O Século XX do Desporto

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hast

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1950-1951 – Boxe profissional

Grazziano influenciou Stallone pelo seu jeito selvagem e não só...
Rocky, o original
Não foram longos os anos do seu reinado. Antes pelo contrário. Mas nem isso impede que seja figura mítica do boxe. Ou do desporto. Sobretudo por causa do cinema a cruzar-lhe a vida, a tecer-lhe a lenda. Tendo nascido a 1 de Janeiro de 1921 em Nova Iorque, com o nome de Thomas Rocca Barbella, em 1942 desertou do serviço militar ao declarar falsa data de nascimento: 7 de Junho de 1922. Vinte anos depois entrava, meteórico, no mundo profissional do boxe, deixando para trás uma série de combates como amador e o lastro atribulado de vida entre os marginais que então grassavam na zona de East Side, em Nova Iorque. Competindo na categoria de pesos médios, o seu grande adversário para a conquista do título mundial era então Tony Zale, com quem perderia a primeira peleja, em 1946. Em Julho do ano seguinte sagrar-se-ia, finalmente, campeão do Mundo, deixando o rival KO no sexto assalto. Em 1948 vingança de Zale: Rocky knocked out ao terceiro round, cinturão recuperado. Sempre envolvido em polémicas, foi-lhe confiscada licença para combater em Nova Iorque durante um ano, regresso às lides ao fim da quarentena — e ponto final na carreira em 1953, com 67 vitórias, 10 derrotas, 6 empates. A popularidade avassaladora devia--se ao modo quase selvagem como combatia: sem grandes tácticas de defesa, como se estivesse sistematicamente a ferver de ódio. Por isso Rocky tornou-se sinónimo de coragem e heroísmo, com alguns novatos a colocar o apodo no nome. Anos depois serviria igualmente de fonte de inspiração para série de filmes protagonizados por Sylvester Stallone. Quando pendurou as luvas Graz-ziano publicou autobiografia denominada Somebody Up There Like Me, mais tarde adaptada ao cinema com Paul Newman no papel de Rocky. E, ao invés de outros boxeurs tão famosos como ele, haveria de passar o resto da vida sem problemas financeiros, construindo lucrativa carreira de actor, morrendo em 1990.

Sugar Ray Robinson campeão de médios
Massacre no dia de São Valentim
Açúcar em fogo! Era assim Ray Robinson. Aliás, Walker Smith, assim o baptizaram quando nasceu, em Detroit, a 3 de Maio de 1921. O nome artístico surgiria de um capricho do destino. Contratado à última hora para substituir pugilista doente assim chamado, como não tinha licença o organizador do combate entregou-lhe a primeira que encontrou no escritório, passada em nome de Ray Robinson. Tinha 16 anos e assim ficou, 36 meses passados já era profissional. Sugar passaria a ser também quando durante uma reportagem no ginásio onde se treinava, em Nova Iorque, o seu treinador, George Gainsford, afirmou ter um lutador «doce como o açúcar». Eficaz, elegante, rápido, espectacular, um bailarino de ringues, arrancou assim para carreira imparável — 175 vitórias, 110 por KO. Entre 1943 e 1951 venceu 91 (!) combates consecutivos. Nas 19 vezes que perdeu nunca ninguém conseguiu colocá-lo no tapete. Por isso dele se fala como um dos maiores boxeurs de toda a história. Averbou o primeiro título mundial, como meio-médio, em 1946, defendendo-o com sucesso por mais quatro anos. Sem rivais à altura — devido sobretudo ao trabalho de pés e à velocidade e potência do seu soco —, lançou-se na categoria de pesos médios para que não lhe faltasse o cheiro doce da adrenalina. Fulgurante se manteve, sagrando-se campeão do Mundo pela primeira vez em 1951 e reeditando (separadamente) o título por quatro vezes. A primeira conquista de médios foi frente a Jake LaMotta — único homem que o derrotara entre 1939 e 1951 — e é uma das legendas do século, designado como o massacre do dia de S. Valentim e imortalizado no filme Raging Bull — Touro Enraivecido.

«Music-hall», doença de alzheimer
Em 1968, depois de três anos desaparecido de circulação, surgiu meteoricamente no Tonight Show, cantou e dançou como vedeta de music-hall e entrou também num episódio da série Missão Impossível. Atacado pela doença de Alzheimer, consequência sobretudo dos golpes sofridos na cabeça ao longo de quase 30 anos de combates, morreu a 14 de Abril de 1989 num modesto apartamento de Los Angeles. O elogio fúnebre do anjo negro foi feito, emocionadamente, pelo reverendo Jesse Jackson, o mais famoso político negro dos Estados Unidos.

Jogos Olímpicos de Helsínquia sob ameaça de nova guerra
Perigo nuclear contra... Mao?
Helsínquia foi escolhida para sede dos Jogos de 1952, em detrimento de Detroit, Chicago, Los Angeles e Amesterdão. Com a presença de quase 5000 atletas de 59 países, os Jogos abriram em ambiente de quase insustentável tensão. A RDA boicotou-os pura e simplesmente. Quando a China comunista, que acabaria por não comparecer, foi aceite a Formosa bateu em retirada. Foi a estreia da URSS nos Jogos Olímpicos mas os seus dirigentes avisaram que não ficariam alojados em espaço onde estivessem «os americanos e os seus lacaios capitalistas»! Construiu-se então, em frenesim, uma aldeia alternativa, em Otaniemi, a oito quilómetros de Helsínquia, onde se instalaram todos os países da cortina de ferro. Este claríssimo desrespeito pelo espírito olímpico foi, com alguma surpresa, sancionado pelo COI. Nas semanas que antecederam a abertura dos Jogos da XV Olimpíada, viveu-se a angústia da iminência de guerra nuclear. O truculento general MacArthur, esse mesmo que chefiara a equipa americana aos Jogos Olímpicos de Amesterdão mandara arrombar as portas do estádio para permitir que os seus atletas se treinassem na nova e bem guardada pista de atletismo, ameaçara despejar o seu arsenal atómico sobre a China, face ao apoio cada vez mais declarado de Mao Tsé Tung à Coreia do Norte. Assim se chegou a 19 de Julho de 1952. O dia por que Erik von Frenckel esperara pacientemente havia tanto tempo. Depois de ter visto o Estádio Olímpico que prepara para 1940 ser destruído pela invasão soviética. A escassos minutos do iníco da cerimónia de abertura jogou o último trunfo. Que guardara ciosamente. Chuviscava ao de leve... Após o desfile das equipas apareceu em cena, de facho na mão, um cinquentão já a atirar para o gordinho, um pouco careca até. Era Paavo Nurmi. A apoteose.

Nem um móvel para o troféu
Saltando de uma categoria para outra, entre 1946 e 1965 Sugar Ray Robinson dominou as lides a bel-prazer, foi sempre detentor de pelo menos um dos dois títulos — médio ou meio-médio. Só falhou uma aposta quando, em 1952, combateu pelo título de meios-pesados, baqueando ante Joey Maxim. E foi então que, perante público em lágrimas, anunciou a reforma... Três anos depois regressou à liça, precisava de dinheiro, foi perdendo e recuperando coroas, 10 das suas derrotas são dessa época em perda de fulgor, apenas em 1965 de despediria em definitivo. Quando o Madison Square Garden, em Nova Iorque, se encheu para a cerimónia do adeus Sugar Ray já não tinha sequer um móvel onde colocar o troféu que lhe depositaram em mãos. Arruinara-se, os bens perdidos, hipotecados, sem hipótese de resgate.

Cadillac rosa, anão de mascote
Envolvera-se em múltiplos negócios, fatalmente sem sucesso, um clube nocturno em Harlem, chamado Sugar Ray\'s, uma lavandaria, uma barbearia, uma loja de lingerie. Mas, como o seu lema era «o dinheiro fez-se para gastar e para nos dar da vida apenas bons bocados», deu no que deu. Nos tempos áureos prazeres de sibarita e outras bizarrias esfanicaram-lhe a fortuna. Por exemplo, passeava-se pelas ruas de Nova Iorque ao volante de um Cadillac rosa-flamingo, nas diversas digressões, sobretudo à Europa, fazia-se sempre acompanhar pelo velho treinador Gainford, a família quase em peso, um criado, um barbeiro e um anão (de carne e osso) que era sua mascote.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
> hast Comentou:

> 1950-1951 – Boxe profissional

Grazziano influenciou Stallone pelo seu jeito selvagem e não só...
Rocky, o original
Não foram longos os anos do seu reinado. Antes pelo contrário. Mas nem isso impede que seja figura mítica do boxe. Ou do desporto. Sobretudo por causa do cinema a cruzar-lhe a vida, a tecer-lhe a lenda. Tendo nascido a 1 de Janeiro de 1921 em Nova Iorque, com o nome de Thomas Rocca Barbella, em 1942 desertou do serviço militar ao declarar falsa data de nascimento: 7 de Junho de 1922. Vinte anos depois entrava, meteórico, no mundo profissional do boxe, deixando para trás uma série de combates como amador e o lastro atribulado de vida entre os marginais que então grassavam na zona de East Side, em Nova Iorque. Competindo na categoria de pesos médios, o seu grande adversário para a conquista do título mundial era então Tony Zale, com quem perderia a primeira peleja, em 1946. Em Julho do ano seguinte sagrar-se-ia, finalmente, campeão do Mundo, deixando o rival KO no sexto assalto. Em 1948 vingança de Zale: Rocky knocked out ao terceiro round, cinturão recuperado. Sempre envolvido em polémicas, foi-lhe confiscada licença para combater em Nova Iorque durante um ano, regresso às lides ao fim da quarentena — e ponto final na carreira em 1953, com 67 vitórias, 10 derrotas, 6 empates. A popularidade avassaladora devia--se ao modo quase selvagem como combatia: sem grandes tácticas de defesa, como se estivesse sistematicamente a ferver de ódio. Por isso Rocky tornou-se sinónimo de coragem e heroísmo, com alguns novatos a colocar o apodo no nome. Anos depois serviria igualmente de fonte de inspiração para série de filmes protagonizados por Sylvester Stallone. Quando pendurou as luvas Graz-ziano publicou autobiografia denominada Somebody Up There Like Me, mais tarde adaptada ao cinema com Paul Newman no papel de Rocky. E, ao invés de outros boxeurs tão famosos como ele, haveria de passar o resto da vida sem problemas financeiros, construindo lucrativa carreira de actor, morrendo em 1990.

Sugar Ray Robinson campeão de médios
Massacre no dia de São Valentim
Açúcar em fogo! Era assim Ray Robinson. Aliás, Walker Smith, assim o baptizaram quando nasceu, em Detroit, a 3 de Maio de 1921. O nome artístico surgiria de um capricho do destino. Contratado à última hora para substituir pugilista doente assim chamado, como não tinha licença o organizador do combate entregou-lhe a primeira que encontrou no escritório, passada em nome de Ray Robinson. Tinha 16 anos e assim ficou, 36 meses passados já era profissional. Sugar passaria a ser também quando durante uma reportagem no ginásio onde se treinava, em Nova Iorque, o seu treinador, George Gainsford, afirmou ter um lutador «doce como o açúcar». Eficaz, elegante, rápido, espectacular, um bailarino de ringues, arrancou assim para carreira imparável — 175 vitórias, 110 por KO. Entre 1943 e 1951 venceu 91 (!) combates consecutivos. Nas 19 vezes que perdeu nunca ninguém conseguiu colocá-lo no tapete. Por isso dele se fala como um dos maiores boxeurs de toda a história. Averbou o primeiro título mundial, como meio-médio, em 1946, defendendo-o com sucesso por mais quatro anos. Sem rivais à altura — devido sobretudo ao trabalho de pés e à velocidade e potência do seu soco —, lançou-se na categoria de pesos médios para que não lhe faltasse o cheiro doce da adrenalina. Fulgurante se manteve, sagrando-se campeão do Mundo pela primeira vez em 1951 e reeditando (separadamente) o título por quatro vezes. A primeira conquista de médios foi frente a Jake LaMotta — único homem que o derrotara entre 1939 e 1951 — e é uma das legendas do século, designado como o massacre do dia de S. Valentim e imortalizado no filme Raging Bull — Touro Enraivecido.

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Sugar Ray Robinson considerado por muitos \"pound for pound\" como o melhor de todos os tempos.Inesquecivel uma batalha que teve contra o Rocky Graziano em que o mandou para o tapete,o Rocky nao perdeu os sentidos, simplesmente nao se podia levantar por ter ficado momentaniamente paralizado nas pernas.
 
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hast

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1952 – Jogos Olímpicos de Helsínquia

Mais três medalhas de ouro para Emil Zatopek
Primeiro ataque aos comunistas
Em Londres, quatro anos antes, Emil Zatopek já ganhara uma medalha de ouro e outra de prata. Em Helsínquia o must. Mais três, todas de ouro, nos 5000, 10 mil e maratona. «Não queria ser corredor. Trabalhava numa fábrica de sapatos, o chefe era doido por atletismo, disse que me doía um joelho, apareceu logo um médico a consultar-me, garantiu que não tinha nada, era ronha, e foi assim que tudo começou. O problema, depois, era o meu pai, dizia que estragava muito calçado!» A rebeldia e o espírito de solidariedade eram tão grandes como o seu talento, o dramatismo do esgar agónico com que corria sempre. Por causa disso esteve quase a não participar nos Jogos de Helsínquia, só lá chegou 48 horas após os restantes olímpicos da Checoslováquia. Stanislav Jungwurth era um dos melhores corredores mundiais de 1500 metros, o pai era fervoroso partidário anticomunista, já preso nos calabouços do regime. Só por isso foi afastado da comitiva. Zatopek, num acto de arrojo, afiançou: «Se ele não vai eu também não!» Com o país inteiro em ansiedade, ameaças de tumultos e até de greves de fome, para evitar maiores alaridos o governo cedeu, foram os dois. Stanislav não esteve muito feliz, quedou-se pelo sexto lugar, mas cinco anos depois tornava-se recordista mundial. E o pai continuava a ferros.

A sofrer
Para fechar o ciclo do ouro de Emil Zatopek, incontestavelmente um dos atletas do século, a maratona. Nunca disputara a distância. «Estava a descalçar os sapatos ensanguentados quando o argentino Gorno entrou no estádio. Eu gastara 2.23.02 horas, ele fez mais de 2.25! Poderia ter andado mais depressa, aos 30 quilómetros até perguntei ao inglês Peters, o recordista do Mundo, porque não ia mais depressa, eu parecia que estava num treino, ele espevitou o ritmo e adiante morreu, falhou o sonho! Sim, ganhei cinco medalhas olímpicas mas, sinceramente, não era talentoso, nunca imaginei que tivesse tanto sucesso. Trabalhava muito, fazia dos treinos um sofrimento, era quase até ao último suspiro e os meus pais a dizerem que me deixasse disso, que se queria exercício físico era suficiente o trabalho no jardim!»
Trabalhos forçados por condenar invasão soviética Suplício na mina Quando as tropas soviéticas invadiram a Checoslováquia, em Agosto de 1968, Zatopek voltou a desconcertar com a sua frontalidade: era capitão do exército mas, sem qualquer receio, condenou a invasão e até sugeriu que a URSS deveria ser impedida da participar nos Jogos Olímpicos do México. Não tinha dúvidas sobre a consequência brutal do desabafo: «Uma semana mais tarde chamaram-me ao Ministério da Defesa e expulsaram-me do exército. Por delito de opinião fui senten-ciado a trabalhos forçados numa mina de urânio. Ao escutar a pena respirei fundo e disparei: ‹Se pensam que me humilham com isso estão enganados! Um desportista não tem medo de pôr o corpo ao serviço do que seja e se calhar assim até vou ganhar mais que a miséria que me pagavam como militar.›» Só seria reabilitado após o colapso do comunismo, em 1989, e reintegrado no exército com patente de major. Voltou a viver nos subúrbios de Praga. Com Dana, que tal como Emil nasceu a 19 de Setembro de 1922. Corre por eles uma teia de saudade e nostalgia da glória? «Não, o nosso tempo passou, agora é o tempo de outros, gente que nos delicia pelos espectáculos que nos dão na televisão. Não perdemos um meeting de atletismo e então os africanos fascinam-nos. Os nossos filhos e netos vão para a escola de autocarro, eles não, é tudo a pé e por isso... Somos felizes, muito felizes. Felizes pelo que conseguimos como atletas e como homens. As posições que defendi a favor do movimento democrático de Alexander Dubcek, na Primavera dos tanques soviéticos a rolar e a matar em Praga, têm para mim o mesmo valor que o ouro que ganhei em Londres e Helsínquia.» — foi o que disse ainda um destes dias...

Cinco medalhas olímpicas, 18 «records» mundiais
Para além das cinco medalhas olímpicas e de três títulos de campeão da Europa, Emil Zatopek bateu 18 records mundiais: cinco nos 10 mil metros, passando de 29.28,2 minutos em 1949 para 28.54,2 em 1954, um dia depois de colocar o máximo dos 5000 metros em 13.57,2 minutos; nas seis milhas, nos 20 km, na hora, nas 15 milhas e nos 25 km estilhaçou records por duas vezes; nas 10 milhas e nos 30 km uma apenas. Em Stara Boleslav, em 1951, tornou-se o primeiro homem a correr a mais de 20 km/h, esfanicando três máximos mundiais de uma assentada: 59.51,6 minutos aos 20 quilómetros, 20.052 metros na hora, 48.12,0 minutos nas 10 milhas. Entre 1948 e 1954 venceu sem intermitência 38 corridas de 10 mil metros. E 69 de 5000 entre 1949 e 1951.

