Estórias da nossa história

H

hast

Guest
Morte no pântano, Cândido e o Tarrafal

Cândido de Oliveira fora preso, acusado de desviar correspondência de espiões de Hitler. A sua sorte foi um recadinho que os ingleses enviaram a Salazar

No Porto começou Cândido a escrever as suas memória de cárcere. Dramáticas. Em 1942 fora preso pela PIDE e enviado para o Tarrafal. Por essa altura, para além de técnico de futebol e jornalista, era subinspector dos Correios em Santarém. E com essa via aberta, amiúde desviava para os espiões ingleses correspondência que ele sabia destinada a agentes alemães que pululavam por Portugal. Quando o governo de Hitler descobriu, apresentou queixa a Salazar. A PIDE foi ao Caminho do Forno do Tijolo, onde morava Cândido de Oliveira, pregou-se um arraial de pancadaria, partindo-lhe os dentes a caminho do Aljube. Desse dia trágico nasceria a suspeita que perduraria anos a fio — e, decerto, perdurará — de que fora António Roquete, seu companheiro na Casa Pia e na Selecção Nacional, reconhecido agente da PIDE, que o esmurrara assim impiedosamente. Maria Claudina Guerreiro Nunes, sobrinha de Cândido, esposa de António Guerreiro Nunes, durante largos anos administrador de «A Bola», refutou recentemente esta tese, mas não conseguiu afastar todas as cortinas de fumo: «O meu tio gostava muito do Roquete, que era um rapaz muito pobre, mas também um guarda-redes muito bom. Protegeu-o muito, garantiu-lhe refeições, ajudou-o a vestir-se, enfim, era um protegido privilegiado que, no entanto, não se portou bem quando o Cândido foi preso. Talvez não tenha feito tudo o que poderia para o proteger e defender na prisão, embora reconheçamos que não era fácil fazê-lo. Mas bater-lhe, não lhe bateu. Sabemos que, posteriormente, Roquete tentou uma aproximação, mas o meu tio recusou.»

Imagens de sangue e dor em «O Pântano da Morte»

Cândido de Oliveira descreveu o drama do Tarrafal, em «O Pântano da Morte». No intervalo dos treinos e dos artigos para os jornais, escreveu em imagens de dor e sangue, coisas assim — arrepiantes: «Os caixões foram feitos por alguns dos pre-sos que estavam de pé. Trabalhavam dia e noite para que os corpos dos que morriam não apodrecessem naquele miserável cubículo da enfermaria. Prontos os caixões, vestiam e lavavam os mortos. Depois, lançavam àqueles rostos deformados pelo sofrimento o último adeus da saudade e fechavam-nos. Pela planície verdejante de capim, ajoujados pelo peso do companheiro, fatigados de tanto trabalho, lá iam a caminho do cemitério, abriam as covas e lançavam sobre elas as últimas pazadas de terra. Depois, voltavam e ouviam os gemidos dos que nem sequer sonhavam que eles tinham ido levar um companheiro que não mais tornaríamos a ver. Se o objectivo era, efectivamente, uma alternativa da pena de morte, mais cruel, por ser a condenação à morte lenta, após uma vida de martírio e de prova- ções morais e físicas, ele realizou-se plenamente...»

...E «A Bola» entrou no jogo da vida do contador de histórias

Cândido salvou-se. Misteriosamente. Na véspera do «Dia D», Salazar mandou libertá-lo, ao que se supõe por pressão dos ingleses que, diplomaticamente, sugeriram que a guerra poderia acabar de um dia para o outro e que, quando isso acontecesse, tratariam de saber o que acontecera ao seu colaborador preso no Tarrafal. E, a 28 de Maio (que sinistra coincidência...) de 1944, para além da ordem de soltura, os governantes ofereceram a Cândido a sua reintegração nos CTT. Por uma questão de honra, recusou. E, para além de lançar o projecto de «A Bola», dedicou-se mais a treinador de futebol. Com o sucesso que se sabe, apesar de no F. C. Porto não ter sido tão feliz como no Sporting — mantendo, contudo, sempre, mesmo nas horas mais amargas, o seu espírito bem-humorado, contando aos jogadores deliciosas blagues, como essas de ter sido dentista de Ghandi ou caçador profissional de elefantes na Índia, que ficaram famosas nos corredores do futebol.
in«abola»
 
H

hast

Guest
Ribeiro dos Reis esmagou Cândido

Por duas vezes se defrontaram Cândido de Oliveira e Ribeiro dos Reis. Por duas vezes perdeu Cândido. A derrota mais pesada surgiria na final da Taça de Portugal

O destino tem coisas assim. A 21 de Fevereiro, com o Sporting de luto pela morte de Ribeiro Ferreira, que fora seu mítico presidente e quiçá o principal responsável pela contratação de Cândido de Oliveira, o F. C. Porto foi goleado em Alvalade, por 1-5. A vitória foi dedicada em memória do presidente falecido. Com ela os sportinguistas passaram a dispor de uma vantagem de quatro pontos sobre o Benfica e cinco sobre o F. C. Porto. Barrigana limitou-se a dizer que o Sporting era a melhor equipa, pelo que...
A 1 de Março, um jogo muito especial para «A Bola». Entre directores. No banco do Benfica, Ribeiro dos Reis. No do F. C. Porto, Cândido de Oliveira. Ganhou o Benfica, por 2-1, numa luta sem tréguas, de correcção exemplar e vitória justa. José Águas deixou Correia com a face ensanguentada, mas quer um quer outro consideraram o lance mero acidente. E o Sporting, de passo estugado a caminho do título, com três pontos de avanço sobre o Benfica e seis sobre o F. C. Porto. Se remotíssimas esperanças ainda havia, o F. C. Porto queimou-as, definitivamente, ainda em Março, ao baquear estrondosamente no Barreiro: 0-4. Barrigana atirou: «Quatro golos como estes era coisa que não via há muito tempo! Foram quatro golaços.» Em troca de galhardetes, Quaresma, o treinador do Barreirense, afiançou: «Merecemos a vitória, mas o F. C. Porto merecia pelo menos um golo...»
O Campeonato fechou com o Sporting campeão pela terceira vez consecutiva. 43 pontos, mais quatro do que o Benfica, mais sete do que o Belenenses e o F. C. Porto.
As contas do Torneio foram encerradas com a maior receita de todos os tempos: 10.696 contos, mais 378 contos que na temporada anterior. As despesas de organização ascenderam a 4378 contos, pelo que os 6318 contos líquidos foram distribuídos pelos 14 clubes envolvidos: 1106 contos para o Sporting, 870 para o F. C. Porto, 698 para o Benfica, 536 para o Belenenses...

Cândido e Ribeiro dos Reis em luta pela Taça de Portugal

Benfica, F. C. Porto e Vitória de Guimarães apuraram-se para as meias-finais da Taça de Portugal. O outro apurado foi o Lusitano de Évora, que perdera, na primeira «mão», em Alvalade, por 2-0. Apurado... administrativamente, já que os sportinguistas, em estágio em Vale de Lobos, com vista à Taça Latina e ao Torneio dos Campeões, não se deslocaram a Évora, sendo afastados por falta de comparência...
A FPF decidiria multar o Sporting em cinco contos, exigindo-lhe ainda o pagamento de uma indemnização de 26...
Assim, sem surpresa, a 28 de Junho, na final da Taça de Portugal de 1953, mais um frente a frente entre Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira.
Nova vitória para Ribeiro dos Reis por dilatada vantagem: 5-0. Rogério abriu o activo e com esse golo ganhou direito a receber um relógio de ouro. Ofereceu-o à Direcção do Benfica para que o leiloasse e juntasse fundos para financiar as obras do futuro Estádio da Luz. Ao intervalo, mesmo a perderem por 1-0, os portistas ainda tinham um réstia de esperança: «Vamos lá ganhar-lhes 8-3» — exaltou Barrigana. Foram, afinal, 0-5. E o mesmo Barrigana, passado o período mais agudo de tristeza, fez graça: «Eles pareciam flechas e nós parecíamos tachas pregadas ao terreno.» Pelo F. C. Porto jogaram: Barrigana; Virgílio e Carvalho; Eleutério, Correia e Pinto Vieira; Carlos Duarte, Teixeira, Monteiro da Costa, José Maria e Carlos Vieira. Os benfiquistas para festejar a façanha jantaram num restaurante de... Alvalade e, depois do repasto, partiram para a Feira Popular.
Para compensar, o F. C. Porto conquistou o título de campeão nacional de basquetebol, pela segunda vez consecutiva — e revalidou (pela 14.ª vez em 16 possíveis!!!) o de andebol de 11. A honra continuava a ser salva pelas mãos. Que com os pés...
in«abola»
 
H

hast

Guest
No reino de Calabote

Com Fernando Vaz, discípulo de Cândido de Oliveira, o F. C. Porto continuou a lutar contra o destino e outras estranhas forças, sofrendo até golos a... soco!

No primeiro clássico da época de 1953/54, o F. C. Porto bateu o Sporting, nas Antas, por 1-0, com golo de... Pedroto. Álvaro Cardoso, treinador «leonino», ironizou: «A melhor homenagem à equipa do Sporting foi prestada pelos próprios jogadores portuenses quando soou o apito final, ao manifestarem tão exuberantemente a sua alegria pelo triunfo à custa de um golo precedido de fora-de-jogo, que só o árbitro não viu, apesar de bem assinalado pelo fiscal de linha.» Pedroto retorquiu: «Off-side? Nunca! Anular o golo seria tremendo erro, como errada foi a decisão do juiz quando marquei pela segunda vez.»
Parecia airoso o começo, mas... Ao perder nas Antas, a 8 de Novembro, por 0-2, com o Belenenses, na sexta jornada do «Nacional», o F. C. Porto desceu para sexto lugar, com sete pontos. O Benfica comandava com 10, mais um do que o Sporting e mais dois do que o Belenenses.
Ano fechado com 10-0 ao Vitória de Guimarães. E na contabilização de sócios ficou a saber-se que, nesse comenos, o seu número era de 22.320.
Na primeira jornada de 1954, derrota do F. C. Porto no Barreiro (0-2). Era a equipa em ziguezague. Contudo, a 25 de Janeiro, mais por demérito alheio do que por virtude própria, ao bater o Sporting de Covilhã, o F. C. Porto ainda podia acalentar o sonho: estava só a um ponto dos leões, logrando ultrapassar o Belenenses.


Antas deram mais 1800 contos...

A 29 de Janeiro anunciou-se que o Estádio das Antas permitira um aumento de 1800 contos nas receitas de 1953, sendo 1200 contos referentes ao acréscimo de quotizações e 600 contos ao aumento nas vendas de bilhetes. Esta foi a conclusão mais vincada do Relatório e Contas do clube. Não fora isso e poder-se-ia ter aberto um buraco financeiro de perigosas proporções, já que as despesas com o futebol ultrapassaram largamente as do Benfica e do Sporting: 3.115.139$50, o que, cotejado com receitas de 1.529.640$40, gerou um défice de 1.594.499$10. Mas como ainda eram azuis as esperanças quando esses números se publicaram...

Os primeiros sinais de Calabote e a goleada nas Salésias

No último dia de Novembro, jogo quente e de importância transcendente na luta pelo título, em Alvalade: Sporting-F. C. Porto. Bancadas cheias como um odre, ressumando euforia — e uma receita de 240 contos. Foi verde a festa. Vitória do Sporting, por 2-1. Mas (outra vez...) muito polémico, muito duvidoso, o segundo golo do Sporting, apontado por Vasques. Barrigana, guarda-redes portista, reclamou: «Quando a bola vinha no ar, a cair sobre a baliza, fiz-me ao lance para a captar, o Vasques antecipou-se e enfiou-a nas redes com um soco.» O sportinguista redarguiu: «Foi um golo limpo, de cabeça, aliás o árbitro estava mesmo ao pé de mim.» O árbitro era Inocêncio Calabote, que algum tempo depois mais tragicomicamente famoso ficaria por contas que ainda não são deste rosário. Garantiu não haver tido dúvidas (mal seria de dissesse o contrário...) e retorquiu, sem sequer evitar o reconhecimento da condescendência que por vezes medra da má consciência: «E se eu expulsasse o Barrigana pelas atitudes que tomou? Essa foi a parcialidade de que me acusaram os portistas! Barrigana foi indisciplinado, só a responsabilidade do encontro é que me levou a não o expulsar pelo seu comportamento e pelas suas ameaças...»
Só a 25 de Fevereiro, o F. C. Porto deixaria fugir o segundo lugar, ao perder, nas Salésias, com o Belenenses, por 2-5. Um jogo com um espectador ilustre: o escritor José Lins do Rego, que no final da partida considerou que o Belenenses «se calhar por ter um treinador uruguaio e dois avançados argentinos», jogou muito bem, mas que «o F. C. Porto foi infeliz». Deslumbrado ficou com Matateu.

