O problema é o mesmo de sempre quando ocorrem crises. A crise de 2008 culminou numa transferência brutal de riqueza da classe média para as elites, a crise gerada pela covid gerou consequências similares, foi inclusive a maior transferência de capital das classes médias para as elites em toda a história. Durante os anos 80 e 90 fizeram-se uma série de privatizações por todo o mundo que levaram muitos estados a uma perda acentuada de património público, consequentemente de riqueza, que acabou por reduzir a capacidade de regulação de setores essenciais e a uma diminuição das receitas a longo prazo, e isso naturalmente cria desigualdades sociais cada vez mais acentuadas. Muito do forte estado social que se construiu após a 2ª guerra mundial, quando para reconstruir a europa foi fundamental dar valor ao trabalhador, começou a erodir-se a partir do momento em que o trabalhador deixou de ser o centro das sociedades e esse lugar passou a ser ocupado pelos consumidores. Hoje estamos a viver o culminar do conjunto dessas políticas.
O que acontece nestas graves crises, é que somos todos os dias manipulados para nos dividirmos cada vez mais em grupos e grupinhos para tentarmos achar culpados uns nos outros. Uma sociedade com o nível de divisão como a nossa não vai ter qualquer tipo de discernimento para perceber o que se passa à sua volta, vamos andar ocupados a 'guerrilhar' entre grupos enquanto tudo à nossa volta vai continuar a piorar.
Os partidos populistas de direita não nasceram do nada, a grande parte do financiamento destes partidos parte de elites económicas. Vende-se a ideia de que são a solução para todos os problemas da sociedade, de que são antissistema, mas na realidade são apenas a 3ª via, uma espécie de fuga para a frente, dos detentores do capital caso as habituais duas opções mais fortes e tradicionais do sistema acabem por não reunir a maioria dos votos fruto da insatisfação das pessoas. São mais uma divisão que se criou artificialmente e que foi gradualmente e intencionalmente alimentada nos meios de propaganda, com a reintrodução no debate público de conceitos como "extrema direita". Reparem que sempre tivemos partidos políticos que faziam política contra minorias, o CDS chegou a fazê-lo contra os beneficiários do RSI, contra ciganos, etc. e em nenhum momento se usava o conceito de extrema-direita para caracterizar o CDS e o Paulo Portas.
É claro que, naturalmente, não só o aparecimento destes partidos, como o todo o discurso alavancado pela comunicação social em torno destes partidos, faz com que a escória racista, xenófoba e verdadeiramente de extrema-direita se comece a sentir representada e comece a sair da toca, criando mais um problema de ter que lidar com tudo o que de negativo estas pessoas acrescentam às nossas sociedades.
Com as frustrações do dia-a-dia a serem dirigidas contra outros grupos, contra os imigrantes, contra os ciganos, contra quem recebe rendimento mínimo, e por aí fora, aqueles que realmente são os responsáveis por todos os problemas que nos encontramos a enfrentar enquanto sociedade acabam por escapar incólumes.