Chá milagroso, hipótese do jardim e ouro da mulher
O ano de 1952 começou mal para Zatopek. Sofreu uma virose «estranha», caiu de cama, os médicos queriam obrigá- -lo a uma paragem total de três meses, garantindo que se não o fizesse poderia ficar com graves problemas cardíacos. «Não liguei muito, faltava pouco tempo para Helsínquia, tinha o sonho todo dentro de mim, desafiei a sabedoria deles e curei-me com chás e limões!» Nos 5000 metros Emil ganhou com 14.06,6 minutos, record olímpico. «Foi a final da minha vida, contra grandes rivais: Schade, da Alemanha, era favorito, o francês Mimoun, os ingleses Pirie e Chataway. Preparei a corrida para ganhar na última volta mas quando os três me passaram pensei que estava tudo acabado; afinal consegui um sprint fabuloso, como nunca mais conseguiria. Foi a vitória da alma, da raiva... Tinha havido coisas muito tristes comigo naquelas semanas antes. Essa medalha de ouro era a minha relíquia. Muitos anos depois decidi oferecê-la ao australiano Ron Clarke, que era o melhor atleta do Mundo mas não pôde ganhar os Jogos do México por causa da altitude. Nos 10 mil metros foi tudo muito mais simples, ganhei ao Mimoun por quase 100 metros, já não deixei as coisas para o fim... Aquela fuga para a frente deve ter sido por causa da euforia que senti ao aperceber-me de que Dana, a minha mulher, estava à beira de ganhar o dardo...»

Bob Mathias conquistou segundo título do decatlo aos 21 anos e profissionalizou-se
Congressista, actor...
Ao conquistar o título de campeão olímpico do decatlo, em Londres, com 17 anos apenas, Bob Mathias jurou que nunca mais entraria noutra «prova para super-homens». Foi dito da boca para fora. A possibilidade de entrar, fulgurante, na história tornou-se irresistível. E, assim, lá esteve em Helsínquia. Revalidou o título com 912 pontos adiante do compatriota Campbell, a maior margem de sempre de um vencedor nos Jogos, batendo o record mundial pela terceira vez consecutiva, com 7887 pontos. Terminou os 1500 metros coxeando, dirigiu-se para um vão de escadas do estádio onde estava o seu irmão Jimmy e afiançou-lhe: «Quero que sejas o primeiro a ouvir que agora é a sério, acabou mesmo, atletismo só como profissional.» Tinha 21 anos apenas. Não fora isso conquistaria pelo menos mais uma medalha em Melburne. Disse adeus às armas sem que alguém o tivesse vencido uma vez que fosse! Concluiu o curso de Direito em Stanford, logo de seguida serviu na Marinha dos Estados Unidos, em 1954 participou, como protagonista principal, num filme que fez furor sobre a sua própria vida e, sete anos passados, contracenou com Jayne Mansfield em Aconteceu em Atenas, a reconstituição dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna. Era já um advogado ilustríssimo. Em 1966 foi eleito pelo Partido Republicano para o Congresso dos Estados Unidos, por lá se manteve até 1974, representando o 18.º distrito da Califórnia. Na primeira eleição perdida decidiu desligar-se da política e a barra continua a ser a sua paixão. Entrementes, empenhou-se e empolgou-se na criação do Centro de Treino Olímpico de Colorado Springs.

Patricia McCormick – Oito meses depois da gravidez
Antes de si ninguém o conseguira, fosse em que sexo fosse. Pat McCormick conseguiu proeza que apenas Greg Louganis repetiria muitos anos depois. Em Helsínquia ganhou os saltos para a água, quer no trampolim de três metros quer na plataforma de 10. Quatro anos passados, em Melburne, repetiria a dose. Com muito mais encanto e emoção. Nascera-lhe uma filha oito meses antes, Kelly se chamava e também haveria de ganhar duas medalhas olímpicas: prata em Los Angeles-84 e bronze em Seul-88. Patricia foi uma vanguardista fantástica. Os seus saltos raramente eram feitos por homens, alguns foram mesmo proibidos pelo alto grau de perigosidade.

Harrison Dillard – Esqueleto na imitação do ouro
A história de Harrison Dillard é um clássico olímpico: O Homem Que Ganhou a Competição Errada. Aos 13 anos assistiu, fascinado, à homenagem que Cleveland prestou a Jesse Owens no seu regresso de Berlim. Um desfile apoteótico, empolgante. Ficou em pele de galinha e, virando-se para a mãe, prometeu: «Vou ser como ele.» Nessa altura os amigos chamavam-lhe... esqueleto. Tão magrinho, um pau de fio. Entre Maio de 1947 e Junho de 1948 venceu 82 corridas consecutivas de 110 metros barreiras, só perdeu nos trials americanos e por isso ficou sem passaporte para os Jogos de Londres na prova em que já era recordista mundial. Não se submeteu à crueldade do destino, foi, à pressa, aos 100 metros, apurou-se e sagrou-se campeão olímpico! Em Helsínquia já esteve no seu habitat natural. E foi verdadeiramente arrasador nos 110 metros barreiras. Na estafeta de 4x100 metros apoderou-se de mais um título olímpico. E, tal como prometera à mãe, despediu-se do atletismo com quatro medalhas de ouro — tantas quanto Jesse Owens...
 
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Adhemar Ferreira da Silva no primeiro de dois títulos olímpicos de triplo salto

Canguru de perna alta
Foi a primeira medalha de ouro em português. Com 19 anos, em 1946, abandonou o lugar na equipa de futebol de várzea, do bairro paulistano de Casa Verde, para se dedicar ao atletismo. Tinha um gabarito notável, 1,78 metros de altura mas 1,08 metros de pernas. Dois anos depois fazia a sua estreia olímpica em Londres, ganhou experiência — e percebeu que não poderia treinar-se apenas duas vezes por semana, à hora do almoço, no intervalo dos trabalhos ou do estudo. Apostou mais no atletismo e virou... canguru. Em 1952 Adhemar Ferreira da Silva juntou ao ouro no triplo salto o máximo mundial. Quando desembarcou em Helsínquia já mostrara as suas credenciais, igualara, um ano antes, o japonês Naoto Tajima, que nos Jogos de Hitler se tornara o primeiro homem a atingir os 16 metros. Verdadeiramente inspirado o brasileiro creditou-se primeiro nos 16,12 metros e logo depois nos 16,22! Um acréscimo notável, ainda mais fantástico seria o seu voo em Março de 1955, na Cidade do México: 16,56 metros. Em Melburne segundo título olímpico. Ainda esteve em Roma para defender a coroa mas, já doente, eclipsou-se, anunciou o abandono, pouco depois caiu à cama com tuberculose, efeitos do vício de fumar que apanhara aos 16 anos, chegava a queimar três maços por dia. Foi então que descobriu outra vocação — a de missionário. Aderiu a um grupo evangélico e agora anda pelo mundo a espalhar a palavra de Deus.

Parry O\'Brien – Revolução de costas e agachado
Helsínquia marcou o arranque de um herói fabuloso. De um hércules revolucionário. Quando, instintivamente, descobriu uma nova forma de arremessar o peso Parry O\'Brien foi alvo de chacota, ridicularizado. Até então o lançamento era de frente, de olhar no espaço aberto. O americano inverteu a posição, agachando-se, fazendo rotação de tronco, de costas para o alvo, para assim conseguir colocar mais velocidade na força — e o disparo ser de canhão. Era a técnica da modernidade que se abria. Graças à sua argúcia. Parry, medindo 1,90 metros e pesando 100 quilos, sagrou-se campeão olímpico em 1952, revalidou o título em 1956 e ainda ganhou a medalha de prata quatro anos depois. Nascera em Santa Mónica, na Califórnia, em 1932. Em Helsínquia resgatou o ouro a 17,41 metros, um ano depois bateu o primeiro dos seus 17 records mundiais, com 18 metros. Até Novembro de 1956 acrescentou-lhe 1,25 metros. Em Março de 1959 Dallas Long logrou 19,25 metros, O\'Brien ripostou e seis meses depois reapossou-se do record do Mundo por um centímetro. Empolgante foi o duelo entre ambos nos Jogos Olímpicos de Roma, o ouro caberia a Long, já então senhor do universo, com 19,38 metros. Mas Parry entrara havia muito na história — para além das três medalhas olímpicas e da torrente de máximos mundiais um registo insuperável de 116 vitórias consecutivas no lançamento do peso!

Shirley Strickland com sete medalhas — e só não são oito por erro nunca reparado
Imperatriz em lágrimas e menina da fazenda...
Final dos 80 metros barreiras. Em Helsínquia Fanny Blankers-Koen tinha 34 anos e ainda sonhava com mais um milagre. Não chegou sequer ao pódio, abandonou a pista com dois fios de lágrimas correndo-lhe pelo rosto de mármore, coração de gelo. Aos piparotes, a festa era da australiana Shirley Strickland, que quatro anos antes, em Londres, já arrecadara três medalhas, uma de prata (nos 4x100) e duas de bronze (nos 100 e nos 80 metros barreiras). E só não foram quatro por erro incrível no visionamento do photo-finish dos 200 metros: foi colocada em quarto lugar, provar-se-ia depois que tinha sido terceira, só que a classificação nunca seria alterada. Em 1952, já casada e sob o nome de Shirley Strickland de la Hunty, para além da vitória nas barreiras sobre a lendária holandesa voadora — tornando-se a primeira mulher a fazer menos de 11 segundos, creditada de 10,9 —, ganhou a medalha de bronze no hectómetro. A vitória coube à compatriota Marjorie Jackson, com 11,5 segundos, que venceu igualmente os 200 metros, com 23,7 segundos. Em Melburne Shirley conquistaria mais duas medalhas de ouro, nos 80 metros barreiras e nos 4x100. Contas feitas, sete medalhas, três de ouro, duas de prata e duas de bronze. Só muitos anos depois a polaca Irena Szewinska conseguiria igualar o pecúlio olímpico de Shirley, filha de um velocista profissional, criada numa fazenda completamente inóspita do interior da Austrália — «onde a única coisa que se podia fazer com algum prazer era correr pelos campos cheios de relva, ao despique com cãezinhos e cavalos de estimação».

Kono, campo de concentração, coelho e jibóia
Como muitos outros americanos descendentes de japoneses, durante a II Guerra Mundial Tomio Kono passou largos meses detido num campo de concentração para... «estrangeiros indesejáveis». Era, então, uma criança frágil, sistematicamente atacada por asma. Durante o suplício da prisão o pai convenceu-o a levantar pesos. Abriu-lhe o caminho para o paraíso. Nos Jogos Olímpicos de Helsínquia, com 22 anos, sagrou-se campeão de peso ligeiro, quatro anos depois, em Melburne, ganhou a medalha de ouro em meio-pesado e nos Jogos de Roma haveria de protagonizar duelo histórico com o russo Kurynow na categoria de médios, mais não conseguiu que a medalha de prata. Para trás uma carreira fulgurante, 18 records mundiais, três títulos de campeão do Mundo e outro de vice-campeão. O seu controlo mental era já uma lenda — que deixava, sobretudo no período mais fantástico, os adversários completamente destroçados, de tal modo que Fyodor Bogdnonovsky, um dos maiores halterofilistas dos anos 50, terá dito: «Quando Kono olha para mim congelo! Sinto-me como um coelho magnetizado por uma jibóia.»

Armas do filho do senhor da taberna
Christian d\'Orizola Graciosidade, destreza e maestria no manejo da arma misturadas com vigor atlético fizeram do francês Christian d’Orizola o mais bem-sucedido esgrimista da história olímpica. Quando um dia lhe perguntaram qual a razão do seu sucesso encolheu os ombros, ciciou: «Não sei... Se calhar a rapidez e o espírito de lutador... Mas não sei...» Começou a esgrimir aos oito anos, aprendendo a arte com o pai, dono de uma taberna em Peroignan. Em 1947 classificou-se em segundo lugar no campeonato nacional, telefonou eufórico para casa, do outro lado mousieur D’Orizola, displicente, perguntou-lhe apenas porque... não tinha ganho! Poucas semanas depois, com 17 anos, sagrar-se-ia campeão do Mundo, em Lisboa. Medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Londres, conquistaria os títulos mundiais em 1949, 53 e 54, não disputando as edições de 1950 e 51 devido a problemas renais que o infernizavam amiúde. Em Helsínquia conquistou a primeira medalha olímpica de ouro. Como haveria de ser a de Melburne, em 1956. Um ano antes, na estreia dos floretes electrónicos em grandes competições internacionais, fora segundo nos Mundiais. Na prova feminina de florete a húngara Ilona Elek, campeã olímpica em 1936 e 1948, perdeu o ouro para a italiana Irene Camber.

Paul Elvstroem – Quatro velas de ouro
Incontestavelmente, o velejador do século. Com quatro medalhas de ouro consecutivas em Jogos Olímpicos. A primeira aos 20 anos, em Londres. Filho de um capitão-de-fragata da marinha dinamarquesa, Paul Elvstroem nasceu a 25 de Fevereiro de 1928 em Copenhaga. Revalidou os títulos em Helsínquia, Melburne e Roma, tornou-se capa de revista um pouco por todo o Mundo, deu à vela mediatismo como nunca tivera. Em 1984, aos 66 anos, ainda conseguiu outorgar-se o título de campeão europeu de tornado-EM, de parceria com a sua filha Trine, falhando ambos a medalha de bronze nos Jogos de Los Angeles por uma nesga. Elvstroem tornou-se, entretanto, bem-sucedido homem de negócios, primeiro com uma fábrica de velas, depois com um empório para construção de veleiros.
 
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hast

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Viktor Tchukarin arrecadou seis medalhas na ginástica só em Helsínquia

Paraíso aberto depois de terror nazi
Em Helsínquia ninguém conquistou mais medalhas que ele. Quatro de ouro (concurso individual, concurso completo, salto de cavalo e cavalo com arções) e duas de prata (paralelas e argolas). Foram os jogos da explosão da ginástica soviética — e sobretudo de Viktor Tchukarin, que apenas aos 28 anos se lançou na carreira, antes passara dias trágicos num campo de concentração nazi, só quando de lá saiu, em 1949, descobriu outro caminho, o caminho da glória. Em 1956, nos Jogos de Melburne, tinha 35 anos, e apesar disso arrecadou mais três medalhas de ouro (concurso individual, concurso completo e paralelas), uma de prata (exercícios no solo) e uma de bronze (cavalo com arções). Assim fechou a carreira. Imortalizando-se. Com a ginástica finalmente alargada no feminino, a outra grande figura de Helsínquia também era soviética: Maria Gorochowskaja, vencedora do concurso individual e completo e segunda classificada nos exercícios de solo, salto de cavalo, trave e paralelas assimétricas e na ginástica de grupo. Nina Botscharowa e Grant Schaginyan apoderaram-se de duas medalhas de ouro e duas de prata cada qual — ela ganhou a trave e ajudou à vitória colectiva da URSS e foi segunda no concurso individual e na ginástica de grupo; ele venceu as argolas e o concurso completo, sendo segundo no concurso individual e no cavalo com arções.

71 ou a revolução vermelha
Os Jogos de 1952 marcaram a estreia da URSS. Quebrava-se assim um jejum olímpico de 40 anos. A Rússia dos czares estivera em Estocolmo, em 1912, mas não conseguira melhor que três medalhas: uma de prata e duas de bronze. Em Helsínquia a explosão vermelha: 71 medalhas (22 de ouro, 30 de prata e 19 de bronze). Melhor só mesmo os Estados Unidos, com 76 — 40 de ouro, 19 de prata e 17 de bronze. A Hungria foi a terceira potência, com 42 medalhas (16+10+16).

Joaquim Fiúza e Francisco Rebelo de Andrade com bronze na classe da elite
Medalha na vela e outra à... vela
Apesar de o COP continuar a contar os seus tostões, em finais de 1951 o seu secretário-geral, Nobre Guedes, alvitrou que a deslocação se fizesse de barco. Assim foi. Quando o Serpa Pinto zarpou de Lisboa levava 79 atletas e pela primeira vez na história mulheres — três ginastas: Dália Cunha, Laura Amorim e Natália Cunha. E até o Rancho de Santa Marta de Portuzelo para... «actividades culturais». Uma vez mais foram a vela e o hipismo a salvar a honra do convento. Na classe star — o barco da elite náutica — Joaquim Fiúza e Francisco Rebelo de Andrade conquistara a medalha de bronze, ficando atrás da Itália e dos Estados Unidos. Em 5,5 metros os irmãos Belo, acompanhados de Júlio Gourinho, utilizaram embarcação alugada a um sueco. Mal chegaram a Helsínquia atiraram-se ao mar e numa regata de treino deixaram o segundo classificado a mais de dois minutos. Foi o pânico nos demais. Queixas e protestos, a embarcação sujeita a exames suplementares. Medições que se faziam normalmente em duas horas prolongaram-se por dois dias. Por fim a decisão — que o lastro teria de deslocar-se mais para a proa em cerca de 100 quilos. Espantado, o proprietário do barco deslocou-se, a pedido do conde de Caria, aos juízes jurando que «havia três anos que corria em regatas internacionais e nunca se descobrira tal trama ou insuficiência». Apesar de tudo deslocou-se o lastro — e os portugueses perderam dois dias de treinos, partiram à compita arrasados por nervos. Só ao terceiro dia voltaram a si e, apesar de uma fabulosa recuperação, não conseguiram melhor que o quarto lugar. No hipismo Fernando Cavaleiro, Pereira de Almeida e Duarte Silva foram quartos no concurso completo, perderam a medalha de bronze por uma unha negra e queixaram-se de «mais ou menos oculta perseguição dos juízes». No Grande Prémio das Nações Henrique Calado, Craveiro Lopes e José Carvalhosa fecharam a primeira ronda em segundo lugar, na seguinte foi a débâcle — e a queda para oitavo. No atletismo a grande desilusão: Rui Ramos, que semanas antes havia estabelecido um novo record nacional do triplo salto com 15,54 metros (terceira melhor marca mundial do ano), apurou-se facilmente para a final mas não conseguiu ir além da 12.ª posição, com 14,69 metros

Flyod Patterson foi uma das estrelas no boxe, a outra chama-se Ingemar Johansson
Esquivador de Waco
Sob orientação técnica do mítico Cus D’Amato, Floyd Patterson sagrou-se campeão olímpico de meios médios nos Jogos Olímpicos de Helsínquia. Tinha apenas 17 anos. Um mês depois o pugilista de Waco (que ainda mais famosa ficaria muitos anos depois devido à loucura de uma seita religiosa de suicidas...) já era profissional — e Eddie Godbold, primeira vítima dos seus punhos de aço, durou apenas quatro assaltos. Apesar de ser demasiado leve para combater como pesado, Patterson lançou o repto a Archie Moore e a 30 de Novembro de 1956 tornou-se o mais jovem campeão do Mundo de pesados de toda a história, com 21 anos e 10 meses apenas. Defendeu com sucesso o cinturão até 1959, foi derribado pelo sueco Ingemar Johans-son. Um ano depois vingou-se da desfeita — e recuperou o título, que só perderia em 1962, para Sonny Liston, que o deixou KO logo ao primeiro assalto. Patterson tentou recuperar o título unificado em duas oca-siões mas foi derrubado de ambas as vezes, quer por Liston quer por Muhammad Ali. Em 1968, depois de igualmente ter perdido o título da WBA para Jimmy Ellis, anunciou a retirada dos ringues. Mas não por muito tempo. Dois anos volvidos o regresso às lides, nove triunfos consecutivos — a 20 de Setembro de 1972, após sete assaltos, Ali travou-lhe irremediavelmente o sonho de voltar a campeão do Mundo. Então sim a reforma definitiva — sem que o rosto estivesse escalavrado por cicatrizes como o dos demais. Era o sinal do seu estilo — inteligente e evasivo.