Como não preocupar mulher que esperava um filho

O F. C. Porto, em mais uma viagem a Lisboa, quando se estava já em fase de «lavagem de cestos». Empate na Tapadinha, com o Atlético, a três golos, jogando quase toda a partida com 10 homens e deixando fugir a vitória a dois minutos do fim. E foi por uma questão sentimental que os portistas jogaram mais de uma hora com um jogador fortemente lesionado: Porcel, que nunca deixou de sangrar do nariz. Sua mulher estava prestes a ser mãe e tinha por costume ouvir os relatos dos jogos do marido à minúcia. Quando se deu a lesão, um dirigente correu a pedir aos radialistas que nada dissessem sobre o incidente para evitar complicações, já que a senhora era hiper-sensível. Que sim, disseram todos, naturalmente, mas para que o expediente funcionasse era preciso manter Porcel em campo, mesmo que em ofício de corpo presente, mesmo que em sacrifício da própria equipa. Mas assim se fez. E no dia seguinte nasceu o bebé...
Os portistas acabariam por segurar o segundo lugar, a sete pontos do Sporting, que somou 43 ao longo das 26 jornadas. Para os portistas apenas a consolação de ter sido a equipa mais realizadora, com 83 golos, mais três que os «leões».
Foi batido o máximo de receitas do Campeonato Nacional da I Divisão: 10.776.848$20. O Sporting voltou a ser o clube ao qual coube o maior quinhão de receita líquida: 1.217.207$25, contra 939.070$80 do Benfica, 857.558$10 do F. C. Porto e 619.088$35 do Belenenses...
A Taça de Portugal de 1954 era, uma vez mais, a ilusão para pôr fim a um longo jejum que já doia. Nas meias-finais, depois de empate em Alvalade, a uma bola, os portistas fizeram festa e deixaram que explodissem esperanças. Afinal, nas Antas, perderiam por 2-4. Carvalho, que agredira Galileu e fora expulso, chorou convulsivamente depois do jogo. Virgílio, que sofrera a primeira derrota desde que passara a «capitão» de equipa, não se conformava. Na fase final do desafio, quando tudo estava já decidido a favor do Sporting, desfaleceu. «Estava cheio de nervos, deu-me uma coisa na vista, caí sem sentidos.»
Satisfação desbordante entre os sportinguistas. E Martins sem se calar: «Eu bem dizia que ganhávamos por 4-3.» Tinha apostado. Ganhou. Para tal marcou dois golos...
in«abola»
 
H

hast

Guest
Vendedor de Minas e o violino de Jaburu

Fernando Vaz recebia sete contos por mês, mas Patalino assinou-lhe a setença. Foi substituído por um ex-vendedor de automóveis que recebeu 100 contos de luvas

Com a contratação de Otto Glória, em 1954, o Benfica deu, enfim, passo irreversível a caminho do profissionalismo (sem disfarces) do seu futebol. Por corolário óbvio, todos os outros clubes lhe seguiram o trilho, inflacionando salários. De técnicos e jogadores. O brasileiro passou a receber 12 contos por mês, cabendo seis ao seu treinador adjunto Valdivielso. Tavares da Silva, que foi escolhido para substituir Rodoplh Galloway no Sporting, como director técnico, tinha direito a 10 contos mensais — José Szabo, o treinador de campo, arrecadava seis e Abrantes Mendes, seu adjunto, dois. O F. C. Porto era um pouco mais parcimonioso, já que Fernando Vaz recebia sete contos por mês, mais três que Artur Baeta e mais 4,5 que Artur de Sousa (Pinga), seus adjuntos. E, no Belenenses, Fernando Riera cobrava seis contos e Próspero Benitez, o adjunto, três.
Na abertura da temporada de 1954/55, os portistas deslocaram-se às Salésias. Os seus jogadores correram a colocar um ramo de flores no Monumento de Homenagem a Pepe, antes da partida se iniciar. Ganharam em sentimentalismo, perderam em jogo, traídos por um golo de Vicente, que já não se chamava Matateu II. Era uma estreia oficial em beleza.
Em Fevereiro, depois de um empate do Sporting nas Antas (1-1), o F. C. Porto estava a quatro pontos do Benfica, de parceria com o Sporting, a um do Belenenses e do... Sporting de Braga.
Em ambiente anormal de se fazer campanha eleitoral no salazarengo Portugal, uma «lista de oposição», encabeçada por Cesário Bonito, ousou disputar a presidência do clube a Urgel Horta, lançado já como candidato oficial do F. C. Porto. Cesário impôs métodos novos, mais ou menos americanizados, de fazer campanha eleitoral, com cartazes em transportes públicos e muita festa, exortando ao diálogo e à troca de ideias.
E como, nestas urnas, um homem valia um voto (e os mortos não votavam...), ganhou e foi declarada vencedora a lista da «oposição», liderada por Cesário, que já ocupara a presidência do F. C. Porto alguns anos antes, sendo decisivo o seu papel no desbravar do caminho para a construção do Estádio das Antas.
Contudo, nesse mesmo dia, no futebol perderam os portistas: em Évora, onde marcaram o primeiro golo. Mas como sofreram dois, os seus sonhos ficaram, definitivamente, desfeitos, com o Benfica a seis pontos, o Sporting... de Braga de Mário Imbelloni a três, tantos quantos o Belenenses, o Sporting a dois.
A 7 de Março, o F. C. Porto perdeu, nas Antas, com o Vitória de Setúbal: 0-2. Houve mosquitos por cordas. A Direcção do F. C. Porto, já presidida por Cesário Bonito, desgostosa com o «comportamento da equipa de futebol durante o encontro com o Vitória», decidiu abrir inquérito aos seus atletas e, sem sequer precisar ainda das suas conclusões, multar José Maria em 2500 escudos, Hernâni e Pedroto em 1000 escudos, Perdigão e Joaquim em 500. Eleutério, Sarmento I, Sarmento II e Oliveira, que não compareceram ao jogo de reservas, foram multados em 50 escudos...

Espantar o Real Madrid e ser eliminado pelo Lusitano

Por vezes, os portistas desconcertavam. Com a raça do tigre capaz de estender as garras sobre a presa que não assustava. Aconteceu tal, a 17 de Abril, em jogo de carácter particular, no qual o F. C. Porto venceu o Real Madrid de Di Stéfano, Rial, Munoz, Olsen, por 5-2. Para tentar compensar os gastos do encontro, cifrados em... 400 contos, colocaram-se bilhetes a preços de luxo — mas, ainda assim, nada que se comparasse à jornada com o Arsenal, em que o bilhete mais caro custou 80 escudos. Desta feita, por exemplo, por uma bancada central pagaram-se 50 escudos. E por um peão 12$50. No final da partida, atónitos e surpresos, os madrilenos questionavam-se: «Por que não é o F. C. Porto campeão de Portugal? Quando o quinto classificado joga assim, do que não será capaz do líder?»
Oito dias depois, beneficiando da sua derrota em Évora, por 1-4, o F. C. Porto conseguiu ultrapassar, sobre a meta, o Sporting de Braga, somando 30 pontos, mais um que os arsenalistas. O Benfica ganhou o Campeonato graças ao famoso golo do sportinguista Martins, nas Salésias, para desgraça do Belenenses, so-mando ambos 39 pontos, mais dois que o Sporting.
Eram vacilantes, imprevisíveis, os portistas, que então sofriam cada vez mais de um estranho complexo de inferioridade — ou de provincianismo. Por isso, mesmo quando as coisas pareciam correr outra vez sobre rodas, esperava-se sempre o estalar da borrasca. Estoirou, enfim, a 15 de Maio, na Taça de Portugal: o Lusitano de Évora de Patalino, José Pedro e Carraça, foi às Antas eliminar o F. C. Porto, vencendo por 2-0. Sem apelo nem agravo. Monteiro da Costa apenas conseguiu este desabafo: «Nunca pensámos que isto pudesse acontecer.» Aconteceu.
Ainda em estado de choque, a Direcção de Cesário Bonito aceitou o pedido de demissão de Fernando Vaz, que, ironicamente ou talvez não, foi logo dado como certo em Évora. Iria, contudo, para Guimarães.
E para treinador do F. C. Porto foi contratado o brasileiro Yustrich, que fora um dos mais afamados guarda-redes do Brasil e que, antes de ser treinador em Minas Gerais, era vendedor de automóveis... Chegou ao Porto a 4 de Julho de 1955 com um «contrato fabuloso»: 150 contos de luvas, 15 contos de ordenado mensal e a garantia de um prémio especial de 100 contos, se se sagrasse campeão.
Antes ainda do arranque do «Nacional», Yustrich começou a impor o seu estilo de ferrabrás, decidindo afastar Carvalho e Porcel do grupo, por ousarem questionar o seu trabalho e os seus métodos assumidamente ditatoriais.

Os táxis de Jaburu e a música de Stradivarius

Como que para atenuar o mal-estar, chegou ao Porto, por firme desejo de Yustrich, Jaburu, o «flecha negra», que ele próprio lançara, e que se chamava assim, como contaria o pujante avançado, porque «Jaburu era um pássaro sorumbático, todo branco e com cabeça e bico negros. Um bico compridíssimo. É uma ave que se move com atitudes descon-traídas e um tanto melancolicamente — como eu...»
Por falta de pequenos pormenores de documentação, Jaburu não pôde alinhar no primeiro jogo do Campeonato, com o Covilhã, na Guarda, por os «leões da serra» terem o seu campo interditado desde a época anterior. Assistiu ao jogo, saldado por empate a um golo, marcando pelos portistas o seu compatriota Gastão e logo no regresso ao Porto mostrou-se impressionado com a dureza dos campos.
Estreou-se a 25 de Setembro, com o Belenenses, arrastando às Antas verdadeira multidão. Era o homem do momento, sobre ele corriam já rumores e anedotas várias, mas certo, certíssimo, era que seu pai era o famosíssimo Ary, jogador dos mais famosos do Brasil, nos anos 30, que o seu prazer era andar de táxi e comprar utensílios domésticos para oferecer à mulher. O Belenenses manteve a tradição de não perder nas Antas, empatou a um golo e Jaburu foi apontado como o possível... novo Matateu.

Uma casa portuguesa... com oratório

Na véspera, os portistas inauguraram, no Bonfim, a Casa do Jogador do F. C. Porto, onde passaram a viver, a tempo inteiro, todos os solteiros do plantel e, ao fim-de-semana, os casados também. Uma casa portuguesa, pintada de azul e branco, sem luxos nem arrebiques, com sala de massagens e... oratório. Nas traseiras, um grande quintal e uma... horta para quem quisesse agricultar. Só faltava a piscina. Mas ficou prometida. Os jogadores só ansiavam que não fosse igual à do Centro de Estágio do Sporting, à beira do Jardim Zoológico, que era tão pequenina, diziam, em chacota, que mal dava para lavarem os pés!
Pouco depois, o F. C. Porto bateu, no Lumiar, a Cuf por 4-0. Jaburu foi o autor do primeiro golo, mas o árbitro, numa decisão que provocou grandes protestos, expulsou o jogador. A FPF suspendeu-o por dois jogos, a punição suscitou o «protesto legítimo de uma cidade desportiva e de jornalistas de nomeada, de tão injusta que foi»...
Sem Jaburu, o F. C. Porto não passou em Setúbal (1-1), pelo que, à quinta jornada, dois pontos separavam o primeiro do sétimo: Benfica, 8 pontos; F. C. Porto, 7; Torreense, 7; Covilhã, 7; Setúbal, 6; Belenenses, 6; Sporting, 6.
A 20 de Outubro, Barrigana, após ter posto à Direcção do F. C. Porto a sua intenção de sair do clube, porque o treinador não o utilizava, preferindo Pinho nas balizas, foi impedido de treinar-se por Yustrich e colocado, de imediato, na lista de transferências. Uma semana após, seria jogador do Salgueiros.
Três dias depois, no regresso de Jaburu, 2-0 ao Atlético, dois golos dele. Por isso, Yustrich, que o tratava com desvelo, carcaterizou-o de forma que ficaria famosa: «Jaburu tem o futebol dentro dele como Stradivarius tinha a música quando construiu os seus famosos violinos. E nada mais é preciso acrescentar...»
A primeira renhida «batalha de comando», a 6 de Novembro de 1955. Nas Antas. Venceu o F. C. Porto, por 3-0. O Benfica perdeu, sobretudo, por dois «frangos» de Costa Pereira, o qual, no entanto, relembrou que, na época anterior, a cavalgada benfiquista rumo ao título começou com uma derrota no Porto. E assim bradou: «Não há motivo para acabrunhamentos.»
Na véspera de Natal, mais um passo de gigante do F. C. Porto, batendo o Sporting por 3-1. Na sua baliza estreou-se, auspiciosamente, no lugar de Pinho, Acúrcio, que chegara havia pouco de Moçambique e que defendia no hóquei em patins com o mesmo brilho, a mesma felinidade, que no futebol.
in«abola»
 
H

hast

Guest
Capas negras para a festa azul

O F. C. Porto deixou claro nas Salésias que já não era tigre de papel. Mas foi em Coimbra que o Benfica começou a perder o norte. Com Cândido na jogada

Em Janeiro percebeu-se que, desta feita, o tigre não era de papel. E foi sem espanto que o F. C. Porto estugou o passo a caminho do título de 1955/56, ao bater o Belenenses, no Estádio Nacional, mercê de golo de Hernâni, na cobrança magistral de um livre a castigar carga de José Pereira sobre Jaburu, a... soco.
Antes disso, os lisboetas desperdiçaram uma grande penalidade, por Figueirdo. Espantado ficou Matateu: «Habitualmente, sou eu quem marca as grandes penalidades, mas desta vez o ‘capitão’ de equipa não me designou. Ele é quem manda e eu nada mais tenho que obedecer. O Pinho teve sorte na defesa, mas não há dúvida de que ele foi o grande homem do F. C. Porto.»
Na tribuna de honra do Jamor esteve Kubitschek de Oliveira, presidente do Brasil. E a seu lado, Américo Tomás, que de lá saiu de sorriso amarelo. O F. C. Porto saiu da 18.ª jornada do «Nacional» com o mesmo ponto de vantagem sobre o Benfica, simplesmente porque em Évora, o árbitro Jacques Matias, de Setúbal, permitiu que Ângelo marcasse o golo da vitória dois minutos depois da hora, sem que nada o justificasse, ignorando por completo, durante todo esse lapso de tempo, os sinais do seu fiscal de linha, indicando-lhe o final do tempo. Os benfiquistas marcaram e, então sim, deu o jogo por findo...

