DO DR. CESÁRIO BONITO, ATLETA, À RECEITA «RECORD» NO MARACANÃ
Numa altura em que o famigerado PEC (esse novo «garrote orçamental», odiado por uns e pouco amado por outros) irá, ao que tudo leva a crer, emagrecer o bolso dos portugueses nos próximos anos já, há muito que eu, em particular, tenho, permanentemente, duas PECs à perna.
O verdadeiro PEC lá para 2013 (ao que se escreve mas não se pode jurar) há-de caducar e as minhas PECs, eventualmente, se ainda formos vivos e tivermos saúde, haverão de continuar a dar-me a mim, cabo do juízo e aos leitores da «Dragões» da paciência, para, sem enfado, continuarem a aturar as minhas «cocabichices». De facto, e para mensalmente podermos apresentar a nossa PEC a tão exigente «Parlamento» como este (que dela têm de ficar reféns) que temos de manter sempre debaixo de olho a PEC, a nossa oytra PEC
Não há volta a dar-lhe e o que vale é que aqui a nada, nem ninguém, se convola
É que neste espaço, só se alimenta da PEC e a PEC só sobrevive se a PEC se alimentar a ela! Depende da PEC a consolidação e a expansão da nossa história, uma PEC que não pode congelar quaisquer subsídios históricos que a história reclame e que temos de procurar sabemos, lá onde, «picando» aqui, «picando» acolá, «picando» tudo onde nos palpite encontrar qualquer coisinha que nos permita viabilizar o plano que, mensalmente, elaboramos para a nossa PEC sobreviver.
Uma charada «chalada»? Não. Não é qualquer charada e, muito menos amalucada.
Coisa bem simples, como finalmente irão entender, porque
aqui há gato. Tudo é claro sem uma boa PEC (Procura Exaustiva Curiosidades) nunca será possível uma PEC (Publicações Estórias Curiosas) boa e que mereça luz verde e o apoio da maioria dos nossos leitores. Por isso, como dissemos, «picamos» tudo onde possamos encontrar algum filão inexplorado ou inactivo, mesmo que seja, o «Borda DÁgua» e nele nos cruzemos
com Confúcio!
O Borda DÁgua é o «verdadeiro almanaque», «reportório útil a toda a gente» que já se edita há 81 anos e constitui (juntamente com o seu concorrente SERINGADOR, que já vai no 145º ano de publicação), «reportório crítico-jocoso e prognóstico» a autêntica bíblia do mundo rural. Um e outro são uma verdadeira feira da ladra informativa! Neles fala-se de tudo: da «influência da lua na pesca», da «visibilidade dos planetas», das «feiras e mercados», do «princípio da aurora e da ora do por do Sol», se fica a saber que «durante o mês de Abril o dia aumenta 1 hora e 9 minutos em Lisboa e 1 hora e 15 minutos no Porto», que «na riqueza nunca faltam os amigos» e que, entre muitas outras coisas, se «deve vacinar o bovino, o cavalar, o ovino, o caprino e os porcos contra doenças rubras.»
E, no meio de tudo isto, há ainda espaço para citar Confúcio, o «sage» (sábio» por excelência da China, filósofo, historiador e homem de estado, nascido 551 antes da nossa era no Estado de Lou, (do qual seu pai era à altura «tafou» ou governador) enfim, um rol de informação mais que sobre ele o leitor encontrará em qualquer vulgar enciclopédia.
E sendo sábio e com ele nos tendo cruzado, não podemos de deixar de reter esta sua afirmação lapidar - «o que ouço esqueço, o que vejo recordo, o que faço compreendo? Por isso, meus amigos, o que vejo recordo. E do muito que vimos durante dias a fio, o que hoje recordamos pensamos que pode contribuir para valorizar a nossa história. É que há, quase sempre, uma «face oculta» (no bom sentido) que muitos são capazes de desconhecer (nós incluídos) e que, pelo somatório de pormenores, se torna, para ela, num apetecível recheio.
A história nunca estará completamente escrita
Enriquecê-la é o nosso grande aliciante e o grande objectivo da nossa PEC (Procura Exaustiva Curiosidades). Vamos em frente.
Dr. Cesário Bonito: Do primeiro grupo infantil à presidência, com passagem pela Académica
Sob o título «o exemplar passado do Dr. Cesário Bonito e a sua alta figura de dirigente», publicou «O Norte Desportivo», nos passados anos 50, um «encaixilhado» apontamento sobre a sua figura.