Martelo de Tor, namorada incómoda e morte no ringue
Em Helsínquia os Estados Unidos venceram cinco dos dez títulos olímpicos em disputa no boxe. Em pesados a vitória coube ao americano Hayes Edward Sanders, o sueco Ingemar Johansson foi desqualificado por jogo passivo — e despojado de qualquer medalha. Em 1982 ser-lhe-ia devolvida a prata. Sanders morrera já, vítima de lesão cerebral durante um combate, algum tempo depois... Criando um golpe fantástico de direita, denominado martelo de Tor, em 1959 Ingemar tornar-se-ia o primeiro europeu a apoderar-se do título mundial de pesados após o alemão Max Schmeling ter batido Joe Louis, em 1934. «O meu golpe de direita? É um dom dos deuses. É algo de místico e mais rápido do que os olhos podem ver. De repente, boom — sai como um trovão.» Em Helsínquia o campeão de médios chamava-se Floyd Patterson, que quatro anos depois, com 21 anos, se tornou o mais jovem campeão mundial de pesados em profissionais, retirando o título a Archie Moore; perdê-lo-ia para o sueco Ingemar Johansson, completamente ridicularizado pela imprensa americana porque, antes do duelo, nunca deixou de ter a namorada a seu lado — houve até publicação mais conservadora que lhe lançou imprecações porque Birgit Lundren «até dormia com ele no quarto do hotel»! Laszlo Papp, húngaro campeão de médios em 1948, venceu a categoria de peso pluma, introduzida precisamente nos Jogos de Helsínquia.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
7,173
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Sacramento
So um pequeno permenor.O Floyd Patterson nao tirou o titulo ao Archie Moore ja que nessa altura o titulo estava \"vacant\" com a retirada do Rocky Marciano.
A derrota do Patterson contra o Jimmy Ellis na Suecia foi um dos maiores roubos no mundo do boxe.
 
H

hast

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1953 – Hungria humilhou Inglaterra em Wembley Duas estrondosas goleadas: 6-3 e 7-1

Magia na «catedral»
Os ingleses inventaram o jogo, criaram as regras e adaptaram-nas ao longo dos anos. Mas fizeram mais: estiveram sempre na dianteira da concepção táctica, cristalizada a partir de meados da década de 20, quando Herbert Chapman, ao serviço do Arsenal, pôs em prática o célebre WM, referência fundamental até aos dias de hoje e cuja influência marcou decisivamente o futebol mundial. O Campeonato do Mundo de 1950 deixara indicações mais ou menos seguras das dificuldades dos ingleses em manter a hegemonia no futebol tal como estavam habituados desde os tempos da sua criação. Não deram grande importância à derrota com os Estados Unidos, prosseguiram o seu caminho e mantiveram a ideia de que o WM era em si mesmo um produto final e não apenas um óptimo ponto de partida para novos desenvolvimentos do jogo. Quando a Hungria ganhou o torneio de futebol nas Olimpíadas de 1952 o cenário de evolução ganhava contornos reais. Já nessa altura era uma selecção fortíssima e inovadora, composta por jogadores de talento acima da média, mais rápidos, mais brilhantes, mais versáteis, para quem a distribuição no campo era apenas a referência geográfica que marcava o início de deambulações por todo o terreno. Estádio de Wembley, 25 de Novembro de 1953. A Hungria, que vinha de uma série de mais de 20 jogos sem perder, entrava na grande catedral, perante cem mil espectadores, pronta a desmistificar aqueles que mantinham a presunção de serem os donos absolutos do futebol. O resultado não podia ter sido mais eloquente: a Inglaterra perdeu por 3-6, esmagada pelos números e, mais grave, pelas debilidades postas a nu por uma equipa que mais parecia de outra galáxia. O WM, como sistema a partir do qual os jogos se ganhavam, era enterrado precisamente no sítio mais sagrado para aqueles que o inventaram e veneravam. Por incrível que pareça o pior ainda estava para vir. Seis meses depois, a 23 de Maio de 1954, a Inglaterra retribuiu a visita e deslocou-se ao Nepstadium, em Budapeste, a menos de um mês do início do Mundial. Os húngaros foram cruéis: ganharam por inacreditáveis 7-1. Um resultado que permanece como a mais pesada derrota de sempre da selecção inglesa e conferiu a Puskas e companhia o estatuto de favoritos principais à conquista do Campeonato do Mundo suíço.

Novos mestres
«Ontem aconteceu o inevitável: por fim a Inglaterra foi batida pelo invasor estrangeiro», lia-se no The Times do dia seguinte à vitória da Hungria, em Wembley. As manchetes dos outros jornais expressavam fielmente a angústia britânica: «Os novos feiticeiros de Wembley»; «Agora é voltar para a escola, são húngaros os novos mestres do futebol»; «Façam-nos correr, nós não pudemos».

Heróis magiares
Hidegkuti marcou três golos em Wembley, Puskas dois, Bozsik um e os heróis da catedral foram: Grosics; Buzanszky e Lorant; Lantos, Bozsik e Zakarias; Budai II, Kocsis, Hidegkuti, Puskas e Czibor

Depois do Tour, penta do Giro, tri no campeonato do mundo
De Burkina com malária
Os italianos epitetaram-no il campionissimo. Nascera a 15 de Setembro de 1919 em Castellania. Trabalhava numa charcutaria quando Biago Cavanna, que era cego, lhe pressentiu o jeito de campeão. Fausto Coppi tinha 19 anos e já compleição física quase irreal, capacidade pulmonar de sete litros e menos de 40 pulsações por minuto, era um lutador indomável, saltava para a bicicleta como se encarnasse o desejo eterno da perfeição — na precisão mecânica de um relógio ao serviço da eficácia técnica, utilizava até, instintivamente, dietas especiais, que à época não passavam pela cabeça de qualquer técnico de ciclismo. Deficiente no sprint, corria na ânsia de esborralhar os adversários bem longe da meta, em ataques relâmpagos verdadeiramente loucos. Por isso ou era heróico na derrota ou grandioso na vitória. A perseguição era o maior prazer. Em 95 ganhou 88 — e sagrou-se por duas vezes campeão mundial. Quebrou o anonimato em 1942 ao bater o record mundial da hora — sem qualquer preparação específica para isso e no intervalo de dois ataques aéreos, porque era o tempo da guerra em seus trágicos orneios. Poucas semanas depois seria capturado pelas tropas de Montgomery em pleno deserto tunisino, prisioneiro ficou até ao armistício. Apesar das várias adversidades que lhe aconteceram durante a carreira (fracturas da bacia, clavícula, escápula e crânio), apenas admitia ser o melhor, independentemente das circunstâncias e do perfil ou da importância da competição em que estivesse. Era uma obsessão — o prazer sádico de destroçar os adversários. Em 1946 esteve à cabeça do Milão-San Remo durante 270 quilómetros, isolado pedalou 145 — cortou a meta com 14 minutos de vantagem sobre o segundo classificado. O mesmo faria durante mais de 100 quilómetros no Paris-Roubaix ou no Flèche Wallone de 1950. Dois anos depois, numa das mais terríveis etapas dos Alpes, chegou ao cume da montanha com 28 minutos de vantagem! Estima-se que ao longo de toda a carreira, tenha passado mais de três mil quilómetros à frente dos pelotões! Vencedor do Tour em 1949 e 1952, penta no Giro (1940, 1947, 1949, 1952 e 1953), tricampeão mundial de estrada e perseguição, 118 vitórias nas mais variadas provas — eis o pecúlio de Coppi. Indiferente à II Guerra Mundial, apesar de obrigado a pegar em armas e zarpar para campos de batalha no Norte de África, sem nunca apoiar explicitamente Mussolini, chegou a ser acusado de cumplicidade com os crimes do fascismo. Em 1953 a estrela começou a embaçar-se — um divórcio turbulentíssimo, a ameaça de prisão, ainda competiria na Argentina e na Austrália. Em 1960 participou numa corrida na antiga colónia alemã do Alto Volta, actualmente denominada Burkina, arrasou a concorrência, o que de lá trouxe foi trágico — o vírus da malária que o condenaria à morte poucas semanas passadas. Tinha 41 anos.

Primeira tenista a vencer o Grand Slam
Estrela destruída por cavalo
Contando apenas 19 anos, Maureen Catherine Connoly tornou-se, em 1953, a primeira tenista a reunir os quatro títulos do Grand Slam. Nascida a 17 de Setembro de 1934 em San Diego, coleccionou impressionante série de títulos — vitórias individuais em Wimbledon (1952 a 1954), U. S. Open (1951 a 1953), Roland-Garros (1953 e 1954) e Open da Austrália (1953). Preferindo actuar no fundo do court e possuidora de forte jogo tanto à esquerda como à direita, Little Mo, como era carinhosamente conhecida, ganhara pela primeira vez o Open dos Estados Unidos com 16 anos e até abandonar (prematuramente) a competição sofreu apenas quatro derrotas. A despedida deveu-se a um acidente equestre — os cavalos eram a sua outra paixão, ficou com perna esmagada numa queda, acabara de ganhar Wimbledon e Roland-Garros, faltavam poucos dias para o U. S. Open, onde tentaria a quarta vitória consecutiva. No ano seguinte casou-se com Norman Brinker, membro da equipa olímpica de hipismo dos Estados Unidos, dedicou-se ao treino de tenista, o seu fulgor logo explodiu mas o destino mantinha-se cruel para si — falecendo, vítima de cancro, em Dallas, a 21 de Junho de 1969. Tinha apenas 34 anos.

Bicicleta da mulher-bala
Beryl Burton nasceu em 1937. Foi a primeira grande mulher ciclista. Os sete títulos mundiais que alcançou ao longo de 25 anos de carreira, ao mais alto nível internacional, acabaram ofuscados por uma única corrida — de 12 horas, em Yorkshire, sua terra natal. Os organizadores juntaram senhoras e senhores à compita. Ao cabo de 235 milhas Beryl ultrapassou Mike McNamara e, com um sorriso trocista, murmurou-lhe: «Nunca imaginou uma bala assim, a passar por si, pois não?!» Contas feitas e o mundo inteiro boquiaberto: ela cumprira 277,25 milhas (cerca de 446 quilómetros) ao longo daquele meio dia, McNamara, com 276,52 milhas, até batera o seu record britânico. Era a primeira vez que uma mulher derrotava um homem! Beryl já era mãe de uma filha (que a seu lado haveria de disputar um campeonato mundial), em criança sofrera um distúrbio no sistema nervoso central, febre reumática deixara-a também, algum tempo depois, internada durante 15 meses. Aos 58 anos, 12 meses antes da sua morte, disputou a última competição — e muitas das ciclistas que com ela perderam poderiam ser suas netas...
 
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hast

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1953 – Português à caça de título europeu de boxe

Belarmino Fragoso — depois da glória, miséria, atropelamento
Barraca, graxa filme com Amália
O ponto alto da vida de Belarmino Fragoso foi conquistar o direito de disputar, na década de 50, o título europeu de plumas ao francês Maurice Tavant. Um bailarino em ringue, movimento perpétuo, vigor que parecia nunca esvair-se. Ao contrário de Santa Camarão, não enriqueceu com a força e a agilidade do seu soco. Vendeu jornais, engraxou sapatos. Ao fim da jornada galgava a Avenida, de coração cheio, para, no café Ribadouro, afagar a alma na comoção do «contacto com os amigos intelectuais», aquele era já o tempo das luvas perdidas, da vida a desfazer-se em angústias que saltavam nas lágrimas choradas às escondidas dias negros que lhe causavam mais dor que todos os murros que lhe enfeixaram... Fernando Lopes haveria de convidá-lo para a Crónica dos Bons Malandros — filme retirado de um romance apaixonante de Mário Zambujal. Um carro, numa rua de Almada, desfez-lhe sonho que despertara nessa vontade de voltar a ser gente, aquecida pela luz quente do prazer redescoberto dos holofotes. Não o matou, deixou-o praticamente inválido. Antes, ao sabê-lo em penúria agreste, um amigo chamou-o para segurança do Partido Socialista. Não quis. «Tenho amigos em todos os partidos e isto de ser segurança só causa inimigos» foi a resposta. No fundo, sinal do que era. Uma história de encantar de 340 combates. Dez filmes. Em Ilhas Encantadas contracenou com Amália. Fernando Lopes passou-lhe a história à tela — em Belarmino. Deu-lhe 12 contos de direito de imagem. O herói dessas cenas espojado estava no catre de uma barraca em Almada quando o coração parou. Em 1982. Não, não morreu. Ficou o mito — a fugir eterno da miséria onde Baptista Bastos lhe fez a última entrevista. Um comovente monumento de jornalismo que o escritor perpetuaria no livro A Palavra dos Outros. Lá está a frase choque: «No boxe ganhei uma porcaria; os outros gajos roubavam-me a guita toda. Davam-me cinco contos e gamavam-me às centenas. Levei porrada que me fartei. E também dei. Fui muito bom, eu. Fui mesmo muito bom.»

Alberto Ascari – Carro na água e morte acidental
Foi o primeiro grande homem da Ferrari. Os seus dois títulos de campeão mundial, em 1952 e 1953, selaram-se com sequência memorável de nove vitórias sucessivas em grandes prémios, façanha que dificilmente será repetida. Quando deixou os carros do amigo Enzo assumiu o projecto Lancia mas os bólidos atrasaram- -se, foi dispensado à Maserati. Em 1954, no Grande Prémio do Mónaco, estava em vias de dar a primeira vitória à Lancia, desconcentrou-se e... o carro voou para as águas do porto! Nadador exímio, antes sequer de o bote de homens-rãs chegar até si Alberto voltou à tona, tinham passado apenas 10 segundos. Agonizantes. No hospital apenas se descobriu o nariz partido. Quatro dias mais tarde, em Monza, Alberto foi assistir aos treinos para a corrida de Supercortemaggiore. Antes de regressar a casa, para o almoço, decidiu experimentar o Ferrari do amigo Castellotti. Em mangas de camisa, de calças normais e com capacete emprestado, fez-se à pista — num instante a derrapagem, o bólido num rodopios de mortais, Ascari projectado para o alcatrão escuro, um regato de sangue a correr de si, a morte. Tinha 37 anos. Exactamente a idade que seu pai, António, tinha quando foi ceifado à vida, liderando o Grande Prémio de França, em Montlhéry, em 1925.

Corretora da bolsa em águas geladas
Florence Chadwick
Com apenas 11 anos Florence Chadwick venceu as Seis Milhas de San Diego batendo nadadoras muitos mais velhas e algumas estrelas olímpicas. Em 1945, com 27 anos, juntou-se a Esther Williams no filme Bathing Beauty, tornando-se profissional. A 8 de Agosto de 1950 foi a primeira mulher a ligar o canal da Mancha nos dois sentidos. Cinco anos depois colocou o record mundial feminino da travessia em 13.55 horas. Algum tempo depois, ao tentar melhorá-lo, foi retirada da água gelada inconsciente, com uma arritmia cardíaca. Se os salvadores do bote chegassem cinco minutos depois teria morrido. Em 1960, com 42 anos, era uma das mais famosas corretoras da bolsa de San Diego — e continuava a aventurar-se nas travessias um pouco por todo o Mundo, sendo considerada a maior nadadora de longa distância de toda a história.
 
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hast

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1954 – Português a ganhar a Mancha

Baptista Pereira, malandrice com óculos de egípcio e 40 contos
Gineto, operário lobo de mar
Baptista Pereira, operário numa fábrica de Alhandra, na qual recebia 26 escudos diários, tornou-se em 1954 herói da Mancha. Era Agosto — e a aventura da sua vida. Vida de sofrimento de homem rude, rijo de corpo e de alma, que Soeiro eternizara a meninice como gineto em Os Esteiros. À partida ficou a saber que podia ganhar 500 libras (cerca de 40 contos) de prémio monetário, uma taça de prata no valor de 1000 libras — e sobre o mais o reconhecimento do mundo pela façanha heróica do desafio ao aço mais temperado dos músculos, dos nervos, da galhardia. Não, não se limitou a vencer as águas revoltas, as correntes traiçoeiras, a força desanimadora do céu negro — da noite passada em luta infrene com o mar, zangado, turbulento... De início andou perdido, afastara-se do barco de apoio, desanimou, quis desistir — outros concorrentes já lhe tinham tomado mais de 15 minutos de avanço. Seguiu... Horas depois já estava na frente, em duelo com o egípcio Hassan Hamad, que por várias vezes o empurrou e lhe plantou a cabeça na água. Farto da manivérsia, passou ao ataque, ao jeito rebelde e ardiloso de gineto: tirou os óculos ao africano e atirou-os para longe. O outro, na fuligem da noite, em pânico, entre gritos desesperados, pôs-se à procura do adereço que por ser de borracha e mica flutuava, flutuava... Nesse instante se isolou Baptista Pereira. A 400 metros da costa, quando já se entreviam silhuetas de espectadores nas escarpas, a corrente desviou-o da rota, Hassan surgiu à sua ilharga. A decisão foi quase ao sprint — 11 horas e 56 minutos depois, o pé colocado em sítio abrupto, a oeste de South Foreland Point, numa das falésias de Dôver. Sorriu, exausto, mal dando acordo de si. E começou a sentir lágrimas a correrem-lhe pelo rosto perolado de suor, lama, maresia. Era uma grande vitória de Portugal. E de um homem simples, arrancado do povo, filho dele — dos seus sentimentos, da sua alma...