A ajuda da Académica de Cândido

Os deuses foram portistas. Finalmente a Académica estava, desesperadamente, em penúltimo lugar. Por isso, tudo parecia tranquilo para o Benfica. Mas não. Com um golo de Faia, ganharam os estudantes. E foi o júbilo. Cândido de Oliveira era o treinador da Académica. E, assim, colocava mais um escolho no caminho do seu Benfica. E o F. C. Porto voltava à liderança, com dois pontos de avanço. A uma semana do jogo do ano, na Luz.
in«abola»
 
H

hast

Guest
1000 escudos no paquete do sonho

Para Lisboa, partiram milhares de portistas a bordo do «Uíge», num Dakota e em comboios especiais com 14 carruagens! O empate com o Benfica valeu 1500 escudos

Era tal o entusiasmo no Porto que um dos seus dirigentes até organizou uma excursão marítima a Lisboa, a bordo do «Uíge». Um autêntico cruzeiro para 800 pessoas, «com variedades e comida de primeira». Por um camarote de luxo pagou-se 1000 escudos, por um bilhete de primeira classe 850, por um de terceira 400. Com o aluguer do barco e outras despesas gastaram-se 500 contos. Por isso, aquela «viagem de sonho» não se fez para ganhar dinheiro, mas para ganhar o sonho de ganhar em Lisboa e ganhar Portugal...
Nesse dia pardacento de Março, o F. C. Porto não perdeu. E ficou à beira do título, graças ao empate a um golo. Virgílio só não se satisfez com o resultado: «Poderíamos ter chegado ao final do primeiro tempo a vencer por 3-0, mas o Benfica foi feliz.»
De má sorte se queixou Jacinto. E de maus fígados atirou: «A equipa do F. C. Porto não é a que dizem. Nela há mais fantasia do que outra coisa. Inclusivamente, os seus componentes dão a impressão de que se esquecem de que estão num campo de futebol. Tivéssemos nós alinhado sem jogadores doentes e com todos os efectivos...»
Na Luz, esgotou a lotação: 35.921 bilhetes vendidos, que renderam 250.959 escudos de receita.
Pelo empate, cada jogador do F. C. Porto recebeu 1500 escudos de prémio. Por proposta de Yustrich, logo aceite por Cesário Bonito.
Depois de ter soterrado o Barreirense: 10-1! — resultado que começava a ficar fora de moda — e de Otto Glória ter deitado a toalha ao tapete, Yustrich renegociou o contrato com o F. C. Porto, ficando garantido que passaria a ganhar 480 contos por ano. Passava, assim, a receber 40 contos por mês! O terceiro prémio da lotaria da Páscoa era, então, de 50 contos. E a taluda, em bilhete completo, de 2000.
De verde ainda se fez a esperança do Benfica, a 22 de Abril. O Sporting bateu, no Estádio Nacional, o F. C. Porto, por 1-0, com golo de Walter. Lisboa voltou a ser assaltada por adeptos portistas, que até alugaram um avião Dakota para um voo especial. E dois dos comboios especiais que partiram de Campanhã tinha 14 carruagens, um autêntico record ferroviário. Yustrich impediu todos os seus jogadores de falar aos jornalistas (após a derrota). E mandou correr as persianas do autocarro à saída do Jamor... Infeliz, Travassos, que, em lance com Virgílio, sofreu mais uma rotura de menisco. A terceira da sua carreia. Nada estava perdido se o F. C. Porto ganhasse nas Antas, à Académica. Chegaram a desesperar. Ramin defendia o indefensável, faltava pouco mais de meia hora e o empate persistia, mas de súbito o génio de Hernâni tudo resolveu, inundando as bancadas de euforia, como nunca se tinha visto na cidade. Era o F. C. Porto outra vez campeão. Com 43 pontos, os mesmos do Benfica, mas com uma vantagem de 12 pontos no «goal-average», pelo que, ganhando ambos, como aconteceu, os benfiquistas só seriam campeões se ganhassem na Tapadinha por mais de... 15 golos!!!
in«abola»
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
7,173
0
Sacramento
O Hernani abriu o marcador de grande penalidade a cerca de 20 minutos do fim,acabando o FCPorto a vencer por 3-0.Consta que durante a marcacao da grande penalidade varios jogadores do FCPorto viraram-se de costas tal era o nervosismo que sentiam.O Ramin estava de facto a fazer o jogo da sua vida.
 
H

hast

Guest
Burro com cerveja e lotaria de Yustrich

O F. C. Porto nunca conseguira acesso à final da Taça de Portugal. Yustrich desvendou, enfim, o «enigma da esfinge». Dois golos de Hernâni valeram quatro contos

Finalmente, o F. C. Porto descobriu o enigma da esfinge — e logrou, pela primeira vez, desde 1939, acesso à final. Uma final diferente. Também inédita por não haver nenhuma equipa lisboeta à compita pelo troféu. Nunca tal acontecera. O toque ainda mais exótico era dado pela presença do Torreense, que na baliza tinha Gama, que já se afamara pelas suas façanhas — e que eliminara o Sporting e o Belenenses. Os seus adeptos quiseram dar à festa tom de romaria pura. Por exemplo, contou-se em «A Bola» que um «respeitável saloio, que nunca se separava do seu burrito, que o levava para o Campo das Covas sempre que houvesse jogo e que, no ano anterior, dera pão-de--ló e cerveja ao animal para comemorar o ingresso do clube na I Divisão», se apresentou no Estádio Nacional «com a sua insubstituível companhia de todas as horas». Ah!, e que nesse dia, 3000 torrienses foram para o Estádio de barrete e de ferrinhos, pandeiretas e gaitinhas de beiços...
O Torreense estagiara nas Termas do Vimeiro, assumindo os seus jogadores que as águas poderiam ser o seu tónico, o seu milagre. Fornieri desvendara, mesmo, desconcertante: «Nós, jogadores de futebol, temos, frequentemente, mazelas na pele. Caímos com frequência, arranhamo-nos, ferimo-nos, mas quando tomo banho nas termas, tudo desaparece e a pele fica como veludo.» As águas do Vimeiro só não conseguiram abrir caminho à vitória. Ganhou o F. C. Porto, por 2-0, com dois golos de Hernâni. No entanto, o segundo resultara de uma grande penalidade «pouco acertada», segundo crónica de «A Bola», já que a carga de Amílcar sobre Perdigão não merecia tal punição de Hermínio Santos. Mas, mais do que a denúncia desse erro, foi a postura do árbitro que encabelou os torrienses. Na cabina, não lhe pouparam invectivas e remoques — estado de alma que Belém sintetizou assim: «Como se poderia jogar despreocupadamente com um árbitro que andou sempre a advertir-nos?» Pedroto analisou a vitória bem ao seu jeito e num tom que, muitos anos depois, lhe haveria de ourar o espírito polémico, viperino, se preciso fosse, para defender a sua dama, a sua verdade: «Vencemos com toda a justiça. Gostei bastante do Torreense, que praticou um futebol alegre, rápido e pensado... não precisando sequer de inventar essas desculpas de mau pagador, que são sempre o trunfo dos fracos.»
Para Hernâni, o F. C. Porto não fulgurou porque os jogadores estavam já desgastados pelo Campeonato. «Daí as dificuldades que sentimos para chegar à vitória.» Ele foi o herói da tarde. Oriundo de Águeda, cedo deixaria o futebol, para se dedicar à sua actividade industrial. Foi pena... Apesar disso, teve ainda tempo para ganhar muito. Não financeiramente. «Não havia os ordenados exorbitantes de hoje, mas atendendo às possibilidades do País, considero que nos últimos três ou quatro anos da minha carreira se ganhava razoavelmente, os ordenados eram equiparados aos bancários ou aos empregados de seguros, os melhores de então, rondando os cinco ou seis contos mensais. No início da época, ainda havia as luvas, que rondavam os 70 contos. Nos jogos com os grandes os prémios andavam entre os 1500 e os 2000 escudos, nos restantes casos nunca passavam dos 400 escudos. Uma vitória no Campeonato rendia 40 ou 50 contos. Por exemplo, pela conquista da Taça recebemos quatro contos...» O F. C. Porto alinhou com Pinho; Virgílio e Osvaldo Cambalacho; Pedroto, Miguel Arcanjo e Monteiro da Costa; Hernâni, Gastão, Jaburu, Carlos Duarte e Perdigão — e, no dia seguinte, partiu para o Brasil. A viagem haveria de ficar esmaltada pelo mau génio de Yustrich. Uma autêntica novela...
in «abola»
 
