Capangas inúteis e o guarda Abel
Num jogo dramático, o F. C. Porto perdeu o Campeonato. Dirigentes benfiquistas refugiaram-se numa ambulância e começou estranho jogo que até meteu o ministro da Polícia
Rumores de que a crise financeira estalara nas Antas nos primeiros dias de 1991 ainda mais assoprados quando Rui Águas, que regressara ao Benfica, libertado pelo F. C. Porto, se queixou de o clube lhe dever mais de 35 mil contos. Reinaldo Teles negou tudo, respondendo ao benfiquista com ironia. Ácida. «Se não fosse o F. C. Porto, se calhar a esta hora o Rui Águas estava a ganhar 300 contos por mês. Agrada-me ver a transformação que sofreu. Passou até a ser uma pessoa muito extrovertida. Mas compreendemos. Por meio milhão de contos não pode limitar-se a marcar golos, tem de dizer algo.»
E corriam, também, dichotes de que os dirigentes portistas se atassalhavam em violentos jogos de bastidores, utilizando capangas para sua guarda pessoal, servindo isso de pábulo a todas as maledicências contra Pinto da Costa e seus próceres ao que retorquiu assim Reinaldo Teles: «Dessas atoardas se fala, de facto, e de pistolas, metralhadoras, guarda-costas, mas a verdade, porém, é outra e o nosso presidente é que tem sido sistematicamente agredido, sem quaisquer hipóteses de defesa. Logo, de duas uma: ou os capangas existem na imaginação de alguns D. Quixotes do nosso futebol ou então precisamos urgentemente de renovar o pessoal devido à sua ineficácia.» Lapidar.
Mas, nos relvados, reverdejavam as esperanças na reconquista do título. Para Artur Jorge o segredo do sucesso do F. C. Porto e, sobretudo, da continuidade na corrida para o fastígio era de... mentalidade. «Nas Antas deixou de haver desculpas parvas! Também por isso o F. C. Porto tem quase sempre sido campeão.» E, desconcertante e polémico, em jeito de paralelo com a geração de ouro que conquistara a Taça dos Campeões em Viena, desvendou: «Quando fomos campeões da Europa o ambiente na equipa era muito mau. Importantíssimo é que hoje já não há no F. C. Porto quem maltrate os colegas jovens e lhes faça a vida negra... e quem, entre tantas coisas, urine no chão dos balneários e da varanda do quarto sobre as pessoas que vão a entrar no hotel!»
Mas, de súbito, sinais de procela. Nos últimos dias de Janeiro, a Direcção do F. C. Porto suspendeu Geraldão de toda a actividade, por Pinto da Costa ter descoberto que o brasileiro-dos-livres-decisivos assinara um contrato-promessa com o Benfica, precisamente quando a luta entre ambos entrava na fase mais decisiva. Sem Geraldão, os portistas entraram em ziguezague, esbanjando pontos incríveis, de tal forma que a 28 de Abril precisavam de derrotar o Benfica, nas Antas, para retomarem a liderança do Campeonato. Antes da peleja, acérrimo jogo de palavras, chistes e provocações, de parte a parte, a denúncia de que o árbitro, Carlos Valente, jantara com dirigentes do Benfica e outras coisas que tais...
Alguns dias antes, o F. C. Porto tinha eliminado o Benfica da Taça de Portugal e Eriksson tomou o desaire à custa de artimanha dos portistas, que acusou de terem molhado o relvado para seu benefício! Remoqueou, pois, Octávio Machado: «O Benfica já não precisa de se preocupar com a água, já contratámos uma empresa de aspiradores para sugar a relva e, com um bocadinho de sorte, ainda pedimos emprestado o tapete vermelho de veludo por onde costuma passar o Papa. Nós é que temos de nos preocupar com o árbitro.»