Filipe Nogueira segundo em Monte Carlo
Filipe Nogueira classificou-se em segundo lugar no Rali de Monte Carlo, recebendo, por isso, 60 mil francos. Uma fortuna. Para além disso o director desportivo da Porsche colocou-lhe como hipótese disputar as 24 Horas de Le Mans com um dos seus bólidos, fazendo equipa com Ernesto Martorell.
Rocky Marciano, único pesado que não perdeu qualquer combate

Rezas da mãe e avioneta mortal
Como profissional Rocky Marciano não perdeu um único combate. Foram 49 vitórias a fio, 43 por KO. Nascido em Brockton (Massachusetts) a 1 de Setembro de 1923, baptizado como Rocco Francis Marchegiano. No liceu revelou-se talentoso em várias modalidades, o boxe surgiria no final da II Guerra Mundial — descobrira o jeito em Inglaterra, onde estivera ao serviço dos marines. Com 1,79 metros e 89 quilos, e sem demonstrar grande capacidade técnica, sentiu enormes dificuldades para encontrar promotor disposto a apostar em si — sobretudo para combates de pesados. O que lhe faltava em altura e peso sobrava-lhe em habilidade para aplicar golpes mortíferos e sucessivos ou em energia que parecia nunca esgotar-se. Nos primeiros desafios era alvo de chacota dos puristas, lutava desajeitadamente, torto, sem soco direccionado. A sua terrível direita depressa se tornou temível, avassaladora — ele chamava-lhe carinhosamente «Susie-Q». Depois de ter ganho os 16 primeiros combates por KO e mandado o lendário Joe Louis para a reforma, na 43.ª batalha, a 23 de Setembro de 1952, o destruidor de Brockton conseguiu o que parecia impossível: diante de 40 mil espectadores que se aboletavam no Philadelphia Municipal Stadium atirou Jersey Joe Walcott ao tapete no 12.º assalto e apoderou-se do título mundial de pesados. Defendê-lo-ia com sucesso por seis vezes, aos 32 anos, em 1956, despediu-se dos ringues com mais de quatro milhões de dólares de ganhos — cedendo, assim, às pressões da mulher. E da mãe, que enquanto o filho estava em acção se aninhava numa igreja qualquer em preces. Quando lhe perguntaram porque receava tanto pelo filho, desconcertante, redarguiu: «Estão enganados, não rezo pelo Rocky, sei que ele ganha sempre, tenho é medo que desfaça o adversário, que o mate com aqueles socos que parecem balas de canhão. É por esses desgraçadinhos que rezo...» Na véspera de completar 46 anos, a 31 de Agosto de 1969, a sua avioneta particular, por si pilotada, despenhou-se em Newton (Iowa) — e morreram. Archie Moore, recordando o último combate entre ambos, com as lágrimas em catarata pelo rosto, diria, nesse dia, na televisão: «Um soco só do Rocky não poderia, obviamente, derrubar-nos mas a sucessão de socos que aplicava é que deixava qualquer um atordoado, com as pernas e a cabeça em água. Tinha mais energia que qualquer um, era como um touro com luvas.»

Volta da turbulência
Em 1955 Alves Barbosa obteve mais um êxito internacional na Corrida 9 de Julho, em São Paulo, voando pelas avenidas paulistas à média de 41,760 km/hora. Dias Santos, representando a Portuguesa de Desportos, chegou em 6.º A Volta a Portugal desse ano trouxe à luz da ribalta Ribeiro da Silva, elegendo-o arqui-rival de Alves Barbosa. Depois dos protestos de Barbosa, devido a diferenças de critério do júri nas chegadas à Covilhã e às Caldas da Rainha que o haviam prejudicado, surgiram, no final da derradeira etapa, às portas do Porto, incidentes graves que retiveram na estrada o corredor do Sangalhos, impedindo-o de ganhar a Volta. Foi a primeira vitória de Ribeiro da Silva. Alves Barbosa, vencedor em 1951, ganharia em 1956 e 1958 — e Ribeiro da Silva venceria em 1957. Para pouco depois morrer...
 
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1954 – Campeonato do Mundo de Futebol na Suíça

Hungria vinha de série fantástica de vitórias mas...
Heróis injustiçados
A derrota da Hungria no Mundial de 1954 constituiu uma das maiores surpresas de sempre que o futebol reservou aos seus adeptos — ainda hoje há quem diga que foi a surpresa do século. E uma das maiores injustiças também, porque disso se trata quando no balanço do século verificamos que uma selecção fantástica, composta por jogadores de nível superior, inovou, fez história e desmantelou-se sem o prémio merecido de sagrar-se campeã mundial. O Campeonato do Mundo de 1954 teve uma organização estranha: quatro grupos de quatro equipas, cada um com dois cabeças de série escolhidos arbitrariamente e que nunca se defrontariam entre si. Peguemos no exemplo do Grupo 2: Hungria e Turquia (cabeças de série), Alemanha e Coreia do Sul. Os húngaros só jogariam com alemães e sul-coreanos, os alemães só defrontariam húngaros e turcos. Um sistema sem qualquer sentido. Foi no dia 20 de Junho que Hungria e Alemanha, que viriam a ser os finalistas da prova, se defrontaram pela primeira vez. Os magiares fizeram prevalecer todos os argumentos que os apontavam como favoritos à conquista do título e como selecção mais poderosa e inovadora do futebol de então. Esmagaram por 8-3 um adversário que não se apresentou na máxima força, ciente de que, devido ao regulamento, esse não era um jogo decisivo. Importante mesmo era, três dias depois, ganhar à Turquia, no jogo de desempate — vitória fácil por 7-2. Nos quartos-de-final a Hungria bateu o Brasil (4-2) e a Alemanha desembaraçou-se da Jugoslávia (2-0). Nas meias-finais os alemães foram impiedosos com a Áustria (6-1), enquanto os húngaros passavam pelo primeiro susto: ganharam ao Uruguai por 4-2, após prolongamento — 2-2 no final dos 90 minutos. Quando se encontraram na final, a 4 de Julho, tinham passado apenas 15 dias sobre os 8-3 da partida referente à primeira fase. Significa isto que na memória de todos ainda estava a superioridade indiscutível exibida por Puskas (que entretanto se lesionara e só reapareceu no jogo decisivo) e companhia. Se a Hungria partiu para o Mundial na condição de favorita, chegar à final não passava de um dever cumprido. Porém, tal como quatro anos antes, no Maracanã, a surpresa aconteceu. Contra todas as expectativas a Alemanha sagrou-se campeã do Mundo ao ganhar por 3-2 — aos 10 minutos estava a perder por 0-2. Jules Rimet, que abandonara a presidência da FIFA, desceu ao relvado para entregar a taça com o seu nome. Esperava encontrar Puskas, encontrou Fritz Walter. Foi a última vez que o pai do Campeonato do Mundo apareceu em público. Morreria a 16 de Outubro de 1956, com 82 anos de idade.

Campeões do mundo
Turek, Posipal, Kohlmeyer, Eckel, Liebritch, Mai, Rahn, Morlock, Ottman Walter, Fritz Walter, Schaefer, Laband, Bauer, Klodt, Kwiatkowski, Mebus e Pfaff

1-9 de Portugal em Viena
A ausência de Portugal no Mundial de 1954 está associada a derrota tormentosa: 1-9 com a Áustria, em Viena. Foi no dia 27 de Setembro de 1953 que a Selecção Nacional, comandada por Salvador do Carmo, sofreu o segundo desaire mais pesado de sempre (pior só os 0-10 frente à Inglaterra, em 1947). O futebol português confirmava enorme atraso em termos organizativos e estruturais. O inevitável passo rumo ao profissionalismo continuava adiado. A 29 de Novembro do mesmo ano Portugal empatou a zero, no Jamor, e disse adeus ao Mundial. Bastava ter ganho para obrigar a jogo de desempate.

Grandes jogadores
Um breve olhar pelos jogadores que participaram na eliminatória para o Mundial-54 confirma a ideia: alguns dos melhores futebolistas nacionais de todos os tempos estão na década mais negra de sempre da equipa de todos nós. Vejamos o onze que actuou em Viena: Barrigana (F. C. Porto); Virgílio Mendes (F. C. Porto) e Ângelo Carvalho (F. C. Porto); Castela (Belenenses), Félix (Benfica) e Serafim das Neves (Belenenses); Rogério de Carvalho (Benfica), Vasques (Sporting), José Águas (Benfica), Travaços (Sporting) e João Martins (Sporting). No Jamor foi assim: Carlos Gomes (Sporting); Virgílio Mendes e Ângelo Carvalho; Artur Vaz (V. Setúbal), Passos (Sporting) e Serafim das Neves; Vasques, Hernâni (F. C. Porto), Monteiro da Costa (F. C. Porto), Fernando Cabrita (Sp. Covilhã) e Matateu (Belenenses).

Espanha eliminada por sorteio
Pouca sorte teve a Espanha, eliminada pela Turquia de forma incrível: vitória em Madrid por 4-1, seguida de derrota em Istambul por 0-1. No terceiro jogo, em Roma, aconteceu o empate (2-2). A Turquia foi apurada por sorteio. Outros tempos...

Mosquitos por cordas
No Hungria-Brasil dos quartos-de-final aconteceu grande sururu. No fim da partida jogadores, treinadores e dirigentes das duas selecções envolveram-se em cenas de pancadaria em pleno relvado. As forças policiais não foram capazes de travar o ímpeto de uns e outros. Para se ver coisa parecida (pior ainda...) foi preciso esperar oito anos, no Chile.

38 inscritos
Sinal de evolução da importância do futebol e de estabilidade política no Mundo, o número de países inscritos para disputar as eliminatórias do Mundial subiu para 38. Fora do prazo estabelecido chegaram as candidaturas de Índia, Peru, Vietname, Bolívia, Costa Rica, Islândia e Cuba.

140 golos no total
A fase final do Campeonato do Mundo de 1954 continua a ser aquela em que a média de golos por jogo foi mais elevada: 5,38 golos. Um total de 140 remates certeiros em apenas 26 encontros, número que só seria ultrapassado no Mundial de Espanha, em 1982, mas com a diferença de nessa altura o número de partidas ser precisamente o dobro (52).

12 golos num jogo
Este, sim, é record absoluto. Sem discussão. No Áustria-Suíça dos quartos-de-final marcaram-se 12 golos, sete para os austríacos, cinco para os organizadores da prova. Nenhum jogo a contar para as fases finais do Mundial foi tão produtivo. Tudo indica, face aos tempos que correm, que esse seja mesmo um record para a eternidade.

11 golos de kocsis
Foi o húngaro Kocsis o melhor marcador da edição do Mundial suíço, com 11 golos. Os segundos classificados o alemão Morlock e o austríaco Probst, ficaram praticamente a metade, com seis golos cada qual.

Na galeria dos imortais
Ferenc Puskas
Pertence à restrita galeria dos imortais, dos maiores jogadores de todos os tempos: Ferenc Puskas. Nascido a 2 de Abril de 1927 em Budapeste, cedo revelou dotes de goleador extraordinário. Esquerdino puro, era um avançado-centro temível, explosivo como poucos, pelas rapidez de execução, velocidade, potência e certeza no remate, no fundo pelo talento dos predestinados. Se a Hungria foi entre 1952 e 1956 a mais brilhante selecção que o futebol conhecera até então — e, feitas as contas no final do século, dificilmente será desalojada do pódio —, Puskas foi o seu expoente máximo. Para além de tudo o resto tem ainda o suporte dos números, importante para qualquer ponta-de-lança. E esses não deixam mentir: fez 533 jogos a contar para os campeonatos nacionais (na terra natal e em Espanha) e marcou 511 golos; actuou na selecção húngara 84 vezes (56 das quais na qualidade de capitão) e apontou 83 golos (ainda hoje record mundial). Começou no Kispesti AC aos 12 anos e ali permaneceu até 1949. Transferiu-se depois para o Honved, onde esteve até 1956, altura em que se deu o golpe de estado na Hungria, suportado pela União Soviética. Puskas, à semelhança de alguns dos seus mais ilustres companheiros da selecção (Kocsis, Czibor e Hidegkuti, por exemplo), decidiu abandonar o país. Houve jornais que chegaram a dá-lo como morto. Notícias infundadas. Reapareceu na Áustria, passou por Itália, mas a FIFA suspendeu-lhe a licença durante dois anos. Manteve-se afastado do futebol durante esse período mas seguro quanto ao futuro: já estava comprometido com o Real Madrid para a época de 1958/59. Tinha 31 anos quando chegou a Espanha. Ao serviço dos madridistas prosseguiu a carreira ao nível do monstro que foi. Quando parou de jogar, em 1967, aos 40 anos, tinha deixado para trás o rasto de maior goleador de sempre que o futebol conheceu. Com muitos títulos na bagagem e a maior de todas as frustrações: não ter aproveitado a oportunidade única de ganhar aquele Mundial de 1954. Lamento comum a todos os amantes do futebol.

Mágico instinto felino...
Matateu
Foi o primeiro grande fenómeno nacional que o futebol deu ao País: Sebastião Lucas da Fonseca, eternizado sob o nome de Matateu, um dos mais extraordinários jogadores portugueses de todos os tempos. E o fenómeno atinge eloquência máxima se considerarmos que passou a fase dourada da sua vida ao serviço do Belenenses, clube do qual continua a ser a mais emblemática figura de sempre. A forma como saiu do Restelo, em conflito aberto com alguns responsáveis, condicionou definitivamente uma relação que devia ser saudável, por estar destinada a ser eterna. A derrota azul no Campeonato de 1954/55 teve carga emocional indiscutível. Foi também origem do declínio belenense, início de bola de neve que cresceu durante quase 30 anos e culminou com a descida de divisão (1981/82) entretanto anunciada. Mas esse desaire tem, igualmente, um significado individual determinante: privou Matateu de um título nacional mais que merecido pelo que fez ao longo de uma carreira única — o jogador mais popular e que mais longe chegou fora do circuito Benfica, F. C. Porto, Sporting, apenas conseguiu vencer uma Taça de Portugal (59/60). Quando Matateu desembarcou em Lisboa, vindo de Lourenço Marques, a 4 de Setembro de 1951, ninguém podia prever que estava a chegar o furacão que abalaria o futebol português durante uma década. No dia 24 de Setembro estreou-se oficialmente, na primeira jornada do Nacional. O Belenenses bateu o Sporting por 4-3, com dois golos da sua autoria. Era apenas o início de uma caminhada que chegou ao fim com números impressionantes: 218 golos na I Divisão (nove com a camisola do Atlético), 13 ao serviço da Selecção Nacional (em 27 presenças) e três na Taça das Cidades com Feira. Matateu era um jogador fabuloso. Se os avançados vivem permanentemente na dependência dos companheiros, o mínimo que dele se pode dizer é que decidiu muitos jogos sozinho. À custa de um instinto felino, de uma rapidez de execução surpreendente, de drible normalmente curto e sobretudo à potência e certeza do remate com ambos os pés. Era um mágico que transformava coisa nenhuma em momentos inesquecíveis. Dele se diz que nasceu adiantado no tempo. Dele se diz que o azar foi ter vindo para o Belenenses. Dele se diz muita coisa que não tem cabimento nesta altura. Porque o que dele se dirá para sempre é que entre os grandes foi dos maiores de todos. Matateu vive no Canadá, em Vitoria, para onde partiu em Junho de 1969. Por lá continuou a jogar até muito tarde, o que significa, naturalmente, a marcar muitos golos. Morreu no dia 27 de Janeiro de 2000 no Canadá.
 
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1955 – Belenenses perde título dramaticamente a 4 minutos do fim

Tão amigos que nós somos...
A época 1954/55 reservava-nos o Campeonato Nacional mais disputado e decidido de forma mais dramática de toda a história do futebol português. Foi na tarde de 24 de Abril de 1955. À entrada para a última jornada o Belenenses, que recebia o Sporting, tinha um ponto de vantagem sobre o Benfica, que defrontava o Atlético na Luz. Os azuis estavam a um passo de repetir o êxito obtido nove anos antes pelas torres de Belém (Capela, Vasco e Feliciano), pelo inesquecível Mariano Amaro e por avançados de qualidade superior, Artur Quaresma acima de todos. A carreira de Benfica e Belenenses nesse campeonato conheceu altos e baixos, avanços e recuos. À sétima jornada os encarnados venceram nas Salésias por 2-1 e deixaram os azuis a cinco pontos. No início da segunda volta o Benfica liderava, com 20 pontos, Sporting e Sp. Braga vinham a seguir, com menos um, estando o Belenen-ses em quarto lugar, com 18 pontos. Na 20.ª ronda encarnados e azuis reencontrara-se, desta feita na Luz: empataram a zero. No dia 20 de Março (23.ª jornada) o Belenenses (vitória sobre a Cuf por 4-2) ultrapassou o Benfica, copiosamente derrotado pelo F. C. Porto, nas Antas, por 3-0. A 17 de Abril, antes do decisivo jogo com o Sporting, a equipa da cruz de Cristo tinha missão difícil: deslocava-se a Braga. A vitória por 3-2 colocava Matateu, Di Pace e companhia a 90 minutos do título nacional. A 24 de Abril as Salésias vestiram-se de gala para receber aqueles que, tudo o indicava, iriam ser os futuros campeões. Logo aos dois minutos o Belenenses abriu o activo, por Perez, mas aos 17 minutos Albano empatou, na transformação de uma grande penalidade. A três minutos do intervalo Matateu repôs a vantagem azul. O segundo tempo não foi muito diferente. Toada de equilíbrio, com sinal mais dos donos da casa. Com o aproximar do termo da partida, com o momento da explosão final cada vez mais próximo, as bancadas das Salésias agitaram-se. Os foguetes que entretanto estalejaram não passaram do prenúncio da desgraça. Logo a seguir, a quatro minutos do fim da partida, João Martins fez o empate. O céu caía em cima de adeptos, jogadores, treinadores e dirigentes do Belenenses. A festa podia começar na Luz. O Benfica ganhara ao Atlético (3-0) e sagrava-se campeão nacional.