H

hast

Guest
A 1ª viagem do FC Porto a África (1949)
Caravana da Saudade
Parte 2
As mil e uma peripécias a bordo do «Império» durante os 12 dias que durou a viagem do FC Porto desde que, a 11 de Julho de 1949, partiu da estação de S. Bento, até chegar a Luanda, já todos quantos leram a última estória conhecem.
O suplício da viagem em «3ª suplementar» …as rábulas das taças que queriam que a caravana levasse, mas não levou …a chegada dos «almeidas» de bordo que, a partir das cinco da madrugada, viravam o silêncio do avesso …as sessões diárias de ginástica que o treinador Alberto Augusto ministrava no ponto mais alto de bordo, junto à chaminé …os bailaricos diários e os concursos no «deck de 1ª», o aniversário da Teresinha e o drama da morte do pai na enfermaria do navio, numa prova de que o sorriso e as lágrimas também podem andar de mãos dadas e de que numa «pequena cidade flutuante de 900 pessoas, também se morre e nasce como em todos os sítios do mundo» …as escalas na Madeira e São Tomé …o avistar, na baía de Dakar dos «restos da esquadra metida ao fundo pelos franceses» e o bordejar turbulento das costas da Libéria… as noites nostálgicas passadas no convés e a chegada a Luanda em cima da hora do primeiro jogo, tudo isso já foi contado.
Para a história a «nau catrineta» teria muito que contar sobre os 35 dias saltitantes que o FC Porto passou em África, fazendo de Luanda quartel-general.
Seria um sem fim de recepções, «troca vibrante de saudações» homenagens, sessões solenes, «Portos de Honra», bailes com beldades deslumbrantes, eleições de «misses FC Porto», banhos de multidão, agenda carregada de actos sociais e protocolares que o álbum da nossa história centenária não deixará, nunca, mumificar.
Tudo isso foi marcante e inolvidável. Tudo isso foram sementes que não mirraram, que esvoaçaram de Luanda a Sá da Bandeira, de Sá da Bandeira a Huíla, de Huíla ao Lobito, do Lobito Nova Lisboa e Benguela, cruzando fronteiras até Leopoldeville no antigo Congo Belga. Como dizia o «Diário de Lunanda», na hora da despedida, «lá vai o Porto que da metrópole se deslocou a Angola sem ter saído de Portugal, e que de Angola regressará à mãe-pátria sem de todo deixar este nosso querido rincão, porque eternamente aqui ficará preso aos nossos corações …os corações que ele tão bem soube conquistar».
O leitor Azul e Branco, esse, sentirá orgulho no pioneirismo do seu clube numa digressão desportiva por terras de África, gostará de sorrir e saber que entre as «gentilezas de utilidade» que o FC Porto tinha à espera na chegada constava a «oferta dos serviços de barbearia para os atletas» que «o consumo de cigarros ficou também assegurado pelas duas fábricas da cidade (Luanda), que começaram por mandar ao hotel maços de 100 cigarros da marca 8008» e que «o consumo de bebidas (whisky a 27.50!) e café estava ás ordens no bar do hotel» e, acredito, soltaria uma desopilante gargalhada se conhecesse a «tia Andrêza» já «mulher de certa idade, forte e com voz de trovão que ela emprega em descompor conhecidos e desconhecidos» que entram na sua loja para tomar o «melhor café do planalto» (de Huíla) ou para saborear um pitéu especial, mulher bonacheirona que «sempre a resmungar vai atirando sobre as mesas tudo quanto lhe pedem», invariavelmente com «gestos de quem tenciona correr o mundo a pontapé» talvez escaldada pelo facto dos seus clientes «que comem há tantos anos nas suas mesas» não terem, muitas vezes, «grandes preocupações de pagamento».
O leitor, esse preferirá saber que a viagem de Luanda para Sá da Bandeira, sede da província de Huíla, teve que ser feita em dois aviões – um «Dragon» que necessitou de uma escala de reabastecimento no Lobito e um «Dakota» com autonomia suficiente para um voo directo … que o regresso após o jogo só foi possível às cinco da manhã, terminado o baile de homenagem … que o hotel posto à disposição da caravana em Nova Lisboa era «tão fraquinho, tão fraquinho» (com os dormitórios a situarem-se «a toda a volta dum largo pátio que servia também para recolha de automóveis») que, como alternativa – sem êxito, aliás – se tentou conseguir alojamento nas carruagens cama do caminho-de-ferro … que a viagem por via-férrea, de Nova Lisboa ao Lobito (ponto de escala no trajecto para Luanda), iniciada ás seis da tarde, demorou a bagatela de 15 horas, mas «não foi desprovida de encantos», porque em «Robert Williams – uma estaçãozinha do percurso (o chamado apeadeiro), tivemos o prazer de ver novamente a Teresinha, toda de luto, que nos veio cumprimentar», seguindo-se, por via aérea, o trajecto Lobito-Luanda … e que, com o jogo em Nova Lisboa, a 7 de Agosto, estava cumprido o calendário de jogos acordados quando a viagem se iniciou.
O leitor, esse, não nos perdoaria se não lhe contássemos que à chegada a Luanda se deparou a Caravana da Saudade com um facto verdadeiramente insólito – só a 24 de Agosto, ou seja, 18 dias depois (mais hora menos hora), passava por Luanda «o primeiro barco com rumo à Metrópole»! Chamava-se «Mousinho» (não consta se de Albuquerque ou da Silveira …), dele se sabendo apenas «que demorava 15 dias a chegar a Lisboa».
O «Império» só passava por Luanda três dias depois, a 27 de Agosto. Ora, neste caso, quem espera não desespera! No «Império» já se conheciam os cantos e recantos, aos hábitos das brigadas das vassouras e, que diabo, conseguidos lugares na «magnífica» segunda classe cuja piscina permitia o «prazer dum banho da meia-noite, à luz de um luar de sonho», três dias a mais ou menos em Luanda era coisa de somenos, até pelo facto de, por ser mais rápido, o «Império ultrapassar o «Mousinho» durante a viagem.
O grande bico-de-obra era ser conveniente fazer qualquer coisinha durante os 21 dias de real ripanço em Luanda e que «juntasse a fome à vontade de comer». Trocado por miúdos – se por um lado havia que arranjar fundos para suportar os dias extras, que à partida, estavam desorçamentados, por outro o verdadeiro campeonato batia à porta e os ponteiros da balança «teimavam em andar um bocadinho mais para a frente» sempre que se controlava o peso!
Como o produto que havia para vender eram jogos a solução era, obviamente, continuar a jogar, entregando à filial de Luanda a tarefa de encontrar os opositores, «dando-lhe como compensação do seu trabalho» uma percentagem do bolo financeiro conseguido.
Arregaçadas as mangas e postas mãos à obra, rapidamente se arranjaram novos, aventuras e desditas!
Um jogo em Benguela, outro em Leopoldeville - «combinado com o vice-cônsul português naquela cidade e a insistentes pedidos da colónia portuguesa», mais dois em Luanda deram para compor e para rejeitar o convite que posteriormente chegara de Lourenço Marques para três jogos em «condições que interessavam sobremaneira». Refeitas as malas e engraxadas as chuteiras, a Caravana voou no «Dakota» sem dois atletas por baixa médica e que, por via disso, ficaram em Luanda a recuperar – Araújo («ligeira indisposição intestinal») e José Maria (dores nos ouvidos que lhe provocavam febres altas»).A recepção foi quase em família, já que «os grandes aviões invariavelmente no Lobito, mesmo que os passageiros se destinem a Benguela» e era precisamente no Lobito que a recepção de encher o olho estava preparada! Desencontros.
A equipa jogou, deu uma «magistral lição de futebol!», como escreveu o jornal local, «Intransigente de seu nome, bailou no salão de festas do Sindicato dos Empregados do Comércio e, no dia seguinte, regressou a Luanda. Tirou uma pestaninha rápida e … voltou a voar, desta vez para Leopoldeville.
Refere o «relatório de ocorrências» que, estacionado o avião «ordem para sair sem visita sanitária», feita por dois amáveis funcionários que «com muitos bom-jours à mistura, vão atirando nuvens de pó à Caravana em pulverizadores que parecem brinquedos».
Enquanto os dirigentes ficam instalados no «Palace Hotel», as atletas tiveram que se contentar em ficar «hospedados num internato nos subúrbios da cidade, vazio por motivo de férias», com o argumento de que os «hotéis de Leopoldeville estavam cheios». Outros tempos, outras mentalidades.
O importante era, como sempre, o jogo. Não diremos que a cidade parou. Parou sim o «Belo», um sujeito bacano, que «fechou o seu estabelecimento de barbearia durante os três dias da nossa estadia no Congo».
Casa cheia (12 000 pessoas), bandeiras da Bélgica, França e Portugal em profusão, presença na Tribuna de Honra do Governador-geral, autoridade máxima do Congo Belga, um ramo de orquídeas depositado pelo capitão da equipa, Alfredo, no «sopé do pequeno monumental à rainha Astrid que deu nome ao estádio», um minuto de silêncio em memória da rainha tão venerada pelos belgas, o jogo e mais uma vitória num encontro (o único) que não durou 90 minutos mas, sim 60. Não houve invasão pacífica, não faltou a luz, não houve tumultos, o relógio do árbitro não era tão cebola assim, mas, ou só se jogava uma hora ou não haveria jogo para ninguém! Porquê? Explicá-lo-emos a fechar a crónica.
Fecho que está preso por um fio. Tempo suficiente para contar que foram tantos os «biblots de marfim, elefantes de ébano, chinelos e malas de peles berrantes» comprados e as «dezenas de pacotes de cigarros americanos, isqueiros, lâmpadas eléctricas e máquinas fotográficas (à razão de uma por cabeça) oferecidas» que no regresso a Luanda o excesso de bagagem quase fazia abortar a descolagem do Dakota!
Dois jogos em Luanda com duas goleadas das antigas por números iguais (7-1) fecharam a digressão que dois dos mais carismáticos atletas da altura não puderam viver – Carlos Vieira (o extremo supersónico) não obteve licença e Eduardo Vital não conseguiu licença do seu emprego público.
Virgílio teve mais sorte. Jurou bandeira e partiu, juntando-se à comitiva em Nova Lisboa. Carvalho e Fragata só foram porque, pura e simplesmente «se demitiram dos empregos». Como se diz no livro «solução pouco ideal e pouco razoável, se é que, neste Mundo há idealismos e coisas razoáveis.
Pronto, está (praticamente) tudo contado e respigado. Saída de Luanda a 26 de Agosto, só a 8 de Setembro a Caravana da Saudade chegou ao Porto. Para trás ficaram quase 7 000 quilómetros pelos ares, dez jogos e outras tantas vitórias. Tudo resultados rechonchudos, como nas fichas de jogo se registam para arquivo e informação.
Aqui chegados, o prometido é devido - «desembrulhar» a história dos 60 minutos. Coisa simples. Na altura era esse o tempo de jogo em África. Não havia ordem para dar à perna por mais tempo. Em Angola foi possível mudar o texto e jogar o tempo que por cá mandava a cartilha – 90 minutos. No Congo Belga, nada feito – uma horinha de jogo e … e fim de festa.
Mas, mesmo em Angola, a coisa esteve feia. Compreendê-lo-á o leitor ao confiar-lhe o que a propósito, em jeito de recordação, se escreveu no Programa de Jogos da 2ª viagem do FC Porto a África, em 1958. Expurgado o folclore aqui fica o essencial do que nele, quase dez anos depois, se escreveu.
«Quando em 1949 nos honrou com a sua visita a primeira categoria do Futebol Clube do Porto, poucos atentaram no que representava para o futebol de Angola a sua vinda a terras de África … A presença do FC Porto em Angola marcou uma etapa na vida desportiva desta Província e, com mais ou menos propriedade se poderá afirmar que, no já longínquo ano de 1949, o futebol angolano atingiu a sua maioridade. A prática desta modalidade desportiva nesta província ao tempo era legalmente autorizada para um tempo máximo de 60 minutos, divididos em dois períodos de trinta. A preparação dos nossos atletas estava limitada a esse tempo e naturalmente tinha que ser considerada deficiente para a verdadeira prática da modalidade. O nosso futebol estava estagnado e apenas podia ser utilizado para uso interno dado que as suas fronteiras tinham como limite a margem direita do Zaire … A presença em Angola do FC Porto modificou por completo o panorama … A direcção do Futebol Clube de Luanda acautelando os interesses do seu convidado obteve da A.F. de Luanda a alteração do tempo de jogo para os 90 minutos regulamentares mediante despacho do governo-geral de Angola … o seleccionado local tem então atitude pouco digna e nada desportiva, recusando-se a alinhar contra os nossos visitantes, isto a menos de 24 horas do jogo … Gorada a «insurreição» as coisas compuseram-se, dentro da legalidade, tendo o seleccionado local realizado uma interessante partida com o FC Porto. Estava dado o primeiro passo para a emancipação do nosso futebol e o acontecimento tem pois que marcar um padrão na história do desporto em Angola».
Luís César

Os jogos

24 de Julho
Estádio dos Coqueiros (Luanda)
Futebol Clube de Luanda-Futebol Clube do Porto, 2-10
Jogaram: Valongo, Chico, Alfredo, Carvalho, Joaquim, Romão (1), Lino (2), Freitas (1), José Maria (1), Gastão (1), Diógenes (2), e Sanfins (2)

27 de Julho
Campo Dr. António José de Almeida (Sá da Bandeira)
Selecção de Huíla-Futebol Clube do Porto, 2-8
Jogaram: Valongo, Alfredo, Fragata, Carvalho, Joaquim (1), Romão, Lino, Sanfins, José Maria (5), Gastão (1), Diógenes (1) e Chico

31 de Julho
Estádio dos Coqueiros (Luanda)
Selecção de Luanda-Futebol Clube doPorto, 3-6
Jogaram: Valongo, Chico, Alfredo, Carvalho, Joaquim (1), Romão, Freitas (1), José Maria (2), Sanfins (1), Gastão e Diógenes (1)

4 de Agosto
Campo Raimundo Serrão (Lobito)
Selecção do Lobito-Futebol Clube do Porto, 1-4
Jogaram: Valongo, Alfredo, Chico, Carvalho, Joaquim, Romão, Freitas, José Maria (2), Sanfins (1), Gastão e Diógenes (1)

6 de Agosto
Estádio Marques Trindade (Nova Lisboa)
Clube Desportivo Ferróvia-Futebol Clube do Porto, 0-3
Jogaram: Valongo, Virgílio (1), Alfredo, Carvalho, Joaquim, Romão, Freitas, José Maria (1), Sanfins (1), Gastão e Diógenes

7 de Agosto
Estádio Marques Trindade (Nova Lisboa)
Selecção Nova Lisboa-Futebol Clube do Porto, 0-6
Jogaram: Valongo, Alfredo, Chico, Carvalho, Joaquim (1), Romão, Lino (2), José Maria (1), Virgílio (1), Gastão (1) e Sanfins

18 de Agosto
Campo Atlético de S. Filipe (Benguela)
Delegação de Benguela-Futebol Clube do Porto, 2-9
Jogaram: Valongo, Virgílio, Alfredo, Carvalho (1), Joaquim (1), Romão (1), Lino, Freitas (1), Sanfins (2), Gastão (2) e Diógenes (1)

21 de Agosto
Estádio Rainha Astrid (Leopoldeville)
Selecção de Leopoldeville e Brazaville- Futebol Clube do Porto,2-4
Jogaram: Valongo, Virgílio, Carvalho, Joaquim (1), Alfredo, Romão, Freitas, José Maria (2), Sanfins, Gastão (1) e Diógenes

24 de Agosto
Estádio dos Coqueiros (Luanda)
«Ferroviários» - Futebol Clube do Porto, 1-7
Jogaram: Valongo, Virgílio, Alfredo, Carvalho, Paulo Vieira, Romão (1), Freitas, José Maria (2), Sanfins (1), Gastão, Diógenes (2),Fragata, Chico e Joaquim (Adu marcou na própria baliza)

26 de Agosto
Estádio dos Coqueiros (Luanda)
Sport Luanda e Benfica-FC Porto, 1-7
Jogaram: Valongo, Virgílio, Alfredo (1), Carvalho, Joaquim, Romão, Freitas, José Maria (3), Sanfins (2), Gastão e Diógenes (1)
«Revista dos Dragões» Dez./2007
 
H

hast

Guest
Vou tentar saber quem foi (é) o José Maria, porque marcar 19 (!) golos em 9 jogos não é brincadeira.
 
