãos de uma família pobre. Quando Bud Winter, treinador da Universidade de Stanford que descobrira e treinara algumas das preciosidades da velocidade americana, olhou para Tommie — logo disse de si para si: «É o meu stradivarius.» Entrava na pista dando impressão de vaguear, ar ausente, encoifado em displicência — após o tiro o deslumbre da passada celeste que chegava a atingir 2,66 metros de amplitude, o voo sublime no corpo todo relaxado. Por isso lhe chamavam Tommie... jet. Sim, tinha a ver com a majestosidade do avião. Durante um quarto de século — na especialidade tipicamente americana das 220 jardas — vários campeões não conseguiram roubar ao recorde de Jesse Owens mais que alguns décimos, para o baixarem até aos 20 segundos. Numa só corrida Smith foi para além desse limite em meio segundo. Dez outros máximos mundiais bateria. Mais fabulosos? Os 44,5 segundos nos 400 metros, em 1967, e os 19,83 segundos que lhe valeram o ouro nos Jogos do México. A sua fragilidade de cristal levou o treinador a apostar apenas numa frente, nos 200 metros. Deixou a meia-final mancando, com uma dor na virilha, aplicações sistemáticas de gelo permitiram-lhe recuperação — a partida foi prudente, na recta da meta impôs a sua passada fabulosa, os últimos 10 metros foram já com os braços levantados ao céu e a marca de sonho — 19,83 segundos, dois décimos adiante do australiano Peter Norman e de John Carlos. Recorde do Mundo!

Suicídio da mulher de Carlos, Smith a lavar carros
Fora Denise, a mulher de Tommie Smith, quem comprara as luvas negras — símbolo da solidariedade do povo negro. O lenço ao pescoço era a denúncia dos linchamentos perpetrados pelos sulistas. Quando o hino americano começa a tocar, baixa a cabeça, ergue o punho enluvado de preto, bem alto, para o céu. Sabia que aquele momento estava a transformar o futuro. Mas poderia ser também a sua descida ao inferno. Foi. «Era um herói e tornei-me um pária», haveria de afirmá-lo depois. Quando o expulsaram da Aldeia Olímpica, e lhe afiançaram logo que seria irradiado do atletismo, Smith soltou um grito do fundo da alma — no corpo todo a arder na lava da revolta: «Dentro do estádio sou um campeão, fora dele não passo de um preto e a partir de agora mais preto ainda hei-de ser. Mas ninguém conseguirá calar-me.» Fizeram-lhe outras coisas. Ameaças de morte, marginalização, solidão. Denise divorciou-se dele, a mulher de John Carlos suicidou-se. Para sobreviver um dos maiores atletas do século, que aos 24 anos tinha já batidos 11 records mundiais, teve de se sujeitar a «lavar carros, ganhando três dólares por hora». Só muitos anos depois um amigo o levou para a Califórnia. Para treinador de atletismo. «Quando futuros atletas entram no meu gabinete e olhando para aquela fotografia que é uma das mais famosas do século me perguntam se sou mesmo eu, tenho de lhes explicar por que razão fiz aquele gesto que, embora me tivesse dado cabo da vida, ajudou a construir a minha pátria.»

Al Oerter conquistou quatro medalhas de ouro no disco
Vontade de correr para «WC»
Alfred Oerter nasceu em Astória, estado de Nova Iorque, a 19 de Setembro de 1936. Após experimentar futebol americano e basquetebol dedicou-se ao atletismo — na Universidade do Kansas, para onde fora estudar matemática e engenharia informática com uma bolsa de despor-tista. Media 1,90 metros e pesava 100 quilos. Aos 20 anos a mais espantosa revelação dos Jogos Olímpicos de Melburne, com 56,36 metros logo ao primeiro ensaio, marca que Fortune Gordien, recordista mundial, não conseguiria superar. Depois, mais três medalhas de ouro olímpicas de ouro consecutivas — e sempre ao mesmo jeito, retiradas do fundo de si, moldadas com a força da sua alma. Andava anos inteiros a perder — ao chegar ao Estádio Olímpico era a explosão. Do herói. Inteiro. A força da garra. A garra da força, a capacidade de concentração incrível e a sede de vitória levavam-no ao degrau mais alto do pódio. Depois desaparecia de cena e caía no esquecimento até aos Jogos seguintes. Em Roma bateu o compatriota Richard Babka, que lá chegara como... recordista mundial. Em 1964, em Tóquio, a vitória mais épica de Al Oerter: andava havia meses com problemas físicos, uma hérnia discal na iminência de cerceá-lo, os médicos dizendo-lhe que não poderia arriscar, corria o perigo de ficar paraplégico — e ele retorquindo sempre: «Mas aquilo são os Jogos Olímpicos, não é a guerra, ninguém morrerá por isso.» Antes de entrar na pista envolveram-no numa ligadura gigante, assim foi para a luta e ganhou ao checo Ludwig Danek, que se ornara recordista do Mundo pouco antes. Também chegou aos Jogos Olímpicos do México preso por arames — com problemas nas costas. Voltou a lançar como se estivesse dentro de uma armadura, alçado por ligaduras elásticas e com uma protecção ortopédica ao pescoço, e conquistou o tetra. No atletismo apenas Carl Lewis haveria de igualar-lhe a façanha, no comprimento. Se o seu sucesso era produto de uma cabeça de Rambo — costumava dizer, por entre sorrisos, que só de olhar para si os adversários sentiam logo vontade de correr para a casa de banho (!) —, era também fruto de muito trabalho: graças a longuíssimas sessões de musculação, entre 1956 e 1968 passou de 100 para 120 quilos, batendo o recorde mundial por quatro vezes, colocando-o em 1964 sobre os 62,94 metros. Após os Jogos do México Alfred, Al era apenas diminutivo, retirou-se de cena. Oito anos andou afastado mas, surpreendentemente, decidiu retornar às armas — após os Jogos Olímpicos de Montreal, onde o compatriota Maurice Mac Wilkins arrebatou a medalha de ouro com 67,50 metros. Semanas antes, fora de competição, atingira 67,47 metros! Aos 44 anos, em 1980, ainda se creditou de 69,46 metros — e se os Estados Unidos não tivessem boicotado os Jogos de Moscovo poderia ter averbado o quinto título olímpico.

Saneyev e três recordistas numa prova só
Foi o mais fantástico concurso de sempre no triplo salto. Com uma chuva de records mundiais. Ainda na fase de apuramento, o italiano Giuseppe Gentile acrescentou sete centímetros ao record que pertencia ao polaco Schmidt, com 17,03 metros. Já na final o azzurra subiu para 17,22. Eram 15.15. Cinquenta minutos depois o russo Saneyev gelava a claque italiana ao acrescentar um simples centímetro ao resultado de Gentile. Às 17 horas entrou à boca de cena o brasileiro Nélson Prudêncio — com 17,27 metros. Saneyev não atirou a toalha ao tapete e cinco minutos depois... 17,39 metros — mais um recorde do Mundo. Era o primeiro dos seus três títulos olímpicos. De ouro se ornaria também em Munique e em Montreal. Aos Jogos de Moscovo chegaria com 35 anos mas ainda capaz de sonhar com o tetra — que igualaria Al Oerter. Lesão num gémeo logo ao abrir de competição ceifou-lhe a quimera — apesar disso ainda conseguiria ganhar a medalha de prata. Mal Gorbachev lançou a «perestroika» Saneyev emigrou para a Austrália. Vive em Sydney — trabalha como treinador de atletismo.
 
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Beamon aterrou algures no século XXI

Figura de parvos!
No México, ao primeiro ensaio — um salto que só parou no século XXI! Quando os juízes se aperceberam do ponto de aterragem ficaram inertes — gelados de espanto e deslumbramento. A medição electrónica não chegava tão longe. Foi preciso esperar por uma fita tradicional — para no painel surgirem os números mágicos: 8,90 metros — recorde mundial batido por 57 centímetros. O recordista derribado estava lá, preparava-se para lançar, era o soviético Ter-Ovane-syan, diria depois que ficou logo convencido de que a luta seria apenas para a prata. Bob ainda conseguiu 8,04 metros no segundo salto — e por aí se ficou. Não era capaz de continuar a tentar. Conseguira a perfeição num impulso. Mais era impossível. «A minha marca era de 8,33 metros, também diziam que tinha sido um bambúrrio, no início o salto até me parecera normalmente, só quando reparei na confusão toda que se gerou é que me apercebi de que, como alguém havia de escrever, partindo de 1968 aterrei algures no século seguinte. Os adversários estavam pasmados. Alguns furiosos. O inglês Lynn Davis, que fora o campeão em Tóquio, abeirou-se de mim e disse-me que eu tinha destruído a competição, que o melhor era irmos todos embora, ficar ali era fazer figura de parvos! E o russo que tinha o recorde mundial disse que perante aquele meu salto se estavam todos a sentir criancinhas. Com um ambiente assim, poderia lá continuar a competição?!» Até 1980 ninguém conseguiu melhor do que 8,53 metros. Em 1991, durante os Mundiais de Roma, Mike Powell conseguiu enfim derribar Beamon — por cinco centímetros. O comentário de Bob? «Finalmente, acho que até suspiro de alívio... Os recordes são para se bater e assim deixa de se falar de mim quase todos os dias como um super-homem ou pior do que isso um extra terrestre»!

Sem punho erguido mas com luto nos pés
Na entrega das medalhas Bob Beamon não foi tão radical como Tommie Smith e John Carlos. Não ergueu o punho aos céus, não baixou os olhos ao tremular da bandeira — mas pôs o luto da revolta e da denúncia nos pés — deixando assim claro no seu salto para além do século havia igualmente black power. Surgiu no pódio com as calças de fato de treino arregaçadas bem acima das canelas — para que toda a gente pudesse ver as meias negras, o simbolismo do seu protesto. Em 1969 sofrera lesão grave — começou a sentir a cerimónia do adeus a precipitar-se. No ano seguinte licenciou-se pela Universidade do Texas, em El Paso. Deixara North Carolina A&T, juntamente com vários outros companheiros da equipa de atletismo, por recusar defrontar a Brigham Young University de Salt Lake City — devido à política racial da seita mórmon. Passou a trabalhar como assistente social. Há 15 anos que é um dos personagens mais ilustres de Miami — pela sua acção em prol de crianças desfavorecidas, através do lançamento de escolas especiais, com atletismo, arte e dança sempre em jeito de rebuçadinhos.

