O desempenho de Marega tem o mérito de interpelar, senão desconstruir, o primado da técnica, o axioma de que somente jogador de tipo x pode jogar em equipas de primeiro plano. Tenho a impressão de que Guardiola e o Barcelona introduziram um modelo que seduziu, ou melhor, alienou muitos amantes do futebol, que passaram a ter por referência os padrões do técnico e da equipa catalã determinado tipo de jogo, determinado tipo de jogador. A beleza e a eficácia do estilo terão contribuído para a desvalorização das restantes propostas de jogo. Não apenas para a desvalorização, terá sido mais do que isso: ao aderir a um determinado conjunto de representações sobre o que deve ser o futebol de uma equipa grande, excluiu-se os ranieris, os contes, os maregas, a verticalidade,
Recordemos que antes de AVB, Vítor Pereira e Lopetegui houve Adriaanse e Jesualdo. Jankauskas, Tiago e Maciel desempenharam papéis relevantes em equipas de Mourinho, Adriano e Mariano González foram figuras com alguma importância em equipas campeãs,
não eram tecnicistas foras-de-série, tão pouco foi Sapunaru, dando outro exemplo.
O chamamento encantado do tiki-taka e da técnica encerra alguns perigos desde logo o risco de embaciar a percepção do que pode ser o futebol. Há pouco tempo atrás, víamos o Leicester recorrer com frequência ao jogo directo. Ranieri tinha um plano que funcionava. Podemos julgá-lo como esteticamente agradável ou não, não podemos disputar o seu sucesso aquela proposta de futebol directo funcionava. Não devemos confundir o que consideramos agradável, esteticamente belo, categorias subjectivas, com resultados concretos, com o que funciona e não funciona. Muitos defenderão que, em campeonatos vencidos por Mourinho, Conte e Simeone, outras equipas praticaram futebol mais atractivo. Mas, em última análise, não foi o melhor. No mínimo, os esquemas daqueles treinadores revelaram-se ajustados aos objectivos. Por cá, colocando o foco nos jogadores, o Porto já venceu com Pena e Adriano, não apenas com Jackson e McCarthy, que tinham pés mais redondos. Porém, e infelizmente, como o futebol daqueles treinadores e jogadores não se conforma com as referências idealizadas, desvaloriza-se o seu sucesso, tratam-se de anomalias, irregularidades, os outros eram piores, foi uma vez num milhão, ganharam ou marcaram sem saber como
acho que isto existe. Pelo menos em fóruns de futebol.
Neste momento, Marega simboliza a diversidade e complexidade do futebol, a pluralidade do possível e do sucesso, a multiplicidade de formas viáveis de alcançar um certo objectivo. A menor capacidade técnica (construção já de si discutível e facilmente deturpada a favor de rodopios, dribles, floreados
) não é propriamente uma deficiência, e não impede o jogador de marcar e assistir. Talvez dificulte significativamente a possibilidade de executar um passe de um lado ao outro do campo ou um cruzamento milimétrico, mas, nesse caso, há que evitar, tanto quanto possível, expor o futebolista a essas funções. Marega tem contribuído para o sucesso inicial da equipa, mesmo sem se enquadrar numa pretensa norma de bom jogador norma que funde grosseiramente a capacidade para executar determinados gestos técnicos, secundarizando outros gestos e acções não menos importantes, e a produção final do jogador. Ainda bem que Marega está aí para alargar os horizontes da percepção.
#meteomarega