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Os «cachets» e os maltrapilhos.
Caiu o Carmo e a Trindade quando o F. C. Porto pediu sete contos para jogar em Lisboa! Revelaram-se segredos e deliciosas foram algumas justificações para a «perversão»
Mas as condenações ao «vírus» do profissionalismo estendiam-se, também, a clubes que exigiam «cachets» para jogar fora de portas. «Os Sports», de uma vez, zurziu o F. C. Porto «por descobrir que o clube exigira... sete mil escudos para ir jogar a Lisboa»! Contudo, António Cardoso Pinto Faria garantiria que o telegrama comprometedor nem sequer fora enviado pela Direcção portista lançando, a talho de foice, acerado contra-ataque: «Apresso-me, antes de tudo, a dar o mais pleno aplauso à campanha de moralização por V. aberta, e com a qual muito tem a lucrar a Causa Desportiva. Se as vozes tivessem chegado ao céu, com provas de tal modo convincentes, não teríamos a desagradável situação que se está vendo e de que o F. C. Porto se participa nela sofre por fenómeno enorme de reflexão... Não posso deixar de protestar contra a classificação que deram ao telegrama que o Futebol Clube do Porto para aí mandou. Discordo e protesto. Primeiro, porque o telegrama nem é do F. C. Porto nem é oficial. É a resposta do sr. José Jerónimo Faria e resposta particular publicada sem autorização do remetente a um simples postal do sr. Ilídio Nogueira (pessoa que tratou da ida do F. C. Porto a Lisboa). Segundo, porque não é famoso nem ridículo um telegrama que responde, em boa letra e boa paga, à atitude desinteressada de certos clubes de Lisboa. Expliquemos isto melhor e com as provas que o caso requer. Tudo quanto aqui fica escrito prova-se com documentos oficiais, cujos originais estão à disposição de V. se assim o julgar preciso. Enumeremos alguns, que o sudário é longo... O Belenenses exigiu todas as despesas pagas, com dez contos de subvenção, que depois passou a cinco, atendendo ao fim beneficente, e estes pagos adiantadamente em Lisboa. Foram em cheque à sua ordem 4500 escudos (por intermédio da Casa Bancária Ferreira Alves) e o restante pago aqui. Para que exigiram dinheiro, tendo todas as despesas paga? pergunta formulada por V. no seu artigo. Certamente, ou para arrecadar nos cofres e, então, é uma colectividade profissional, ou para distribuir pelos seus homens, e estes, portanto, são profissionais (resposta dada por V. no mesmo artigo de Os Sports). O Sporting Clube Olhanense campeão de Portugal exigiu despesas pagas de Olhão ao Porto e vice-versa, hospedagem nesta cidade e mais dois dias de estada em Lisboa e... sete contos de indemnização. Não é ridículo e famoso? O Casa Pia Atlético Clube exigiu despesas pagas e 10 por cento da receita bruta. Recebeu mais de 300 escudos. Ora, depois desta maravilha toda, e maravilha famosa e ridícula, é que o F. C. Porto, pela primeira vez e por fenómeno de reflexo, procedeu como se viu. Mas procedeu assim por intermédio de terceiros e sem conhecimento beneficente da festa, sem saber de pormenores, o que aliás se compreende pelo texto do telegrama particular que foi publicado, visto que o jogo, sendo com o Belenenses, se ele o soubesse, a resposta lógica e em conformidade com o telegrama, seria: Não jogamos com o Belenenses. Isto é claro ou tal lógica seria um batatão...» A seguir à transcrição dessa carta-em-jeito-réplica de António Cardoso Pinto de Faria, «Os Sports» comentava: «A carta do sr. Pinto Faria elucida profundamente o nosso meio desportivo, provando que o campeão do Norte não era a descoberta de semelhante elixir e que, neste capítulo, os clubes do Sul eram autênticos professores!»
O «cachet» do Belenenses para «bem vestir»!
Entretanto, aos borbotões, vieram a público os outros documentos que provavam que o «vírus» estava já entranhado, um pouco por todo o lado. Desvendou-se um telegrama do Carcavelinhos, datado de 9 de Outubro de 1923, endereçado ao F. C. Porto, cujo conteúdo não deixava margem para dúvidas: «Podemos jogar nas datas marcadas; 15 pessoas; condições do costume e 500 escudos de subvenção.»