Órfão, condenado e... «gangs»!
Nasceu em Jamaica, vilarejo paupérrimo nos arredores de Nova Iorque, a 26 de Agosto de 1946. O pai morreu quando ele ainda estava em gestação. Antes de completar um ano ficou sem a mãe. Criado pelo padrasto, ex-condenado, Bob Beamon cresceu nas ruas conturbadas de Quenns, ensarilhado em ambiente de gangs de adolescentes — bêbados, drogados, violentos. «Tive sorte, apanharam-me numa rusga, puseram-me num reformatório para jovens problemáticos, quando lá cheguei nem sequer sabia ler ou escrever. Enquanto aprendia, os meus amigos morriam — morreram quase todos cedo, era a sina dos gangs. Foi lá que me descobriram o jeito para o desporto, uma impulsão excepcional. A minha avó nunca mais descansou de dizer-me que aproveitasse esse dom de Deus, que a única forma de um negro na América ser gente era pelo desporto...» Em 1967 passou a frequentar a North Carolina A&T University — e começou logo a dar nas vistas. Só que, à partida para o México, ninguém imaginaria que conseguisse fazer o que fez. Era inconstante, indisciplinado na preparação dos saltos, por vezes nem sequer marcações fazia.

Drama dos 400 metros e um ano apenas para mais ouro
Cancro de Lili das pernas altas
Foi das mais empolgantes provas femininas de atletismo no México. 400 metros de emoção ao rubro. Sobre a linha do sonho, através de uma recuperação espantosa, a francesa Colette Besson ultrapassou Lilian Board, dramaticamente a arrastar-se para a meta, creditando-se de 52,0 segundos. A inglesa tinha apenas 22 anos e já sabia que um cancro lhe minava a saúde, a vida. No ano seguinte, Lili vingar-se-ia nos Europeus, ao ultrapassar Collette, dando à Grã-Bretanha a vitória nos 4x400 metros. No dia anterior sagrara-se campeã dos 800 metros. Em 1970, a morte que se anunciara por entre os fulgores da glória. Restantes campeãs olímpicas? Nos 100 metros, a americana Wyomia Tyus venceu em 11,0 segundos, nos 200 a polaca Irena Kirszentein-Szewinska continuou a alargar o seu pecúlio, nos 800 metros Madeline Manning, dos Estados Unidos, ficou a uma nesga de barreira histórica, com 2.00,9 minutos — foi um dos resultados de melhor coturno dos Jogos. Nos saltos, vitória da checa Miloslava Rezkova na altura (1,82 metros) e da romena Viorica Viscopoileanu no comprimento (6,82 metros). Os lançamentos foram nacionalmente repartidos: Margitta Helmboldt (RDA) no peso (19,61 metros), Lia Manoliu (Roménia) no disco (58,28 metros) e Angela Németh (Hungria) no dardo (60,36 metros) — levaram o ouro para lá da Cortina de Ferro. A alemã ocidental Ingrid Becker foi a campeã do pentatlo, com 5098 pontos, bem aquém de Irina Press, que em Tóquio vencera com quase 5250 pontos, mas que não esteve no México, por abandonar o atletismo quando se decretou a obrigatoriedade dos testes de sexo.

Suplício de Tântalo de Ron Clarke
De um olhar relanceado pelos rankings saltava uma ideia apenas: só um cataclismo poderia abater o sonho do australiano Ron Clark nos 5000 e 10 mil metros. Ele era o homem-locomotiva da década. Batera 18 records mundiais, das duas milhas à hora. Oslo marcaria o seu pináculo. Quando lá chegou, a 14 de Setembro de 1965, o seu máximo mundial de 10 mil metros estava em 28.18,5 minutos — pô-lo fantasticamente em 27.39,4, apenas sete anos depois Lasse Viren faria melhor, por um segundo. Sete dias antes o autraliano batera outro record fabuloso, retirara quase oito segundos ao queniano Kip Keino, percorrendo a légua em 13.16,6 minutos. Clark já falhara Tóquio, não fora além da medalha de bronze nos 10 mil metros, batido por Billy Mills e Mohamed Gammoudi na ponta final, mais estrondoso ainda seria o fiasco mexicano. Apesar da dificuldade em adaptar-se aos efeitos da altitude, aguentou, já com o desespero escalavrando-lhe o rosto, até à penúltima volta, mas quando o queniano Temu, o etíope Wolde e o tunisino voaram para as medalhas, que conquistariam exactamente por essa ordem, cedeu, penosamente cortaria a meta, em sexto lugar, com mais 17 segundos que o campeão olímpico, o qual gastara 29.27,4 minutos — quase dois minutos mais que o seu record de Oslo! Contorcendo-se na pista, esgares de sofrimento arrepiantes, teve de ser imediatamente sujeito a tratamento médico, recuperaram-no a oxigénio. Mesmo assim quis tentar a légua. E perdeu outra vez. Puxou até à última volta, mas o pódio foi outra vez africano: Gammoudi conquistou ouro com 14.05,0 minutos, batendo o queniano Kipchoge Keino e o etíope Naftali Temu. Era a sua terceira medalha olímpica, uma de cada metal precioso — a quarta arrecadaria em Munique, na légua, batido apenas por Lasse Viren. Para Clarke, o suplício de Tântalo. Num gesto nobríssimo, alguns anos depois, Emil Zatopek haveria de oferecer-lhe simbolicamente uma das suas medalhas olímpicas, por considerar que Ron era o maior atleta da década de 60... «pelo menos»! Em mais um sinal da avalancha negra, os 3000 metros obstáculos foram ganhos por Amos Biwott, em 8.51,0, adiante do seu compatriota Benjamim Kogo — que para além de provas no Quénia (e nunca com obstáculos) só uma vez fora correr à Tanzânia numa competição militar — ou seja, na sua estreia internacional, alçou-se logo a campeão olímpico. Só uma curiosidade: desde que, em 1948, o sueco Sjostrand ganhara em 9.04,6 minutos, nenhuma medalha seria atribuída com marca tão mediana.

Explosão de quenianos e fulgor de Kid Keino
Herói da testa molhada
A fama de Kip Keino explodiu em 1965, quando se tornou o primeiro queniano a estabelecer um record mundial de atletismo, percorrendo os 3000 metros em 7.39,6 minutos. Foi também o primeiro negro a menos de quatro minutos na milha. Correndo sempre com a testa molhada (por mera questão de superstição), numa passada longa de palanca — dele haveria de escrever-se no The Times: «Força e deleite, um prazer tão vigoroso que susbtitui todas as tácticas.» Era assim, de facto. Partiu para os Jogos Olímpicos do México com um sonho revelado: ganhar três medalhas de ouro, dos 1500 aos 10000 metros. Não cumpriu. Na dupla légua, à entrada para o último quilómetro, quando estava entre os quatro da frente, sentiu, de súbito, uma pontada no estômago, curvou-se sobre si, vincou-se-lhe no rosto o esgar da dor, parou — mas não parou de gritar pelo seu compatriota Naftali Temu e mal ele cortou a meta em primeiro lugar abraçou-se a ele a chorar. As lágrimas misturavam felicidade e mágoa. Nos 5000 metros não conseguiu resistir ao sprint do tunisino Gammoudi, teve de contentar-se com a medalha de prata. Parecia que um cruel suplício de Tântalo estava a abater-se sobre si — mas, nos 1500 metros, enfim o ouro, a medalha conquistada em 3.34,9 segundos, deixando o americano Jim Ryun a quase três segundos. Na altitude do México, esse só não foi o melhor resultado dos Jogos porque houve Bob Beamon no salto para o fastígio: 8,90 metros no comprimento! Quatro anos depois, em Munique, Kip Keino atirou-se a outro desafio arriscado: correr os 3000 metros obstáculos, sem qualquer experiência internacional. E, como ele próprio haveria de dizer, «saltando como um cavalo», conquistou a medalha de ouro. E virou herói nacional do Quénia. O seu carisma espalhou-se em torrente — foi ministro dos Desportos, presidente de federação e de comité olímpico, treinador e seleccionador nacional, mas acima de tudo continua a ser, para os quenianos da nova vaga, o dr. Keino — o homem que desbravou o caminho para transformar o atletismo na mais produtiva e rentável (financeiramente também) indústria do Quénia.

Dick Fosbury – Inspiração no autocarro
Se um campeão se faz de 90 por cento de transpiração e de 10 por cento de inspiração, Dick Fosbury é a prova do contrário — entrou na história quase exclusivamente pelo lado da inspiração. Era um saltador mediano. Um dia, em 1963, a caminho de uma competição escolar, sentado no banco traseiro do autocarro, pensou em dar a volta ao estilo — e atirar-se de costas à conquista do sonho. Saltou 1,78 metros e ganhou a prova. A primeira da sua vida. Era a revolução em marcha. Quatro anos depois já estava a 2,10 m — e antes dos Jogos Olímpicos de Montréal alçou-se a 2,21 metros. No dia 20 de Outubro de 1968, nos Jogos Olímpicos do México, para disputar o salto em altura passou a fasquia a 2,23 metros, mais que o ouro — mostrava ao Mundo inteiro o seu estilo. A revolução Fosbury — o record mundial retirado ao russo Valery Brumel, o rei do rolamento ventral. Filho de imigrantes ingleses, nascera a 6 de Março de 1947, e com aquela tarde mágica tornou-se celebridade e estrela de talk-shows. Não teve descanso, o curso na Oregon State University derrapou — só voltou a sentir-se feliz quando a fama amansou. «Foi como uma bênção dos deuses, voltei a viver calmamente, tornei-me engenheiro, era o que queria.»
 