Bola na baliza
A reacção de Matateu deixou dúvidas não dissipadas pelas crónicas, nas quais se relata que o árbitro Domingos Miranda anulara bem dois golos ao Belenenses. Nada que explique as declarações da estrela azul: «Meu Deus! Não sei... Só sei que vi o juiz de linha, numa jogada em que Carlos Gomes se estirou sobre o risco de baliza para deter uma bola que rematei, correr para o centro do terreno, indicando, provavelmente, que tinha entrado.» Quarenta anos depois, ainda em A BOLA, Carlos Silva não tinha dúvidas: «Houve um lance em que a bola esteve para aí meio metro dentro da baliza do Carlos Gomes, que a tirou de lá sem que o golo fosse sancionado.» Carlos Gomes também estava seguro: «É verdade, sim senhor, quando toquei na bola ela já lá estava dentro e bem dentro.»

Scopelli e Riera em lados opostos da barricada
Coisas do destino
A vida os uniu, o destino quis que naquela tarde de 24 de Abril de 1954 estivessem em lados opostos da barricada. Ainda hoje poucos têm conhecimento de que o treinador do Sporting que empatou nas Salésias e roubou o título nacional ao Belenenses era... Alejandro Scopelli. Este argentino, que foi extraordinário jogador, participante na primeira edição do Mundial, em 1930, defendendo as cores do país natal, actuou depois na selecção italiana. Por alturas do início da II Guerra Mundial, proveniente de França, veio para Portugal, juntamente com os compatriotas Tarrio e Tellechea. Ao serviço do Belenenses consagrou o WM no nosso país. E ficou belenense toda a vida. Prosseguiu com inegável êxito, um pouco por toda a Europa, a carreira de treinador. No final da época 1953/54 os dirigentes azuis solicitaram-lhe uma opinião. Queriam que fosse Don Alejandro a indicar o futuro treinador do clube. Scopelli, que já tinha indicado Fernando Riera, como jogador, ao Stade Reims, de onde se transferiu para o Rouen, lembrou-se de que estava ali um potencial grande treinador. Riera, então com 34 anos, veio a Lisboa conhecer o clube e falar com os responsáveis azuis. Aceitou o desafio. Pelo caminho passou alguns dias com aquele que ainda hoje considera o seu pai futebolístico, que orientava na altura o Espanhol de Barcelona. Resumiu esse contacto como tendo sido um minicurso preparatório do início de uma nova carreira. A época de 1954/55 foi decorrendo normalmente. Na edição de 30 de Dezembro de 1954 A BOLA lança a possibilidade: «Scopelli no Sporting?» O técnico argentino tinha sido destituído em Espanha, os leões perdiam terreno na conquista do penta e procuravam treinador. A 12 de Fevereiro de 1955 era definitivo: «Scopelli é o novo treinador do Sporting.» Quis o destino, por consequência, que a 24 de Abril de 1955 fosse Don Alejandro, pai de Fernando Riera, belenense do coração, a roubar ao filho e à sua paixão futebolística aquele que, vistas as coisas a esta distância, bem podia ser o título mais importante das suas vidas.

«Violino» na grande gala de Dublin
Quando terminou a carreira, em 1959, José António Barreto Travaços tinha o mais extraordinário palmarès dos jogadores portugueses até à altura: oito títulos nacionais, recordista de internacionalizações e protagonista da maior proeza individual do futebol português até à década de 60, convocado para uma selecção euro-peia que participou nas comemorações dos 75 anos da Federação Irlandesa de Futebol. No dia 13 de Agosto de 1955 José Travaços lá estava no Windsor Park, em Belfast, palco que lhe serviu de glória e abriu definitivamente as portas da eternidade. Chamaram-lhe Zé da Europa e ficou. Até hoje. O máximo reconhecimento internacional por um jogador português estava consumado, com a agravante pessoal de ter acontecido numa altura em que o futebol português se debatia com imensas dificuldades de afirmação — basta olhar para os resultados da Selecção Nacional na década de 50, a pior de sempre, para se perceber a extensão do atraso em relação ao futebol europeu. José Travaços é referência incontornável do nosso futebol, muito possivelmente o mais extraordinário jogador que algum dia envergou a camisola do Sporting Clube de Portugal. Pertenceu à célebre linha avançada dos cinco violinos (Jesus Correia, Manuel Vasques, Fernando Peyroteo, ele próprio e Albano Pereira) e durante 13 anos na I Divisão encheu de talento os campos deste país. Não era um virtuoso, um génio, como foram Rogério de Carvalho, Albano, Manuel Vasques ou Hernâni Silva. Não tinha o engodo pela baliza dos grandes avançados mas tinha a dimensão única dos grandes jogadores de equipa: sabia ter a bola, colocava-a perfeitamente à distância, lia o jogo como poucos. Tinha igualmente a característica de um centrocampista lúcido que conhece a sua importância para os companheiros: assumia a responsabilidade de carregar às costas todo o conjunto mercê de argumentos técnicos acima da média e de um temperamento generoso que o levava a estar sempre disponível para ajudar, mesmo nas missões que, à partida, não eram as suas. Generosidade que estendeu à vida fora das quatro linhas, onde foi sempre cidadão exemplar. A 22 de Fevereiro de 1999 A BOLA atribuiu-lhe a Bola de Ouro Especial. Prémio merecido por uma carreira fabulosa, prenda pelos 73 anos que completou naquele dia.

Fuga para a morte
Diplomado em engenharia, John Michael Hawthorn começou a envolver-se nas competições automobilisticas através de seu pai, Leslie, proprietário de uma oficina. Em 1953 foi convidado para a Ferrari, classificou-se em quarto lugar no Mundial de Fórmula 1, foi recebido como um herói na sua terra, por ter-se tornado o primeiro britânico a vencer o Grande Prémio de França — em 30 anos. No ano seguinte subiu um degrau no Mundial mas parte da época foi de abalo psíquico, devido à morte do pai num acidente de viação. Cabelos loiros e sorriso largo, tinha um modo extravagante e espectacular de conduzir, sempre a tocar o risco vermelho do perigo — e em 1955 acabou protagonista da maior tragédia a Fórmula 1, em Le Mans, quando o despiste da sua bólide matou 83 espectadores! Acabou absolvido no processo-crime que lhe moveram mas os efeitos traumáticos do acidente eram já incontornáveis, não o disfarçava, falava disso sempre com a mágoa a arder — dizendo que mal ganhasse o título mundial abandonaria a competição. Ganhou-o em 1958, um ano depois do regresso à Ferrari, após despique emocionantíssimo com Stirling Moss — e assim foi o primeiro britânico a conquistar o campeonato de Fórmula 1. Cumpriu o prometido e despediu-se com a frase esperada: «Competição nunca mais, estou farto de ter a morte nos olhos, vou dedicar-me aos negócios das oficinas.» Ironia do destino: poucas semanas depois, quando viajava, numa normalíssima estrada nacional, perdeu o controlo do seu Jaguar, enfeixou-se numa árvore da berma e... e morreu. Tinha 29 anos.

Jacques estripador defendia «doping»
Foi o primeiro homem a vencer o Tour por cinco vezes — 1957, 1961, 1962, 1963 e 1964. Com o estilo perfeito que o tornou ciclista incomparável no contra-relógio, Anquetil era diferente de todos, um verdadeiro extirpador de montanha — provocador, sisudo, calculista e cínico, recusava aligeirar o semblante para agradar ao público. Falava com o coração. Sem se preocupar com o desportivamente correcto. Uma vez, em 1967, afirmou no France Dimanche: «Sim, utilizo doping... Você seria, aliás, muito tolo se acreditasse que um ciclista profissional, que corre 235 dias por ano, sob temperaturas tórridas ou entre montanhas cobertas de neve, pudesse aguentar tudo isso sem alguns estimulantes.» Anquetil nasceu a oito de Janeiro de 1934 e aos 18 anos ganhou a medalha de bronze nos Jogos de Helsínquia. Em 1953 averbou a primeira de nove vitórias no Grande Prémio das Nações — depois o penta na Volta à França, o Dauphiné Liberé, o Bordéus-Paris, corrida disputada durante uma semana em etapas montanhosas, que viria a cair no limbo. No entanto, este percurso serviu para que, 30 anos mais tarde, se dissesse que tinha sido aquele o palco da melhor exibição de todos os tempos no ciclismo, protagonizada por mestre Jacques, era assim que os companheiros o epitetavam. Ao pecúlio fantástico somou ainda vitórias empolgantes no Giro de 1960 e 1964 — e o record da hora retirado a Fausto Coppi, com 46,159 quilómetros. O director desportivo, Raphael Géminiani, comparava-o a um alambique devido à sua capacidade de recuperação — ao cabo de 18 anos de carreira, uma das mais turibuladas do ciclismo, retirou-se para a pacatez de propriedade que pertencera ao escritor de Guy de Maupassant. Morreria a 18 de Novembro de 1987. O jornalista Pierre Chany dedicou-lhe epitáfio perfeito: «Antes dele não se imaginava que pudesse existir um Anquetil.» Ainda tinha uma mágoa a doer-lhe no peito: nunca ter sido campeão mundial de estrada!

Toni Sailer – A voar como nos filmes...
A carreira de Toni Sailer foi curta mas intensa. Esquiador perfeito, nasceu a 17 de Novembro de 1935 em Kitzbuhel, na Áustria. Em 1956, nos Jogos de Cortina d\'Ampezzo, foi campeão olímpico de descida livre, slalom e slalom gigante. Como o código coubertiano do amadorismo continuava a não permitir que se ganhasse dinheiro à custa da fama desportiva terminou a carreira em 1959 para se dedicar ao cinema e ao espectáculo — ficando, ainda que meteoricamente, com palmarés fabuloso: três medalhas olímpicas de ouro e mais sete títulos mundiais entre 1956 e 1958. Conseguiu três vitórias olímpicas e sete títulos mundiais entre 1956 e 58. Nas descidas parecia um astro — como nos filmes que rodava, desafiando o destino, ponteando de drama algumas quedas, na vertigem do voo.
 
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1956 – Jogos Olímpicos de Melburne

Vladimir Kuts — turbilhão da guerra e destino amaldiçoado
Coração traidor
Filho de gente simples, nasceu na crueza no campo, algures na Rússia. Correr pelos campos era dos poucos passatempos que lhe restavam. Os pais morreram durante a guerra, ao vê-los esventrados pela metralha nazi, com 15 anos ainda, tomou a primeira decisão corajosa: oferecer-se como voluntário e ir para a frente de combate «vingar a família perdida». Foi assim que chegou à marinha do Báltico. Em 1949, com 22 anos, o rapaz de carnes secas e busto firme do vilarejo de Aleksine deslumbrou os seus superiores nos campeonatos militares da URSS. Muito mais perfulgente haveria de ser a sua estrela. Em 1954, nos Campeonatos da Europa, a explosão da arma russa: vitória sobre Emil Zatopek, seu ídolo e inspirador (até no jeito agónico de correr) nos 5000 metros, em 13.56,10 minutos — record mundial estilhaçado. Quando ambos se abraçaram, à boca da meta, havia nisso o sinal claro de uma passagem de testemunho. Em Outubro, o máximo retalhado por mais duas vezes, até 13.51,2. Ripostou o húngaro Sandor Lharos com 13.50,8, o inglês Gordon Pirie com 13.36,8. Estavam lançados os dados para batalha fantástica nos Jogos de Melburne... Os 10 mil metros foram corridos no primeiro dia dos Jogos. Kuts lançou-se numa passada... assassina, só Pirie ousou segui-lo, foi totalmente trucidado através de sprints irracionais e inesperados, nos dois últimos quilómetros o inglês eclipsou-se, caiu, humilhado, para oitavo lugar. Segundo seria o húngaro Jozsef Kovacs, depois de ter morto o inglês, Vladimir deu-se ao luxo de fazer toda a restante corrida com o pé no travão, resguardando-se para a légua, cinco dias depois. Quando, antes da volta de honra, o russo se abeirou de Kovacs e lhe estendeu a mão, o húngaro pura e simplesmente virou-lhe as costas. Eram resquícios do que acontecera poucas semanas antes. Nos 5000 metros Kuts utilizou a mesma táctica do fogacho, Pirie, precatado, já não foi até ao limite do conta-rotações, satisfez-se com a medalha de prata, o bronze coube ao também inglês Derek Ibbotson, que no ano seguinte bateria o record da milha de Bannister. O húngaro Sandor Lharos, que chegara à Austrália abalado por um romance tempestuoso, voltou a falhar. Vladimir Kuts era a nova estrela do Mundo. Nessa condição foi convidado a correr a São Silvestre de São Paulo. O sportinguista Manuel Faria bateu-o sem apelo nem agravo, a façanha foi tratada em Portugal como feito épico — políticos brasileiros até lhe pediram que trouxesse correspondência para o professor Oliveira Salazar!

Dono do mundo com táctica de louco
Em 1957 Kuts baixou os records mundiais de 5000 metros para 13.35,0 minutos e de 10 mil para 28.30,4 minutos. «Sei que dizem que tenho táctica de louco mas é assim que consigo o que quero. O sofrimento que imponho a mim próprio, por mais que me doa, dá-me força, porque, antes de me matar a mim, mata os meus adversários», haveria de desvendar um dia. Num fogaréu começou a sentir-se mal. Os médicos descobriram-lhe doença no aparelho cardiocirculatório que haveria de triturá-lo até à morte, em 1976. Em 1958 já estava proibido de correr. Doente crónico passara a ser.

Casamento de campeões olímpicos mexeu com política e até zatopek entreou em acção
Romance da guerra fria
Empolgante o duelo no martelo entre Harold Connoly e Michail Krivonosov. Ao quinto ensaio o americano lançou 63,19 metros, mais 16 centímetros que o russo — o bastante para o ouro. Dedicou a vitória à checa Olga Fikotova, campeã do disco, por quem se apaixonara, dias antes, ao cabo de um treino, no Estádio Olímpico. Abriu-se romance — e que romance! Era o tempo da guerra fria, as relações entre os Estados Unidos e a cortina de ferro cada vez mais tensas, Harold, que nascera com um braço atrofiado e para se tratar se lançara nos pesos e halteres e depois nos lançamentos, pediu autorização ao governo de Praga para ir lá casar-se com Fikotova, o pedido não teve resposta sequer — acabaria por ser Emil Zatopek a mover os seus empenhos e um ano depois o casamento mais badalado da história do atletismo, as revistas cor-de-rosa falando no simbolismo da união entre o Ocidente e o Leste. Padrinhos de casamento? Naturalmente Emil Zatopek e Dana Zatopkova — e permissão até para que Fikotova fosse viver para a América. Foi. Haveriam de divorciar-se em 1974... Em 1960 Harold colocou o record mundial do martelo em 70,33 metros — foi o primeiro homem a ultrapassar barreira histórica mas falhou a defesa do título em Roma. Em Tóquio voltaria a perder o ataque ao pódio. Para compensar, em Agosto de 1965 deu mais largueza ao seu máximo: 71,26 metros. Olga Fikotova foi engravidando, quatro filhos de Harold teria e, por isso, a sua carreira ficou, inabalavelmente, cortada pelo romance de Melburne.

Betty Cuthbert – Vertigem de ouro e esclerose
Foi a mulher dos Jogos. Fabulosa. Betty Cuthbert ganhou os 100 metros em 11,5 segundos e os 200 em 23,4 e lançou a sua equipa para a conquista dos 4x100. Tinha 18 anos apenas, era australiana típica: extrovertida, de olhos azulados e cabelos em fios de ouro. Era assim na pista mas depois, fora dela, a metamorfose: tímida, reservada, arredia de jornalistas e fotógrafos. Uma lesão afastou-a dos Jogos Olímpicos de Roma mas em 1964, em Tóquio, arrecadou a quarta medalha de ouro, vencendo os 400 metros. Foi a sua última corrida. Daí em diante dedicou-se, com a mesma paixão com que se lançava, airosa, fulgurante, pelas pistas, no rosto e na alma de uma associação de apoio a doentes com esclerose múltipla. Ironia do destino: haveria de ser um deles.

Bobby Morrow arrasou 100 e 200 metros
Foguete utilizado em guerra racista
Robert Morrow foi o rei da velocidade em Melburne. Por Bobby Joe o tratavam. De três medalhas de ouro se creditou: 100 metros, igualando o record mundial com 10,2 segundos, 200, colocando o máximo mundial em 20,75 segundos e 4x100. Tinha um estilo explosivo, portentoso, de correr. Nascera em Herlingen, no Texas, a 15 de Outubro de 1935 — branco, estudara num colégio cristão, símbolo perfeito, para o mais fanático conservadorismo ianque. Pelo que foi sem surpresa que as suas proezas fizeram conflagrar ondas descaradas de racismo no Texas. O edil de Herlingen transformou o dia da cidade em... Dia de Bobby Morrow. E até ao eclipse, como se fosse réplica às campanhas de Malcolm X, nesse dia chusmas de manifestantes gritavam por Morrow, exaltavam-lhe a superioridade sobre os negros, um charivari sem sentido. Durou pouco o fanatismo à custa do campeão, já que Bobby Joe nem sequer pôde defender os dois títulos em Roma. Nos apuramentos americanos para os Jogos Olímpicos de 1960 o melhor que conseguiu foi um quarto lugar nos 200 metros. Fim do Dia de Bobby Morrow, que, valha-lhe isso, sempre teve a decência de não se envolver na chafurda das manifestações à Ku Klux Klan...

Dardo em órbita
Charles Dumas tornou-se o primeiro homem a saltar 2,13 metros no salto em altura. Bob Richards, depois de um grande susto, com dois falhanços a... 3,40 metros (!), ganhou a vara com 4,56 metros. O comprimento consagrou o também americano Gregory Bell — e o dardo deu espanto: o norueguês Egil Danielsen conseguiu ao quarto ensaio 85,71 metros, dez acima do anterior record olímpico (!), e fechou a contagem com uma vantagem de 5,73 metros sobre o segundo classificado. No decatlo chegada dramática de Milton Campbell — sem forças sequer para festejar a vitória sobre Rafer Johnson, recordista mundial.