Todos conhecemos o seu percurso directivo, a sua obra, o seu percurso académico, a sua figura de intocável prestígio. Menos conhecido é, contudo, o seu percurso desportivo dividido pelo FC PORTO e pela Académica de Coimbra e foi esse que nos deixou com a pulga atrás da orelha porquanto, aqui e ali, se alude, vagamente, a essa condição de atleta sem que outros dados importantes a complementem
Relembremos o que se sabe e o que o apontamento do «Norte Desportivo» dava à estampa.
Nascido no Peso da Régua a 1 de Agosto de 1909 (viria a falecer a 4 de Setembro de 1987), o Dr. Cesário Bonito iniciou funções directivas no nosso clube na época de 1943/1944, como vice-presidente da Direcção presidida por Luís Ferreira Alves, cargo que desde o inicio se «transformou» no de Presidente, dado o «leader» directivo nunca ter chegado a tomar posse. Reeleito (consecutivamente) Presidente durante três mandatos (1944 a 1947), o Dr. Cesário Moura Bonito voltaria por duas vezes mais a ocupar o cadeirão da presidência 1955 e 1956, sucedendo ao Dr. José Carvalho Moreira de Sousa, e 1965 e 1966, substituindo o Dr. Nascimento Cordeiro. Relator do Conselho Fiscal em 1948 (Direcção de Júlio Ribeiro Campos), Presidente deste mesmo órgão (1967 a 71, com Afonso Pinto Magalhães na presidência), Cesário Bonito seria figura máxima do clube (Presidente da Assembleia Geral) em 1950, no regresso de Júlio Ribeiro Campos à presidência da Direcção.
A sua obra como Presidente do FC PORTO ficou ligada, sobretudo, às primeiras diligências de construção do Estádio das Antas, para cuja construção deu o decisivo impulso em 1948, promovendo a aquisição dos terrenos na zona das Antas, contrariando, com firmeza, uma franja de defensores da «hipótese Vilarinha», «onde em Março de 1942 o FC PORTO chegou a adquirir um espaço entre a Avenida Antunes Guimarães e a Circunvalação (junto ao actual Parque da Cidade, como se lê em FC Porto, Figuras e Factos).
«A culminar, (acrescenta-se) o efervescente litígio que entre discussões, zangas e demissões opunha a Direcção e a Comissão Pró-Estádio, seria anunciada, em Assembleia Geral de 18 de Maio 1947, a escritura promessa de compra dos terrenos das Antas, na Quinta de Salgueiros, mediante a entrega de um sinal de 50 contos».
Sócio Honorário a 23 de Dezembro de 1952 (ano da inauguração do Estádio das Antas), o Dr. Cesário Bonito entrou para a galeria dos Presidentes Honorários ao ser-lhe concedido, por decisão da Assembleia Geral, a 25 de Março de 1983, essa honrosa distinção.
Rematando a «fase visível» da sua biografia diremos que o Dr. Cesário Bonito, formado em Medicina em 1935, passou desde logo a prestar serviços clínicos (graciosamente) no clube do qual desde os 9 anos se tornou associado
A sua outra face a de atleta é a menos biografada. O que a notícia do «Norte Desportivo» (recuperada pelo jornal «O Porto», em 11 de Janeiro de 1956) nos diz é textualmente isto: «Jogador do FC PORTO desde os infantis, o Dr. Cesário Bonito passou também pelas categorias superiores, incluindo o de honra, onde ascendeu num encontro do Campeonato Regional efectuado no Bessa, contra o Boavista.
Manteve-se no FC PORTO até a época de 1931/1932, indo depois para Coimbra frequentar o 2º ano de Medicina e, por esse motivo, passou, temporariamente a representar a Académica. Atleta cem por cento amador, leal e correctíssimo, o Dr. Cesário Bonito foi, então, seleccionado pela AF Coimbra para 4 jogos inter-cidades Coimbra/Santarém/, Lisboa/Coimbra, Coimbra/Lisboa e Porto/Coimbra».
Complementar este «palmarés» era o mais interessante da pesquisa. Encontramos a resposta numa História do FC Porto (1906 a 1933) editada pelo «Porto Desportivo» e da autoria de Rodrigues Teles.