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Título individual de ginástica revalidado por Vera Caslavska

Rebeldia anti-soviética e treinos com batatas
Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, Vera Caslavska retirara o trono à russa Larissa Latynina. Para além do ouro no concurso individual, ouro também no salto de cavalo e na trave e prata no concurso completo. Tornava-se assim heroína nacional checa. A 27 de Junho de 1968 Ludvik Vaculik lançou manifesto contra a tirania do Partido Comunista e clamou por mais democracia — a ginasta assinou o documento. Por isso, quando algumas semanas volvidas as tropas soviéticas esventraram a Checoslováquia, Vera, temendo represálias, refugiou-se na remota cidade de Sumperk, levantando sacos de batatas para manter a forma — e utilizando ramos de árvores para exercícios de barras. Foram assim, insólitos, anacrónicos, os seus últimos treinos antes da partida para o México... Aliás, por essa altura tinha medo, até, que a excluíssem da missão olímpica, que a descobrissem e a atirassem a ferros! Foi. E ganhou mais três medalhas de ouro — bisou no concurso individual e no salto de cavalo e ganhou as paralelas assimétricas. De prata se apoderou nos exercícios de solo, na trave e no concurso completo por equipas. Fechou a carreira e a caça ao ouro com um fascinante exercício de solo — ao som da música Dança do Chapéu Mexicano. Foi o must da sua ginástica. Ousada. Emocionante. Com glamour. Um jornalista haveria de descrever assim o momento: «O ruído era equivalente ao de um golo decisivo na final de um Campeonato do Mundo de futebol. Nunca tal acontecera num pavilhão.» De todas as vezes em que esteve no pódio e o hino checo tocou as lágrimas escorreram-lhe pela face em rubor, como se aquele som fosse muito mais que isso — fosse uma súplica. Lá longe havia tanques a esmagar a liberdade... Quando era o hino soviético que soava, baixava os olhos, como se deles caísse a tristeza, a raiva — e se chorava era para dentro. Mas aquele gesto e aquele silêncio tinham uma mensagem. Ensurdecedora. Sabia que pagaria caro a ousadia. Antes ainda do regresso fez questão de casar-se na capela da Aldeia Olímpica com Josef Odlozil, vice-campeão olímpico de 1500 metros, em Tóquio.

Debbie Meyer ganhou três medalhas de ouro
Mulher- palhaço
A americana Debbie Meyer foi a maior figura feminina da natação nos Jogos do México — tatuando-se a ouro por três vezes: nos 200 metros livres (2.10,5 minutos), nos 400 (4.31,8) e nos 800 (9.24,0). Poucas as excepções aos tornados americanos — a jugoslava Djurdjica Bjedov venceu os 100 metros bruços (1.15,8), a australiana Lynette McClements os 100 metros mariposa (1.05,5) e a holandesa Ada Kok os 200 metros mariposa (2.24,7) — e assim conseguiu salvar a honra do seu convento. Ada foi a grande dominadora mundial do estilo ao longo de toda a década de 60, mas precisou de esperar pela competição de despedida para afastar o infortúnio olímpico que a perseguiu anos a fio. Série de nove records mundiais, quer nos 100, quer nos 200 metros, abrira-se em 1963, mas em Tóquio já fora além de uma medalhinha de prata apenas, no hectómetro, vencida pela americana Stouder. Os falhanços nunca a angustiaram porque tinha um feitio totalmente anacrónico — «mulher-palhaço da vida se calhar um bocadinho amalucada», como ela gostava de dizer. Belo auto-retrato. Por exemplo, durante uma recepção de um embaixador holandês aos olímpicos do seu país, Kok intrometeu-se no seu quarto e desatou aos pulos na cama. Não foi castigada porque o diplomata achou um piadão. Outra vez deitou para o lixo todos os móveis de sua casa por «estar cansada deles». E, certo dia, vendeu, por uma bagatela, o carro do marido a um cigano que passava na rua para ver se ele ficava mais tempo a seu lado. «Não, nunca tive problemas com o meu pobre homem, ele é muito paciente.» Sim, sim! Mãe de duas filhas, tornou-se, entretanto, uma das mais famosas empresárias holandesas de fabrico e comercialização de fatos de banho. «Ousados, sempre ousados — e rebeldes, à minha imagem.» É o lema no negócio. Não admira.

Filho de Vera matou o pai!
Ao longo de dez anos de carreira Vera Caslavska conquistou sete medalhas olímpicas de ouro e mais quatro de prata — e entre 1965 e 1967, através do enleio do seu estilo superfeminino, conquistou dez títulos em dez possíveis nos Campeonatos da Europa —, um record nunca mais igualado. Apenas ela e Larissa Latynina conseguiram vencer por duas vezes consecutivas o concurso individual em Jogos Olímpicos. Após o abandono da competição, marginalizada pelo regime comunista checo, dedicou-se à escrita e aos seus dois filhos, Martin e Radka, suplicou por trabalho, nunca lho deram. Com o passaporte aprisionado, mal chegou do México foram-lhe impedidas quaisquer viagens ao estrangeiro — a publicação da sua autobiografia igualmente negada, quando uma editora japonesa se ofereceu para fazê-lo, a proibição manteve-se. Já na década de 80, Vera Caslavska começou a sentir frincha de liberdade, as autoridades comunistas permitiram-lhe que se deslocasse ao México durante dois anos, para treinar a equipa nacional — e deram-lhe permissão de saída como juiz internacional em casos específicos, mas sempre muito bem controlados. Quando o PC caiu redescobriu-se a heroína nacional. Ofereceram-lhe funções de prestígio: ministra dos Desportos, embaixadora no Japão, candidata a mayor de Praga — preferiu a presidência do Comité Olímpico. Quando parecia que a felicidade voltara, em 1993, de novo a asa negra da desgraça a abater-se sobre si: o filho Martin condenado por homicídio do próprio pai — ter-lhe-á dado um soco que a fez cair, bateu com a cabeça no chão e morreu. Quatro anos depois o presidente Vaclav Havel aministiou Martin, na sequência de uma campanha aberta por cidadãos ilustres e atletas olímpicos — consideraram que a morte de Josef Odlozil era lamentável mas fora um acidente, simplesmente isso. Com a saúde a deteriorar-se, Vera vai remoendo nostalgicamente o tempo entre um hospital de Praga e a casa dos filhos. Nasceu em 1942 mas diz que se sente velha, muito velha — com o corpo minado pela ginástica e pelas agruras da vida.
 
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1968 – Manchester ganhou Taça dos Campeões ao Benfica

A Wembley regressava o Benfica cinco anos depois de lá ter perdido a possibilidade do tri, derrotado pelo Milan de Nereo Rocco. O Manchester United partia favorito, estatuto que o desenrolar do jogo dimensionou. Bobby Charlton marcou aos 53 minutos. Reagiu o Benfica, obtendo o empate já no último quarto de hora através de Jaime Graça. A poucos segundos dos 90 minutos Eusébio teve a vitória nos pés, pouco depois de ter rematado com estrondo à barra. Isolou-se e voltou a rematar em força, como se tivesse fogo nas botas, para a defesa de Stepney com a ponta dos dedos. Nobby Stiles, seu impiedoso marcador directo, afirmou que naquele lance «Eusébio arrancou para a glória e tentou furar a rede». O prolongamento foi fatal e nos primeiros oito minutos o Manchester marcou três golos. O Benfica despedia-se de Wembley e da final da Taça dos Campeões. À catedral nunca mais voltou e havia de esperar 20 anos até regressar ao jogo derradeiro da mais importante competição de clubes da UEFA.

Golos fora
Foi a partir da época 1967/68 que a UEFA determinou que nas competições europeias os golos fora serviriam como forma de desempate. O Benfica foi a primeira equipa a beneficiar directamente do novo regulamento ao garantir a qualificação, na primeira eliminatória da Taça dos Campeões dessa época, com o modestíssimo Glentoran, da Irlanda do Norte. Nos dois empates registados valeu o golo de Eusébio em Belfast, aquele que deu a igualdade a uma bola. Na Luz ninguém queria acreditar mas... não houve golos.

Substituições
O conservadorismo de quem mandava no futebol conduziu a que só em 1968/69 fossem autorizadas substituições em jogos oficiais. Em Portugal as novas instruções foram adoptadas com um ano de atraso. A esta distância parece incrível como foi possível esperar tanto tempo para tomar essa decisão. O que se passou com o Benfica em 1962/63 em Wembley, na final com o Milan — Coluna a fazer figura de corpo presente depois de lesionado por Trapattoni —, não faz hoje qualquer sentido.

Eddy Merckx muito para além de cinco vitórias na volta à França

Espírito de «canibal»
Eddy Merckx apaixonou-se pelo ciclismo durante as transmissões televisivas dos Jogos Olímpicos de Roma. Desse fascínio nasceria o... canibal. Era assim que lhe chamavam. Não admira. Ao cabo de 13 anos de carreira 525 vitórias — a imortalidade nas fotografias a preto e branco em que sobressai de braços erguidos aos céus, semblante impenetrável. Com 75 quilos e 1,83 metros — o ciclista que nasceu em Woluwe Saint-Pierre, nos arredores de Bruxelas, ganhou todas as corridas importantes que havia para ganhar. Cinco vitó-rias na Volta à França, outras cinco no Giro — a mágoa mais profunda foi ter-lhe sido retirada a hipótese do hexa na Volta à Itália, quando em 1969 o acusaram de controlo anti-doping positivo, num processo estranho que deixou até em perigo as relações diplomáticas entre belgas e italianos! Em 1962, na Cidade do México, colocou o record da hora em 49,431 quilómetros. Às qualidades físicas extraordinárias aliava força moral fabulosa que lhe permitiu ultrapassar o drama de Blois e o acidente mortal do seu treinador em 1969. Corajoso, terminou em segundo lugar o Tour de 1975 apesar de fractura dupla do maxilar. Mais que perfeccionista, o seu director des-portivo, Guillaume Dtiessens, retratou-o assim: «Um monstro de vontade apenas com um plano na cabeça: ganhar e esmagar a concorrência.» Obcecado pelo treino e disciplinado ao extremo, o campeão fenómeno conseguiu reunir sob o seu nome um povo sempre disposto a dividir-se entre valões e flamengos. Depois da sua reforma, anunciada na Primavera de 1978, a Bélgica caiu num natural sentimento de orfandade. Que se mantém. Mas como poderia substituir-se um homem assim? Para além de outros fulgores, Eddy ganhou por sete vezes a clássica Milão-San Remo, que continua a ser considerada a mais imprevisível do Mundo. Com ele não era. O filho é ciclista mediano — mas também com herança assim... E Eddy continua ligado às bicicletas, como proprietário de uma empresa de fabrico topo de gama. E, por vezes, também é seleccionador nacional.

Arthur Ashe – Vítima de sida
Foi o primeiro grande desportista a morrer de sida. Mas foi muito mais que isso que lhe abriu o caminho da imortalidade. Poucos campeões terão sofrido tantas cruéis reviravoltas do destino. Depois de um ataque cardíaco, devido a um problema hereditário nunca antes detectado, foi sujeito a operação ao coração — na transfusão de sangue que recebeu estava o vírus fatal. Contaminado ficou. Tentou, inicialmente, mantê-lo em segredo mas depressa a notícia saltou — e foi então que Arthur Ashe se dedicou a acções em busca de dinheiro para uma fundação de apoio a doentes com sida que criou com o seu nome. Teve apenas um ano para isso, morreu em 1993, com 50 anos. Inapagável, a memória da final de 1975 em Wimbledon, na qual bateu Jimmy Connors. Ou a forma imperturbável com que em 1968 venceu o Open dos Estados Unidos. Como vice- -presidente da ATP escreveu de seu próprio punho a maioria das regras que hoje existem — que fazem do circuito o que ele é, um dos acontecimentos desportivos mais mediáticos do Mundo. Apesar de ter sido também defensor de causas sociais para dignificação dos negros — nunca foi um agitador ao jeito de Muhammad Ali ou Malcolm X. E por isso as lágrimas da América correram a um choro inteiro o dia em que o préstito partiu para um cemitério de Richmond, na Virgínia. O prefeito Dinkins, de Nova Iorque, por entre soluços, só foi capaz de murmurar: «Arthur era simplesmente melhor que todos nós.»
 