Campeã com 108 quilos!!!
O salto em altura feminino sagrou campeã a americana Mildred McDaniel, com 1,76 metros. A polaca Elzbieta Krzesinska, com 6,35 metros, igualou o seu próprio record mundial do comprimento. Tamara Tyshkyevich, soviética de... 108 quilos (!), ganhou o peso, com 16,59 metros, seis centímetros adiante da compatriota Galina Zybina. Para a URSS foi também a medalha de ouro do dardo graças aos 53,86 metros de Inese Jaunzeme.

Finalmente, Mimoun
Na maratona o francês Alain Mimoun, que fora três vezes segundo atrás de Zatopek, teve, enfim, a sua hora — e a honra de ser primeiro. Tinha 36 anos. Emil também lá esteve na luta mas não foi além do sexto lugar. Emocionante foi o abraço de ambos quando o checo cortou a meta e, naquele seu jeito fantástico de ser, foi a correr felicitar Mimoun. Nas estafetas vitórias dos Estados Unidos. Jenkins e Courtney ganharam as suas segundas medalhas de ouro nos 4x400. Nas barreiras só América nos pódios — Lee Calhoun bateu Jack Davis na corrida curta, Glenn Davis ganhou a longa. O russo Leonid Spirin ganhou os 20 km marcha, o neozelandês Norman Read os 50 quilómetros.

A boa nova na enfermaria
O americano Charles Jenkins foi o vencedor surpresa dos 400 metros, Lou Jones, detentor do record do Mundo, parecia ter as pernas presas, não foi além do quinto lugar. Nos 800 metros chegada dramática: o americano Tom Courtney, corredor de alto gabarito, atacou a 80 metros do fim, foi apanhado pelo britânico Derek Johnson, minorquinha — dando ideia de duelo entre David e Golias, mal cortou a meta Tom entrou em colapso, levaram-no de emergência para a enfermaria, reanimaram-no com bomba de oxigénio, foi nessa altura que ficou a saber que era o campeão olímpico, quando se atirou para o solo julgava que tinha perdido o sonho naquele instante. Nos 1500 metros vitória inesperada do irlandês Ron Delany, falhanço de Roger Bannister, que fora escolhido para fazer o juramento olímpico.

Empurrão e lunático que criou maratona de londres
Chris Brasher
Chris Brasher era então o menos famoso dos três homens que em Oxford correram a milha em menos de 4 minutos, a 6 de Maio de 1954. Aliás, nessa altura falou-se mais de si como o carregador de Roger Bannister e Chris Chataway que de outra coisa. Em 1956, em Melburne, foi ele quem ganhou a cena. Por um capricho do destino foi seleccionado para os 3000 metros obstáculos e graças a uma última volta relâmpago sagrou-se campeão olímpico. Inicialmente foi desclassificado, alegadamente por ter empurrado o húngaro Rozsnyoi. A reanálise do filme da corrida provaria que não, houve toque mas sem intenção, e foi-lhe entregue a medalha de ouro. Vinte e cinco anos depois conseguiu proeza que muitos julgavam ainda mais impossível. Convenceu as autoridades de Londres a fecharem a parte nobre da cidade para organizar uma maratona à imagem e semelhança de Nova Iorque. Chamaram-lhe louco, lunático e algo bem pior. Por empenhos tais, de amigos lordes e quejandos, acabou por ter a permissão. E hoje a Maratona do Londres até se pode considerar a melhor do Mundo...
 
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Não há no mundo quem tenha mais medalhas olímpicas que Larissa Latynina

Da sujeira flor de borracha
Larissa Latymina nasceu em território da Ucrânia em 1935. Os pais morreram-lhe durante a guerra, por isso foi criada em reformatórios vários — a infância amarga da orfandade, a fome, a solidão. «Devido a toda a sujeira, destruição e pobreza que nos cercavam havia que fazer algo de belo para compensar. Consegui fazê-lo com o meu corpo, que às vezes era mesmo de borracha.» Casada durante a faculdade, em Kiev, com um engenheiro naval, teve de interromper por duas vezes a carreira devido a gravidezes. E mesmo assim ganhou o que ganhou. E mais ganharia ainda se a URSS não boicotasse o Europeu de 1963. Juntou a graciosidade e o enleio do ballet à ginástica. A mistura deu ouro, ouro em barda. Só de contar arrepia: 24 medalhas do mais sublime dos metais em Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo e Campeonatos da Europa. É esse o quinhão de Larissa Latynina, primeira estrela da ginástica aclamada e idolatrada internacionalmente. Nos Jogos de Melburne arrecadou quatro medalhas de ouro (concurso individual, exercícios no solo, salto de cavalo e concurso completo por equipas) e uma de prata (paralelas assimétricas, atrás da húngara Agnes Keleti). Quatro anos volvidos, em Roma, mais três vezes ouro (concurso individual, exercícios no solo e concurso completo), duas vezes prata (trave e paralelas assimétricas) e uma vez bronze (salto de cavalo). Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, apesar de perder o título maior para a checa Vera Caslavska, pôs ainda mais eternidade no seu pecúlio — mantendo a graça e o encanto do corpo transformado em bailado mágico: duas medalhas de ouro, duas de prata, três de bonze. Ou seja, 18 medalhas olímpicas em 12 anos — nunca mais ninguém conseguiu tanto.

Paul Anderson – Força de bom cristão
Após batalha titânica com o argentino Humberto Selvetti o americano Paul Anderson sagrou-se campeão de pesados em Melburne. Mas um ano antes, a 16 de Outubro de 1956, já conquistara, a golpe de força, lugar na história — tornara-se o primeiro homem a ultrapassar os 500 quilos em halterofilismo. Levantara um total de 512,5 quilos, record que seria batido pelo russo Yury Vlasov nos Jogos de Roma. Durante a carreira como amador não sofreu uma única derrota. Tornou-se profissional levado por um ideal: cristão devoto, todo o dinheiro que juntava era aplicado em acções de solidariedade, em 1961 abriu a primeira de uma série de Casas Paul Anderson — onde acolhia menores marginais que buscava, com espírito missionário, nos bairros degradados da Jórgia ou em covis de criminosos.
 
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1957 – FC Porto campeão nacional

Com brasileiro que era... Fogo!
Revolução de Yustrich
O F. C. Porto não ficou indiferente às transformações operadas por Otto Glória e Fernando Riera. Os portistas perdiam terreno gradualmente: viram o Sporting ganhar sete campeonatos em oito épocas (entre 1946/47 e 1953/54) e quando o ciclo terminou foram Benfica e Belenenses a discutir o título até à última jornada. Desde a vitória nas duas primeiras edições do Campeonato Nacional, em 1938/39 e 1939/40, o F. C. Porto nunca mais estivera perto sequer de repetir a proeza. Em meados da década de 50, com o Benfica interrompendo o ciclo vitorioso de um Sporting a perder fulgor e o Belenenses a acompanhar a evolução, nas Antas percebeu-se que era preciso reagir. Foi nesse enquadramento de mudança, talvez mesmo de revolução, que no dia 4 de Julho de 1955 chegou ao Porto o treinador brasileiro Dorival Yustrich. Era um duro como nunca o futebol português conhecera. Tinha mão de ferro sobre os jogadores e conhecidas ficaram, igualmente, desavenças graves com o presidente, Cesário Bonito, e o tesoureiro, Zagalo de Lima. Os seus métodos de tirano bem pago (veio ganhar 20 contos por mês, o vencimento mais elevado entre os treinadores de clubes portugueses) não eram mais que a extensão do poder que lhe foi conferido. A polémica começou cedo, com o afastamento de um dos maiores símbolos do clube, um dos melhores guarda-redes de sempre da história do futebol português, Frederico Barrigana de seu nome. O certo é que de desavença em desavença, de discussão em discussão, o F. C. Porto caminhou para o título nacional. À custa dos golos de Jaburu, do futebol requintado de Hernâni e José Maria Pedroto, da velocidade e dribles desconcertantes de Carlos Duarte e Perdigão, da segurança de Virgílio Mendes, Miguel Arcanjo e Osvaldo Cambalacho, da forma muito própria de sentir o clube de Monteiro da Costa e também da revelação do guarda-redes Pinho. Dezasseis anos depois o F. C. Porto voltava a ser campeão nacional. Seguiu-se uma digressão à Venezuela. Por razões diferentes Yustrich pôs em causa a autoridade do presidente e insultou o tesoureiro — depois de lhe chamar «estúpido e cavalo» afirmou que «se fosse mais homem atirava-o da janela [do hotel] abaixo». Foi despedido. Em Julho de 1957 regressou pela mão do novo presidente, Paulo Pombo. Não foi feliz. O envolvimento em cenas de pancadaria com Hernâni após um jogo com o Oriental foi a gota de água que fez transbordar o copo. A 31 de Março de 1958 abandonava definitivamente o clube.

Primeiros sinais de glória do atletismo
Manuel Faria bisou na São Silvestre de São Paulo
Com um sentido ético raro no desporto português, Manuel Faria declinou a participação nos Jogos Olímpicos de Melburne por sentir que não tinha ainda condições para poder bater-se, dignamente, com os melhores corredores mundiais. Não era profissional, nada que se parecesse. Entretanto, pela mão do treinador, Luís Aguiar, e, obviamente, a expensas próprias, passou a treinar-se, de quando em vez, na Alemanha. Percebeu então que teria de correr todos os dias. Mas mantinha o escritório à sua espera todas as manhãs. Bastou um bocadinho mais de sacrifício e — a explosão Faria! Ao dobrar o ano de 1956 venceu a São Silvestre de São Paulo. Era, até então, um dos maiores feitos do desporto português mas não de todo valorizado como mereceria, talvez por ter sido tomado à conta de bambúrrio. Mas não. Um ano depois voltou a vencer, numa corrida alucinante em que o russo Vladimir Kurts, recordista mundial de 5000 e 10 mil metros, não passou do oitavo lugar. No Brasil o tomaram como herói de Portugal. E, desta vez sim, cá e lá, a façanha foi trompeteada, ele idolatrado. Um comerciante de São Paulo, português habituado à chacota das anedotas dos manuéis de tamancas, rejubilou e no seu bar abriu 15 garrafas de espumante, que distribuiu pelos clientes todos. Jânio Quadros, então governador paulista, convidou o campeão ao palácio e recebeu-o com honras diplomáticas. Ademar de Barros, o prefeito, pediu-lhe, entusiasmado, que trouxesse cartas suas para Salazar e Craveiro Lopes. Mais trouxe de São Paulo: uma taça de ouro no valor de 35 contos, mais taças e tacinhas, medalhas e medalhões, serviços de chá de porcelana e arrebiques de ouro, anéis e fios, pulseiras, esferográficas, enfim, uma parafernália de objectos de valor sentimental e de gratidão de outra gente e que, na alfândega, pesava mais de 80 quilos e era a expressão do rasto de glória que deixara pelas estradas paulistas. Seria preciso esperar muito para que outro português e outra portuguesa pudessem fazer o mesmo. Só Carlos Lopes e Rosa Mota o lograriam.

De Lambretta para o treino
No regresso apoteótico a Lisboa Manuel Faria soube que havia quem tivesse pensado em abrir subscrição nacional para lhe comprar uma casa, que passara a ser o sonho que lhe faltava realizar. Humildemente disse que talvez isso fosse tão difícil que o melhor era não se iludir. Premonição. Pouco depois a ideia cairia em saco roto. Continuou a madrugar para trabalhar no escritório, depois do treino ou antes dele. Sempre lhe valia Luís Aguiar, que todos os dias o ia buscar ao trabalho de motoreta para, ao menos, não perder muito tempo em autocarros e eléctricos.

Selecção de futebol com brilharetes em época negra
Arrear Inglaterra e Itália
A década de 50 para a Selecção Nacional foi um desastre: 9 vitórias, 8 empates, 24 derrotas. Nem nos primeiros tempos, anos 20 e 30, a percentagem de aproveitamento fora tão baixa. Desaires uns atrás dos outros, desperdiçadas as duas oportunidades de presença na fase final do Campeonato do Mundo (1954 aos pés da Áustria; 1958 perdendo a hipótese no confronto directo com Itália e Irlanda do Norte) e uma geração de grandes futebolistas que não foi capaz de afirmar-se internacionalmente, apesar da classe ainda hoje reconhecida aos seus maiores expoentes, eis o resumo de 10 anos marcados pela frustração. Por isso a tarde de 26 de Maio de 1957 foi inesquecível. Na fase de qualificação para o Mundial da Suécia, e depois de empatar em casa (1-1) e perder fora (0-3) com a Irlanda do Norte, Portugal foi categórico ao bater a poderosa Itália por 3-0. Um dos mais brilhantes resultados de todos os tempos conseguidos pela Selecção e que ditou o afastamento dos italianos da fase final da prova — na Suécia estariam os irlandeses.No Estádio Nacional, com Tavares da Silva na qualidade de seleccionador, Portugal apresentou o seguinte onze: Carlos Gomes (Sporting); Virgílio Mendes (F. C. Porto) e Ângelo Martins (Benfica); José Maria Pedroto (F. C. Porto), Miguel Arcanjo (F. C. Porto) e Emídio Graça (V. Setúbal); Manuel Vasques (Sporting), António Teixeira (F. C. Porto), Matateu (Belenenses), Salvador Martins (Benfica) e Cavém (Benfica). Os golos de Portugal foram apontados por Vasques, António Teixeira e Matateu. Fazendo o balanço global da década importante se torna também salientar o triunfo sobre a Inglaterra, em jogo particular, conseguido dois anos antes, mais precisamente a 22 de Maio de 1955. Tendo o Estádio das Antas como cenário, Portugal bateu os mestres — que já tinham entrado em desgraça mas continuavam mestres — por claros 3-1. Tavares da Silva, que fora o seleccionador nacional dos célebres 0-10 de 1947, vingou-se oito anos depois, à custa dos seguintes jogadores: Costa Pereira (Benfica); Manuel Caldeira (Sporting) e Ângelo Carvalho (F. C. Porto); José Maria Pedroto (F. C. Porto), Manuel Passos (Spor-ting) e Juca (Sporting); Dimas (Belenenses), Matateu (Belenenses), José Águas (Benfica), Travaços (Sporting) e José Pedro Bileu (Lusitano de Évora). Os golos portugueses foram apontados por José Águas (2) e Matateu. Naturalmente...

Ribeiro da Silva em Evreux
Ribeiro da Silva venceu a 48.ª edição do Paris-Evreux, numa distância de 160 quilómetros, à média de 41,379 km/hora. O ciclista do Académico gastou 3.52.25 horas. Menos sorte teria no Paris-Roubaix: quando o pelotão respondia a um ataque de Barone viu-se envolvido numa queda colectiva, acabando conduzido ao hospital. Alves Barbosa, o outro português, esgotou as energias quando, a 39 quilómetros da meta, se lançou numa fuga que, realmente, o arrasou. Desistiria, considerando que tudo fora um «autêntico inferno».

Morte do português voador
No Grande Prémio de Saint-Étienne morreu, em aparatoso acidente, António Borges Barreto, então considerado a maior esperança do automobilismo nacional, de tal forma que fora inscrito como piloto da Ferrari para o Grande Prémio de Portugal que se realizaria oito dias depois e teve como vencedor o lendário Juan Manuel Fangio. Barreto, que contava apenas 25 anos, foi abalroado pelo carro do italiano Piero Carini, que se despistou a 200 quilómetros à hora.
 
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1958 – Mais mortes no futebol

Avião com equipa do Manchester United despenhou-se. Tragédia em Munique

A 6 de Fevereiro de 1958 o Manchester United e o futebol inglês sofriam duro golpe: o avião que transportava a equipa desde Belgrado, onde garantira a passagem às meias-finais da Taça dos Campeões, despenhou-se no aeroporto de Munique, cumprida a escala no regresso a casa. No momento de levantar voo para Manchester o aparelho não ganhou a altura necessária, chocando violentamente com um prédio situado no fim da pista. Morreram 23 pessoas, entre as quais oito jogadores de uma equipa ameaçadora no contexto internacional denominada bebés de Busby. Geoff Bent, Roger Byrne, Eddie Colman, Mark Jones, David Pegg, Tommy Taylor e Billy Whelan tiveram morte imediata, enquanto Duncan Edwards, considerado um dos futebolistas ingleses mais talentosos do século, entrou em coma, sucumbindo 15 dias depois. Jackie Blanch-flower e Johnny Berry sobreviveram mas não voltariam a jogar. Esta tragédia marcou claramente o Manchester United e a selecção inglesa, que tinha garantido com facilidade o apuramento para o Mundial. A Inglaterra, que parecia sair da crise em que caíra, passou pela Suécia sem grande glória, cometendo apenas o feito de empatar com o Brasil (0-0) mas falhando a qualificação para a fase decisiva da prova. Quanto ao United, que possuía uma das melhores equipas da Europa, mergulhou na depressão que facilmente se compreende, deixando sem resposta uma dúvida que a catástrofe eternizou: como teriam sido os primeiros anos da Taça dos Campeões, cinco vitórias consecutivas do Real Madrid, se a jovem equipa de Matt Busby se mantivesse intacta? Busby assumira o comando do Manchester em 1945. Sobreviveu, tal como Bobby Charlton, ao desastre de Munique e deitou mãos à obra. Dez anos depois conquistava o ceptro europeu (vitória sobre o Benfica por 4-1). A 14 de Janeiro de 1969 anunciou a retirada para o final dessa época. Foi o que fez, para reassumir temporariamente o comando da equipa em 1970/ /71. A partir de então foi director e subsequentemente presidente do clube. Morreu em 1994, com a idade de 84 anos, um dos maiores nomes do futebol deste século.

