Obrigado, Marega.
Finalmente um jogador de futebol, em Portugal, após tantos e tantos casos de racismo vividos dentro das quatro linhas, decidiu abandonar um jogo de futebol, obrigando a que o caso não fosse sacudido para debaixo do tapete e que fosse discutido e analisado em praça pública. Tenho pena que os jogadores e os responsáveis do FC Porto não tenham sabido lidar com a situação e não tivessem acompanhado o Marega e saído de campo, todos juntos, obrigando o árbitro a interromper o jogo até que a situação se acalmasse. Não estava em jogo a possibilidade de ficar a apenas 1 ponto do rival, estava em jogo muito mais que isso, uma causa social, um exemplo para o mundo, mas não, o jogo tornou-se mais importante que tudo o resto, infelizmente.
Quanto a tudo o resto a que se seguiu após o jogo, só tenho uma palavra, HIPOCRISIA. Durante anos e anos, nós portugueses, fomos sempre atirando tudo para debaixo do tapete, tentando esconder e fazer passar a imagem de que não somos um país racista (é falso) e que aqui está tudo bem e somos todos muito tolerantes. A quantos casos de racismo assistimos na televisão e que depois não deram em absolutamente nada? Vou dar alguns exemplos, que são aqueles que me lembro de repente, o caso do Hulk na Luz, os insultos racistas de Javi Garcia a Alan, o caso do Fábio Coentrão que chamou "preto do caralho" ao mesmo Marega, o caso do Renato Sanches em Vila do Conde, o caso do Nélson Semedo em Guimarães, o caso do Yaya Touré e do Balotelli em pleno Estádio do Dragão, jogo em que estive presente e vi e ouvi os Super Dragões a emitirem os mesmos sons de macaco que os adeptos do Guimarães emitiram ontem contra o Marega, acrescento ainda os insultos racistas de Fernando Madureira a um jogador do Young Boys que se preparava para marcar penalti na tentativa de o desestabilizar, só tenho pena que nessa altura o FC Porto não tenha sido veemente e tenha embarcado numa tentativa de maquilhar o comportamento vergonhoso do líder da sua claque. São inúmeros os casos que presenciamos pela televisão, como são inúmeros os casos que presenciamos ao longo das nossas vidas em jogos fora dos holofotes das câmeras de televisão. O que todos têm em comum é que nunca nenhum jogador decidiu abandonar o relvado, então o que se fez sempre foi sacudir tudo para debaixo do tapete, passar umas míseras multas aos intervenientes e deixar passar o problema pelos pingos da chuva sem que fossem tomadas sérias medidas. Isto é que é absolutamente nojento, é esta hipocrisia que se vive em Portugal e aqui não há bons nem maus da fita, todos temos culpa nisto.
Ontem vi por aí muito paineleiro a dizer que Portugal não é um país racista, como Sérgio Conceição tinha dito há uns meses quando o Macaco andou a insultar o jogador do Young Boys. Portugal é um país racista, como são todos os países com passado colonialista. O racismo é um problema que raramente foi discutido ao longo dos anos, era sacudido para debaixo do tapete, era ignorado e preferimos sempre negar o óbvio.
Apenas acrescentar que a única forma de combater a sério isto é através da educação e do diálogo. Não há outra forma. Fundamentalmente, abordar o assunto desde muito cedo nas escolas, abordar o lado científico e a história. Há um exemplo fantástico nos Estados Unidos, o Daryl Davis é um músico afro-americano que ao longo dos anos, em paralelo com a sua actividade de músico, conheceu muitos membros do KKK e apenas com o diálogo conseguiu fazer com que mais de 200 tipos abandonassem o Klan e as ideias racistas. Vejam a história de vida deste homem que é fascinante e dá-nos um verdadeiro exemplo de como lutar contra o racismo.