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1968 – Boston Celtics com 11 títulos da NBA

Russel transformou basquetebol em jogo defensivo
Poste eléctrico
Por essa altura a NBA ainda não entrava, com apaixonante fenómeno, pela casa dos portugueses. Só por isso a pergunta poderá despertar algum espanto — Bill quê?! Bill Russell, sem pontinha de dúvida, um dos primeiros basquetebolistas americanos capazes de arrastar multidões, despertar paixões — e, mais que isso, arrasar pavilhões. Para além de ter mudado por completo o estilo do jogo, entre 1956/57 e 1968/69 foi a pedra-de-toque da mais produtiva e fabulosa dinastia da NBA — conduzindo os Boston Celtics a 11 títulos em 13 possíveis, oito dos quais consecutivos, de 1958/59 a 1966/67. Quando, em 1969, deixou em definitivo a competição já não tinha dedos suficientes nas mãos para colocar os anéis de campeão da liga — e o basquetebol deixara de se centrar exclusivamente no ataque. Graças a si próprio, poste dotado de agilidade surpreendente, descobrira-se a beleza do jogo defensivo, a importância dos ressaltos e a eficiência dos desarmes de lançamento. Ou dito de outro modo — os campeonatos passaram a ser ganhos... na defesa. Com electricidade. À Russell.

Atrasar NBA para ser campeão olímpico
Natural de Monroe, pequena cidade do estado de Luisiana, William Fenton Russell cresceu sentindo na pele a angústia de ser negro — segregado pelos brancos racistas do Sul dos Estados Unidos. Em 1943, tinha nove anos, a família mudou-se para Oakland, na Califórnia, na sequência de mais um utópico projecto de integração racial. Pouco mudou. Três anos depois a mãe apanhou uma estranha forma de gripe, após duas semanas de internamento morreu, deixando os dois filhos pequeninos entregues à sorte do marido. Ou à miséria, não fosse o génio que Bill ainda trazia escondido dentro de si. Quando entrou para o ensino preparatório Russell tentou ser escolhido para equipas de vários desportos, o máximo que conseguiu foi ser mascote da escola. Andava no 10.º ano quando lhe deram, enfim, oportunidade de mostrar o que valia no basquetebol. Pouco depois, em 1952 impressionado com os 2,08 metros de altura —, o treinador da Universidade de São Francisco ficou de olho nele. Não demorou a abrir-lhe o caminho para o paraíso. Melhorando as capacidades físicas a olhos vistos chegou a tocar 1,20 metros acima do nível do aro — e na equipa de atletismo da universidade saltou 2,05 metros em altura! Em 1956, era já o melhor jogador universitário dos Estados Unidos, foi escolhido para a equipa que ganhou a medalha de ouro nos Jogos de Melburne. Três dias depois da odisseia olímpica casou-se com Rose Swisier e já com a época em andamento lançou-se na mais extraordinária carreira do basquetebol profissional. Tinha atrasado deliberadamente a entrada na NBA pelo prazer de ser campeão olímpico.

Incrível o que brancos lhe fizeram por se mudar para zona chique
Sujas provocações
Em 1972, quando os Celtics quiseram prestar-lhe a honra de retirar a sua camisola n.º 6 de circulação, transformando-a em relíquia — Bill Russell anuiu. Exigiu cerimónia privada, aberta apenas aos companheiros de tantas batalhas, a Red Auerbach, general do fabuloso exército verde — e a meia dúzia de amigos mais chegados. Não, não foi por timidez. Mantinha dentro de si a raiva pelo modo como a esmagadora maioria da população branca tratava os negros — e não queria vê-la «hipocritamente» inundando as bancadas do Bos-ton Garden a aplaudi-lo. Era reacção que vinha de longe — sim, também reflectia uma por vezes insuportável incapacidade para lidar com a fama — detestava dar autógrafos, sobretudo a... brancos. Mas não era só, eram ainda os efeitos por sarar misturados com amarguras sofridas e caladas ao longo de todos aqueles anos de glória, eram ainda efeitos da memória do passado na Luisiana. A maioria dos fãs dos Celtics afirmava à boca pequena que era um escândalo ter um herói... negro na equipa. Uma — e uma vez, quando decidiu sair dos subúrbios de Bóston, apalavrou compra de uma casa na zona rica da cidade... e a (futura) vizinhança lançou abaixo-assinado para impedir o negócio! A jogada racista falhou, falhou também a formação de um cartel para oferecer mais do que Russell ao vendedor — mas quando Bill para lá se mudou, numa atitude estupidamente provocatória, um «bando de racistas» arrombou a porta, estilhaçou os vidros — e deixaram-lhe a cama suja de bosta!!! Mais um sinal do espírito antinegritude que ainda por ali se vivia: apesar de campeões, os Celtics raramente jogavam com o Boston Garden (14.890 lugares) atabalhoado de gente. Enquanto Russel se manteve em acção a média de assistência andava pelos 8406 espectadores. Fora de casa eram os pavilhões sempre cheios — rendidos à magia e à electricidade de Russell. Quando, alguns anos depois, Larry Bird, branco tipicamente ianque, se tornou a vedeta da equipa de Bóston o Garden esteve sem bilhetes disponíveis 662 partidas consecutivas. Mágoas que nunca se apagaram da cabeça de Bill.

Erro da troca e primeiro treinador negro
Curiosa a forma como Bill Russell entrou na NBA. Foi apenas o terceiro no draft de 1956 e quem o escolheu foram os... St. Louis Hawks. Trocaram-no por dois outros jogadores dos Boston Celtics. Doloroso deve ter sido o arrependimento. Sim, é claro que não foi ele sozinho que ganhou os 11 campeonatos da NBA, a seu lado estavam jogadores excepcionais como Bob Cousy, K. C. Jones, John Havlicek, Bill Sharman, Sam Joness, Tom Sanders e Tommy Heinsohn —soberbamente orientados pelo lendário Red Auerbach. Mas sem Bill nada teria sido como foi, um pouco à imagem de Michael Jordan nos Chicago Bulls. Foi eleito MVP da regular season por cinco vezes, em 1958, 1961, 1962, 1963 e 1965, antes de si nunca ninguém conseguira mais duas escolhas consecutivas. Por 12 vezes convocado para o All-Star Game, MVP foi em 63. Liderou o ranking de ressaltos da liga em cinco épocas — e em 1960, contra Syracuse, ganhou 51 ressaltos, uma enormidade inimaginável! Em 1957, frente a Philadelphia, já tinha conquistado 32 ressaltos apenas numa das duas partes do desafio. Terminou a carreira com as médias de 15,1 pontos e 22,5 ressaltos por jogo. Em 1967 tornou-se o primeiro treinador negro da NBA — e vincou mais a marca Bill Russell na história. Era ainda só jogador quando os verdes de Bóston falharam a conquista do nono título consecutivo — treinador-jogador passou a ser depois disso, dois campeonatos venceu. Antes da temporada de 1969/70, com 35 anos de idade, retirou-se de competição. E pediu dois anos de descanso. Regressaria em 1973, como técnico dos Seattle Supersonics. Cinco anos se manteve no comando só não conseguiu repetir as façanhas dos Celtics — mas também não se pode fazer omeletas sem ovos.
 
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1970 – Holanda arranca à conquista da Taça dos Campeões Europeus

Michels, Kovacs e anos de ouro do grande Ajax
Avassalador futebol total
Rinus Michels contava 35 anos quando assumiu o comando técnico do Ajax, decorria o ano de 1964. Tinha sido um jogador não mais que razoável, pegava numa equipa pouco mais que sofrível, duas vezes campeã da Holanda e apenas com três presenças discretas nas competições europeias. Na primeira época classificou-se em quinto lugar no campeonato. Era apenas o início de um trabalho que havia de levar o Ajax e a selecção holandesa à condição de maior potência do futebol europeu e mundial da primeira metade dos anos 70, assumindo o estatuto de uma das referên- cias máximas do jogo moderno. Em 1968/69 o Ajax chegava à final da Taça dos Campeões depois de eliminar o Benfica em três jogos, desempate efectuado em Paris. Michels costuma dizer que nesse dia começou verdadeiramente o Ajax europeu. O jogo decisivo, com o Milan, perdido por números expressivos (1-4), não foi mais que o prenúncio de uma potência que estava a nascer. Ao lado crescia o Feyenoord. Há quem defenda mesmo a ideia de ter sido o austríaco Ernst Happel a dar os passos iniciais para a revolução. Uma vantagem teve: colheu primeiro os frutos. Em 1970 o Feyenoord sagrou-se campeão europeu. Possuía uma equipa mais madura, composta por óptimos jogadores, o espantoso Wim van Hanegen à frente de todos. Mas a explosão do Ajax tornou-se inevitável. E foi imparável por força do trabalho de base de Rinus Michels e pelas condições criadas para o aparecimento de uma das mais notáveis gerações de jogadores que o futebol conheceu até hoje. O Ajax ganhou a Taça dos Campeões em 1970/71, batendo na final o Panathinaikos (2-0), orientado pelo lendário Ferenc Puskas. Era já uma equipa brilhante. Em 1971 Michels não resistiu ao apelo do Barcelona e deixou em fase de acabamento a grandiosa obra que iniciara. Foi então que o romeno Stefan Kovacs assumiu o comando das operações. A grande máquina do futebol total prosseguiu dando os passos que faltavam, e ficou à beirinha da perfeição. Dominou a seu bel-prazer o campeonato holandês e foi campeã europeia nos dois anos seguintes — vitórias sobre Inter (2-0) e Juventus (1-0). Sendo impossível dissociar o nome de Rinus Michels da formação e crescimento de uma equipa inovadora e marcante no contexto internacional, o Ajax de Kovacs foi mais brilhante e expressou de modo mais eloquente a capacidade dos jogadores tendo como referência os mesmos princípios de jogo. Não é de estranhar que tal tenha sucedido, até porque essa evolução global não pode dissociar-se da evolução natural do génio de Johan Cruyff. Uma coisa era aproveitar o talento de um adolescente com futuro, outra era ter um genial estratego no auge das suas capacidades, rodeado de grandes jogadores nas mesmas circunstâncias. O tempo corria a favor do Ajax. Os anos mágicos de uma das mais excepcionais equipas da historia do futebol, porém, chegaram ao fim em 1973. Ao mesmo tempo que Stefan Kovacs era obrigado a regressar à Roménia, Johan Cruyff juntava-se a Michels no Barcelona. Era o primeiro e ao mesmo tempo o mais duro golpe no grande Ajax. Vinte e dois anos depois regressaria ao topo da Europa. Outra vez com uma equipa de excepção mas, por força dos tempos, de glória muito mais efémera.