H

hast

Guest
As asneiras do goleador
Da impassibilidade de Hernâni nascera o pontapé que destruíra a muralha de Coimbra e abrira caminho à «dobradinha». Para isso teve de insultar um amigo...

Hernâni estava lançado em voo de glória. Goleador de auréola cada vez mais refulgente. Nascera em Águeda e mal começara a dar os primeiros passos seu pai levava-o garboso a assistir aos seus treinos de basquetebolista no Recreio. E entranhara-lhe já paixão pelo Benfica, de tal forma o catraio não parava de dizer, ufano, que era «benfiquista até à medula». Mas para o basquetebol não mostrava muita inclinação. Para o futebol, sim – e só pensava imitar os seus ídolos, o Albino, o Francisco Ferreira, o Pinga (cujo único defeito era, cria, não ser do... Benfica).
A sua fama de futebolista no Futebol Clube de Águeda (outro desgosto ter de jogar de azul e branco...) depressa alastrou e um dia Soares dos Reis chegou a Águeda para o levar para o F. C. Porto. Dona Aurora ouviu a «trágica» notícia e impediu o filho de sair de casa durante dois dias. Tinha 16 anos. Pouco depois, dois emissários do Benfica procuraram seu pai, tudo ficou mais ou menos combinado, o senhor Manuel Ferreira Barreira até ficou com o dinheiro para as passagens de comboio, em primeira classe, de Águeda para Lisboa. Ao sabê-lo, a mãe entrou em depressão, Hernâni, vendo-a assim, desistiu da aventura...
Até que em 1949, mal acabara de fazer 18 anos, Alberto Augusto, o célebre «Batatinha», que jogara no Benfica e, de parceria com Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira e de seu irmão Artur Augusto (o primeiro «internacional» do F. C. Porto), fizera parte da primeira Selecção que defrontou a Espanha, era, nesse comenos, treinador portista. Foi a Águeda ele próprio falar com D. Aurora, pedindo-lhe que não permitisse que o seu desvelo de mãe destruísse o destino do filho fadado para altos voos. A senhora impressionou-se e com poalha de orgulho acedeu – que sim, que fosse jogar a bola para o F. C. Porto, mas com uma condição: continuar a viver em casa, em Águeda.

150 quilómetros para se treinar duas vezes por semana

Com uma emoção confusa, feita de medo e de ilusão de fastígio, Hernâni estreou-se, pelo F. C. Porto, contra o Estoril, substituindo Araújo. Como se houvesse nisso, simbolicamente, passagem de testemunho. Marcou um golo e ficou lançado. Com pátulo para a glória. E prazer no sofrimento de ter de fazer, duas vezes por semana, 150 quilómetros para se ir treinar à Constituição.
Numa manhä de 1952, o carteiro deixou na sua casinha do Bairro da Venda Nova uma carta que sobressaltou toda a família – estava convocado para o Regimento de Cavalaria 7, em Lisboa. Teve de partir. E foi jogar para o Estoril. No final da época transferiram-no para Santa Margarida e... regressou, naturalmente, ao F. C. Porto. Apenas se poderia treinar uma vez por semana na Constituição, estando obrigado a entrar no quartel logo após os jogos para que fosse dispensado, mesmo que madrugada dentro. Era um pequenino privilégio, que agradecia muito...

Provocação de Wilson e as asneiras

Em 1953, o Sporting chamou-o a integrar a sua equipa, em digressão ao Brasil. Convidado foi, também, Mário Wilson. Ficou quente a amizade. Mas, por vezes, no calor da luta há sentimentos que se apagam. Foi o que aconteceu naquela tarde em que os deuses pareciam querer evitar que Hernâni ganhasse o seu primeiro título de Campeão Nacional da I Divisão, durante o dramático jogo com a Académica... «Ramin defendia tudo, quando o árbitro assinalou a grande penalidade a nosso favor, os meus companheiros já perturbados pelo teimoso nulo viraram as costas, não quiseram, sequer, ver-me apontar a falta. Mas esse foi o penalty mais fácil de marcar da minha vida. Estávamos havia mais de uma hora sem marcar, a Académica não podia perder, era uma dificuldade tremenda para nós, Mário Wilson e Torres mandavam na defesa, Ramin defendia tudo. Quando o penalty surgiu apoderou-se imediatamente de mim a ideia de que tinha chegado a hora de fazer o que não conseguíramos durante uma hora, quando já muita gente descria. Tive concentração, bati a bola, foi uma enome explosäo no estádio, uma alegria extraordinária. Sempre tive o melhor relacionamento com Mário Wilson, amizade que tinha ficado consolidada nessa famosa digressão que o Sporting fez ao Brasil. Quando o árbitro assinalou a grande penalidade, gerou-se a habitual confusão, eu fugi do barulho, com o intuito de não me enervar e não perder a concentração. O Mário Wilson, com aquela habitual calma, veio junto de mim e, em tom de chalaça, tratando-me por... Ferreira da Silva, disse-me que iria deitar a bola para fora! Repetiu a frase e quando se preparava para a lançar pela terceira vez, respondi-lhe com meia dúzia de asneiras, agastado com ele. Retirou-se. No final do jogo, naquele momento emocionante da festa indescritível do título, abeirou-se de mim, abraçou-me e ainda comovido disse-me que não sabia que era tão malcriado.»
in «abola»
 
H

hast

Guest
Presidente ofendido e tesoureiro agredido

Na digressão do F. C. Porto pelo Brasil e Venezuela, Yustrich pintou a manta! Chamou «moleque» ao presidente, agrediu o tesoureiro e ficou com dinheiro dos jogadores!

A digressão do F. C. Porto ao Brasil e à Venezuela rendeu 921.552$10. A tesouraria ficou mais desafogada. Mas a viagem que se previra fosse de apoteose para os campeões de Portugal acabou turbada por fuscas nuvens e sombreada por opóbrios — com tesoureiro agredido, presidente insultado e outras coisas mais. Tudo por causa dos maus fígados do treinador do F. C. Porto.
À chegada ao Brasil, ainda no Aeroporto do Galeão, o primeiro incidente envolvendo Yustrich. Pedroto ficara a conversar com seu irmão, residente no Rio, o técnico mandou que o autocarro partisse sem ele. Cesário Bonito, o presidente, solicitou ao treinador que não fosse tão intransigente, que percebesse que há alturas em que os sentimentos não se podem arrefecer, mas...
Mais pólvora para a fogueira, a 18 de Junho, no jogo de estreia. Os portistas perderam por 0-3, com o Fluminense, Yustrich hostilizou a imprensa brasileira, pondo fora do autocarro do clube dois jornalistas cariocas que o presidente autorizara viajarem com a equipa, bradando que quem mandava ali era ele. «O moço mau, dono do Porto, ofendeu e expulsou a crónica do Rio» — escrever-se-ia, no dia seguinte, num dos mais populares jornais do Rio.
Por cada um dos quatro jogos a realizar por Terras de Vera Cruz, os portistas receberam 4500 contos.

A maior receita do Brasil

A partida com o Flu levou mais de 100 mil pessoas ao Maracanã e gerou a maior receita de bilheteira até então registada em campos brasileiros: 2.900.000 cruzeiros, quase... 3000 contos!
Depois, mais duas derrotas: 1-2 com o Vasco da Gama e 2-5 com o Corinthians.
Enfim uma vitória portista, a 24 de Junho: 2-1 ao América Mineiro, razão para Yustrich dar um inesperado ar de simpatia, oferecendo um jantar à equipa, em sua casa, andando ele próprio, vestido de... cozinheiro, a servir à mesa.
Do Brasil seguiram os portistas para a Venezuela. Empate com o Roma (1-1). Derrota com o Vasco da Gama (0-3) e Yustrich outra vez embrulhado em sinuosas linhas de polémica. E de destempero. Porque o presidente explicava a um jogador que não estava a ser justo ao criticar a qualidade do hotel, Yustrich, saindo do quarto, dirigindo-se, em modo violento, redarguiu, enristado: «O senhor não tem o direito de se dirigir aos jogadores. Está a exorbitar das suas funções. Procedeu como qualquer moleque.» E quando Cesário Bonito lhe pediu que se calasse, para não agravar mais a sua situação, Yustrich retorquiu, aos gritos: «Não tenho nada que lhe obedecer, não sou seu filho, nem sou seu empregado...»
Na véspera do seu regresso a Minas, para férias, Yustrich envolveu-se em discussão com Zagalo de Lima, chamando-lhe... «cavalo»! E coisas bem piores que, no relatório de viagem que faz parte da documentação do próprio clube se contam assim, quase em jeito de novela pícara: «Quando o secretário-tesoureiro se encontrava a dar andamento ao último expediente, com o técnico muito próximo, ouviu-se que, de um grupo de jogadores, se destacava uma voz, tendo o técnico perguntado o que se passava. Respondeu aquele dirigente parecer-lhe tratar-se da insatisfação de um jogador quanto ao prémio do jogo da véspera. O técnico no seu reprovável estilo, invectivou aquele dirigente nestes termos: os senhores não sabem o que andam a fazer, isto é uma besteira. A isto respondeu o mesmo dirigente: estou farto das suas atitudes. Nesse momento o técnico levanta-se, irado, irreverente, de punhos cerrados e, avançando para o referido dirigente, proferiu em alto berros: ‘Seu filho... [ofensa grave à sua progenitora], seu cavalo, seu estúpido! Se você fosse mais homem jogava-o daqui abaixo.’»
Yustrich abespinhara-se porque Zagalo de Lima lhe recusara os 250 contos de luvas pelo contrato da época seguinte, dizendo-lhe que isso se veria e que na melhor das hipóteses, só no Porto o receberia...
Por essa altura, era já acusado de se ter apoderado de 17 contos de bilhetes vendidos para um jogo de solteiros e casados, organizado como festa de fim de temporada pelos jogadores do F. C. Porto! E mais. Fazendo outra vez fé no relatório da atribulada viagem, deixara-se cair em frandulagens que o indignificavam: «Na apreciação do comportamento do técnico Yustrich há a assinalar a perda de autoridade que o mesmo criou para com os jogadores, cativando-lhes dinheiros que lhes pertenciam, sob a alegação de penalidades por ele aplicadas, mais tarde perdoadas, mas que nem por isso lhes restituiu, no todo ou em parte, vindo depois a confessar que não tinha dinheiro para lhes pagar, a despeito de o ter recebido em devido tempo do tesoureiro da caravana...»
Perante tal, foi sem surpresa que a Direcção de Cesário Bonito mal chegou a Portugal decidiu rescindir, unilateralmente, o contrato com Dorival Knippel, substituindo-o por Flávio Costa, que desse modo trocava o cargo de seleccionador brasileiro pelo de treinador do F. C. Porto. Exigiu 250 contos de luvas e um ordenado mensal de 40 contos. Mas, em longa negociação por... telefone, em linha directa Porto-Rio de Janeiro, acabou por aceitar a última proposta de Cesário Bonito: 200 contos de luvas e 23 contos por mês.
Em simultâneo se abriu complexo processo judicial. Yustrich exigiu ao clube a exorbitante verba de 650 contos de indemnização por danos morais e materiais causados.
O F. C. Porto, que, com ele, apesar do cesarismo e da estupidez de alguns dos seus métodos, com Yustrich tudo ganhara, começou a perder. Na angústia da derrota, na nostalgia da glória, houve logo quem suplicasse por Dorival, o «durão», que adorava dizer de si: «Conheci vários treinadores que, durante os jogos, ficavam fora do campo a rezar. De vez em quando espreitavam pelo buraco... Eu vejo o jogo todo, tomo parte nele, dou gritos que se ouvem nas bancadas, não o faço, evidentemente, por exibicionismo, faço-o por necessidade.»
A Direcção-Geral dos Desportos, que ordenara inquérito às atitudes de Yustrich, denunciadas pelo F. C. Porto, considerou, em Setembro, o treinador «inadaptável à disciplina do desporto português» fazendo dele personna non grata, por ter «ofendido Portugal, os portugueses e a Pátria».
in «abola»
 
H

hast

Guest
> ... Chamou «moleque» ao presidente, agrediu o tesoureiro e ficou com dinheiro dos jogadores!

. . . .

Este tipo devia ser uma «besta».
 
H

hast

Guest
Até a cerveja vomitavam!!!

