Quando falo do 1%, e coloquei dentro de aspas exatamente para evitar associações fáceis com teorias de conspiração, refiro-me concretamente a grupos económicos que têm controlo efetivo sobre setores estratégicos e têm capacidade real de influenciar decisões políticas e legislativas. Não por manipulações secretas, mas através de lobby formal, financiamento de campanhas ou presença institucional nos centros de decisão.
Obviamente têm interesse que as transformações estruturais, como a transição energética, digitalização, descarbonização, etc, ocorram de forma previsível e a uma velocidade que permitam manter os setores sob o seu controlo. Ou seja, mantêm as alterações ao ritmo que os seus modelos de negócio precisam para se ajustar sem perder margens ou quotas de mercado.
A polarização da opinião pública serve apenas para isso. Podem prolongar os processos de decisão e manter os ritmos de mudança dentro de parâmetros confortáveis. Enquanto houver resistência social, independentemente de que lado (geralmente do conservador, mas nem sempre), existe margem para adiar essas medidas e evitar transições disruptivas que poderiam alterar equações de poder.
Quando Milei foi eleito, suspendeu o financiamento às cozinhas comunitárias e deixou as pessoas mais necessitadas à fome. E a pobreza até aumentou antes de começar a baixar.
Convém também referir que o limiar da pobreza na Argentina não é calculado da mesma maneira que na Europa. Baseia-se num método de rendimento absoluto, comparando o rendimento dos agregados com o custo de um cabaz básico de bens essenciais, uma espécie de peso relativo da alimentação nos gastos das famílias. Com a redução da inflação e com o aumento dos stocks (já chego aqui), foi possível estabilizar essa parte e reduzir estatisticamente a taxa de pobreza. Não significa que as pessoas estejam a viver melhor.
O aumento dos stocks tem também a ver com a renegociação com o FMI que foi feita no final do ano passado, e que se recuares milhares de páginas aqui, verás que foi algo que defendi que tivesse sido feito imediatamente após a eleição. A Argentina esteve vários meses à la Venezuela com um colapso de abastecimento, porque a liberalização abrupta do câmbio e o fim dos controlos de importação tornaram inviável a reposição de produtos. As pessoas iam ao supermercado, mesmo com dinheiro, e só encontravam prateleiras vazias.
Nunca na vida me viste a defender o Lula. Mas já estou habituado aos teus whataboutisms...