Nomes dos heróis
Na final de 1971/72 com o Inter (2-0, dois golos de Johan Cruyff), disputada no terreno do eterno rival Feyenoord, o Ajax apresentou equipa tipo que encantou a Europa e o Mundo: Heinz Stuy; Wim Suurbier, Barry Hulshoff, Horst Blankenburg e Ruud Krol; Johan Neeskens, Arie Haan e Gerd Muhren; Jaak Swart, Johan Cruyff e Piet Keizer. Um ano depois o veterano Swart tinha dado lugar a outra figura incontornável do período dourado do futebol holandês, Johnny Rep, que apontou o golo da vitória na Taça dos Campeões ganha, em Belgrado, aos também italianos da Juventus.

Johan Cruyff – Dimensão diferente
Rinus Michels elegeu-o entre as dezenas de miúdos que encontrou quando regressou ao Ajax para orientar as camadas jovens de um clube pelo qual passara como jogador. Estávamos em 1963, tinha Johan Cruyff 16 anos (nasceu a 25 de Abril de 1947) de uma vida passada toda ela ao lado do De Meer, velho estádio que seria demolido já nos anos 90. Um ano depois Michels foi promovido à equipa principal. E levou com ele a jóia da coroa. Em 1964/65, com 17 anos, Cruyff estreou-se na I Divisão holandesa. Toda a dimensão do futebol total havia de crescer com ele. Quando atingiu a maturidade plena, por volta dos 23/24 anos, à sua volta girava uma das mais avassaladoras máquinas que o futebol conheceu. Nessa altura Johan já era o melhor da Europa (eleito Bola de Ouro em 1971, 1973 e 1974), um dos melhores do Mundo e um jogador para a eternidade, como tinham sido Puskas, Di Stefano, Pelé e Eusébio. Os fundamentos do jogo inovador nascido a partir do laboratório holandês têm várias formas de explicação mas uma não oferece dúvidas: precisava imperiosamente de um líder em campo. E esse líder foi Johan Cruyff, génio na execução e na concepção (como viria a mostrar mais tarde quando passou a treinador), físico potenciado para lá dos limites imagináveis em função da estrutura genética. Era um portento de velocidade, tinha resistência e potência surpreendentes para aquele corpo franzino, dominava todas as zonas do terreno, todas as fases do jogo e revelou noção colectiva extraordinária, não obstante ter sido, em todas as equipas em que actuou, a figura mais brilhante, a estrela da companhia. Por isso, sempre que lhe perguntavam qual tinha sido o melhor jogador do Mundo, não respondia Pelé mas Di Stefano, «porque era mais completo». Johan Cruyff deu ao futebol uma dimensão diferente. O grande Ajax começou em Michels, acabou em Kovacs mas encontrou nele o elo de ligação indiscutível. Foi tricampeão europeu e saiu para o Barcelona. Em 1973/74 partiu ao encontro da fortuna. Foi campeão de Espanha na mesma época em que o Ajax perdia o domínio do futebol europeu, eliminado pelo CSKA Sófia à 2.ª eliminatória. No Mundial de 1974 brilhou a laranja mecânica. E brilhou Cruyff. Vinte anos depois da Hungria de Puskas a história repetia-se: a Holanda inovadora e espectacular cedeu na final, curiosamente perante o mesmo carrasco, a Alemanha. Seria a primeira e última vez que o génio pisaria o grande palco. Em 1978, com 31 anos, nem a rainha da Holanda o demoveu da intenção de não actuar na Argentina. Jogaria até 1984. Ironia do destino: depois de passagem pelos Estados Unidos acabaria no... Feyenoord. Nessa época, actuando mais recuado, levou o rival à dobradinha. Terminava vitoriosa uma carreira em cujo palmarès só faltou o triunfo no Mundial. O resto é impressionante: oito campeonatos e cinco taças da Holanda; três Taças dos Campeões; uma Taça Intercontinental; um campeonato e uma taça de Espanha; duas Supertaças Europeias. Pelo excepcional jogador que foi e pelo treinador revolucionário que havia de ser, Johan Cruyff chega ao fim do século como a maior figura do futebol dos últimos 30 anos.

Dramática despedida benfiquista dos anos 60
Prenúncio da moeda ao ar
Ao cabo de uma década em que foi a maior potência do futebol europeu, não obstante ter perdido fulgor a partir de 1965, o Benfica teve despedida dolorosa dos anos 60: 1969 é mesmo um ano para esquecer no que diz respeito à presença encarnada na Taça dos Campeões. Uma odisseia que começou em Fevereiro e acabou dramaticamente em Novembro. No dia 12 de Fevereiro o Benfica regressou a Amesterdão de boa memória, cidade onde tinha conquistado o segundo título europeu. E voltou a ter boas razões para fazer a festa: num cenário de neve bateu o Ajax (de Michels, já com Suurbier, Hulshoff, Keizer e... Johan Cruyff) por 3-1. O problema foi que no segundo jogo, uma semana volvida, os holandeses gelaram a Luz. Ao intervalo ganhavam por 3-0 (aos 12 minutos já Cruyff tinha apontado dois golos), valendo o tento de José Torres, aos 71 m, para obrigar a terceiro encontro (situação única na história benfiquista na Taça dos Campeões). A 5 de Março, no Estádio Co-lombes, em Paris, com Eusébio debilitado, o Ajax venceu por 3-0, resultado feito no prolongamento. A 12 de Novembro do mesmo ano, já na edição 1969/70, o Benfica era copiosamente derrotado por 0-3 em Glásgua, pelo Celtic. No dia 26, em Lisboa, numa das famosas grandes noites europeias, Eusébio e companhia operaram a reviravolta, consumada com um golo de Diamantino Costa mesmo em cima do minuto 90 — e 3-0. O prolongamento nada alterou e, para surpresa dos 80 mil espectadores que enchiam a Luz, a solução seria encontrada pelo sistema de moeda ao ar. O árbitro holandês (Van Ravens) chamou ao centro do terreno os dois capitães e procedeu ao sorteio. Coluna ainda correu a festejar, por engano ou para forçar a decisão. O certo é que a moeda caiu e a vitória foi escocesa. Dois anos depois de ter ganho no Jamor a única Taça dos Campeões do seu historial (vitória sobre o Inter por 2-1) — e também a única final da competição maior da UEFA realizada em Portugal — o Celtic voltava a ter sorte em Lisboa. Deixando o Benfica a fazer contas à vida: Germano e Costa Pereira eram saudade, Coluna e José Augusto em final de carreira, Eusébio martirizado com lesões... Adivinhavam-se difíceis os tempos que aí vinham.

Margareth Smith Court – 62 Vitórias em torneios do Grand Slam e depois tornar-se pastora de igreja...
Quando se aposentou, em 1977, a australiana Margareth Jean Smith — que por casamento se tornou Court — tinha um número record verdadeiramente desconcertante de 62 títulos nos quatro maiores torneios do Mundo. Sete anos antes tornara-se a segunda mulher no Mundo inteiro a conquistar (individualmente) o Grand Slam — ganhando também Wimbledon, Roland- -Garros, U. S. Open e Open da Austrália em pares mistos, fazendo equipa com Ken Fletcher. A final na catedral da relva desse ano, em que bateu, epicamente, a americana Billie Jean King por 14/12, 11/9, apesar de um tornozelo torcido, foi durante vários anos considerada a maior final da história de Wimbledon. Ainda hoje há quem pense que continua a ser. Dotada de capacidade física invulgar, bem como de poderoso serviço e eficaz volley, Margaret Jean conquistou o primeiro grande torneio em 1960 — o Open da Austrália. Era o primeiro sinal do seu império, que se resume fantasticamente assim: 23 vitórias individuais no Grand Slam (10 no Open da Austrália, 5 no U. S. Open, 5 em Roland- -Garros, 3 em Wimbledon). E mais ainda: 19 vitórias em pares femininos (8 no Open da Austrália, 5 no U. S. Open, 4 em Roland-Garros, 2 em Wimbledon) e 19 em pares mistos (8 no U. S. Open, 5 em Wimbledon, 4 no Roland-Garros, 2 no Open da Austrália). A folha de serviços só não é mais fulgente ainda porque em 1972 e 1974 esteve ausente dos courts devido a duas situações de gravidez. O adeus surgiria em 1977. Com 35 anos. Deixou os courts, virou-se para a religião e em 1991 foi ordenada pastora — viajando pelo mundo com um ministério móvel.

