"Anselmi, cinco meses e 20 jogos depois: é só isto?!?"
(Visão Global - a opinião de André Pipa)
CRESCI profissionalmente a ver o FC Porto bater-se olhos nos olhos com as melhores equipas da Europa. Vi o FC Porto aplanar a arrogância do Bayern de Udo Lattek na mitica final de Viena; vi o FC Porto esquiar por cima do Peñarol de Oscar Tabarez na não menos inesquecível final-nevão de Tóquio; vi o FC Porto , com um onze de tostões e um mago no banco, ganhar em Gelsenkirchen a mais inacessível de todas as competições – a Champions League; vi o FC Porto liderado pelo actual presidente ganhar o seu sétimo (!!!) título internacional (Liga Europa) depois de esmagar com goleadas praticamente todos os adversários que lhe apareceram pela frente até à final (com o Braga).
Foi este o FC Porto que me habituei a ver nos últimos 40 anos em palcos internacionais – competitivo até à medula, corajoso, um exemplo de personalidade e carácter – e é pela solidez dessa memória que não posso deixar passar em claro o desastre de Atlanta, para mim um dos piores resultados internacionais do clube, ao nível da eliminação na Taça das Taças pelo Wrexham (1984), uma equipa galesa da 4.ª divisão inglesa – e da goleada sofrida em Atenas frente ao AEK (1-6) num jogo da Taça dos Campeões (1978), quando a equipa tinha Pedroto no banco e Oliveira, Gomes e Duda na frente de ataque.
Fez-me realmente muita confusão ver esta equipa portista ser batida em Atlanta por um adversário da quarta divisão mundial, o simpático Inter de Miami, onde ainda ‘mexe’ (ainda que jogando a passo) o prodigioso Lionel Messi. Não é pelo facto (já de si pouco abonatório) de ter sido o FCP o primeiro europeu a perder para um não europeu neste Mundial de Clubes. É pelo resto. Pela falta de nervo e de carácter de uma equipa demasiado macia, demasiado confusa, demasiado passiva, todo o contrário do padrão comportamental associado à maneira de competir do FC Porto desde os anos oitenta do século passado.
As câmaras focaram várias vezes os gestos histriónicos de Martin Anselmi no banco, mas aquilo que me chamou verdadeiramente a atenção foi a expressão triste e perturbada (para não dizer outra coisa) do guerreiro Jorge Costa, uma das referências históricas do ADN portista. Nas bancadas estavam outros dois portadores dessa mística ora desaparecida (Pepe e Vítor Baía) e as expressões deles, não por acaso, eram semelhantes.
Cinco meses e 20 jogos depois, percebe-se que Martin Anselmi continua sem perceber o ADN do clube que lhe foi dado o privilégio de treinar. E também creio, não querendo ser precipitado ou injusto, que haverá muita gente nesta altura a questionar a própria capacidade de Anselmi para o lugar. Não se nota qualquer evolução digna desse nome no jogo da equipa, como não noto qualquer melhoria significativa num jogador que seja do plantel portista por acção directa do treinador. Esqueçam Rodrigo Mora: o mérito de Anselmi foi tê-lo posto a jogar, bom já ele era.
Não me lembro de ver um FC Porto tão macio, tão ‘português suave’, tão incapaz de mostrar os dentes quando é preciso. Falta a esta equipa o ‘nojo à derrota’ habitual nas equipas portistas, mesmo as mais limitadas (e esta é seguramente uma das mais limitadas dos últimos largos), e o perfil algo poético, algo idealista de Anselmi não sugere recuperação para breve dessa marca distintiva. Esse é um aspecto que deve estar a preocupar seriamente André Villas Boas, porque qualquer pessoa com dois olhos na cara percebe que há coisas na maneira de competir do clube que pura e simplesmente deixaram de existir. Tenho o presidente portista na conta de um homem sério, competente e lúcido, e acredito que essa lucidez o leve, mais dia menos dia, a concluir o que muitos adeptos já desabafam nas redes sociais: com Anselmi, o fosso para Sporting e Benfica não vai diminuir, até pode agravar.
A segunda parte frente ao Miami foi penosa de ver não só pelo desastre defensivo que foram aqueles dez minutos iniciais, em que a equipa foi várias vezes apanhada a dormir na forma, como, depois, pela incapacidade da equipa de dar a volta a um adversário tão limitado como o Miami.
Foi a 14.ª derrota da época (a quinta com Anselmi) e o FC Porto corre sérios riscos de eliminação do Mundial porque passou a depender de terceiros: ganhar ao Al Ahly não chega… "
In Maisfutebol