Recuamos até à época 1925/1926 (pag. 76) e a notícia lá está. «No dia 25 de Abril, no Campo do Luso, o 1º grupo infantil do FC Porto jogou com igual categoria do Sport Comércio e Salgueiros. Jogado o tempo regulamentar os grupos encontravam-se empatados por 1-1. No prolongamento de 20 minutos o empate subsistiu.» Resultado; novo jogo, também no Campo do Luso, agora a 2 de Maio. Novo embate e
vitória do Salgueiros por 4-1.
Lê-se que o «onze vencido» alinhou: Artur Mota Freitas, João Ferreira Júnior, Euclides Anaura, Cesário Moura Bonito, Albano Rocha Castro, Belmiro Silva, Rui Guimarães, Afonso Temudo, Armando Lopes Carneiro, Carlos Pereira de Mesquita e Jaime R. Moreira.
Viajámos até 1928 e encontramos a estreia do nosso «biografado» no tal jogo do Bessa. Naqueles tempos havia a 1ª, 2ª, a 3ª e a 4ª categorias a jogarem em simultâneo. A 1ª categoria deslocou-se a 20 de Maio ao campo do Boavista, triunfando por 3-2. Lá estava Cezário (assim mesmo com z) Moura Bonito ao lado dos grandes Siska, Avelino Martins e João Lopes Martins, numa equipa que apresentou a seguinte composição: Siska, Avelino Martins, Jerónimo Sousa Faria, João Lopes Martins, Álvaro Cardoso Pereira e Álvaro Sequeira Júnior, Júlio Cardoso Álvaro Neto, António Coelho da Costa, Cezário Moura Bonito e António Oliveira.
Curiosidade extra. O Dr. Cesário Bonito (na altura apenas e só Cezário Bonito) viria, logo de seguida, de um só fôlego, a sagrar-se campeão de primeiras e segundas categorias. Primeiro, a 10 de Junho, vencendo o Vilanovense por 4-1, em segundas categorias, ao lado de António Mota Freitas, Jaime Padrão e Manuel Pereira, António Abel Sequeira, José Baptista Ferreira e Filipe dos Santos, Augusto Ferreira Figueiredo, João Lopes Martins, José Júlio Morais de Almeida e Ciro de Oliveira Bastos. Depois, a 24 de Junho, no Campo do Covelo, em primeiras categorias, vencendo o Leixões por 2-1, lado a lado com os seus companheiros de estreia já citados.
Nota final: Conjugando a notícia de «O Norte Desportivo» (ida para Coimbra em 1932) com as fichas dos jogos constantes da «História Académica», estamos tentados a dizer que a sua estreia na Académica terá ocorrido num jogo dos dezasseis avos da taça de Portugal, disputado a 3 de Abril de 1932, no Campo do Arnado, em Coimbra, frente ao Leça. É o primeiro onze da Académica (e estão lá todos) que integra um Cesário (Barata, Veiga Pinto, Cristóvão, Wlademar Amaral, Albano Paulo, Filipe dos Santos, Portugal, Cesário, Rui Cunha, Isabelinha, e Cabeçadas), presença, apenas referida em poucos outros mais.
Curiosidade desse jogo: o primeiro golo foi marcado por Cesário, aos 35 minutos mas a partida não chegou ao fim. Quando Cabeçadas marcou o segundo golo, Elísio Biscaia (Leça) foi expulso. O jogador recusou-se a sair e o jogo terminou ali. Fica a informação. Falta a confirmação inequívoca.
O FC PORTO na história do Maracanã
Oficialmente denominado «Estádio Jornalista Mário Filho», em homenagem ao jornalista carioca com o mesmo nome, toda a gente o conhece pelo seu nome popular Maracanã (nome oriundo do rio Maracanã que por ali passava). Inaugurado em 16 de Junho de 1950, com um jogo entre as selecções do Rio de Janeiro e de São Paulo que estes venceriam por 3-1 (o carioca Didi foi o primeiro autor de um golo no Maracanã). O «Templo do Futebol» como também era conhecido, recebeu, em 18 de Junho de 1956, um Fluminense FC PORTO. Com Yustrich ao leme (o técnico auferia à época o maior ordenado do futebol português 480 contos anuais ou seja 40 contos por mês), O FC PORTO apresentou-se no Maracanã perante uma plateia de 100 mil pessoas!
Vencido pelo cansaço da viagem, o FC PORTO não foi feliz no resultado (o jogo era o de estreia), perdendo por 3-0. Eram os tempos de Acúrcio, Virgílio, Miguel Arcanjo, Osvaldo Euleutério, Monteiro da Costa, Hernâni, Gastão, Jaburu, António Teixeira e José Maria.