Benfica e Sporting só permitiram intromissões na taça
Segundos com história
Entre 1960 e 1970, lapso de tempo correspondente a 11 épocas futebolísticas, o Benfica venceu oito campeonatos e o Sporting três, precisamente aqueles em cujas temporadas desaguavam fases finais de Mundiais (1962, 1966 e 1970). Este domínio absoluto daquelas que eram as maiores potências do futebol português de então só foi beliscado de duas formas: através da Taça de Portugal e da luta dada pelo F. C. Porto, que por cinco vezes se sagrou vice-campeão, uma delas em 1961/62, marcada por vitória sportinguista, o que significa que o Benfica foi terceiro (a pior classificação da fase Eusébio), curiosamente em época que terminou com a conquista da segunda Taça dos Campeões. Comecemos pela Taça de Portugal. Em 1960 o Belenenses (de Otto Glória) permitiu a única vitória verdadeiramente significativa a Matateu e Di Pace; em 1961 aí estava a surpresa Leixões (do argentino Filipo Nuñez); em 1965 e 1967 o V. Setúbal (de Fernando Vaz) saiu do Jamor a cantar vitória; em 1966, para surpresa geral, foi o Sp. Braga a ganhar, sob o comando do treinador Rui Sim-Sim. Uma palavra para a Académica, vice-campeã nacional em 1966/67 e que esteve numa das finais mais importantes da história da Taça: a de 1968/69, em plena revolta estudantil que abalou o regime fascista. Ganhou o Benfica. Mas para o País os vencedores foram os de Coimbra, pela coragem e também pelo futebol exibido. Os anos 60 não foram generosos para o F. C. Porto. Cinco vezes vice-campeões nacionais (nalguns casos dirigindo violentas críticas às consequências nefastas do domínio lisboeta no futebol português), os azuis-e-brancos estiveram em duas ocasiões (1961/62 e 1968/69) em excelente posição para conquistar o título. Perderam-no apenas por dois pontos, primeiro para o Sporting, depois para o Benfica. A diferença mais dilatada para o primeiro lugar aconteceu em 1959/60, quando ao quarto posto na tabela se juntou um atraso de 15 pontos para o campeão. Pelo meio, em 1967/68, os portistas, já sob o comando de José Maria Pedroto, ganharam a Taça de Portugal, batendo na final o V. Setúbal por 2-1, com os sadinos ainda liderados por Fernando Vaz. À entrada da década de 70, e quando o Benfica dava sinais de entrar numa fase difícil, perdendo algumas das unidades de maior preponderância dos anos de ouro, aconteceu o impensável: em 1969/70, numa época em que teve três treinadores (Elek Schwartz, Vieirinha e Tommy Docherty), o F. C. Porto obteve a pior classificação de sempre da sua história: 9.º lugar, a 24 pontos de distância do campeão, o Sporting. A nau tinha batido no fundo.

Rebelde da maratona
Pode entrar-se na história por um gesto. Ou por um alarde de rebeldia. Foi o que aconteceu com a americana Kathrine Switzer, em 1967. A Maratona de Bóston, a mais antiga do Mundo, que arrancara ainda no século XIX, continuava por essa altura, como, afinal, qualquer outra, fechada a mulheres — de quem se dizia que eram incapazes de aguentar 42 quilómetros. A IAAF não admitia no programa olímpico distância superior a 1500 metros. Quando Jock Semple, o seu organizador, percebeu que K. Switzer era uma mulher — tentou, furibundo, retirá-la da estrada, só não conseguiu porque a seu lado seguia o namorado, campeão de lançamento do martelo. Confusão, escaramuças, tentativas de agressão — e no dia seguinte Switzer em manchete nos jornais todos, a campanha lançada pela igualdade sexual. Cinco anos passados a abertura às senhoras — e Kathrine até foi segunda classificada em Bóston. O seu papel ainda não estava feito. Foi ela quem liderou o processo para o alargamento do programa oficial do atletismo — em 1982 a vitória, enfim. Rosa Mota, na sua estreia na distância, nos Europeus de Atenas, venceria a primeira competição oficial de maratona. Nessa medalha de ouro havia, sem dúvida, muito do espírito de Switzer...
 
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1970 – Campeonato do Mundo de futebol no México

Inesquecível Brasil tricampeão mundial

Magia resgatada no adeus de Pelé
Guardado para o México estava Mundial inesquecível. À entrada dos anos 70 o futebol encontrava saída para os tormentos que o afectavam, provocados pela segunda metade da década anterior, quando de Itália chegaram indicadores seguros de que a táctica e o jogo defensivo, desde que devidamente interpretados por jogadores com níveis físicos elevados, podiam ser suficientes para ganhar. E, como talento, virtuosismo, habilidade natural, são impossíveis de copiar, ganhava forma a ideia de que o futuro do jogo podia passar precisamente pelo engenho de anular os artistas e não por tentar criar condições para que aparecessem. O que sucedeu no Mundial de 1970 foi, por consequência, muitíssimo importante para o futebol. Nem equipa da casa (como quatro anos antes a Inglaterra), nem surpresa (como o Uruguai em 1950, a Alemanha em 1954 e até o Brasil em 1958), nem violência (como no Chile em 1962), nem futebol defensivo (que a partir de Itália o Inter de Herrera fizera alastrar um pouco por todo o lado). Ganhou simplesmente o melhor, o mais brilhante, o que tinha mais jogadores de classe, rebocados pelo maior de todos os génios que o jogo conheceu até hoje. Edson Arantes do Nascimento, vulgo Pelé, que em plena fase de maturidade, e com 12 anos de intervalo entre o título de 1958 conquistado ainda como adolescente, foi a referência de uma das mais extraordinárias selecções da história. E não é insignificante que tenha ganho o melhor, tantos eram os exemplos do passado em que a selecção mais brilhante acabou penalizada — os anos seguintes encarregar-se-iam de confirmar a fatalidade dessa regra. O Brasil de 1970 constituiu a suprema demonstração de que uma equipa pode ser a soma total do valor incalculável de cada um dos seus elementos. Ao mesmo tempo resgatou ao futebol a magia, a ideia do prazer do jogo pelo jogo e negou a tese que muitos defendiam, ainda por cima com resultados, de que para ganhar era preciso jogar... mal. O percurso do escrete, comandado por Mário Lobo Zagallo, foi 100 por cento vitorioso. Triunfos sobre Checoslováquia (4-1), Inglaterra (1-0) e Roménia (3-2) na primeira fase, a que juntou vitórias sobre Peru (4-2) nos quartos-de-final e Uruguai (3-1) nas meias-finais. A Itália começou por confirmar o que já se sabia: solidez atrás (não sofreu golos na fase inicial) e dificuldade em movimentar-se na área contrária (um golo em três jogos) — vitória por 1-0 sobre a Suécia, empates a zero com Uruguai e... Israel. Nos quartos-de-final, porém, os italianos libertaram-se de todos os cuidados e, porque também tinham excelentes jogadores (Rivera, Mazzola, Riva, Facchetti, Bonisegna), bateram o México, a selecção da casa, por expressivos 4-1. Nas meias- -finais defrontaram os alemães, que três dias antes tinham ganho à Inglaterra (3-2) no prolongamento. E desse jogo, ganho por 4-3, o mínimo que se pode dizer é que entra para a história do futebol. A vitória do Brasil na final, por 4-1, conseguida através de espectacular segunda parte, foi a consagração de uma equipa fabulosa. Um maravilhoso hino ao futebol que teve como palco o Estádio Azeteca, na Cidade do México. O mesmo que 16 anos depois serviria para coroar Diego Armando Maradona como melhor jogador do Mundo da era pós-Pelé.

Campeões do mundo
Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Clodoaldo, Everaldo, Jairzinho, Gerson, Rivelino, Pelé, Tostão, Paulo César, Marco António, Edu, Fontana e Roberto

Regresso de África
Depois do Egipto no Mundial de 1934, África voltava a marcar presença na fase final de um Campeonato do Mundo através da selecção de Marrocos, eliminada na primeira fase. Os marroquinos sofreram derrota tangencial da Alemanha Federal por 1-2, perderam bem com o Peru (0-3) e empataram com a Bulgária (1-1).

«Hoy no trabajamos...»
No dia do Brasil-Inglaterra, em Guadalajara, todos os caminhos iam dar ao estádio. De tal maneira que uma conhecida casa de espectáculos da cidade colocou o seguinte letreiro à porta: «Hoy no trabajamos porque nuestras belezas tambien se fuéron ao futbol.»

Golo que banks... Defendeu
Nem de propósito, foi nesse jogo que Pelé e o guarda-redes inglês Gordon Banks protagonizaram lance que o rei ainda hoje recorda como dos mais marcantes da sua carreira. Cruzamento da direita, Pelé subiu e cabeceou imparável, juntinho ao ângulo inferior direito da baliza inglesa. Aparentemente sem hipóteses. Só que o guarda-redes, em espectacular voo, evitou que a bola entrasse, executando aquela que muitos consideram a defesa do século. O melhor jogador do Mundo de todos os tempos resume o lance a esta expressão: «Banks defendeu um golo.»

Portugal desesperante
A eliminação de Portugal do Mundial do México constituiu surpresa proporcional à grande campanha efectuada em Inglaterra quatro anos antes. Mas o desempenho da Selecção na fase de apuramento foi desesperante. No mesmo grupo de Roménia, Suíça e Grécia, Portugal, comandado por José Maria Antunes, ganhou o primeiro jogo à Roménia e até final somou dois empates (nas Antas, com a Grécia, e em Berna) e três derrotas (em Atenas por 2-4, em Bucareste por 0-2 e em Alvalade, com a Suíça, por 0-2). Os magriços tinham sido mesmo excepção à regra. itália-alemanha um dos jogos do século É considerado um dos jogos do século. O Itália-Alemanha Federal das meias-finais do Campeonato do Mundo de 1970 foi uma partida memorável, carregada de emoção e golos. Os italianos venceram por 4-3, após prolongamento, garantindo desse modo a presença no jogo decisivo com o Brasil. Os expoentes máximos do catenaccio tiveram tudo o favor: inauguraram o marcador aos oito minutos, através de Bonisegna, altura a partir da qual geriram a vantagem, como de resto lhes era característico. Surpreendentemente, Schnellinger introduziu no programa um dado susceptível de inverter o rumo do encontro: conduziu a Alemanha ao empate no último minuto. O prolongamento foi alucinante. Gerd Müller fez 1-2 aos 94 m, Burgnich restabeleceu a igualdade quatro minutos depois e Riva devolveu vantagem à squadra azzurra aos 103 m. Müller fez o 3-3 aos 109 m e o resultado final teve a chancela de Gianni Rivera, o bambino d’oro, dois minutos volvidos. A Itália, que nos três primeiros jogos tinha marcado um golo apenas, voltava a marcar quatro, à semelhança do que já fizera ao México nos quartos-de-final.

Melhores marcadores
O melhor marcador do Mundial de 1970 foi o alemão Gerd Müller, o bombardeiro. Apontou 10 golos, mais três que o brasileiro Jairzinho, que cometeu a proeza de marcar em todos os jogos. Teófilo Cubillas, peruano que pouco depois viria para o F. C. Porto, espantando meio mundo, foi o terceiro, com cinco tentos, adiante de Pelé e do russo Bichovetz com quatro golos, Rivelino (Brasil), Uwe Seeler (RFA) e Riva (Itália) averbaram três pontos cada.