Ribeiro da Silva rebocou Anquetil e francês deu-lhe 10 contos!
Na Volta à França Barbosa e Ribeiro da Silva ficaram sozinhos na equipa do... Luxemburgo, que ao fim da 12.ª etapa tinha ganho apenas 145 mil francos, pouco mais que 11 contos. 100 mil foram ganhos por Barbosa, na véspera, ao vencer meta volante em plenos Alpes. A equipa de França levava já 400 contos ganhos. Em Saint-Gaudens Alves Barbosa cortou a meta com o controlo encerrado. Ribeiro da Silva, com uma boa corrida no Tourmalet, ganhou a meta colocada no mítico pico, para o prémio da montanha. Na etapa seria 12.º, galgando, na geral, para 22.º «Gostei de lutar ao lado de Anquetil, só tive pena de não aguentar o seu ritmo nos últimos quilómetros.» Ganhou, contudo, o prémio da combatividade. Ribeiro da Silva classificou-se em 25.º lugar no Tour de France, com 137.18,10, quase a hora e meia do vencedor, Jacques Anquetil, que na consagração de Paris não se esqueceria do português que o rebocara nos Pirenéus. «Da Silva tem um coração formidável», haveria de dizer. Mas Jacques também. Pedira ajuda ao português, que nunca vira, por gestos e o português, com a força dos músculos, ajudou-o, galgando a montanha, a caminho de Tourmalet, em andamento que tudo esfrangalharia, para maior descanso de Anquetil. Por isso, em Paris, o vencedor entregou-lhe 100 mil francos, pouco menos 10 contos, para o recompensar pela ajuda que lhe dera naquela etapa em que tentara desenvencilhar-se, irresistivelmente, do homem que mais o preocupava, o italiano Pedovan.

Ribeiro da Silva já era o melhor ciclista português, fora quarto na Vuelta
Estrada de sangue
A estrada, que o exaltara entre palmas e coroas, humilhou-o entre esganiços de ferros torcidos no silêncio ermo. Ribeiro da Silva era já então, e apesar de Alves Barbosa, o melhor ciclista português. Tinha 23 anos. Acabara de ser quarto na Volta à Espanha. Pouco antes Anquetil, em hora de desespero, descobrira nele um grande coração e o Benfica, apesar de a transferência esbarrar com a oposição do Académico do Porto, esperava-o, com algum encanto sebastianista, como um novo Nicolau, quiçá talhado para ainda mais altos voos como anjo vermelho das montanhas. Mas... o moço, que se apaixonara de tal modo pelas bicicletas que em pequeno se oferecia para levar cartas aos namorados na sua chanca, naquele negro dia 9 de Abril sofreu a mais inapelável e horrível derrota da sua vida. Seriam cerca das 19 horas. «Vinha eu com o meu carrinho de mão quando ouvi buzinar. Uma camioneta e uma motocicleta. Ribeiro da Silva vinha de Penafiel e, certamente, dirigia-se para casa. A camioneta seguia de Lousada para Penafiel e surgiu numa curva. Ribeiro da Silva viu a camioneta e efectuou uma travagem de cerca de 30 metros que deixou sinais no meio da estrada. Vi perfeitamente o corredor largar o travão e depois, espectacularmente, embater contra o guarda-lamas esquerdo, deslizando para baixo do pesado veículo, estoirando a mola traseira. Um desastre brutal.» Foi o cantoneiro Antero Silva, única testemunha ocular, quem tudo contou. Em choro convulso. Era amigo de Ribeiro da Silva e vira-o morrer a seus pés, jorrando sangue da boca e de uma orelha despedaçada.

Fórmula 1 em Portugal entre Boavista e Monsanto
Em 1958 a Fórmula 1 estreou-se em Portugal. Era a época da revolução: as escuderias abandonaram o tradicional motor à frente, surgindo com motores centrais traseiros. A escolha recaiu no Porto — no circuito da Boavista — com os bólidos a mais de 170 à hora nas estradas de paralelepípedo ou por entre os carris dos eléctricos! Empolgante o duelo entre Stirling Moss (Vanwall) e Mike Hawthorn (Ferrari). Apesar de ter feito um pião na última volta, por problemas com os travões, Moss venceu — e ainda impediu que o público empurrasse o Ferrari do seu principal rival, evitando in extremis a desclassificação de Hawthorn. Um gesto de fair play que ganhou mais encanto ainda quando, algumas semanas passadas, se fizeram as contas e Moss terminou o campeonato a um ponto de Hawthorn — que faleceria algum tempo depois num acidente de viação. No ano seguinte a Fórmula 1 estreou-se em Lisboa, no Parque de Monsanto e num troço da auto-estrada Lisboa-Cascais! Os treinos, tal como a corrida, foram totalmente dominados pelo pequeno Cooper-Climax de Starling Moss. Jack Brabham, que poderia dificultar-lhe o trabalho, atrasou-se irremediavelmente logo na primeira volta ao evitar atropelar uma criança que se atravessara na estrada. O campeão mundial seria Brabham. Nicha Cabral tornou-se o primeiro português a disputar o campeonato, ao volante de um Cooper-Maserati — saiu na antepenúltima posição da grelha de partida em virtude de os últimos lugares serem ocupados pelos Lotus de Graham Hill e Innes Irland, que haviam chegado tarde à pista. Terminaria na 10.ª posição, com seis voltas de atraso em relação a Moss, que dobrou todos os concorrentes. Em 1960 o Grande Prémio de Portugal regressou ao circuito da Boavista. Brabham ganhou, Nicha Cabral chegou a andar em quinto lugar mas acabou traído pela transmissão, perdendo assim a hipótese do pontinho.
 
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1958 – Campeonato do Mundo de Futebol na Suécia

Na final, brasileiros imparáveis, bateram a Suécia por 5-2
Génios inovadores
O Brasil chegou à Suécia martirizado pela derrota de 1950 (feridas que, bem vistas as coisas, jamais cicatrizarão) e desconfiado de si mesmo em função da passagem discreta pelo Mundial de 1954. O receio de novo desaire, alimentado por imprensa agressiva e um povo apaixonado pelo futebol, aumentou a pressão sobre dirigentes, equipa técnica e jogadores. O temor das consequências de novo falhanço não era ficção. Só que os brasileiros apresentaram-se com a bagagem carregada de argumentos capazes de os atirar para os primeiros lugares da grelha de partida. Argumentos que, soube-se mais tarde, nem eles próprios contabilizavam como factores de desequilíbrio. Sem Uruguai e Itália; com a Hungria mágica desfeita por força das mudanças políticas operadas em Budapeste dois anos antes; com a Alemanha incapaz de provar que o título conquistado em Berna não fora obra do acaso, mesmo contando com a possibilidade de uma surpresa — que podia vir da Suécia (país organizador), União Soviética (campeã olímpica em Melburne) ou França (maioritariamente composta por jogadores do Stade Reims, uma das melhores equipas da Europa de então) —, parecia escrito que o Brasil estava sentenciado a fazer um grande Mundial. Mas a selecção brasileira trazia mais do que pensava, trazia resposta para as dúvidas que atormentavam o futebol. Se o WM estava ultrapassado a Hungria de Puskas não era alternativa, não servia de exemplo, porque exemplo não podia ser um fenóme-no todo ele impossível de copiar. O Brasil de Feola inovou ao consagrar o 4x2x4 como referência e ponto de partida para o 4x3x3 e o 4x4x2. Por fim mostrou ao mundo o génio incomparável de Pelé e Garrincha, escondido sob o pretexto da juventude que os atirou para fora do onze nos dois primeiros jogos. Nos quartos-de-final a França manteve acesa a chama goleadora com que iluminou a prova — e da qual saiu o melhor marcador de fases finais do Mundial, Just Fontaine, que assinou 13 golos, quatro dos quais no jogo de atribuição dos 3.º e 4.º lugares, ganho à Alemanha (6-3) — e bateu a Irlanda do Norte por 4-0, a Alemanha, sem brilho, derrotou a Jugoslávia (1-0), a Suécia desembaraçou-se da União Soviética (2-0) e Pelé deu a vitória ao Brasil (1-0) sobre o surpreendente País de Gales. Nas meias-finais os brasileiros foram eloquentes ao bater a França por 5-2 (três golos de Pelé) e a Suécia proporcionava grande alegria aos seus adeptos ao derrotar o campeão do Mundo em título, a Alemanha Federal (3-1). A grande decisão, no dia 29 de Junho, opôs brasileiros e suecos. Os génios inovadores fizeram a diferença. Didi, Vavá, Garrincha, Pelé e Zagallo estiveram imparáveis e venceram por 5-2. Tudo regressava à normalidade depois das surpresas de 1950 e 1954. Caía por terra a ideia de que o bom futebol saía sempre penalizado nas fases finais dos Campeonatos do Mundo.

Diferença das chuteiras
A Puma lançou para o Mundial chuteira vanguardista – num design que não pegou. Os brasileiros conquistaram o mundo com outras botas.

Portugal pelo caminho
Pela primeira vez Portugal não teve de decidir a qualificação para o Mundial com apenas um adversário. Para a edição de 1958 os portugueses mediram forças com Irlanda do Norte e Itália. Foram de novo eliminados, sem grande surpresa, até porque os dois primeiros jogos ditaram desde logo as regras: empate em Lisboa (1-1) e derrota em Belfast (0-3) com os irlandeses. A vitória sobre a Itália, no Jamor, por expressivos 3-0 (um dos resultados mais marcantes da Selecção Nacional na década de 50) fez renascer a esperança. Que o jogo em Milão matou definitivamente: os italianos responderam na mesma moeda e ganharam por 3-0. Surpreendente foi a qualificação da Irlanda do Norte, que a 15 de Janeiro de 1958 bateu a Itália (2-1).

53 inscritos
Voltava a aumentar o número de países registados na FIFA. Em quatro anos o futebol ganhava 15 selecções dispostas a participar na grande competição. Para o Mundial de 1958 de salientar o regresso da Argentina (ausente desde 1934) e a estreia da União Soviética, que chegava à Suécia com o suporte da conquista do torneio olímpico em Melburne, dois anos antes. E já com Yashin na baliza.

Golo 500
Foi apontado pelo alemão Rahn, carrasco dos húngaros na final de 1954 (marcou dois golos), no jogo com a Checoslováquia (2-2) a contar para os oitavos-de-final da prova.

Just Fontaine ou o 13 – número de sorte
O francês Just Fontaine foi o melhor marcador do torneio, batendo um record que ainda vigora, com 13 golos apontados na fase final. Depois de si Pelé (Brasil) e Rahn (Alemanha) com seis. O brasileiro Vavá e o irlandês McParland apontaram cinco tentos cada.

Campeões do mundo
Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Nílton Santos, Zito, Didi, Garrincha, Vavá, Pelé, Zagallo, De Sordi, Dida, Joel, Zito e Mazzola

Pelé ficou de fora nos dois primeiros jogos mas depois...
Mundo a seus pés
Era um menino com 17 anos. Mas, a despeito da timidez, Edson Arantes do Nascimento, Pelé para o resto da vida, já não era um menino qualquer. Começou no Bauru Atlético Clube como júnior, descoberto por Valdemar de Brito, antigo internacional brasileiro participante na primeira edição do Campeonato do Mundo. Em Setembro de 1956 estreou-se na equipa principal do Santos, frente ao Corinthians. Marcou um dos 36 golos com que terminou essa edição do campeonato paulista. Em Julho de 1957, com 16 anos (nasceu a 23 de Outubro de 1940), chegou à selecção brasileira, num Brasil-Argentina, e selou a primeira de 92 internacionalizações com o primeiro dos 77 golos que apontou pelo escrete. No Mundial da Suécia tinha 17 anos. Não fora pacífica a sua convocação (como a de Garrincha). Grandes jogadores foi coisa que nunca faltou no Brasil e muitas foram as estrelas afastadas da lista final do seleccionador Vicente Feola. Para agravar a legitimidade das hesitações Pelé vinha de uma lesão. Feola deixou-o de fora (tal como Garrincha) nos dois primeiros jogos. O empate a zero com a Inglaterra, exibições menos conseguidas e a pressão dos restantes jogadores pesaram na decisão do técnico: actuou no terceiro encontro, com a União Soviética. O Brasil ganhou por 2-0 e até final não mais saiu do onze. Contribuiu com seis golos para o primeiro título mundial dos canarinhos, dois deles obtidos na final — marcou três à França, nas meias-finais, e foi dele o tento solitário que selou o triunfo sobre o País de Gales nos quartos-de-final. Estava lançada a carreira daquele que ainda hoje é considerado o expoente máximo do futebol, o mais genial de todos os jogadores do século, tricampeão do Mundo (1958, 1962 e 1970), autor de 1283 golos em partidas oficiais, símbolo maior de um desporto que, se foi injusto para muitos, soube preservar a imagem daquele que, quase instintivamente, elegeu como o melhor de sempre. Apesar dos números, reveladores de aptidão indiscutível para se movimentar na zona de finalização, Pelé foi muito mais que mero ponta-de-lança: diabólico com a bola nos pés, rapidíssimo a executar, senhor de remate fabuloso, tinha estrutura física que lhe permitia resistir ao choque e abranger uma zona de terreno que não apenas a grande área. Era também um grande driblador, com visão de jogo extraordinária, que pensava mais depressa, que via mais longe. Não menos importante, dispunha de todos os argumentos necessários a um cabeceador exímio: elevação, tempo de salto e técnica perfeita no contacto com a bola. Despediu-se da selecção em 1971 e deixou o Santos em 1974, para assumir papel preponderante na expansão do futebol nos Estados Unidos. Ao serviço do Cosmos de Nova Iorque sagrou-se campeão e em Outubro de 1977 pendurou definitivamente as botas. Em 1994 foi nomeado ministro dos Desportos do Brasil, cargo que entretanto abandonou.

Com ele em campo havia sempre esperança de qualquer coisa
Hernâni Ferreira da Silva
Hernâni Ferreira da Silva — um dos melhores jogadores portugueses de todos os tempos, símbolo do F. C. Porto. Tinha 19 anos quando se estreou na equipa principal do clube, na época 1950/51. Durante dois anos actuou ao lado de quem acabou por ser o substituto natural, o incomparável António Araújo, então em final de carreira. Em 1953, por força do serviço militar, foi emprestado ao Estoril. Um ano depois regressava às Antas, então sim pronto para arrancar fulgurantemente rumo a carreira fabulosa. No F. C. Porto é o herdeiro de Pinga e o antepassado mais próximo de Fernando Gomes, no futebol português poucos se lhe podem comparar em talento. Era um predestinado, nasceu para jogar futebol. Tinha tudo: intuição, inteligência, velocidade, dinâmica, rapidez de execução, capacidade de organização e uma veia goleadora surpreendente para quem não era de todo ponta-de-lança. Do meio-campo para a frente fazia todos os lugares, mais atrás ou mais à frente, num flanco ou no outro (embora mais sobre a direita), exercendo um peso relativo extraordinário nas equipas que representava. Justificava atenção máxima ao adversário e funcionava permanentemente como referência incontornável para os companheiros. Estes conheciam bem a qualidade do craque e mesmo nos momentos mais delicados entendiam que nunca um jogo estava perdido: com Hernâni em campo havia sempre esperança de qualquer coisa acontecer. Durante toda a vida evidenciou particularidade que distingue os maiores de entre os grandes: mostrava-se nos momentos capitais, marcava presença no sítio certo à hora certa. As duas Taças de Portugal que venceu são prova disso mesmo: em 1955/56 vitória sobre o Torreense por 2-0, em 1957/58 batido o Benfica por 1-0, todos os golos da sua autoria. Jogou até aos 33 anos. Estávamos na época de 1963/64. Dedicou-se à vida de comerciante até ao momento em que José Maria Pedroto, convidado para treinar o F. C. Porto em 1966, exigiu que fosse ele, amigo de longa data, ex-companheiro de equipa, o director de futebol. Nessa mesma temporada, após um Benfica-F. C. Porto que os encarnados ganharam por 3-0, grande foi a confusão gerada em torno da arbitragem de Samuel Abreu. O juiz, no final, só tinha cabeça para solicitar às forças policiais que identificassem o delegado portista. Hernâni já tinha saído da Luz. Foi direitinho para Santa Apolónia, onde apanhou comboio para Águeda. O futebol não mais voltaria a tê-lo como protagonista.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
Acho bonito esta pequena homenagem ao Hernani no mesmo artigo em que se fala na grande seleccao brasileira e jogadores de outra galaxia como Pele e Garrincha.
 
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1959 – FC Porto campeão antes do jejum de 19 anos

Final dramático em Torres Vedras
Guttmann e Calabote
Três anos depois da dobradinha, com Yustrich, o F. C. Porto repetiu a conquista do título, então sob comando de um treinador cuja entrada na história haveria de acontecer mais tarde e ao serviço de outro clube: Béla Guttmann. Tal como em 1955/56, os portistas voltaram a ganhar em igualdade pontual com o segundo classificado. A última jornada, a 28 de Março de 1959, com o F. C. Porto a jogar em Torres Vedras e o Benfica, na Luz, com a Cuf, será recordada como dos momentos mais polémicos de sempre do futebol português. À entrada para a ronda final a situação do campeonato explica-se facilmente: os dois primeiros lado a lado, prevalecendo a diferença de golos como factor de desempate, uma vez que no confronto directo se registaram dois empates. O F. C. Porto tinha um score de 78-22, o Benfica apresentava 71-19. Significava isso que para serem campeões os encarnados precisavam de recuperar atraso de quatro golos. Ao intervalo ganhavam os portistas por 1-0 e os benfiquistas por 3-0. Para o segundo tempo o célebre Inocêncio Calabote, árbitro da partida da Luz, reiniciou o jogo com oito minutos de atraso. Até final assinalaria três grandes penalidades a favor do Benfica e prolongaria a partida quatro minutos para lá dos 90 m — a diferença entre o final dos dois jogos foi de 12 minutos. A dois minutos do fim do encontro em Torres Vedras o F. C. Porto mantinha o 1-0 enquanto o rival já ia em 6-1. Num ápice marcaram os azuis-e-brancos, ao que respondeu o Benfica com o 7-1. Mesmo a terminar a partida António Teixeira, segundo melhor marcador de sempre do clube das Antas, atrás de Fernando Gomes, apontou o 3-0 decisivo. Na hora feliz da vitória jogadores houve que confirmaram antipatias que já eram do conhecimento público, afirmando com intenções facilmente compreensíveis: «Não é só Yustrich que é capaz de ganhar campeonatos no Porto.» Em Outubro, sem grande alarido e sem quaisquer explicações, Inocêncio Calabote foi irradiado. O seu nome, porém, nunca foi apagado da memória dos portistas. Marcas de outros tempos, que nem o ciclo vitorioso iniciado em meados da década de 80 faz esquecer.
 
