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Morte no pântano, Cândido e o Tarrafal
Cândido de Oliveira fora preso, acusado de desviar correspondência de espiões de Hitler. A sua sorte foi um recadinho que os ingleses enviaram a Salazar
No Porto começou Cândido a escrever as suas memória de cárcere. Dramáticas. Em 1942 fora preso pela PIDE e enviado para o Tarrafal. Por essa altura, para além de técnico de futebol e jornalista, era subinspector dos Correios em Santarém. E com essa via aberta, amiúde desviava para os espiões ingleses correspondência que ele sabia destinada a agentes alemães que pululavam por Portugal. Quando o governo de Hitler descobriu, apresentou queixa a Salazar. A PIDE foi ao Caminho do Forno do Tijolo, onde morava Cândido de Oliveira, pregou-se um arraial de pancadaria, partindo-lhe os dentes a caminho do Aljube. Desse dia trágico nasceria a suspeita que perduraria anos a fio e, decerto, perdurará de que fora António Roquete, seu companheiro na Casa Pia e na Selecção Nacional, reconhecido agente da PIDE, que o esmurrara assim impiedosamente. Maria Claudina Guerreiro Nunes, sobrinha de Cândido, esposa de António Guerreiro Nunes, durante largos anos administrador de «A Bola», refutou recentemente esta tese, mas não conseguiu afastar todas as cortinas de fumo: «O meu tio gostava muito do Roquete, que era um rapaz muito pobre, mas também um guarda-redes muito bom. Protegeu-o muito, garantiu-lhe refeições, ajudou-o a vestir-se, enfim, era um protegido privilegiado que, no entanto, não se portou bem quando o Cândido foi preso. Talvez não tenha feito tudo o que poderia para o proteger e defender na prisão, embora reconheçamos que não era fácil fazê-lo. Mas bater-lhe, não lhe bateu. Sabemos que, posteriormente, Roquete tentou uma aproximação, mas o meu tio recusou.»
Imagens de sangue e dor em «O Pântano da Morte»
Cândido de Oliveira descreveu o drama do Tarrafal, em «O Pântano da Morte». No intervalo dos treinos e dos artigos para os jornais, escreveu em imagens de dor e sangue, coisas assim arrepiantes: «Os caixões foram feitos por alguns dos pre-sos que estavam de pé. Trabalhavam dia e noite para que os corpos dos que morriam não apodrecessem naquele miserável cubículo da enfermaria. Prontos os caixões, vestiam e lavavam os mortos. Depois, lançavam àqueles rostos deformados pelo sofrimento o último adeus da saudade e fechavam-nos. Pela planície verdejante de capim, ajoujados pelo peso do companheiro, fatigados de tanto trabalho, lá iam a caminho do cemitério, abriam as covas e lançavam sobre elas as últimas pazadas de terra. Depois, voltavam e ouviam os gemidos dos que nem sequer sonhavam que eles tinham ido levar um companheiro que não mais tornaríamos a ver. Se o objectivo era, efectivamente, uma alternativa da pena de morte, mais cruel, por ser a condenação à morte lenta, após uma vida de martírio e de prova- ções morais e físicas, ele realizou-se plenamente...»
...E «A Bola» entrou no jogo da vida do contador de histórias
Cândido salvou-se. Misteriosamente. Na véspera do «Dia D», Salazar mandou libertá-lo, ao que se supõe por pressão dos ingleses que, diplomaticamente, sugeriram que a guerra poderia acabar de um dia para o outro e que, quando isso acontecesse, tratariam de saber o que acontecera ao seu colaborador preso no Tarrafal. E, a 28 de Maio (que sinistra coincidência...) de 1944, para além da ordem de soltura, os governantes ofereceram a Cândido a sua reintegração nos CTT. Por uma questão de honra, recusou. E, para além de lançar o projecto de «A Bola», dedicou-se mais a treinador de futebol. Com o sucesso que se sabe, apesar de no F. C. Porto não ter sido tão feliz como no Sporting mantendo, contudo, sempre, mesmo nas horas mais amargas, o seu espírito bem-humorado, contando aos jogadores deliciosas blagues, como essas de ter sido dentista de Ghandi ou caçador profissional de elefantes na Índia, que ficaram famosas nos corredores do futebol.