Jairzinho – Festa de joelhos
O Brasil de 1970 chega ao fim do século como uma das melhores selecções nacionais da história do futebol. Uma equipa absolutamente excepcional, pela magia única dos seus intérpretes, pela poderosa máquina de apoio que suportou toda a preparação até ao México, pelo cuidado posto na observação dos adversários e pela atenção extrema no acompanhamento de todas as tendências do futebol europeu. O escrete do tri reunia todos os condimentos para ganhar. Não era só talento, era músculo, pulmão e também organização, espécie de ideia global bem definida pelo regime ditatorial, que disponibilizou todos os meios para o êxito. O percurso brasileiro até ao momento em que Carlos Alberto Torres recebeu a Taça Jules Rimet foi espectacular e resgatou finalmente a alma de um povo que continuava amarrado ao desaire com o Uruguai, em 1950, apesar dos êxitos de 1958 e 1962. Se no Suécia-58 Pelé fora figura aos 17 anos, no México voltaria a sê-lo à beirinha de chegar aos 30. Primeiro com o sortilégio do miúdo que entra com o comboio em andamento e o dirige depois como e para onde quer, depois com o estatuto consolidado de maior de todos, de rei indiscutível, de referência máxima de um conjunto extraordinário e do próprio futebol. Tomando como dado adquirido que a máquina girava à volta do génio inconfundível do número 10, do seu peso junto dos companheiros e da intimidação que provocava sobre os adversários, a grande verdade é que a dimensão do futebol brasileiro assentava numa segunda linha fabulosa. Comandado pelo experiente Mário Zagallo, o escrete de 1970 contava ainda com o talento superior de Tostão, com o pé esquerdo diabólico de Roberto Rivelino, com a capacidade de organização de Clodoaldo e Gerson e com a segurança de um sector defensivo comandado pela dupla Brito e Piazza, sector no qual se incluíam os laterais Everaldo (na esquerda) e o capitão Carlos Alberto Torres, um dos melhores defesas-direitos do seu tempo. E houve Jairzinho. Nascido no dia de Natal de 1944, o avançado do Botafogo explodiu definitivamente no México, com 25 anos, obtendo feito único em fases finais de Campeonatos do Mundo: marcou em todos os jogos do Brasil. Descaído para o lado direito do ataque, Jairzinho era muito mais que um extremo. A linha lateral era apenas uma referência da qual partia para todas as zonas de ataque, nomeadamente para a grande área, onde se movimentava com o saber e os argumentos de qualquer ponta-de-lança. A forma como festejava os golos, correndo na direcção da linha lateral, ajoelhando-se, foi imagem de marca muito copiada na época. Ainda esteve no Mundial de 1974, altura em que foi contratado pelo Marselha. Mas nessa altura já o seu tempo de glória ficara para trás. No México, em 1970, Jairzinho foi simplesmente determinante na conquista do tricampeonato brasileiro.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
Grande,mesmo muito grande a equipa brasileira de 1970.Tinham uma equipa e executantes espectaculares.O Tostao nessa altura com 22 anos encaminhava-se para ser mesmo um dos melhores do mundo.Infelizmente comecou a ter problemas com um olho o que lhe encurtou a carreira.
 
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TOSTÃO

Ele foi genial dentro de campo. E fora dele, seja como médico, comentarista, colunista, escritor, dentre outras várias funções que exerce, Eduardo Gonçalves de Andrade, o Tostão é referência para qualquer um que goste de um futebol de alto nível técnico. Sem dúvidas, o maior talento que já vestiu a camisa do Cruzeiro Esporte Clube. Foi o maior jogador mineiro depois de Pelé.

Como meia ou centroavante, Tostão brilhou nos gramados do Brasil durante a década de 60 e começo dos anos 70. Infelizmente, aquele craque com visão de jogo inigualável, teve sua carreira abreviada - ironicamente - por um problema no olho esquerdo. Em uma partida contra o Corinthians, em 1969, o craque foi atingido por um potente chute do zagueiro Ditão, o que acabou por comprometer sua retina.

Com apenas 27 anos, Tostão não podia mais jogar futebol, sob o risco de ficar cego. Mas a genialidade de Edu - como era chamado quando criança - garantiria um futuro de sucesso a ele. Formou-se em medicina em Belo Horizonte e passou a exercer a profissão.

Após alguns anos de dedicação à medicina, passou a ser comentarista esportivo e cronista. Hoje, Tostão é respeitado por sua inteligência e coerência analisando futebol para todos os tipos de mídias, sendo requisitado freqüentemente pelos mais variados meios de comunicação.

Durante os quase dez anos em que defendeu o Cruzeiro, Tostão conquistou o pentacampeonato mineiro, sagrando-se artilheiro da competição em quatro oportunidades. Porém, os feitos mais marcantes do jogador ainda estavam por vir: O título da Taça Brasil sobre o Santos de Pelé, em 1966, elevou-o ao patamar máximo de ídolo. Formando uma dupla inesquecível com Dirceu Lopes, o Cruzeiro venceu as duas partidas, por 6 a 2 (no Mineirão) e 3 a 2 (em pleno Pacaembu).

O time da Toca da Raposa contava ainda com Piazza, Raul, Natal e Evaldo. Veja na foto acima, Gilmar dos Santos Neves, Carlos Alberto Torres e o jovem Tostão no momento do gol de Natal, um dos seis marcados pelo Cruzeiro contra o Santos no dia 1º de dezembro de 1966. No jogo de volta, no dia 8, Tostão fez de falta para o Cruzeiro, que venceu o Peixe, de virada, por 3 a 2. No primeiro tempo, o Santos derrotava a Raposa por 2 a 0.

Mas foi na Copa de 1970 que Tostão escreveu o nome da história do futebol. Ao lado de Clodoaldo, Pelé, Gérson, Rivelino e Jairzinho, fez parte da Seleção Brasileira que encantou o mundo ao abocanhar o título com uma incontestável goleada sobre a Itália, por 4 a 1.

Mesmo jogando um pouco fora de posição, o ex-craque brilhou abrindo espaço para os companheiros, exercendo um futebol extremamente solidário. A jogada contra a Inglaterra, que acabou no gol marcado por Jairzinho, é até hoje uma das mais reprisadas pela TV. Em 65 jogos, pelo Brasil, balançou a rede 36 vezes.

Nascido em Belo Horizonte, capital mineira, em 25 de janeiro de 1947, Tostão começou a carreira profissional no América-MG, antes de ter sido contratado a peso de ouro pelo Cruzeiro.

Tostão sempre foi um exemplo de dedicação e profissionalismo dentro do futebol. Treinava sozinho e procurava aperfeiçoar seus pontos fracos, como o chute de direita. Também se destacava pela capacidade de prever e se antecipar ao lance, prova de sua imensa sabedoria e inteligência. Em 1972 foi protagonista da até então maior contratação do futebol brasileiro, ao ser vendido para o Vasco por cerca de 3,5 milhões de cruzeiros.

O ex-meia jogou pouco tempo no clube carioca, menos de um ano. A retina novamente inflamou e Tostão foi submetido a mais uma cirurgia em Houston (EUA). A vista de Tostão ficou prejudicada, mas o futebol dele ainda está na retina dos amantes do futebol brasileiro e mundial.

CURIOSIDADES

Tostão foi um dos 47 jogadores convocados, pelo técnico Vicente Feola, para o período de treinamento que visava conquistar a Copa da Inglaterra e, consequentemente, o tricampeonato mundial de futebol. Infelizmente deu tudo errado.

Os 47 jogadores convocados, devido a forte pressão dos dirigentes dos clubes, para o período de treinamento em Serra Negra-SP e Caxambu-MG como preparação para a Copa de 66, na Inglaterra, foram: Fábio – São Paulo, Gylmar – Santos, Manga – Botafogo, Ubirajara Mota – Bangu e Valdir – Palmeiras (goleiros); Carlos Alberto Torres – Santos, Djalma Santos – Palmeiras, Fidélis – Bangu, Murilo – Flamengo, Édson Cegonha – Corinthians, Paulo Henrique – Flamengo e Rildo – Botafogo (laterais); Altair – Fluminense, Bellini – São Paulo, Brito – Vasco, Ditão – Flamengo, Djalma Dias – Palmeiras, Fontana – Vasco, Leônidas – América/RJ, Orlando Peçanha – Santos e Roberto Dias – São Paulo (zagueiros); Denílson – Fluminense, Dino Sani – Corinthians, Dudu – Palmeiras, Edu – Santos, Fefeu – São Paulo, Gérson – Botafogo, Lima – Santos, Oldair – Vasco e Zito – Santos (apoiadores); Alcindo – Grêmio, Amarildo – Milan, Célio – Vasco, Flávio – Corinthians, Garrincha – Corinthians, Ivair – Portuguesa de Desportos, Jair da Costa – Inter de Milão, Jairzinho – Botafogo, Nado-Náutico, Parada – Botafogo, Paraná – São Paulo, Paulo Borges – Bangu, Pelé – Santos, Servílio – Palmeiras, Rinaldo – Palmeiras, Silva – Flamengo e Tostão – Cruzeiro (atacantes).

Dos 47 convocados por Vicente Feola, para esse infeliz período de treinamentos, acabaram viajando para a Inglaterra os seguintes 22 \"sobreviventes\": Gilmar e Manga (goleiros); Djalma Santos, Fidélis, Paulo Henrique e Rildo (laterais); Bellini, Altair, Brito e Orlando Peçanha (zagueiros); Denílson, Lima, Gérson e Zito (apoiadores); Garrincha, Edu, Alcindo, Pelé, Jairzinho, Silva, Tostão e Paraná (atacantes).

Tostão comemora aniversário no mesmo dia do português Eusébio e do atacante Robinho. Um dos maiores ídolos da história do Cruzeiro nasceu no dia 25 de janeiro de 1947.

Além de técnico, Tostão era artilheiro. Com a camisa do Cruzeiro, entre 65 e 72, ele marcou 249 gols, tornando-se o maior artilheiro da história do clube.

FICHA

Nome: Eduardo Gonçalves de Andrade
Data e local de nascimento: 25/1/1947, em Belo Horizonte (MG) Posição: Atacante.
Clubes: Cruzeiro, em 61, América Mineiro, em 62 e 64, Cruzeiro, de 65 a 72, Vasco, de 72 a 73.
Títulos: Taça Brasil de 66; Campeonato Mineiro de 65, 66, 67, 68 e 69; Copa Rio Branco de 67, pelo Cruzeiro; Copa do Mundo de 70 e da Minicopa de 72, pela Seleção Brasileira.