Não venceu, mas nesse jogo, à época, fixou o recorde das receitas naquele recinto e quiçá em todo o país, em jogos entre clubes, nos seis anos da sua existência cerca de três milhões de cruzeiros!
A digressão prosseguiu (a primeira vitória seria conseguida seis dias depois 24 de Junho, no Estádio da Independência, em Minas Gerais, frente ao América Mineiro, por 2-1, golos de Barbatana (pb) e Perdigão), mas a partir daí Yustrich impediu os jornalistas brasileiros de continuarem a acompanhar a equipa Portista. Foi a confusão.
Uma nota subsidiária foi nesta digressão, aquando da recepção à embaixada Portista no Palácio do Catete, pelo Presidente da República brasileira, que o Dr, Ponciano Serrano entregou ao chefe de Estado, Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, o diploma de «Sócio Honorário» que lhe fora atribuído aquando da sua visita a Portugal.
Há 78 anos: Pinga, Waldemar Mota e Avelino Martins foram emprestados ao Benfica para um jogo com o Atlético de Bilbao
A estória conta-se em poucas linhas e à época nada tinha de extraordinário. Hoje nenhum terramoto futebolístico a tornaria possível! Mas os tempos eram outros, o futebol era outro, tudo
era outro.
Em Setembro de 1932, em jogo de início de época, o Benfica recebeu a equipa do «Atlético de Bilbao», aureolada com o título de campeã de Espanha. A equipa do Benfica era «prófracote» e requisitou as estrelas Portistas. Pedido feito e deferido (afinal «mesmo envergando camisolas diferentes os corações dos atletas Portistas nunca deixariam de ser Portistas»).
Avelino Martins, Pinga e Waldemar Mota tornara-se «águias» por noventa minutos. De nada adiantou. O Atlético de Bilbao (treinado pelo inglês Pentland) era de facto bem melhor e acabou por golear 4-1.
Anotem-se os «onzes»:
Benfica: Amaro, Avelino Martins, J. Oliveira, J. Correia, Germano, (Leonel), M. Oliveira, Waldemar Mota, Xavier, Vítor Silva, Pinga e Pinho
Atlético de Bilbao: Ispizua, Zebala, Urquizu, Cillauren, Muguerza, Roberto, La Fuente, Irraragorri, Bata, Uribe e Goristiza.
Inauguração do Estádio das Antas e a bandeira do Atlético que esteve para não haver
Esteve para acontecer mas não aconteceu. A estória é contada em termos lineares e entronca nas relações, que na altura, não havia, entre o FC PORTO e o Atlético, fruto de uma transferência mal digerida do alcantarense Vital para os Dragões.
Remonta à inauguração do Estádio das Antas e relembra-se em meia dúzia de linhas. Respigámo-la das páginas amarelecidas de um exemplar de «O Porto» de 1955.
«Quando foi a inauguração do Estádio das Antas decidiu a Direcção Portista que figurassem nos mastros de honra as bandeiras de todos os clubes da Primeira Divisão nacional. Havia, porém, um contratempo, o «Porto» e o «Atlético» estavam de relações cortadas. Mas, mesmo assim, a Direcção do FC PORTO oficiou ao Atlético, pedindo a cedência da sua bandeira para figurar no acto inaugural.
Todavia o Atlético informou o FC PORTO de que estavam de relações cortadas com o clube e que, logicamente, não podia aceder ao pedido. Mas a verdade é que, dentro do FC PORTO não havia qualquer espécie de animosidade com o clube alcantarense. Todos se recordavam que o Porto e o velho e inesquecível Carcavelinhos foram dois clubes amicíssimos e o Atlético era descendente do Carcavelinhos.
E então, a Direcção do FC PORTO resolveu simplesmente comprar uma bandeira igual à do Atlético. Mesmo de relações cortadas com o Atlético, a sua linda bandeira flutuou ao vento. Esteve erguida à frente de toda a gente num dos mastros de honra das Antas e recebeu, ao ser erguida, o aplauso de 50 mil pessoas! É que o FC PORTO e o Atlético Clube de Portugal estavam de relações cortadas mas não eram inimigos.»
Ponto final. Obrigado por me terem lido. Comidas as amêndoas, conto estar de volta com nova PEC. Espero que esta tenha tido a vossa aprovação e valorizado a nossa história.
Luís César
in «Revistas dos Dragões» Março de 2010