Mais concludente ainda uma carta do Belenenses, de 26 de Setembro de 1924: «Em nosso poder um telegrama assinado pelo sr. Emílio Viterbo, convidando o nosso clube a ir a essa cidade nos próximos dias 5 e 6 de Outubro para jogar com o vosso e com o Boavista. As condições da nossa saída de Lisboa são as seguintes: viagem em segunda classe, com comida, para 14 jogadores e dois directores; hospedagem em bom hotel; indemnização: 5000 escudos. Estas condições são devidas aos desafios que se destinem a fins beneficentes, porque em caso contrário a nossa primeira categoria não sairia de Lisboa senão com a indemnização de 10 mil escudos»... O F. C. Porto, achando estranha a atitude e «exageradíssima» a verba solicitada por dois jogos apenas, para mais organizados com fins caritativos, pediu explicações, através de telegrama, enviado a Belém. E, dois dias depois, pela mesma via todas as dúvidas apagadas: «A indemnização de 5000 escudos não é para dar entrada nos cofres do clube, mas sim para pagar aos jogadores os dias que perdem, pois como V. sabem são todos operários e não podem prejudicar os seus interesses e também temos de lhes dar algum dinheiro para as suas despesas extraordinárias. O nosso clube não tem fundos para cobrir prujuízos que possam advir com as saídas do nosso team e muito menos nesta ocasião em que estamos tratando das obras do nosso campo de jogos e da sede. E como V. também sabem, quando saímos de Lisboa desejamos levar os nossos jogadores decentemete arranjados, a fim de não parecerem maltrapilhos, e eles não podem com essas despesas, pois os seus salários apenas dão para o seu sustento e dos seus.»
Estultícia seria, assim, continuar a tapar o sol com a peneira. Por isso, em «Os Sports», num tom choroso, como se as mentalidades se tivessem pervertido e o futebol se tivesse afundado numa fossa de ignomínias, profissionalizando-se, comentava-se com algum lirismo: «Os documentos que reproduzimos seriam noutro país, por exemplo na Inglaterra, mais do que suficientes para servir de base a um inquérito ao amadorismo dos nossos clubes de futebol. Entre nós, o assunto não merece a mínima atenção às Associações dirigentes, e havemos de cair no profissionalismo descarado e vergonhoso que se dá no país vizinho.»
A percentagem do Benfica e os cinco contos do Sporting.
Mas havia mais segredos para desfazer. Sobretudo a norte. Na passada, na ânsia de defesa da honra amesquinhada, no jornal «Invicta Sport» escrevia-se: «O Benfica, na última vez que veio ao Porto, exigiu uma subvenção igual a 10 por cento da receita bruta nos desafios em que participou. O Sporting, também na última vez que veio ao Porto, recebeu uma subvenção de cinco contos. Estes factos dispensam comentários. Lisboa levantou-se irritada contra a exigência do F. C. Porto, que nunca recebeu nada a tal título. Quer dizer: o F. C. Porto tinha de pagar aos grupos da capital o que eles quisessem e devia ir a Lisboa de graça! Era o que eles, afinal, pretendiam.»
In «abola»
Caiu o Carmo e a Trindade quando o F. C. Porto pediu sete contos para jogar em Lisboa! Revelaram-se segredos e deliciosas foram algumas justificações para a «perversão»
Mas as condenações ao «vírus» do profissionalismo estendiam-se, também, a clubes que exigiam «cachets» para jogar fora de portas. «Os Sports», de uma vez, zurziu o F. C. Porto «por descobrir que o clube exigira... sete mil escudos para ir jogar a Lisboa»! Contudo, António Cardoso Pinto Faria garantiria que o telegrama comprometedor nem sequer fora enviado pela Direcção portista lançando, a talho de foice, acerado contra-ataque: «Apresso-me, antes de tudo, a dar o mais pleno aplauso à campanha de moralização por V. aberta, e com a qual muito tem a lucrar a Causa Desportiva. Se as vozes tivessem chegado ao céu, com provas de tal modo convincentes, não teríamos a desagradável situação que se está vendo e de que o F. C. Porto se participa nela sofre por fenómeno enorme de reflexão... Não posso deixar de protestar contra a classificação que deram ao telegrama que o Futebol Clube do Porto para aí mandou. Discordo e protesto. Primeiro, porque o telegrama nem é do F. C. Porto nem é oficial. É a resposta do sr. José Jerónimo Faria e resposta particular publicada sem autorização do remetente a um simples postal do sr. Ilídio Nogueira (pessoa que tratou da ida do F. C. Porto a Lisboa). Segundo, porque não é famoso nem ridículo um telegrama que responde, em boa letra e boa paga, à atitude desinteressada de certos clubes de Lisboa. Expliquemos isto melhor e com as provas que o caso requer. Tudo quanto aqui fica escrito prova-se com documentos oficiais, cujos originais estão à disposição de V. se assim o julgar preciso. Enumeremos alguns, que o sudário é longo... O Belenenses exigiu todas as despesas pagas, com dez contos de subvenção, que depois passou a cinco, atendendo ao fim beneficente, e estes pagos adiantadamente em Lisboa. Foram em cheque à sua ordem 4500 escudos (por intermédio da Casa Bancária Ferreira Alves) e o restante pago aqui. Para que exigiram dinheiro, tendo todas as despesas paga? pergunta formulada por V. no seu artigo. Certamente, ou para arrecadar nos cofres e, então, é uma colectividade profissional, ou para distribuir pelos seus homens, e estes, portanto, são profissionais (resposta dada por V. no mesmo artigo de Os Sports). O Sporting Clube Olhanense campeão de Portugal exigiu despesas pagas de Olhão ao Porto e vice-versa, hospedagem nesta cidade e mais dois dias de estada em Lisboa e... sete contos de indemnização. Não é ridículo e famoso? O Casa Pia Atlético Clube exigiu despesas pagas e 10 por cento da receita bruta. Recebeu mais de 300 escudos. Ora, depois desta maravilha toda, e maravilha famosa e ridícula, é que o F. C. Porto, pela primeira vez e por fenómeno de reflexo, procedeu como se viu. Mas procedeu assim por intermédio de terceiros e sem conhecimento beneficente da festa, sem saber de pormenores, o que aliás se compreende pelo texto do telegrama particular que foi publicado, visto que o jogo, sendo com o Belenenses, se ele o soubesse, a resposta lógica e em conformidade com o telegrama, seria: Não jogamos com o Belenenses. Isto é claro ou tal lógica seria um batatão...» A seguir à transcrição dessa carta-em-jeito-réplica de António Cardoso Pinto de Faria, «Os Sports» comentava: «A carta do sr. Pinto Faria elucida profundamente o nosso meio desportivo, provando que o campeão do Norte não era a descoberta de semelhante elixir e que, neste capítulo, os clubes do Sul eram autênticos professores!»