FRASE

\"Zagallo não queria que eu jogasse com Pelé\", confessando que o então técnico da Seleção Brasileira não pretendia colocar os dois atletas atuando juntos por causa dos poucos gols que o centroavante marcou nas Eliminatórias da Copa de 70.
«miltonneves.com»
 
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1972 – Jogos Olímpicos de Munique

Ataque palestiniano, reféns israelitas, mortes arrepiantes
Setembro negro
O quadro electrónico, que durante duas semanas testemunhara, e registara, os grandes feitos dos atletas que melhor se tinham adaptado às, por vezes, quase desumanas condições da altitude da Cidade do México, iluminou-se pela última vez com estas letrinhas apenas: «Munich-72.» Era a mensagem de despedida. No fim da festa. Princípio de outra. Que haveria de ser de sangue. A 5 de Setembro um dos mais radicais grupúsculos da Fatah aprisionou nove atletas israelitas, na ânsia de trocá-los por 250 palestinianos presos em Israel — e o japonês Okamoto, autor do massacre de Lod, perpetrado escassas semanas antes e no qual tinham perdido a vida 36 pessoas. Falhadas as negociações, a morte espalhada, os Jogos Olímpicos manchados de sangue — o estádio revestido de negro e dor, transformado em templo para cerimónia fúnebre em homenagem a 11 judeus mortos. Por cruel ironia do destino a apenas 30 quilómetros de Dachau.

Granada no helicóptero, lágrimas de Jesse Owens
Aquele terrível dia 5 de Setembro começou logo com sangue a escorrer. Ao primeiro ataque palestiniano dois atletas israelitas mortos. Outros nove reféns do batalhão encapuzado de ataque. Durante todo o dia, com os Jogos suspensos, sucederam-se as negociações — que envolveram até o chanceler Willy Brandt. Às nove da noite oito terroristas entraram num helicóptero da polícia com nove israelitas de armas apontadas à cabeça e foram transportados para o aeroporto militar de Furstenfeldbruck — julgando-se que daí partiriam para o Egipto. Esperavam-nos cinco atiradores especiais da polícia alem㠗 quando um dos árabes entreviu a silhueta de um deles, agachado a coberto de um muro, desatou aos tiros — e foi a tragédia. Quatro atacantes e o guarda mortos — e mais nove israelitas destroçados por uma granada atirada para dentro do helicóptero. Clamou-se pelo fim imediato dos Jogos. Avery Brundage, presidente do COI, foi claro no anúncio: «The games must go on» — dever-se-ia continuar, clamou ele, para que «o espírito humanista do olimpismo não fosse perturbado pela loucura de um punhado de terroristas». Na manhã seguinte emotiva sessão de luto no estádio, a abarrotar de gente em lágrimas. Em lugar de atletas o terreno encheu-se de músicos da orquestra de Munique, tocando a marcha fúnebre da sinfonia Heróica de Beethoven. Arrepiante a imagem que correu Mundo — Jesse Owens, todo vestido de preto, chorando copiosamente pelos halterofilistas David Gerger, Joseph Romano e Zeev Friedman, pelos lutadores Eliezer Halfin e Mark Slavin, pelos treinadores Kehat Shorr, Amitzur Shapira e Andre Spitzer e pelos juízes internacionais Yosef Gutfreund e Yacov Springer.

Vara de engenheiro da RDA
No atletismo o ucraniano Valeri Borzov (10,14 e 20,00 segundos) e a alemã Ranata Stecher (11,00 e 22,40 segundos) venceram ambos as provas de velocidade, ao passo que Lasse Viren, na tradição dos compatriotas de início do século, venceu os 5000 (13.26,4) e os 10 mil metros, prova em que, para além da medalha de ouro, alcançou novo record do Mundo em 27.38,4 minutos. Máximos mundiais também para o ugandês Aki Bua nos 400 metros barreiras, em 47,82 segundos, e para a soviética Ludmila Bragina, que no espaço de quatro dias bateu sucessivamente, nas eliminatórias, meias-finais e finais, por três vezes, o record mundial dos 1500 metros, fixando-o em 4.01,4 minutos. Munique assistiu à queda do monopólio dos Estados Unidos no salto com vara — a proeza coube a um engenheiro da RDA, Wolfgang Nordwig, que, perante a impossibilidade de o seu país importar as modernas varas de fibra de vidro americanas, construi, ele próprio, a sua — e de tal forma que ultrapassou Seagren por 10 centímetros.

Primeira «dobradinha» de Lasse Viren
Transfusões
A Finlândia vivia na nostalgia de Paavo Nurmi, Ville Ritola, Hannes Kolehmainen. De súbito, através de um sistema sofisticadíssimo de transfusões sanguíneas, descobriram outro voador — Lasse Viren. Era polícia, alto e barbado — corria num estilo de gazela, com uma ponta final verdadeiramente mortífera. Quando chegou a Munique trazia já credencial respeitabilíssima: o record do Mundo da légua colocado a 13.16,4 minutos. Fabuloso o que fez na final dos 10 mil metros — estarreceu o universo com as duas últimas voltas em 1.56,4 minutos e no final o cronómetro electrónico com números mágicos a lucilar: 27.38,5 minutos — esfanicando o resultado que já se dissera imbatível de Ron Clarke. Nos lugares seguintes o belga Emil Puttemans e o etíope Mirus Yifter. Na final dos 5000 metros mais um espectáculo de arrepiar: queda a meio da prova, um sprint para a recolagem — e na última volta outra vez a táctica do foguete: 13.26,4 minutos, o tunisino Gammoudi e o escocês Stewart incapazes de sustê-lo. Quatro anos mais tarde, em Montreal, outra dobradinha — nos 10 mil metros deixou que Carlos Lopes puxasse toda a prova e nos derradeiros 400 metros, ao seu melhor estilo, o disparo, explosivo, para o ouro. Não escondia que fazia mais de 200 quilómetros por semana de endurance mas quando lhe falavam nas transfusões de sangue sorria — e afiançava que tomava apenas leite de rena todos os dias ao pequeno-almoço. Algum tempo após a despedida passou por algumas dificuldades financeiras — lançou um anúncio nos jornais para venda das medalhas olímpicas por 100 mil dólares — e pouco tempo depois era eleito deputado ao Parlamento da Finlândia. Lá continua...

Shorter, ouro, prata e... «cocktail» de álcool
Frank Shorter nasceu em... Munique. Pequenino, os pais emigraram para os Estados Unidos, americano se tornou. Na cidade onde nasceu atirou-se sentimentalmente à conquista do sonho olímpico. Nesse dia experimentou método que lhe fora aconselhado por um amigo fisiologista: várias cervejas bebidas antes da maratona — e no abastecimento aos 30 quilómetros um cocktail de várias outras bebidas alcoólicas. Resultou — deixou o segundo classificado, o belga Karel Lismont, a dois minutos. O terceiro foi o etíope Mamo Wolde, campeão olímpico, quatro anos antes, no México. Em 1976 Shorter falhou a revalidação do título por uma nesga — batido por Waldemar Cierpinski. Para Frank, o campeão (moral) continua a ser ele — está cada vez mais convencido de que o alemão de Leste correu dopado. Licenciado em direito, vencedor de todas as grandes maratonas do circuito internacional — em 1972 venceu Fukuoka com 2.10.30, espantoso record mundial —, é actualmente um muito bem-sucedido homem de negócios, presidente da Frank Shorter Sports — empresa que desenha e fabrica material, promove e organiza corridas de estrada. Tornou-se, igualmente, um dos mais requisitados (e bem pagos) comentadores de atletismo das televisões americanas. Poucos dias depois da vitória em Munique Steve Prefontaine, quarto classificado nos 5000 metros, foi levar Shorter a casa. No regresso sofreu acidente e morreu. Tinha 24 anos, era a maior esperança do fundo. Anda por aí um filme sobre a sua vida. Chama-se Without Limits — foi produzido por Tom Cruise, que até esteve para vestir a pele de Prefontaine.

Primeira «dobradinha» de Lasse Viren
Saltos Federais
Da RFA mais duas campeãs famosas: Heide Rosendhal, no comprimento, com 6,78 metros, dois centímetros menos que o record de Torino, que duraria de Setembro de 1970 a Maio de 1976. Mais espantoso o desempenho de Ulrike Meyfarth, que com 16 anos apenas poria o máximo mundial de altura em 1,92 metros, dez anos depois haveria de recuperá-lo com 2,02 metros, elevando-o ainda mais um centímetro. Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles Meyfarth haveria de ganhar a segunda medalha de ouro. Tinha passado tanto tempo.

RDA em alta velocidade
No atletismo feminino dos Jogos de Munique as 14 medalhas de ouro foram direitinhas para quatro países apenas. Nos 100 metros Renata Stecher (RDA) bateu por um centésimo o record do Mundo que valera o título olímpico à americana Wiomia Tyus em Tóquio — com 11,07 segundos. Nos 200 metros mais uma vitória ornada com máximo mundial: 22,40 segundos. Monika Zehrt, também alemã de Leste, ganhou os 400 metros com 51,08 segundos — da Alemanha Ocidental a campeã dos 800, Hildegard Flack, que se quedou a um décimo de segundo do record que estabelecera um ano antes: 1.58,5 — tornando-se a primeira mulher a menos de dois minutos na distância. Também representava a RDA a campeã do dardo — Ruth Fuchs, que com 63,88 metros conquistaria a primeira medalha olímpica. Bisaria quatro anos depois.

Três «records» de Bragina
Para a Rússia ouro nos 1500 metros através de Ludmila Bragina, com 4.01,4, que dois dias antes, nas meias-finais (!), colocara já o seu máximo mundial em 4.05,1 minutos. Mais espantoso ainda: logo na eliminatória tornou-se recordista. Ou seja, foram três records em três corridas! Nadeshda Chichova ganhou o peso com 21,03 metros, tornando-se a primeira mulher a mais de 21 metros, também já fora a primeira além dos 20 — e ainda haveria de ganhar prata em Montreal para juntar ao bronze do México. Faina Melnik venceu o disco com 66,62 metros — haveria de bater o record do Mundo por 11 vezes, colocando-o em 70,50 metros em 1976, dois meses antes dos Jogos de Montreal onde nem ao pódio chegaria.

Mary uniu Belfast
No pentatlo, luta espectacular entre a irlandesa Mary Peters e a alemã Heide Rosendhal, campeã olímpica no comprimento, deu em record mundial. Num momento de tensão política crescente em Belfast, ela foi o ponto de união entre católicos e integracionistas — os soldados estacionados na cidade transformaram o autógrafo de Peters nas suas jaquetas numa relíquia e num hábito. Utilizou a popularidade na colheita de fundos para a construção de uma pista com o seu nome — integrou o Conselho de Desporto da Irlanda do Norte, dirigindo, amiúde, as equipas britânicas de atletismo.