Grito de raiva de futuro ministro.
Diógenes Boavida, então estudante de Medicina, que haveria de ir a ministro de Agostinho Neto, era a voz do estímulo entre os portistas cada vez mais descoroçoados...
Ainda em 1946, em Setembro, o F. C. Porto venceu o Salgueiros, para o Campeonato do Porto, por 18-0! Comentário da «Stadium»: «A vitória do F. C. Porto, embora expressiva, não pode tomar--se como denúncia de comprovado valor. A equipa do Salgueiros nunca existiu, o seu guarda-redes foi fraquinho e o ataque nem por momentos embaraçou a defesa contrária. O gato a brincar com o rato... Os campeões portuenses principiaram em velocidade mas abrandaram à medida que o tempo passava e os tentos foram aparecendo com a maior das naturalidades. Brilharam, entretanto, alguns jogadores do F. C. Porto, muito especialmente Araújo, Sanfins, Lourenço e Romão. No posto de interior-esquerdo reapareceu o pequeno Falcão. Preenche o lugar. Catolino ainda não tem o pé afinado, Alfredo está a adaptar-se muito bem, Anjos conhece o lugar e o trio defensivo... assistiu ao jogo.»
E, com o arranque assim fulgurante, o F. C. Porto venceu o Campeonato do Porto pela 30.ª vez no seu historial. Ao longo de 33 anos, apenas duas derrotas, uma administrativa outra por falta de equipa por muitos dos seus desportistas, sobretudo os ingleses da colónia do vinho do Porto, terem sido incorporados no exército que combateu na I Grande Guerra e uma ausência, por ter sido suspenso pela AFP. Era o ponto final nos campeonatos regionais. Uma vitória de Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira, que conseguiram que vingasse a tese de que eram mais um dos empeços ao futebol português. E eram. Com resultados assim e só em Lisboa sem campeão crónico...
O ciclista... goleador.
Apesar da farândola de golos ao Salgueiros, não muito tempo depois o F. C. Porto assumiu crise de avançados, de tal forma que o seu ciclista Fernando Moreira, então o maior ídolo do Norte nas corridas de bicicletas, treinou-se como avançado-centro na Constituição, tendo mesmo ficha à frente para assinar.
No arranque para o Campeonato 1946/47, no Estádio do Lima, vitória sobre o Benfica, por 3-2, e só passou para situação de vencedor quando o guarda-redes lisboeta, Pinto Machado, se lesionou, indo Corona para a baliza...
A lesão surgiu de um despique com Correia Dias, que a imprensa de Lisboa quase crucificou. Os jornalistas do Porto tomaram o incidente à conta do peso do avançado portista, que continuava sem se treinar e que todos os dias ameaçava deixar de jogar...
O F. C. Porto alinhou com Barrigana; Alfredo e Guilhar; Joaquim, Romão e Carvalho; Lourenço, Araújo, Correia Dias, Sanfins e Octaviano...
Nas Salésias, regresso de Catolino a extremo-esquerdo. E vitória sobre o Belenenses por 2-0. Já se falava, outra vez, da magia de Szabo
Antes do Natal, portistas à beira de ataque de nervos. Em jogo particular, no Lima, o F. C. Porto perdeu com o Oriental por... 1-6! Os críticos acusaram os jogadores de não se empenharem, exortando Szabo a agir e a castigar. Doesse a quem doesse...
E, oito dias depois, a primeira derrota no Campeonato. No Lumiar, frente ao Sporting, 2-3. Os portistas estiveram a vencer por 2-1, acabando por sofrer o golo da derrota à beira dos 90 minutos...
Já em Março, o FCP, em incontrolável derrapagem, empatou na 11.ª jornada do «Nacional» da I Divisão, com o Famalicão, no Lima, a três golos, descendo para o terceiro lugar, a um ponto do Benfica e a... sete do Sporting. No final do mês a queda para o 4.º lugar, após derrota, no Campo Grande, por 4-0, frente ao Benfica, em partida em que a estrela da tarde foi... Barrigana.
Uns velhos, outros desinteressados.
Por essa altura escrevia-se na «Stadium»: «Na verdade, desde que o F. C. Porto, de um só golpe, se viu abandonado por uma série de bons jogadores, há anos, nunca mais conquistou lugares distintos no futebol. As gerências que depois disto foram chamadas a orientar os destinos do primeiro clube portuense não tiveram ainda a sorte por si, de modo que as suas equipas de futebol têm baixado de categoria, a despeito de no princípio da época se haver julgado o contrário... O desgaste foi terrível: Carlos Pereira, Acácio Mesquita, Costuras, Bela Andrasik, Carlos Nunes, Pereira, Kordrnya, Petrack todos de enfiada. Depois, o grande Pinga. Ainda Manuel dos Anjos (Pocas), que atingiu o limite das suas forças. E, por último, o abandono ou o desinteresse de Correia Dias e Gomes da Costa. Tudo junto, em poucos anos, contribuiu para eliminar a força do team, criando à sua volta uma atmosfera de aborrecimento e descrença inevitáveis. Assim... o que acontece? Castiga-se por tudo e por nada a Direcção. E esta, de lanterna na mão, como Diógenes (a propósito, o que é feito de Boavida?) desespera-se à procura de um team capaz...»
Diógenes Boavida, angolano que estudava Medicina no Porto e haveria de tornar-se ministro da Justiça no primeiro governo de Angola, presidido por Agostinho Neto , não conseguia, para espanto de muita gente, lugar na equipa, mas lutava e incitava os colegas a lutar. De quando em vez fazia das suas: como por exemplo em partida com o Vitória de Setúbal, que o F. C. Porto venceu por 5-0 e Boavida marcou... cinco golos! Mais por percalço do Belenenses, o F. C. Porto acabaria por ficar em terceiro lugar, com os mesmos pontos do Belenenses e do Estoril (33), a oito do Benfica e a 14 do Sporting! Mas foi preciso protesto para que o 3.º lugar fosse atribuído ao F. C. Porto, já que, inicialmente, fazendo tábua rasa do goal-average entre os três, os portistas foram relegados para o quinto lugar, atrás do Belenenses e do Estoril. Era assim...
In «abola»