Yustrich revolucionou o futebol portista pela força. Se encontrasse os pupilos jogando cartas virava a mesa e se visse cerveja era pior ainda

Quando Yustrich chegou ao F. C. Porto trazia como missão revolucionar o seu futebol. Fê-lo pela força, pela força do seu temperamento. Em Minas Gerais chamavam-lhe «Napoleão». Nunca gostou muito do apodo, apesar do seu auto-assumido jeito disciplinador: «Uma ocasião, apanhei vários jogadores meus em Belo Horizonte, jogando baralho. Na mesa estavam mais de três contos de réis. Meti o dinheiro ao bolso, virei a mesa e acabei o jogo. E se pegasse qualquer jogador a beber cerveja, tais coisas lhe dizia que ele até vomitava...»
Chegou, viu e venceu. Mas, para se impor deixou vítimas pelo caminho. Barrigana, por exemplo, que, sentindo-se símbolo de um F. C. Porto feito de outro jeito, com mais ternura, com mais romantismo, contestou-lhe os métodos tirânicos. Caiu em desgraça, para sorte de Pinho, que não passava de eterno suplente e, para que pudesse sentir o prazer da emoção de ganhar de facto, defendia as balizas do F. C. Porto nos jogos de... andebol de onze, assim chegando a campeão!
Fez-se pagar bem, de tal modo que, acabou o Campeonato vencedor com um ordenado mensal de 20 contos e com um prémio especial mais ou menos secreto: um automóvel, no valor de 170 contos.
Campeonato ganho, o F. C. Porto nem sequer quis disputar a Taça Latina, deixando tal missão entregue ao Benfica, que do terceiro lugar não passaria, partindo para a América em busca de muito mais dinheiro. Veio dinheiro. Ficou o treinador. E depressa se pressentiu que um estranho espírito de orfandade se encastelara nas Antas...

Gainza não matou Virgílio mas o árbitro talvez tivesse medo!

Já com Flávio Costa no seu comando técnico estreou-se o F. C. Porto na Taça dos Campeões Europeus. Os deuses foram bilbaínos. Os portistas perderam os dois encontros da primeira eliminatória, por 1-2 e 2-3.
Na baliza do F. C. Porto, no encontro das Antas, actuou Acúrcio. Sob maus ventos. Ele próprio o considerou, dera brinde no primeiro golo – marcado, logo aos oito minutos, por Gainza, o interior-esquerdo que era a «estrela da companhia» e um dos mais prestigiados jogadores espanhóis. «Coisas que acontecem, mas que custam muito.» Inconsolável, esteve minutos a fio no balneário, em silêncio remordente, com as lágrimas empoladas nas faces lívidas. José Maria ainda empatara, mas Canito, com mais um golo, deixara as aspirações praticamente estorcidas. Apesar de Fernando Daucik, treinador de origem checa que conseguira a proeza de tudo ganhar em Espanha, com o Atlético de Bilbau e que não muito depois tentaria (debalde) igual aventura nas Antas, ter deixado o Porto sem esconder alguma preocupação. «Vamos ter de sofrer muito.»
Partiram os bilbaínos no seu autocarro privativo, logo após o jogo, pernoitaram no Luso, atirando-se, depois, durante um dia inteiro à estrada. Que o avião era luxo dispensável, disseram os seus dirigentes.
Virgílio pouco depois do jogo acusou Gainza de o ter ameaçado de morte em Bilbau. Gainza não matou Virgílio, mas o Atlético obrigou o F. C. Porto a despedir-se da Taça. No entanto, os portistas fizeram a vida negra ao adversário, estiveram por duas vezes em vantagem no marcador e o golo do empate, que pôs o resultado em 2-2, resultou de uma grande penalidade muito contestada pelos portistas. Flávio Costa foi mais longe: «Sofremos dois golos irregulares.» Carlos Duarte não se conformou e aventou: «Fomos derrotados pelo árbitro, uma vitória assim pouco sabor dever ter para o Atlético.»
Arteche, o marcador dos três golos bilbaínos, deu um sinal de «fair play» ao aquiescer: «Considero o F. C. Porto a melhor equipa que actuou em Bilbau nos últimos seis anos.» Só que perdeu. E ficou pelo caminho. Mas, de facto, durante uma hora, deu espectáculo, calou os espanhóis. Até que o árbitro...
Era assim, por esse tempo, fora de Portugal. E em Portugal... ;
in «abola»
 
H

hast

Guest
Pedroto e Calabote na «lista negra»

Antes de um trágico ponto perdido com o Atlético, nas Antas, um fiscal de linha de Calabote chamou parvo (e coisas piores) a Cambalacho. E o sonho do título evolou-se...

Flávio Costa lutava contra o fantasma de Yustrich. Em Outubro de 1956 o F. C. Porto bateu o Sporting, nas Antas, por 2-0, com o estádio atochado de gente e 300 contos nas bilheteiras, dos quais caberiam 115 a cada uma das equipas. O treinador portista considerou que o «resultado com mais um ou dois golos daria melhor a ideia do que se passou». A mecha do sonho começou a arder sobre a estopa e, não muito depois, 5-0 ao Belenenses e o aviso de Virgílio: «Ninguém se meta com uma equipa que joga assim.»
Estava lançado o clima de euforia. E Yustrich esquecido. Nova goleada: 7-1 ao Vitória de Setúbal e, de súbito, pequeno tropeção: empate a um golo com o Barreirense.
Nos primeiros dias de 1957 já só se falava do «desafio do ano». Contra o Benfica. A lotação do Estádio das Antas estava literalmente esgotada. Afogueados, os dirigentes do F. C. Porto montaram no sector da maratona uma bancada suplementar, com capacidade para mais de 2000 lugares e cujos bilhetes custariam 20 escudos. Um ingresso para a bancada central custava 45 escudos, mas quem o quisesse comprar teria de pagar mais cinco escudos por uma senha para o Monumental Sorteio do F. C. Porto, que habilitava a vários automóveis e lambretas. A receita do jogo ultrapassaria os 405 contos.

Como um avançado quase padre limpou a honra a soco

Os portistas, assolapados, venceram o Benfica concludentemente — por 3-0 –, isolando-se no comando do «Nacional», com dois pontos de vantagem. Foi jogo de emoções em revolteio. E com toque dramático: um adepto do Benfica, ao sentir a sua equipa perdida, sofreu um ataque cardíaco, chegando ao Hospital de Santo António já sem vida.
Muito antes disso, logo aos três minutos de jogo, Caiado, em lance com Sarmento, caiu inanimado, no relvado. Em braços, de sentidos perdidos, foi conduzido ao balneário. Recuperou-os 15 minutos volvidos, regressando ao terreno de jogo «completamente atordoado» — de tal modo que algumas horas depois um seu desabafo desconcertaria: «Não me lembro de quase nada, nem sei se toquei na bola, acho apenas que o F. C. Porto marcou um golo de penalty.»
Quando o F. C. Porto já vencia por 1-0, aos 40 minutos, Monteiro da Costa, que estava destinado a padre e só a custo trocou o seminário pelo futebol, desferiu um potente soco ao estômago de Coluna, sendo expulso. Não fora gesto irreflectido. Antes pelo contrário. Fora a ânsia de defender a honra beliscada, diria ele, sem denotar o espírito cristão da outra face dada ao esbofeteador. «Não admito que ninguém me insulte, assim como não insulto ninguém. Não sou nenhuma criança para que consinta que me dirijam os insultos que quiserem. De resto, havia já quatro desafios que andava a avisar Coluna, por o seu comportamento incorrecto para comigo já ser antigo. Prefiro que lutem comigo de peito aberto. Quando assim não sucede acabo por perder a paciência. No entanto, não houve da minha parte, propriamente, uma agressão. Coluna fez drama excessivo, pois logo de seguida voltou a jogar.»
Quando corria em todos os portistas a imensa esperança, um empeço, em Alvalade: derrota por 1-2, os benfiquistas outra vez à perna. Mas começavam a pressentir-se zoadas de forças secretas no caminho — com Inocêncio Calabote na ribalta. Desgraçadamente. José Maria Pedroto lançou e incendiou o rastilho da revolta: «Terei todo o prazer em ver Inocêncio Calabote na lista negra.» Osvaldo Cambalacho desvendou, revoltado: «O juiz de linha chamou-me parvo quando lhe reclamei um fora-de-jogo. E foi mais longe, utilizando termos ainda de maior incorrecção. Absolutamente lamentável, a linguagem que me dirigiu. E houve muita maldade nesta partida. Os sportinguistas mostraram-nos muitas vezes as solas das botas.» Hernâni lamentou que os sportinguistas fossem à liça apenas para «não nos deixar ganhar, dando duro, sem bola...».
Flávio Costa queixou-se do facto de os trabalhos da Selecção desgastarem os seus pupilos mais que os demais e de os impedir de treinar-se como «deveria ser». E, acentuando que a arbitragem «desse tal Calabote» fora «péssima», abriu uma nesga para fair play: «Jogámos mal, o Sporting fez o que lhe foi possível para vencer, mereceu a vitória e ponto final.»

Violência na tragédia das Antas!

O Belenenses, que algumas semanas antes arrefecera o sonho benfiquista, empatando a dois golos, a 24 de Fevereiro acabou por reincendiá-lo ao bater o F. C. Porto, no Restelo, por 4-3. Era a cruel e fria vingança dos 0-5 da primeira volta. Fernando Riera, seu treinador, com alguma premonição, deixou descair o desabafo: «Seria uma pena se o F. C. Porto acabasse por perder o Campeonato...»
O desastre que tudo esbarrondaria, a 10 de Março. Nas Antas. Com os jogadores portistas de pernas zambras, combalidos ninguém imaginava bem porquê, o empate a zero com o Atlético, último classificado e já condenado à II Divisão. Severiano Correia, o treinador alcantarense, considerou os portistas uma sombra de si próprios, «se calhar por terem subestimado o nosso valor». Da violência do adversário e do árbitro (outra vez) se queixaram os homens, que logo perceberam que naquela tarde um suspiro de vento de desgraça passara, fatalmente, pelas Antas. Um respigo da crónica do «Norte Desportivo»: «O encontro começou com uma entrada espectacular de Tomé sobre Perdigão, que atirou o jogador portuense para fora do rectângulo, bastante contundido. Esta jogada deixou perceber que os lisboetas se dispunham a empregar-se com energia e, de facto, nos lances que se sucederam a rudeza dos alcantarenses tornou-se notória. Aos 10 minutos do segundo tempo, Osvaldo Silva foi mandado sair do campo pelo árbitro de Setúbal, Fernando Valério, após uma entrada que o árbitro considerou exageradamente digna desse castigo. Mas a dureza dos alcantarenses continuou, sempre com o árbitro a condescender – e sem nunca lhes aplicar igual castigo...»
Severiano Correia, que alguns anos antes, quando ao serviço de «O Elvas», vencera no Campo Grande, retirando um título ao Benfica, deixava, assim, as contas virtualmente quites. O Benfica acabou por somar 41 pontos ao longo de 26 jornadas, mais um que o F. C. Porto. Em caso de igualdade a vantagem era dos portistas, logo trágica fora a perca daquele ponto.
Mas ainda havia a Taça de Portugal. Nas meias-finais, outra ilusão que se evolou, esparsa e ténue, como o fumo que se ergue de uma braseira meio apagada. O Sporting da Covilhã, de Rita e Fernando Cabrita, que como o Atlético descera à II Divisão, afastou o F. C. Porto, ganhando na Covilhã por 2-1 e nas Antas por 1-0. No Porto, uma tarde negra de Pinho, que sofreu patético «frango» em remate de Martin, lançando sobre as bancadas um vasto silêncio de terra morta. Sem Jaburu, os portistas não conseguiram nunca chegar com perigo à baliza de Rita. Com o F. C. Porto eliminado da Taça, Flávio Costa ficou fatalmente com a cabeça a prémio.

Um telegrama com 100 assinaturas e milhares de desejos por...Yustrich!

A 16 de Junho Paulo Pombo tomou posse como presidente do F. C. Porto. Ao seu gabinete chegou um telegrama, assinado por 100 sócios, suplicando pela contratação de Yustrich. Nos dias que se seguiram choveram milhares de outras cartas e muitos mais telegramas. Com o mesmo desejo e a mesma frase: «Queremos que a felicidade volte a F. C. Porto.» Quinze dias depois do despedimento de Flávio Costa, a 25 de Julho, Yustrich chegou ao Aeroporto da Portela. Era esperado pelos directores do F. C. Porto e por uma pequena multidão de adeptos que o ovacionaram. Declarou que desejava rectificar qualquer mau juízo a seu respeito e afiançou: «Nunca duvidei de que as entidades oficiais autorizassem o meu regresso, porque sei que a gente portuguesa tem um alto conceito de espírito de justiça.»
Para 8 de Agosto se marcou a sua apresentação aos jogadores. Perdigão não compareceu e foi de imediato colocado na lista de transferências. Mas depois veio o perdão. Como se fosse um indício de que Yustrich mudara, dera um pouco mais de espaço para o sentimento às duas polegadas do seu coração...
in «abola»
 
H

hast

Guest
Um pequeno resumo da época 1956/57


JUNHO
18 — No jogo da estreia da digressão ao Brasil, o F. C. Porto perdeu com o Fluminense, por 3-0. Yustrich causou problemas ao tratar a Imprensa carioca como já tratara a portuguesa. «O moço mau, dono do Porto, ofendeu e
expulsou a crónica do Rio» — escreveu-se num dos seus jornais. Por cada um dos quatro jogos a realizar por Terras de Vera Cruz, os portistas receberam 4500 contos. E, à chegada ao Rio, já o empresário José da Gama tinha depositado, num banco local, à sua ordem, 950 contos. A partida com o «Flu» levou mais de 100 mil pessoas ao Maracanã e gerou a maior receita de bilheteira até então registada em campos brasileiros em jogo entre clubes: 2.900.000 cruzeiros, quase 3000 contos!
21 — No Rio, o Vasco da Gama venceu o F. C. Porto, por 2-1. E com o Corinthians, novo desaire (2-5). Três dias depois, uma vitória enfim: 2-1 ao América Mineiro, razão para Yustrich dar um inesperado ar de simpatia, oferecendo um jantar à equipa, em sua casa, andando, ele próprio, vestido de... cozinheiro, a servir à mesa.

