As deportações não mais são que um molhe de chaves que se agita diante dos olhos de uma criança. A radicalização acontece porque os partidos deixaram de acudir às necessidades das populações. Sem encontrar respostas nos partidos, o descontentamento acaba por alastrar-se ao próprio sistema democrático. Trump por lá havia passado e perdido a disputa contra Biden. Biden tão pouco conseguiu satisfazer as expectativas da população. Regressa Trump, uma vez que o próprio partido não conseguiu encontrar melhor, e surge agora aparentemente revigorado. Nem por isso. Continua a ser um presidente largamente impopular. Mais impopular que Donald Trump nesta fase inicial de mandato, apenas o mesmíssimo Donald Trump na sua primeira iteração. Para compor o ramalhete, o Partido Democrata tem dificuldade em convencer até a sua base eleitoral. Os Estados Unidos mergulharam no seu inferno. E Trump, caso não consiga coisas concretas, como não conseguiu produzir no passado, acabará por dar mais uma derrota aos republicanos. Os eleitores estão por tudo.
Centrismo radical. E Incompetente. É esse o tipo de moderação que vai asfixiando as democracias. Partidos de centro direita e centro esquerda parecidos na orientação política, que se sobrepõem em inúmeras áreas e são incapazes de alcançar os resultados ou oferecer a mudança que as populações almejam. A ascensão da extrema direita surge neste estado de coisas e capitaliza a frustração de quem não vê melhorias significativas nas suas condições de vida quer vote no moderado 1 quer vote no moderado 2. O caso de França é ilustrativo: o centro falha, desponta a extrema-direita, surge um centrismo que acaba por defraudar os franceses... e hoje nem partidos tradicionais nem a inovação macroniana: extrema-direita de um lado, uma confluência de esquerdas do outro. Os Estados Unidos encontram-se igualmente fracturados, com a agravante de que não se produz candidatos populares e é muitíssimo difícil encontrar soluções fora dos dois partidos. São os partidos que se transfiguram. Bush filho, aos dias de hoje, surge na memória como um republicano moderado, quase que sóbrio.
Não há espanto. Os salários reais dos norte-americanos encontram-se mais ou menos estagnados há décadas. A desigualdade, no país mais rico do planeta, é cada vez maior. Muitos não conseguem suprir as suas necessidades de saúde. Milhões vivem de ordenado em ordenado, de mês a mês, sem recursos para despesas imprevistas. As leis laborais, por comparação com outras realidades, em matéria de dias e subsídios de férias, de doença, de maternidade... são muito penalizadoras dos trabalhadores norte-americanos. Dívidas para aceder a altos graus de ensino. Dívidas por despesas médicas. Os norte-americanos, vivendo no país da abundância, têm todas as razões e mais alguma para se sentirem furibundos. Mas estes problemas, que não são caros ao Partido Republicano nem encontram defesa intransigente no Democrata, pois implicam afrontar interesses que contribuem para o financiamento de ambos, são relegados para planos secundários. Trump tenta mais um stunt com as deportações, enquanto degrada a democracia norte-americana; os democratas, compreendendo que as questões culturais e o jogo das aparências não colhem, são incapazes de encontrar um rumo. Esperam que Trump continue a ser Trump e caia por si próprio. Bastante arriscado.
A moderação política, por si só, sem convicções e orientação, sem resultados satisfatórios, não vale um chavo. Se não se encontram soluções nem alternativas, o eleitorado acabará por procurar outras opções. Fingir a morte, esperando o falhanço dos extremos, nada resolve. Outros aparecerão.