Compreendo a intenção mas não é a melhor das comparações porque no FC Porto não haverá nem tanto tempo, nem tanto dinheiro para sacudir a pressão. Mesmo com a massa associativa toda do lado do AVB.
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Em 2019/20, o Arsenal vivia mergulhado numa profunda crise de resultados quando, à 19.ª jornada, chegou Mikel Arteta. O jovem treinador, então com 37 anos, não passava de um colaborador de Pep Guardiola no Manchester City quando decidiu aceitar o desafio de uma vida. O projeto dos gunners tinha entrado num longo loop de falhanços e Arteta aterrava no Emirates para tentar devolver a esperança perdida. Já não eram só os troféus que faltavam: eram também as ideias. A qualidade do futebol do Arsenal afundava-se por entre um plantel cheio de equívocos, onde cabiam nomes como Bellerín, Cédric, Pablo Marí, Mustafi, Sokratis, Monreal, Lucas Torreira ou mesmo Nicolas Pépé, por quem o Arsenal tinha acabado de pagar ao Lille, nessa época, “simpáticos” 65 milhões de euros. Também lá estavam David Luiz (33 anos), Xhaka e, entre outras vacas sagradas, Mezut Ozil (em fase pré-decadente). A notícia boa é que, pelo menos, já existiam dois meninos à espreita da oportunidade: Saka (18 anos) e Martinelli (19).
A revolução promovida por Arteta, no que diz respeito aos princípios de jogo herdados de Unai Emery, demorou muito tempo a convencer. Parecia sempre existir uma infantil ingenuidade no "jogar" do Arsenal – e por isso ninguém se espantou com o 8.º lugar em que a equipa terminou a temporada, a quilométricos 43 pontos (!) do campeão Liverpool. Arteta conseguiu, no entanto, aquilo em que ninguém apostava um cêntimo: vencer a Taça de Inglaterra. Foi a forma de “comprar tempo” e afastar algumas das desconfianças que iam crescendo.
O problema maior chegou na temporada seguinte. Agora, com uma janela de mercado para trabalhar, Arteta já tinha tido a oportunidade de fazer as suas próprias escolhas. E alguns pedidos foram mesmo atendidos. Nesse verão de 2020, por exemplo, entraram no plantel Saliba, Partey ou Odegaard (este ainda por empréstimo do Real Madrid, numa primeira fase). O que aconteceu no final dessa época? Nada. O Arsenal repetiu o 8.º lugar do ano anterior, naquela que foi a primeira temporada completa de Arteta como treinador principal.
Mais grave: na época seguinte (2021/22), o Arsenal voltaria a fazer um pesado investimento de 160 milhões de euros (só em Ben White foram 58,5) e também não foi além do... 5.º lugar, fora dos lugares da Liga dos Campeões.
Em 2022/23, três anos depois de ter chegado, o “Plano Arteta” começou finalmente a dar resultados: o Arsenal terminou em 2.º lugar na Premier e foi a única equipa capaz de discutir o título com o poderoso Manchester City. Ficou a cinco pontos, só vacilando nas últimas jornadas. Na temporada seguinte, 2023/24, o filme repetiu-se: 2.º lugar, mas agora apenas a dois pontos do mesmo City.
Na época que está prestes a terminar, 2024/25, o Arsenal vai, provavelmente, terminar de novo em 2.º lugar – o que, a acontecer, será pelo terceiro ano consecutivo. A diferença é que, desta vez, Arteta acaba de sovar o Real Madrid (5-1) e entra nas meias-finais da Champions League como sério candidato à vitória na prova.
O treinador do momento, que fez no Santiago Bernabéu aquilo de que poucos se podem gabar, é o mesmo que começou por deixar o Arsenal no 8.º lugar em duas temporadas consecutivas. Não deveria ser motivo de reflexão?
Anselmi chegou ao FC Porto, no início deste ano, com o mesmo espírito revolucionário e também com a mesma vontade de abraçar uma ideia de jogo cativante, ousada e dominadora. Os resultados não apareceram na exata medida das expetativas dos adeptos e rapidamente se questionou a escolha de André Villas-Boas.
Claro que, no FC Porto, seria impossível um treinador resistir a um 8.º lugar (quanto mais a dois...) e também a seis temporadas sem ser campeão. São, em todo o caso, realidades muito diferentes. O que não é diferente é a necessidade de um tempo de maturação para o processo de jogo de um treinador com ideias disruptivas – como era o caso de Arteta e como é, manifestamente, o caso de Anselmi.
Desde que chegou ao clube, o técnico espanhol teve a felicidade, ainda assim, de já ter recebido reforços que custaram 700 milhões (!) de euros. Já o técnico argentino, pela situação financeira “sensível” que o FC Porto atravessa, nunca terá direito a nada que se pareça.
Se não há dinheiro para Anselmi, então que haja tempo.
«Com Anselmi iniciamos a continuação de um projeto que temos em vista para o clube, com um futebol arrojado. Todos vão ficar bastante entusiasmados. Um futebol ofensivo, agressivo. Estamos seguros que isso vai encher de alma os adeptos do FC Porto e estamos ansiosos para que construa as suas equipas. O seu futebol encaixa perfeitamente no que o FC Porto defende, um futebol virado para o ataque, na busca de conquistas e vitórias.» As palavras de André Villas-Boas, a 27 de janeiro, no dia da apresentação de Anselmi, não podem ter sido obra do acaso.
O deslumbrante Arsenal que silenciou Madrid nunca teria existido se não tivesse havido paciência para Arteta. E, mais do que paciência, capacidade para entender o que estava em construção.
É duro para o adepto do FC Porto ver a equipa a dez pontos do primeiro lugar. Mas, em todo o caso, convém lembrar que, na época anterior, o atraso para o campeão foi ainda (muito) maior: 18. E, no entanto, havia Pepe, Taremi, Evanilson e Francisco Conceição. Para não falar de Nico González e Galeno, retirados a Anselmi mesmo em cima do fecho do mercado de janeiro.
O FC Porto precisa de ser reconstruído - acho que ninguém duvida disso – mas precisa, acima de tudo, de ideias firmes e de convicção. É o único caminho.
A direcção terá que "puxar um coelho da cartola" e encontrar um jogador para as posições nevrálgicas de ligação de sectores digno de superlativos e "acertar em cheio" em mais duas ou três contratações para posições nas extermidades.
Depois disto tudo (o que não é pouco) o Anselmi terá que ter uma sequência de resultados encorajadores no início da próxima época, digamos, passar por um período em que ganha 6/7 jogos seguidos com uma ou duas goleadas e/ou um classico ganho pelo meio.
Sem tudo isto o Anselmi não será nenhum novo Arteta ou Semtreta. Será mais um para o cemitério.