Concordo, com algumas reticências. Não vejo qualquer incoerência, pois os valores que temos necessariamente de respeitar encontram-se eles próprios inscritos na lei. Aliás, bastará ler os primeiros artigos da Constituição. Afinal, que é a lei senão uma forma de organizar a vida social conforme os valores defendidos, e a sua hierarquia, por uma determinada sociedade? Haverá mais valores e mais realidade para lá da lei, mas não os podemos forçar. Não significa que não possam ser relevantes, porém a sua observância não nos é legalmente imposta.As Constituições não são alheias a valores. Subjaz à nossa Constituição um quadro axiológico bastante vincado. Portanto, quando o Gonçalo Ribeiro Telles diz: « Os imigrantes não têm de respeitar qualquer cultura, valor ou modo de vida português. Isso não existe. Têm, sim, de respeitar as leis portuguesas e todos os valores e princípios consagrados na constituição.», estamos perante um enorme contrasenso.
Quanto aos aspetos culturais que não encontram respaldo jurídico, são evidentes. Qualquer um que leia uma obra do Eça de Queirós facilmente poderá notar isso.
E, já agora, a Moral, a Religião, etc., independentemente do facto de não terem o aparelho coativo do Estado a seu bel-prazer, não deixam de ser ordens normativas importantíssimas para o Homem. Especialmente a Moral - são estes conjuntos de cânones que guiam a atuação de cada um de nós no seu dia-a-dia, antes e para além do Direito, não raro em conflito com este.
Além disso, nem é por acaso que se admite o costume como uma fonte de direito.
De todo o modo, o problema com alguma imigração reside mesmo no desrespeito de valores e normas consagrados pela Constituição e por outros diplomas. Claro está que o imbróglio não tem que ver com a hipótese de se gostar ou não de fado, de bacalhau ou de comemorar o São João.
A discussão, creio, não deverá assentar em tais termos. No mínimo, em coisas concretas e escrutináveis, passiveis não só de debate mas de estudo. Não falamos de comer bacalhau nem de comemorar o São João, certo. Falamos então de quê? Exemplos de coisas concretas, de coisas sociais e culturais, supõe-se, que os imigrantes (todos nós, conclusão óbvia) têm forçosamente de respeitar e que não se encontram na lei.