in«abola»
Cândido de Oliveira fora preso, acusado de desviar correspondência de espiões de Hitler. A sua sorte foi um recadinho que os ingleses enviaram a Salazar
No Porto começou Cândido a escrever as suas memória de cárcere. Dramáticas. Em 1942 fora preso pela PIDE e enviado para o Tarrafal. Por essa altura, para além de técnico de futebol e jornalista, era subinspector dos Correios em Santarém. E com essa via aberta, amiúde desviava para os espiões ingleses correspondência que ele sabia destinada a agentes alemães que pululavam por Portugal. Quando o governo de Hitler descobriu, apresentou queixa a Salazar. A PIDE foi ao Caminho do Forno do Tijolo, onde morava Cândido de Oliveira, pregou-se um arraial de pancadaria, partindo-lhe os dentes a caminho do Aljube. Desse dia trágico nasceria a suspeita que perduraria anos a fio e, decerto, perdurará de que fora António Roquete, seu companheiro na Casa Pia e na Selecção Nacional, reconhecido agente da PIDE, que o esmurrara assim impiedosamente. Maria Claudina Guerreiro Nunes, sobrinha de Cândido, esposa de António Guerreiro Nunes, durante largos anos administrador de «A Bola», refutou recentemente esta tese, mas não conseguiu afastar todas as cortinas de fumo: «O meu tio gostava muito do Roquete, que era um rapaz muito pobre, mas também um guarda-redes muito bom. Protegeu-o muito, garantiu-lhe refeições, ajudou-o a vestir-se, enfim, era um protegido privilegiado que, no entanto, não se portou bem quando o Cândido foi preso. Talvez não tenha feito tudo o que poderia para o proteger e defender na prisão, embora reconheçamos que não era fácil fazê-lo. Mas bater-lhe, não lhe bateu. Sabemos que, posteriormente, Roquete tentou uma aproximação, mas o meu tio recusou.»
Imagens de sangue e dor em «O Pântano da Morte»
Cândido de Oliveira descreveu o drama do Tarrafal, em «O Pântano da Morte». No intervalo dos treinos e dos artigos para os jornais, escreveu em imagens de dor e sangue, coisas assim arrepiantes: «Os caixões foram feitos por alguns dos pre-sos que estavam de pé. Trabalhavam dia e noite para que os corpos dos que morriam não apodrecessem naquele miserável cubículo da enfermaria. Prontos os caixões, vestiam e lavavam os mortos. Depois, lançavam àqueles rostos deformados pelo sofrimento o último adeus da saudade e fechavam-nos. Pela planície verdejante de capim, ajoujados pelo peso do companheiro, fatigados de tanto trabalho, lá iam a caminho do cemitério, abriam as covas e lançavam sobre elas as últimas pazadas de terra. Depois, voltavam e ouviam os gemidos dos que nem sequer sonhavam que eles tinham ido levar um companheiro que não mais tornaríamos a ver. Se o objectivo era, efectivamente, uma alternativa da pena de morte, mais cruel, por ser a condenação à morte lenta, após uma vida de martírio e de prova- ções morais e físicas, ele realizou-se plenamente...»
...E «A Bola» entrou no jogo da vida do contador de histórias
Cândido salvou-se. Misteriosamente. Na véspera do «Dia D», Salazar mandou libertá-lo, ao que se supõe por pressão dos ingleses que, diplomaticamente, sugeriram que a guerra poderia acabar de um dia para o outro e que, quando isso acontecesse, tratariam de saber o que acontecera ao seu colaborador preso no Tarrafal. E, a 28 de Maio (que sinistra coincidência...) de 1944, para além da ordem de soltura, os governantes ofereceram a Cândido a sua reintegração nos CTT. Por uma questão de honra, recusou. E, para além de lançar o projecto de «A Bola», dedicou-se mais a treinador de futebol. Com o sucesso que se sabe, apesar de no F. C. Porto não ter sido tão feliz como no Sporting mantendo, contudo, sempre, mesmo nas horas mais amargas, o seu espírito bem-humorado, contando aos jogadores deliciosas blagues, como essas de ter sido dentista de Ghandi ou caçador profissional de elefantes na Índia, que ficaram famosas nos corredores do futebol.
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