O «cachet» do Belenenses para «bem vestir»!
Entretanto, aos borbotões, vieram a público os outros documentos que provavam que o «vírus» estava já entranhado, um pouco por todo o lado. Desvendou-se um telegrama do Carcavelinhos, datado de 9 de Outubro de 1923, endereçado ao F. C. Porto, cujo conteúdo não deixava margem para dúvidas: «Podemos jogar nas datas marcadas; 15 pessoas; condições do costume e 500 escudos de subvenção.»
Mais concludente ainda uma carta do Belenenses, de 26 de Setembro de 1924: «Em nosso poder um telegrama assinado pelo sr. Emílio Viterbo, convidando o nosso clube a ir a essa cidade nos próximos dias 5 e 6 de Outubro para jogar com o vosso e com o Boavista. As condições da nossa saída de Lisboa são as seguintes: viagem em segunda classe, com comida, para 14 jogadores e dois directores; hospedagem em bom hotel; indemnização: 5000 escudos. Estas condições são devidas aos desafios que se destinem a fins beneficentes, porque em caso contrário a nossa primeira categoria não sairia de Lisboa senão com a indemnização de 10 mil escudos»... O F. C. Porto, achando estranha a atitude e «exageradíssima» a verba solicitada por dois jogos apenas, para mais organizados com fins caritativos, pediu explicações, através de telegrama, enviado a Belém. E, dois dias depois, pela mesma via todas as dúvidas apagadas: «A indemnização de 5000 escudos não é para dar entrada nos cofres do clube, mas sim para pagar aos jogadores os dias que perdem, pois como V. sabem são todos operários e não podem prejudicar os seus interesses e também temos de lhes dar algum dinheiro para as suas despesas extraordinárias. O nosso clube não tem fundos para cobrir prujuízos que possam advir com as saídas do nosso team e muito menos nesta ocasião em que estamos tratando das obras do nosso campo de jogos e da sede. E como V. também sabem, quando saímos de Lisboa desejamos levar os nossos jogadores decentemete arranjados, a fim de não parecerem maltrapilhos, e eles não podem com essas despesas, pois os seus salários apenas dão para o seu sustento e dos seus.»
Estultícia seria, assim, continuar a tapar o sol com a peneira. Por isso, em «Os Sports», num tom choroso, como se as mentalidades se tivessem pervertido e o futebol se tivesse afundado numa fossa de ignomínias, profissionalizando-se, comentava-se com algum lirismo: «Os documentos que reproduzimos seriam noutro país, por exemplo na Inglaterra, mais do que suficientes para servir de base a um inquérito ao amadorismo dos nossos clubes de futebol. Entre nós, o assunto não merece a mínima atenção às Associações dirigentes, e havemos de cair no profissionalismo descarado e vergonhoso que se dá no país vizinho.»
A percentagem do Benfica e os cinco contos do Sporting.
Mas havia mais segredos para desfazer. Sobretudo a norte. Na passada, na ânsia de defesa da honra amesquinhada, no jornal «Invicta Sport» escrevia-se: «O Benfica, na última vez que veio ao Porto, exigiu uma subvenção igual a 10 por cento da receita bruta nos desafios em que participou. O Sporting, também na última vez que veio ao Porto, recebeu uma subvenção de cinco contos. Estes factos dispensam comentários. Lisboa levantou-se irritada contra a exigência do F. C. Porto, que nunca recebeu nada a tal título. Quer dizer: o F. C. Porto tinha de pagar aos grupos da capital o que eles quisessem e devia ir a Lisboa de graça! Era o que eles, afinal, pretendiam.»
In «abola»