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1960 – Jogos Olímpicos de Roma

Cassius Clay ganhou boxe nos jogos da TV
Ouro ao rio
Em 1960 os Jogos Olímpicos regressaram a Roma — que, na Antiguidade, fora a única cidade não grega a organizá-los, porque em 80 a. C. o general Sula, conquistador da Grécia, decidira por seu livre arbítrio retirá-los de Olímpia para dar mais encanto à capital do império. Quatro anos depois voltariam para o Bosque Sagrado — o capricho cumprira-se. Estes foram os primeiros Jogos verdadeiramente mediáticos, devido ao aparecimento da Eurovisão. E foram também os da redes-coberta do verdadeiro espírito olímpico — no retoque da fraternidade, da amizade. Philip Noel Baker, medalha de prata nos 1500 metros nos Jogos de Antuérpia, Prémio Nobel da Paz em 1959, ministro trabalhista de Inglaterra, haveria de sublinhar então: «O movimento olímpico atravessou duas guerras — e agora que entrámos na era atómica deve ser considerado como uma das esperanças da humanidade.» No boxe um jovem de 18 anos chamado Cassius Clay ganhou a categoria de meios-pesados. Era o primeiro sinal de fulgor de um dos desportistas do século. Não muito depois, quando na adesão fanática à luta de Malcolm X se tornou Muhmmad Ali, deitou a medalha ao rio, renegando-a. No halterofilismo mais um desempenho espantoso: o russo Youri Vlassov foi o primeiro homem a erguer mais de 200 quilos de uma só arrancada! Roland Matthes deu à RDA a primeira medalha de ouro na natação — nos 200 metros costas, repetindo o ouro em 1968 e 1972. E na vela, onde Portugal conquistaria a primeira medalha de prata em star através dos irmãos Quina, Constantino, o príncipe herdeiro da Grécia, apoderava-se do ouro na classe de dragão.

Abebe Bikila venceu maratona descalço!
O alemão Armin Hary, senhor de uma partida extremamente rápida, primeiro humano a percorrer os 100 metros em 10 segundos, interrompeu uma série de cinco vitórias americanas no hectómetro; o ouro na outra prova de velocidade ficou também na Europa, conquistado pelo italiano Livio Berruti. No outro extremo, quanto a distância, o etíope Abebe Bikila foi o primeiro a atingir o Arco de Triunfo de Constantino onde fora colocada a meta da prova da maratona. Correu os 42.195 metros descalço — simbolizava o despertar de um continente para as provas de fundo mas simbolizava muito mais que isso: Constantino fora o grande responsável pelo fim dos Jogos Olímpicos da Antiguidade e daquele local haviam partido, 30 anos antes, lançadas por Mussolini, as tropas fascistas que tomariam de assalto a Etiópia, chacinando milhares de compatriotas de Bikila, herói imenso de pé descalço. Poderia, pois, haver mais sublime vingança divina? Mas, se a África explodia em glória, a Oceânia também: para além do furacão Elliott, Peter Snell prefigurava-se como inesperado vencedor dos 800 metros, batendo num sprint infernal o recordista mundial, o belga Roger Moens. Igualmente fantástico, deslumbrante, o campeão do decatlo, o negro Rafer Johnson. A grande desilusão no atletismo foi Ralph Boston, americano que três semanas antes ultrapassara, com um salto de 8,25 metros, o quase lendário feito de Jesse Owens; em Roma quedou-se pelos 8,12 metros, quase surpreendido, no último ensaio, pelo compatriota Robertson, a apenas um centímetro do ouro.

Aos oito anos Wilma Rudolph andava apenas com aparelhos nas pernas
Gazela do «black power»
A heroína de Roma foi uma gazela. Negra. Gentil. Wilma Rudolph nascera em Clarksville, estado do Tenessi, em 1940, viveu infância encalacrada — que bem poderia sair de um livro qualquer de Erskine Caldwell. Pequenina, sofreu paralisia na sequência de uma pneumonia dupla e de um ataque de escarlatina. Até aos oito anos andou com aparelhos nas pernas. Vinte e um irmãos tinha, era a penúltima. Um dia, quando lhe perguntaram donde lhe vinha aquela velocidade estonteante, num rasgo de ironia e mágoa desvendou: «Da barraca miserável... Tinha de ser rápida, de outro modo não ficaria nada para comer ao jantar!!!» Começou por jogar basquetebol, aos 15 anos dedicou-se ao atletismo, 12 meses depois já estava na equipa de 4x100 metros dos Estados Unidos que ganhou a medalha de bronze nos Jogos de Melburne. No regresso a casa pediu desculpa ao treinador, teria de se dedicar mais aos estudos, só assim poderia ser gente — e lutar contra a discriminação racial dos negros! Embasbacado ficou o técnico com aquele alarde de personalidade — e consciência. Dois anos andou assim — encafuada nos livros, com notas espantosas e ofertas de bolsas de estudo para quase todas as faculdades. Em 1959 ressurgiu nas pistas — e exuberante desvendou que estava ali a preparar-se para ser campeã olímpica. Não foi preciso esperar muito pelos voos para o Elísio. Na final dos 100 metros, em Roma, cortou o ar, cortou respirações — o cronómetro parou nos 11,0 segundos! O record mundial não foi homologado porque o vento soprava anti-regulamentar mas apesar disso a marca foi considerada quase irreal! Nos 200 metros mais uma vitória, o infrene vento contrário não deu à marca, 24,0 segundos, o reflexo da sua classe, a passada de gazela a flutuar na pista. Espantoso seria o desempenho nos 4x100 metros. Quando recebeu, para o último percurso, o testemunho a Alemanha levava sete metros de vantagem — Wilma lançou-se então, numa vertigem deslumbrante, à sua caça, ultrapassando a adversária sobre a meta, conquistando a terceira medalha de ouro. Entrara de rompante na história. Como deusa maior do estádio. Em 1961, em Estugarda, colocou o máximo de 100 metros em 11,2 segundos; um ano antes, em Corpus Christi, nos Campeonatos Universitários dos Estados Unidos, tornara-se a primeira mulher no Mundo a menos de 23 segundos nos 200 metros, com 22,9 — marca que a polaca Irena Kirszenstein (que Szewinska se não chamava ainda) ultrapassaria por dois décimos apenas em 1965. Por essa altura a gazela negra já deixara as pistas, bem antes dos 25 anos — licenciara-se e montara a Fundação Wilma Rudolph para apoio a crianças negras dos guetos das grandes cidades, a paixão da sua vida.

Príncipe das dunas
Herbert Elliott
Nasceu na Austrália, numa povoação contígua à cidade de Perth. Um dia, era já apontado como menino-prodígio, o pai, ao relancear os olhos pelas notas que recebera da escola, murmurou: «Que se há-de fazer, só tem jeito para as corridas, vá lá, tem jeito para alguma coisa.» Calou-se num instante — e, afivelando ar de desafio, aventou: «Se é assim, ao menos faz de ti campeão olímpico.» De Herbert recebeu como resposta um sorriso maroto. Entre os 16 e os 24 anos Elliott não perdeu uma única corrida de 1500 metros ou da milha. Ron Clarke, que haveria de chegar a recordista mundial, abandonou temporariamente o atletismo por não lhe conseguir vencer uma prova que fosse — só retornaria às lides quando Herbert se tornou profissional. Ron Delany, campeão olímpico em Helsínquia, confidenciaria, resignado, antes dos Jogos Olímpicos de Roma: «Só há uma maneira de ganhar a Herb — é amarrar-lhe as pernas!» Corria como um cavalo esporeado. Não vencia os adversários. Dilacerava-os. Era, física e psicologicamente, a personificação do treino visionário de Percy Cerrutty. O seu técnico fora funcionário dos correios, perdera o emprego à meia-idade, superara colapso nervoso aos 45 anos dedicando-se à corrida. Chegaria a percorrer, de uma assentada, 161 quilómetros em 23 horas e 45 minutos. Para compensar as agruras do despedimento dedicou-se também, de alma e coração, ao treino de jovens através de um método revolucionário de corrida sobre as mais agrestes dunas das praias de Perth. Assim transformou Herbert Elliott num dos maiores atletas do século, apesar da sua tão curta carreira. Numa digressão pela Europa, em 1958, primeiros sinais do fenómeno. A 28 de Agosto, em Gotemburgo, esbarrondou o record mundial dos 1500 metros do checo Stanislav Jungwirth (filho de um dos líderes da oposição democrática ao comunismo, então encafuado numa prisão do regime por mero delito de opinião), passando de 3.38,1 para 3.36,0. O recordista destronado foi segundo classificado, a três segundos (!). Vinte dias antes, em Dublim, batera o máximo da milha do britânico Derek Ibbtson por 2,7 segundos, colocando-o em 3.54,5. Logo lhe ofereceram contrato milionário como profissional, pediu apenas que esperassem pelos Jogos Olímpicos de Roma. E foi o must. Na final dos 1500 metros 3.35,6 minutos, medalha de ouro, record mundial — e Michel Jazy, o segundo, a quase três segundos. Elliott era, de facto, de outra dimensão. Não era daquele tempo. Findos os Jogos, com 24 anos apenas, a assinatura do contrato profissional — e a dúvida sobre até onde poderia ter chegado mais.
 
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Tamara e Irina Press ganharam seis medalhas em Roma e Tóquio

Medo do teste de sexo?
Press. Um apelido para dois nomes: Tamara e Irina, irmãs nascidas na União Soviética. Em Roma Irina sagrou-se campeã olímpica de 80 metros barreiras, com 10,8 segundos. Tamara ganhou o peso com 17,32 metros, sendo segunda no disco, com 52,59 metros. Quatro anos depois, em Tóquio, Tamara arrecadou mais duas medalhas de ouro: 18,14 metros no peso e 57,27 metros no disco — e Irina ganhou o decatlo com 5246 pontos. Tamara bateria 14 records do Mundo, foi a primeira mulher acima dos 17 e dos 18 metros no peso e só por 30 centímetros não quebrou a barreira histórica dos 60 metros no disco. Irina bateria 17 máximos mundiais, antes de si nunca ninguém conseguira mais de 5000 pontos no pentatlo ou menos de 10,5 segundos nos 80 metros barreiras. Em 1966 Tamara tinha 29 anos, 1,80 metros, 95 quilos; Irina 27 anos, 1,82 metros, 85 quilos — e, quando a IAAF declarou que nos Jogos Olímpicos do México os testes de sexo seriam obrigatórios, ambas anunciaram, de chofre, o abandono das pistas. O que nublou as suas imagens, já ponteadas pela dúvida de não serem verdadeiramente senhoras, tais eram os contornos dos músculos e as pilosidades dos rostos.

Ouro com sauna na casa de banho
Nos Jogos de Melburne o inglês Don Thompson desmaiara quando, com o estádio à vista, comandava os 50 quilómetros marcha. Traído pelo calor, recobrou o ânimo no hospital, tratado a oxigénio. Perdera assim o sonho tragicamente. Regressou a casa e durante quatro anos preparou as Olimpíadas seguintes de forma bizarra — depois dos treinos matinais e do trabalho duas horas no quarto de banho de sua casa, com a temperatura da água a 38 graus, mimando o jeito de marchar. «Era a forma de treinar a adaptação ao calor de Roma.» Resultou. Já dentro do estádio desenvencilhou-se do sueco Ljunggreen, de 40 anos — e arrancou para a meta acenando aos italianos com o chapéu de golfista. No dia seguinte um jornal chamou-lhe ratinho. O apodo ficou. Aos 58 anos e 89 dias tornou-se o mais velho internacional britânico de atletismo. Corria já o ano de 1991. Foi a última (grande) marcha além-fronteiras.

Iolanda Balas – Rainha das pernas de tesoura
Tal como Gabriela Szabo, Iolanda Balas era romena de origem húngara. Longilínea, 50 quilos, 1,85 metros — foi a rainha imperial do salto em altura durante mais de uma década. Quando, para os Jogos Olímpicos de 1956, chegou a Melburne já era recordista mundial, com 1,75 metros, mas, para espanto geral, falhou rotundamente, caiu para quinto lugar. Daí em diante nunca mais perdeu. Até 1967 somou 140 vitórias consecutivas, campeã olímpica em Roma e em Tóquio, 14 records do Mundo, o último dos quais, em 1961, colocado estratosfericamente a 1,91 metros. «O meu estilo é meio obsoleto, eu sei, mas a técnica da tesoura simples combina melhor com a minha estrutura física.» Manteve o máximo mundial em seu poder durante 10 anos, seria destronada pela austríaca Ilona Gusenbauer, que a 4 de Setembro de 1971 se alçou, em Viena, a 1,92 metros. Actualmente, Iolanda Balas é uma das mais destacadas figuras da IAAF.

Sucessor de Viktor Tchukarin e japonês a pedir-lhe meças
13 medalhas de Shakhlin
Nos Jogos Olímpicos de Roma a estrela soviética da ginástica mudaria de nome. Em vez de Viktor Tchukarin, Boris Shakhlin. Por essa altura, para além de campeão europeu, já ganhara o cavalo com arções em Melburne. Dele se dizia que era demasiado alto para ser ginasta ágil. Com muito trabalho desfez a tese — e rodopiou, fantasticamente, para os primeiros frisos de Olimpo. Em Roma arrecadou quatro das oito medalhas de ouro em disputa: concurso individual, paralelas, salto de cavalo e cavalo com arções — ao rol juntou ainda duas de prata (concurso completo por equipas e argolas) e uma de bronze (barra fixa). O japonês Takashi Ono foi o único a pedir-lhe meças, para casa levou seis medalhas: três de ouro (salto de cavalo, barra fixa e concurso completo), uma de prata (concurso individual) e duas de bronze (paralelas e argolas). Quando se aposentou, em 1966, Shakhlin tinha na sua sala de troféus 13 medalhas olímpicas: 10 individuais e três por equipas. Nos Jogos de Tóquio, quatro anos após a sua explosão italiana, ainda se sagrou vice-campeão no concurso individual e no concurso completo e... campeão olímpico em barra fixa.

Pouco ouro para maravilhosos irmãos albatrozes
John Konrads nasceu na Lituânia em 1942, a guerra varria-lhe, massacrante, a terra, mal acabou os pais partiram para a Austrália. Em 1956, com 14 anos apenas, foi seleccionado como suplente para a equipa australiana de 4x200 metros que se sagraria campeã olímpica. Até Roma torrente impressionante, avassaladora: 26 records mundiais estilhaçados, dos 200 metros às 1650 jardas. Por essa altura a irmã Isla fazia o mesmo, eram os maravilhosos albatrozes Konrads, as maiores esperanças da Austrália para os Jogos de 1960. Após decepcionante terceiro lugar nos 400 metros, batido pelo compatriota Murray Rose e pelo japonês Tsuyoshi Yamanaka, John pôs os nervos no lugar e nos 1500 metros vingou-se de Rose, conquistou o primeiro título olímpico. Mal acabou de escutar o hino correu, como louco, para junto de Isla, que chorava copiosamente por ter permitido que a americana Chris Saltza, campeã dos 400 metros e vice-campeã nos 100, atrás de Dawn Fraser, a ultrapassasse e levasse o mais precioso dos metais para a América nos 4x100 metros livres.

Mário e José Manuel Quina conquistaram medalha de prata na vela
Arrepio de médico
Os Jogos Olímpicos de Roma só não constituíram para a representação portuguesa completa frustração porque os irmãos Quina conquistaram a medalha de prata em stars, a bordo do Malindo, na famosa baía de Nápoles. Uma medalhinha na vela, como de costume, e por aqui nos ficámos. Mário Quina descreveu assim aquele momento mágico: «Quando chegou a altura e chamaram por nós para o pódio sentimos um arrepio cá dentro como nunca sentíramos na nossa vida. A bandeira portuguesa foi arreada preguiçosamente para momentos depois, ao som da marcha de continência, subir de novo para ficar a tremular, altaneira, mais bonita que nunca! Ao mesmo tempo chegou às nossas mãos aquela rodela de prata que tem para nós o valor de todos os diamantes do Mundo. Somos imensamente felizes — os homens mais felizes do Mundo!» Mário Quina tinha então 30 anos. E o curso de medicina. Fora, aliás, o médico mais novo de Portugal, terminando o curso com 22 anos. E quando ganhou a medalha de prata era já assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa. A sua primeira medalha fora conquistada aos 10 anos... numa gincana de automóveis, ao volante de um Fiat 1500, no Estoril. Tirara a carta de condução dois anos antes! Mas aos 11 anos apaixonou-se pela vela. E amor eterno se tornou. De prata retocado. Ainda na vela, classe dragão, Carlos Ribeiro Ferreira, Gonçalo Melo e Joaquim Pinto Basto classificaram-se em 9.º. No concurso de ensino, no hipismo, Reimão Nogueira quedou-se pelo 10.º posto. A comitiva olímpica, composta por 62 elementos, seguira para Roma a bordo de avião da Força Aérea Portuguesa.

Anita Lonsbrough – Freiras do colégio e sapos Na piscina
Nunca mulher alguma nadara a especialidade em menos de 2.50 minutos. Ela fê-lo nos Jogos de Roma. A BBC lançou a notícia da vitória de Anita Lonsbrough nos 200 metros bruços de forma mais poética que épica: «Os corações britânicos podem inchar-se, as cabeças podem tilintar — Anita é campeã olímpica!» Tinha 19 anos, estudara num colégio de freiras, teve de sair de lá porque não lhe permitiam que se «expusesse em fato de banho». A Huddersfield, empresa onde trabalhava, descontava-lhe no salário todos os dias que tinha de se ausentar para competir no estrangeiro — e até as horas quando precisava de sair mais cedo para treinos especiais. Filha única de um oficial da Coldstream Guard, nasceu em York em 1941 e estabeleceu o primeiro record mundial em 1960, na piscina de Waalwijk, na Holanda, que descreveria como autêntica lagoa negra. «Tinha sapos e insectos mortos a flutuar durante a competição, aquele cenário fez-me uma impressão tal que mantive sempre a cabeça bem erguida e nadei o mais depressa que pude para de lá sair.» Nos Jogos Olímpicos de Tóquio já não conseguiria chegar ao pódio, fora a primeira mulher porta-estandarte da Grã- -Bretanha, por esses dias conheceu Hugh Porter, que haveria de ser cinco vezes campeão mundial de ciclismo. Pouco tempo depois casaram-se.