O empate caseiro de ontem frente ao Rangers não foi apenas um percalço. É a soma de todos os sinais problemáticos que o futebol de Sérgio Conceição tem dado desde o ano passado. E é sobretudo sobre o treinador que escrevo hoje.
Em 2017, Conceição conseguiu ser o sapador do clube quando ao FC Porto lhe foi diagnosticada a maior paralisia financeira da sua história. Percebeu que era mais impactante evitar o penta do maior rival do que ser campeão. Agregou os adeptos em torno dessa mensagem e espicaçou um balneário que já estava farto de ver o Benfica ser campeão. Apostou na motivação como a principal arma para conquistar o título e a verdade é que ganhou essa aposta.
Conceição focou-se na união, na roda, na família, num contexto particular de conflito Norte/Sul, onde esses valores ganham peso. Sem direito a reforços, formou uma manta de retalhos resistente e duradoura com o plantel que lhe deram e até resgatou tecidos que nós já dávamos como mortos, arranjando-lhes utilidade. Esse mérito vai sobreviver.
Mas essa estratégia era também paradoxal. Estava condenada a morrer de morte natural quando o objetivo fosse cumprido e, a partir desse momento, deixaria de fazer sentido. Com o título ganho, era necessário reinventar o paradigma, procurar uma nova forma de estimular o plantel ou promover uma mudança de ciclo, que não aconteceu.
O erro de Conceição começa ao não perceber isso, já em 2018/19, onde manteve a fórmula mas revelou incapacidade para a trabalhar. O FC Porto foi ganhando com um processo cada vez mais repetido até à exaustão. O futebol directo e vertical deixou de surpreender os adversários e a produtividade começou a cair. Até o discurso do técnico deixou de passar, quer para o campo quer para a bancada.
A segunda vida de Conceição, em 2019/20, veio finalmente com a promessa de plenos poderes, de reforços e de uma equipa construída à sua imagem. Conceição construiu de facto uma equipa ajustada ao seu perfil. Recuperou homens da sua confiança no passado, Marcano e Zé Luís; recebeu jogadores talentosos da América do Sul e segurou o pilar do seu jogo, Marega, apesar de parecer cada vez mais evidente que 2017/18 foi a excepção e não a regra de uma carreira pouco mais do que medíocre.
Mas a desorganização e a falta de uma identidade de jogo patenteada agravaram-se. O modelo esgotou. O futebol estéril de ontem e de anteontem e de anteanteontem é, portanto, a metastização de um processo que já estava radiografado há muito tempo.
O que talvez mais surpreenda sobre a partida contra o Rangers foi a análise ao jogo por parte de Conceição, que parece cada vez desfasado da realidade. O treinador que vendeu Óliver e adaptou o melhor extremo a lateral recusa-se a reconhecer que há uma grave insuficiência de criatividade na equipa. O treinador que promove o duelo justifica o resultado contra um adversário de terceira linha na segunda liga europeia com falta de "combatividade". O treinador que dispensou Gonçalo Paciência, mantém Marega durante 90 minutos em campo e Fábio Silva 90 minutos no banco culpa a falta de eficácia.
Há talvez um único aspecto onde Conceição terá razão: quando disse que "não houve prazer em jogar futebol". Claro que não houve, nem podia haver, porque este plantel já há muito tempo que deixou de acreditar nas ideias do seu timoneiro.
A culpa está longe de morrer sozinha nas mãos de Conceição. Em última análise, o técnico é só um byproduct de uma ingerência administrativa que tomou de assalto o clube e que o tem arrastado para um cenário cada vez mais negro. Mas, por culpa própria, Conceição de aprender foi incapaz de evoluir no seu trabalho e de se transformar num treinador melhor.
Saber se Conceição deve ou não continuar no comando do FC Porto não é uma pergunta que deva ser feita aos adeptos, mas aos jogadores.
Quando chegou ao clube, Conceição disse que vinha "para ensinar e não para aprender". De facto, pouco ou nada aprendeu em dois anos. Esse foi de todos o sinal mais perigoso que nenhum de nós quis ver.
Fonte: https://calcanhartrivela.blogspot.com/