JULHO
2 — Na Venezuela, F. C. Porto e Roma empataram 1-1. Dois dias depois, perderia com o Vasco da Gama, por 0-3.
5 — Alves Barbosa tornou-se o primeiro ciclista português a entrar no Tour. Na primeira etapa, chegou em 6.º lugar.
9 —O Real Madrid venceu o F. C. Porto (2-1) e terminou a primeira volta do Torneio de Caracas, em 1.º lugar. Em nítida melhoria, os portistas bateriam, na jornada seguinte, os vascaínos, por 1-0.
16 - Em Caracas, o F. C. Porto bateu o Roma por 1-0, classificando-se, assim, em terceiro lugar. E, despontou uma estrela: o guarda-redes Acúrcio, que, de parceria com Di Stéfano, foi considerado um dos dois indiscutíveis na selecção da «Pequena Taça do Mundo».

AGOSTO
18 — Flávio Costa trocou o cargo de seleccionador brasileiro pelo de treinador do F. C. Porto, como susbtituto de Yustrich. Aos dirigentes portistas exigiu 250 contos de luvas e um ordenado mensal de 40 contos. Mas, em longa negociação por... telefone, em linha directa Porto-Rio de Janeiro, acabou por aceitar a última proposta: 23 contos por mês.

SETEMBRO
13 — A Direcção-Geral dos Desportos; que ordenara um inquérito às atitudes de Yustrich; denunciadas pelo F. C. Porto, considerou o treinador «inadaptável à disciplina do desporto português». Entretanto, abrira-se guerra jurídica entre Dorival Knippel e o seu ex-clube, já que o brasileiro exigira 400 contos de indemnização, que, posteriormente, aceitaria reduzir para 200. Nem isso os dirigentes portistas lhe quiseram dar, pelo que pô-los em tribunal...
24 - O F. C. Porto esmagou a Académica de Coimbra (5-1) e, desse modo, à terceira jornada, na frente, portistas, benfiquistas e belenenses.

OUTUBRO
14 — Mais uma derrota do Sporting, desta feita no Porto: 0-2. A enchente das Antas rendeu 300 contos de receita, cabendo 115 a cada uma das equipas. Flávio Costa, o treinador portista, considerou que o resultado «com mais um ou dois golos daria melhor a ideia do que se passou». Osvaldinho continuava fora da equipa de Picabêa, inconformado, questionando-se, vezes sem conta: «Se ainda há ano e meio joguei na selecção do Brasil, não tenho lugar no Sporting?» E, com cinco jornadas disputadas, o Benfica, com nove pontos, já levava dois pontos de avanço sobre o F. C. Porto, o Barreirense, o Belenenses e o Oriental. Os sportinguistas estavam em antepenúltimo lugar, com três pontos.

NOVEMBRO
19 — O F. C. Porto goleou o Belenenses (5-0) e Virgílio avisou: «Ninguém se meta com uma equipa a jogar assim.» Só que, em Setúbal, o Benfica não perdeu o passo e bateu o Setúbal (4-0). Ou seja: à décima jornada, os benfiquistas somavam já 17 pontos, mais três do que os portistas. E, em terceiro lugar o... Lusitano de Évora, com 13, mais um do que Sporting, Barreirense e Belenenses.

DEZEMBRO
1 — Yustrich voltou à carga, exigindo do F. C. Porto 676 contos, contando com 100 do prémio pelo título que ainda estava em disputa e 150 por danos morais!
10 — O Benfica empatou em Coimbra e José Águas, intrigado, questionou: «Se não choveu, porque estava o campo molhado?» O F. C. Porto pulverizou o Vitória, em Setúbal: 7-1, depois de ter estado em desvantagem! Os jogadores do Sporting, que durante o mês anterior pagaram 17 contos de multas, continuavam a dar imagem quixotesca de si próprios. E mais um empate, desta feita em Torres.
16 — No começo da segunda volta do «Nacional» da I Divisão, o F. C. Porto, ao empatar com o Barreirense (1-1) não se aproveitou do tropeção do Benfica na Luz, diante do Lusitano de Évora: 2-2. No Sporting, regressou Travassos, mas a malapata continuou: derrota em Coimbra, por 2-0, com a segunda edição do Festival-Rocha.
23 — No primeiro Sporting-Benfica do (novo) Estádio de Alvalade, vitória dos leões, que, assim, resolveram o Campeonato. A primeira derrota dos benfiquistas deixou-os a par do F. C. Porto, com 23 pontos, e a dois do Belenenses.

1957

JANEIRO
3 — A três dias do «desafio do ano», a lotação do Estádio das Antas estava já literalmente esgotada. Afogueados, os dirigentes do F. C. Porto montavam no sector da maratona uma bancada suplementar, com capacidade para mais de 2000 lugares e cujos bilhetes custariam 20 escudos. Um ingresso para a bancada central custava 45 escudos, mas quem o quisesse comprar teria de pagar mais cinco escudos por uma senha para o Monumental Sorteio do F. C. Porto, que habilitava a vários automóveis e Lambretas.
6 — ...E, o F. C. Porto bateu o Benfica, por 3-0, isolando-se no comando do «Nacional». De receita, arrecadaram-se 405 contos. Foi um jogo de nervos à flor da pele. Com um caso mortal até: um adepto do Benfica que, ao sentir a sua equipa perdida, sofreu um ataque cardíaco, chegando ao Hospital de Santo António já sem vida. Muito antes disso, logo aos três minutos de jogo, Caiado, em lance com Sarmento, caiu, inanimado, no relvado. Em braços, de sentidos perdidos, foi conduzido ao balneário. Recuperou-os 15 minutos volvidos, regressando ao terreno de jogo «completamente atordoado». Lá se manteve, apenas em ofício de corpo presente. Algumas horas depois, desabafaria: «Não me lembro de quase nada, nem sei se toquei na bola, acho apenas que o F. C. Porto marcou um golo de penalty!» Aos 40 minutos, quando o F. C. Porto já vencia por 1-0, Monteiro da Costa desferiu um potente soco ao estômago de Coluna, sendo, obviamente, expulso. «Não admito que ninguém me insulte, assim como eu não insulto ninguém. Não sou nenhuma criança, para que consinta que me dirijam os insultos que quiserem. De resto, havia já quatro desafios que andava a avisar Coluna, por o seu comportamento incorrecto para comigo ser já antigo. Prefiro que lutem comigo de peito aberto. Quando assim não sucede, acabo por perder a paciência. No entanto, não houve, da minha parte, propriamente, uma agressão. Coluna fez drama excessivo, pois, logo de seguida voltou a jogar.» Com este resultado, o F. C. Porto somava 27 pontos, mais dois do que o Belenenses e o Benfica.
13 — O Sporting travou o passo ao F. C. Porto, vencendo, em Alvalade, por 2-1. Com esse contributo, o Benfica, que bateu a CUF, por 6-0, com cinco golos de Águas, igualou os portistas, que não se conformaram com o desaire, lamentando-se do árbitro e dos fiscais de linha, lamentando-se dos sportinguistas. Pedroto lançou e incendiou o rastilho: «Terei todo o prazer em ver Inocêncio Calabote na lista negra.» Osvaldo Cambalacho desvendou, revoltado: «O juiz de linha chamou-me parvo quando lhe reclamei um fora-de-jogo. E foi mais longe, utilizando um termo ainda de maior incorrecção. Absolutamente lamentável, a linguagem que me dirigiu... E houve muita maldade nesta partida. Os sportinguistas mostraram-nos muitas vezes a sola das botas.» Hernâni, na entreajuda: «Eles foram para ali só para não nos deixar ganhar. Deram duro, sem bola, sem nada...» Flávio Costa queixou-se do facto de os trabalhos da Selecção desgastarem os seus pupilos e impedirem-nos de se treinar como «deveria ser». E, acentuando que a arbitragem «desse tal sr. Calabote fora péssima», acabou por abrir uma nesga de «fair-play»: «Jogámos mal, o Sporting fez o que lhe foi possível para vencer, mereceu a vitória e ponto final.»
28 — O Benfica empatou no Restelo, por 2-2, permitindo que o F. C. Porto, ao «estilhaçar» o Lusitano (7-1), se isolasse, de novo, na liderança do Campeonato da I Divisão.

FEVEREIRO
24 — O Belenenses, que arrefecera o sonho benfiquista, alguns dias antes, acabou por reincendiá-lo, ao bater o F. C. Porto, no Restelo, por 4-3. Era a cruel e fria vingança dos 0-5 da primeira volta, nas Antas. Fernando Riera, com alguma premonição, deixou descair: «Seria uma pena que o F. C. Porto acabasse por perder o Campeonato...» O Benfica passou para 36 pontos, o F. C. Porto manteve os 35, o Belenenses subiu para 31.

MARÇO
10 — As Antas em «estado de choque»: o F. C. Porto empatou com o Atlético, a zero bolas. E como o Benfica venceu o Barreirense por 10-1(!) o sonho «azul» começou a desfazer-se, de forma cruciante. Severiano Correia, o treinador alcantarense, considerou os portistas uma sombra de si próprios, «se calhar por terem subestimado o nosso valor». Severiano, que, alguns anos antes, quando ao serviço de «O Elvas», vencera no Campo Grande, retirando um título ao Benfica, deixava, assim, as contas virtualmente quites.
30 — Apesar de, na penúltima jornada, ter empatado com o Torreense, o Benfica só não se sagraria campeão nacional de futebol se empatasse, na Luz, com a Académica. Ganhou. Por 2-0.
O Benfica somou, ao longo das 26 jornadas, 41 pontos, mais um do que o F. C. Porto. O Belenenses foi terceiro, com 33 pontos, o Sporting, quarto, com 31, o Lusitano, quinto, com 30, a Académica, sexta, com 28. Nas posições seguintes classificaram-se Torreense (24), Oriental (23), Cuf (21), V. Setúbal (20), Barreirense (20), Caldas (19), Covilhã (18) e Atlético (16). José Águas voltou a ganhar a «Bola de Prata», apontando 30 golos, mais quatro do que Hernâni e mais sete do que Matateu.

ABRIL
29 — Enfim, «tomba-gigantes», na Taça: o Sporting da Covilhã eliminou o F. C. Porto (e logo com duas vitórias, por 2-1 e 1-0!), o V. Setúbal arredou o Sporting (com 0-0 em Alvalade e 2-1 nos Arcos). Ao setubalense Soares, autor do golo que aniquilou os leões, foi, simbolicamente, oferecido um borrego, que ele, ainda mais simbolicamente, fez questão de matar a tiro! E o Torreense, depois do empate por 1-1, em Torres, ao empatar, por 2-2, na Luz, obrigou o Benfica a terceiro jogo.
Julho
6 — Flávio Costa deixou o F. C. Porto, regressando ao Brasil e para o seu lugar os portistas pensaram em Yustrich...
IN «ABOLA»
 
H

hast

Guest
Insólito castigo e árbitro agressor
A FPF, num prodígio de imaginação, suspendeu Virgílio até que o adversário estivesse clinicamente curado. Andou dois meses a expiar a pena

Uma pardacenta ilusão submergia o Porto no arranque para o Campeonato outra vez com Yustrich. A euforia crepitava. Mas, por vezes o destino embaralha as teias que o tecem. E o F. C. Porto perdeu, em Alvalade, com o Sporting, por resultado que não deixou margem para dúvidas — nem para queixas do árbitro: 0-3. Seria que a magia de Dorival Knippel se perdera no «refúgio do guerreiro», algures em Minas Gerais?
A equipa acertou o passo e os jogadores redescobriram o coração. E o sangue na guelra. Se dúvidas existiam, o real valor do F. C. Porto ficou bem demonstrado em jogo com o Benfica, a 11 de Outubro. A meio da semana, um surto de gripe atacara o Lar dos Jogadores do Benfica, deixando Coluna, Salvador, Ângelo, Artur, Alfredo, Palmeiro e Águas de cama, com temperaturas que chegaram a 39 graus. Mas, na véspera da partida para o Porto todos pareciam mais ou menos recuperados. E em vez de febre havia fé...
Dos homens da asiática só Salvador e Artur não jogaram nas Antas. Os portistas venceram por 1-0, com golo de Monteiro da Costa — e Otto Glória correu a dizer que a gripe não poderia servir de desculpa, que o F. C. Porto estava empolgado e que, por isso, até nem fora mau o resultado.
Triste tarde, a de Virgílio, expulso por uma entrada «súcia» sobre Fernando Caiado, que se queixou assim: «Mal posso respirar, desconfia-se de que tenho qualquer costela fracturada, mal me mantenho em pé, estou groggy...»
A FPF quase sempre que tocava a portistas gostava de enristar a espada e punir com severidade. Exemplarmente, se dizia. E, destarte, decidiu suspender Virgílio por três jogos... ou mais! Isso mesmo: enquanto se mantivesse a incapacidade do adversário atingido, Virgílio estaria impedido de jogar futebol. Espantado ficou com o descarmento, aquiescendo, acabrunhado que estava de consciência tranquila, só sentindo «a culpa de não ter pedido desculpa» a Caiado.