Os incidentes na tarde de César
Ganhou o Benfica, por 2-0. Graças a dois golos de César Brito. João Santos, presidente do Benfica, que em vez de assistir ao jogo nas Antas ficou, transido de medo, num hotel da cidade, à chegada a Lisboa soltou a língua, desfiando rosário de queixas. Que os seus futebolistas se tinham equipado nos corredores porque nos balneários havia «cheiros horríveis». Se tresandava a alguma coisa era a creolina, mas... Que Jorge de Brito e demais entourage tinham sido insultados e agredidos à porta do balneário, refugiando-se numa ambulância para não serem linchados! Se se retirar uma pontinha de exagero e dramatização, nisso falava verdade, apesar de não salientar o facto de os directores do Benfica terem sido ajudados pelos próprios dirigentes do F. C. Porto, que curaram logo de acalmar a turba-multa que ali se concentrara...
Por essa altura, Pinto da Costa, afundado no desespero do Campeonato perdido, escumando de mágoa (ou de ódio?!) contra o árbitro, que abandonou o estádio vituperado por adeptos portistas em transe, bradou: «Carlos Valente teve um comportamento provocador, chegando a insultar o banco do F. C. Porto. » Reinaldo Teles, afeando em termos ainda mais violentos a sua denúncia, ajuntou: «Carlos Valente teve um comportamento anormal e despropositado. Por exemplo, quando me dirigi à sua cabina para fazer a entrega da ficha do jogo perguntou-me de uma forma acintosa se era delegado ao jogo. Fiquei pasmado, mas não demorei muito tempo a compreender este comportamento.»
Muito mais fumegante seria o rescaldo dessa tarde quente. À chegada a Lisboa, a Direcção do Benfica solicitou ao Ministério da Administração Interna inquérito aos acontecimentos das Antas, apontando logo como responsável pelos tumultos um polícia de nome... Abel. O guarda aproveitaria a estada de João Santos no Porto, durante a posse da Direcção do Salgueiros, para afrontar o presidente do Benfica. Trajando à civil, Abel seria barrado por Pinto da Costa, que o demoveu, dizendolhe que não era aquele o local certo para tratar dos seus problemas com João Santos, que, em pânico, apresentou queixa à PSP, por... «tentativa de agressão e ameaça de morte» acrescentando: «Esse senhor, com o seu costumado ar arruaceiro, protagonizou desacatos e desmandos durante o F. C. Porto-Benfica. Não sei se tem protecção de alguém, certo é que os meus colegas de Direcção desceram dos camarotes sem ser molestados pelos adeptos do F. C. Porto, mas, ao tentarem entrar na cabina do Benfica, foram impedidos de fazê-lo por esse senhor, que disse que ninguém passaria, que estava a cumprir ordens de Pinto da Costa.»
As jogadas subterrâneas e os árbitros
Perdido, assim, dramaticamente o Campeonato, o F. C. Porto acabaria por ganhar a Taça de Portugal de 1991, batendo o Beira-Mar por 3-1, merecendo de Artur Jorge o seguinte comentário: «Fechámos a época com chave de ouro. » Ao que Pinto da Costa ajuntou: «O F. C. Porto fez uma época excelente. Vencemos a Supertaça, a Taça de Portugal, só não vencemos o Campeonato porque perdemos cinco pontos em casa, três dos quais com equipas que desceram de divisão. » Mais imprecou Octávio Machado, falando das «jogadas subterrâneas» do Benfica tentando «salvar a face e a cabeça dos seus dirigentes, que não suportariam a angústia dos sócios por dois anos sem ganhar nada, apesar dos milhões investidos», denunciando as «manobras com os árbitros» e a «contratação, à má fila de um libero que foi um autêntico ponta-de-lança». Era remoque a Geraldão, que nem sequer iria para o Benfica. Artur Jorge, no que foi considerada jogada de apoio a Pinto da Costa, convenceu os dirigentes do seu novo clube, o Paris SaintGermain, a contratarem-no, permitindo, assim, que o F. C. Porto ainda arrecadasse cerca de... 100 mil contos pela cedência da sua carta internacional. Os benfiquistas anunciaram que o jogador lhes devia 123 mil contos, mas, já em Paris, Geraldão retorquiu: «Não houve nenhuma assinatura por 100 mil contos, houve, de facto, uma por 23 mil, mas num... papel branco. E estou de tal modo disposto a restituir o dinheiro que essa verba de 23 mil contos ou de 50 mil dólares, se se quiser, está depositada num banco, em Portugal. Devolverei o dinheiro quando o Benfica quiser e com os juros correspondentes.»
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