Bandeirinha do fiscal na cabeça do apanha-bolas

Ao cabo da primeira volta, na primeira semana de Dezembro de 1957, o F. C. Porto estava a um escasso ponto do Sporting, ainda invicto. Nesse comenos, chegou a boa nova para Virgílio: Caiado fora, enfim, considerado pelos médicos do Centro de Medicina Desportiva clinicamente curado e o castigo ao defesa portista, que vigorava desde 14 de Outubro, foi levantado através de um telefonema da FPF para a Direcção do F. C. Porto. Faltavam três dias para o jogo com o Sporting e... contra o Sporting reapareceria Virgílio. Os portistas quebraram a invencibilidade do antagonista, treinado pelo uruguaio Enrique Hernandez, ganhando por 2-1. Desabafo de Virgílio, emocionado, já no balneário: «Preferi jogar a ter 50 contos na carteira».
De prémio pela vitória, tal como os seus companheiros, recebeu dois contos...
Mas, apesar da vitória sentiram-se ondas de choque nas Antas. Yustrich descobrira, outra vez, o seu jeito de mata-mouros, por pouco não sendo preso: por mais que o árbitro o proibisse de dar instruções para dentro do campo, o treinador do F. C. Porto teimou em fazer disso ouvidos de mercador, até que o juiz pediu a um polícia que o retirasse da relva. Assim o fez. Mas em vez de o levar para a esquadra foi sentá-lo no «banco», pedindo-lhe que se aquietasse.
Antes de a partida se iniciar, directores do F. C. Porto fizeram distribuir pelas bancadas cópias de cartas que lhes tinham sido enviadas um pouco de todo o lado, garantindo que o árbitro Álvaro Rodrigues e os seus fiscais de linha «eram 200 por cento sportinguistas».
O barril de pólvora que assim se abichara por pouco não explodiu quando um dos fiscais de linha agrediu um apanha-bolas com a sua própria bandeirola, deixando-lhe o rosto a sangrar. Acabaria por defender-se com o peregrino argumento de que não fora essa a sua intenção. A Direcção portista apresentou queixa contra o presumível agressor, mas a FPF haveria de fazer tábua rasa da denúncia.
Eram assim, nos anos 50, no «país da ordem e da moralidade»...
O F. C. Porto que, ao bater o Sporting se isolara como líder, saiu do Barreiro aos torcilhões, desfeiteado por dois golos de Arsénio (que Otto Glória despedira do Benfica por estar velho e que neste ano ganhou «A Bola de Prata»!). Os sportinguistas não aproveitaram de todo porque empataram, em Alvalade, com a Académica...
Janeiro chegou frio, mas fervente ficou nas Antas, por outras razões. Logo na primeira semana de 1958, Yustrich dispensou José Maria, que pouco depois ingressaria no Benfica. Para o F. C. Porto fora, em 1950, com a promessa de 15 contos de luvas. Não receberia sequer um tostão. Não se importou. «Fiquei espantado com a decisão de Yustrich, já que há dois anos dissera, diante de todos os meus colegas, que, limadas algumas arestas, teria lugar em qualquer equipa do Mundo.»
Não muito depois recrudesciam fraldiqueiras manobras de bastidores (uma dentro, outras fora) que fizeram com que o F. C. Porto empeçasse.
in«abola»
 
H

hast

Guest
Yustrich e Hernâni a soco e canelada!

Inocêncio Calabote expulsou Teixeira por agressão que mais ninguém vira. Mas não seria só por causa do «árbitro-maldito» que o F. C. Porto começaria a resvalar...

Foram de emoção os minutos que antecederam, na Luz, o Benfica-F. C. Porto. António Ribeiro dos Reis, na sua condição de presidente da Assembleia Geral do Benfica, abriu a simbólica cerimónia das enxadas, cavando um dos topos onde haveriam de erguer-se as torres de iluminação do estádio. De seguida, um paralítico repetiu-lhe o gesto. Os espectadores, benfiquistas ou portistas, irmanados por uma teia sentimental que uniu aquela mole de gente que atochava as bancadas, esqueceram-se de aplaudir, por que, nesse momento, quase todos choravam de emoção — ou se não choravam estavam transidos dela.
Mas (para variar...) Inocêncio Calabote pôs mascarra na tarde, ao expulsar o portista António Teixeira, num lance que suscitou dúvidas, muitas dúvidas. Espantado, com as lágrimas bailando-lhe nos olhos, ciciou: «Sinceramente, não sei por que fui expulso. A jogada foi viril, mas não bati em ninguém. O Serra cuspiu-me na cara e eu, nesse instante, empurrei-o, perguntando-lhe apenas se isso se fazia. Claro que fiquei indignado, mas não bati em ninguém, nem sequer esbocei essa intenção.» Replicaria Calabote: «Teixeira foi expulso porque bateu na cara do adversário.» Isso mesmo colocou no seu relatório, mas como fora falta que ninguém entrevira no campo...
Se injusta fora a expulsão de Teixeira, muito mais o foi o seu castigo: três jogos de suspensão. Sentindo-se agravados, vítimas de uma endrómina qualquer, os dirigentes do F. C. Porto solicitaram à FPF a relevação da pena – ou, no mínimo, a sua suspensão até conclusão de inquérito. Debalde. Que não, que Teixeira teria de cumprir os três jogos. Sem mais. A DGD disse o mesmo. Demonstraram ambas, sem sequer cuidar de guardar as aparências, que agiam com dois pesos e duas medidas, até porque antes vários clubes lograram efeitos suspensivos em processos semelhantes de penalização de atletas seus.

Hernâni e Yustrich ao soco no túnel de acesso ao balneário

E, como se não bastasse, no seio do próprio grupo de trabalho do F. C. Porto, abriu-se um foco de conflito. Dirimido a soco, em pleno túnel de acesso aos balneários!
Era uma tarde fria e cinzenta de Janeiro. O F. C. Porto acabara de golear o Oriental: 5-0. Yustrich mandou os seus pupilos agradecer ao público o apoio que este lhes tinha dado. Todos cumpriram a ordem menos Hernâni, que, se calhar por sentir que não haveria razão para tal, teria dito que não estava para alimentar as «palhaçadas» do treinador, com quem mantinha, havia muito, relações frias e fricções ardentes. E, só, encaminhou-se para o túnel. Yustrich, furibundo, foi no seu encalço. Trocaram palavras azedas, cizânias, insultos. De súbito, o mineiro segurou o avançado pelo pescoço, com o braço esquerdo, socando-o com o punho direito. Hernâni tentou desenvencilhar-se da prisão, distribuindo caneladas. Quando conseguiu, enfim, libertar-se do tenaz braço esquerdo de Yustrich vibrou-lhe um soco, ferindo-o no sobrolho! Um fio de sangue escorreu-lhe pelo rosto. Já na cabina, pegou numa balança, para a arremessar contra o jogador que se rebelara contra os seus caprichos, contra o seu nepotismo.
O dirigente Dias Leite mandou que Yustrich se retirasse do balneário e prometeu agir. No dia seguinte o treinador foi suspenso das suas funções, sendo de imediato substituído por José Valle, seu adjunto.


Passeio brasileiro por Yustrich

Gerou-se solidariedade brasileira no plantel: Osvaldo Silva, Zeca e Lito passeavam-se, ostensivamente, pelas ruas do Porto à hora em que decorria o primeiro treino depois do incidente. Só Gastão lá fora. Arrepiariam caminho, depois, pedindo desculpa... Mas Dorival Knippel tinha adeptos vários na cidade e no clube. Arregimentaram-se e prometeram manifestação nas Antas, com cartazes e tarjas e tarjetas com as letras do seu apoio: «Queremos Yustrich». Foi essa «quinta coluna», que tinha como voz pública o... «Norte Desportivo» que o aconselhou a arrepiar caminho e a não exigir a rescisão do contrato, que foi o que se lembrou de fazer quando lhe chegou o telegrama a suspendê-lo de funções.
Para sorte de Yustrich o F. C. Porto perdeu, no Barreiro, com o Barreirense, por 1-2, permitindo que o Sporting se reapossasse do comando.
Inesperadamente (ou talvez não), a 6 de Fevereiro, a Direcção do F. C. Porto, presidida por Paulo Pombo levantou as suspensões de Yustrich e Hernâni. O treinador prometeu voltar à guerra. Para ganhar. «Sou um homem habituado à luta e consequentemente incapaz de desertar no meio de uma batalha. Irei até ao fim...»
in «abola»
 
H

hast

Guest
Cândido foi buscar Yustrich à prisão!

A perseguição ao F. C. Porto ultrapassava os poderes federativos. Yustrich esteve entre grades três horas. Mas mais impressionante foi o desfecho do «caso» Teixeira...

Na primeira semana de Março, os deuses não estiveram com Yustrich. O Benfica bateu o Sporting, por 2-0. O resultado, que poderia ter sido dramático para os sportinguistas, não o foi, simplesmente porque o F. C. Porto tropeçou em Braga, por 2-3, mantendo-se, assim, ambos com 37 pontos. É dessa altura, a insólita notícia publicada pelo jornal «O Porto»: «A PSP de Braga, por intermédio da sua congénere do Porto, fez chegar até ao nosso clube cinco bandeiras de diversas dimensões, que foram apreendidas a diversos rapazotes no momento em que as furtavam de automóveis pertencentes a associados ou simpatizantes que se deslocaram à capital minhota. Essas bandeiras serão entregues aos seus donos, que as poderão procurar na sede...»
Oito dias depois, Yustrich outra vez em maus lençóis. O F. C. Porto ganhou em Coimbra, por 1-0, mas... a 11 minutos do final da partida, Dorival Knipel foi preso, simplesmente porque, quando ele quis obrigá-lo a sentar-se no «banco», retorquiu assim ao comandante da força da PSP: «O senhor, por muito que faça, não pode tirar a vitória ao F. C. Porto.» Seria libertado às 20 horas, por especial insistência de Cândido de Oliveira, treinador da Académica.

Estranha justiça federativa

Em meados de Março, com o Campeonato praticamente decidido, a FPF lançou, enfim, comunicado a propósito do «caso» Teixeira. Em vez de escalorar o pó da injustiça ou o lixo da artimanha, o do-cumento fez pasmar muita gente — uns de assombro, outros de incredulidade. Que sim, admitia-se que Teixeira fora mesmo mal expulso durante o jogo com o Benfica, que, por isso, fora injusta e ilegalmente obrigado a um castigo de que os dirigentes do F. C. Porto logo recorreram, pedindo baldadamente o efeito suspensivo que o regulamento da Federação estabelece e que tem sido concedido a todos os outros clubes portugueses que o invocam, mas que decidira passar uma esponja sobre tudo. Mais: ao fim de dois meses de inquérito (dois meses!) confirmava-se o que milhares de espectadores do Estádio da Luz já sabiam: que Teixeira nada fez que merecesse o castigo de expulsão — mas que o F. C. Porto tomasse tudo à conta de lamentável incidente ou partida do destino! «O F. C. Porto não ficará por aqui. Sente-se injustamente tratado e prejudicado — e irá até onde possa encontrar aquilo que procurou, neste caso, desde o princípio: justiça.» Isso se bradou através do jornal do clube, com o Campeonato à beira do fim.
Na última jornada, o F. C. Porto bateu, no Restelo, o Belenenses, por 3-1. Acúrsio, o guarda-redes portista, foi a figura do jogo. Por ter apontado um golo a José Pereira, um golo histórico, graças a um pontapé de baliza a baliza e por, depois da façanha, ter fracturado um braço e continuar a jogar, durante quase meia-hora, com o o braço partido.
Sporting e F. C. Porto somavam ambos 43 pontos. Paulo Pombo solicitou à FPF a não homologação da vitória «leonina» no Campeonato, por considerar que seria de mínima justiça a repetição do jogo com o Barreirense, para que o prejudicado não o fosse duplamente. E, em 24 de Maio, em comunicado por si assinado, a Direcção do F. C. Porto reclamava: «Segundo o sucedido nos desafios realizados, é campeão nacional da I Divisão o glorioso Sporting Clube de Portugal. Mas a este grande clube não interessará que tal seja a admissível consequência da evidentíssima injustiça que o F. C. Porto sofreu. A repetição do jogo Barreirense-F. C. Porto rectificará ou ratificará a posição de campeão. Se a confirmar, então o F. C. Porto cumprirá o grato dever de saudar o nobre e valoroso campeão. Mas, por enquanto, está impedido de fazê-lo, porque o F. C. Porto foi vítima de uma injustiça a que não pode negar-se possível (para não dizer certa) influência no resultado final da competição.» Como era natural naquele tempo, a FPF fez tábua rasa do requerimento do F. C. Porto e homologou o título ao Sporting. Depois de ela própria ter admitido que Teixeira fora injustamente castigado.
Continuava a viver-se, assim, no reino dos Calabotes...
in «abola»