Em relação ao Chega, eu sempre tive muito claro que nunca votaria num partido que tem como líder um comentador de futebol (e ainda por cima um comentador que odeia o meu clube). Portanto, ainda antes de o Ventura ter aberto a boca, eu já o tinha excluído por uma questão de princípio. E quando abriu a boca e se pôs querer passar a ideia de que o maior problema do país são os ciganos e quem recebe o RSI, ainda mais excluído ficou, porque se há coisa que não suporto é demagogia barata.Eu tento - e falho, admito - não usar os termos "racista" ou "xenófobo" de forma leviana. Aliás, até devia passar a usar o termo "preconceituoso", porque muitas vezes é disso que se trata. Toda a gente é preconceituosa, a questão é como reagimos perante os nossos próprios enviesamentos.
É evidente que nem todos os votantes do CH são racistas ou xenófobos. Mas há muita gente de direita que grosso modo até partilha algumas ideias do Chega, nomeadamente sobre imigração, e que até poderia votar neles, mas que consegue perceber o subtexto perigoso e, a partir de certo ponto, recusa-se a atravessar essa linha. Muitas vezes são os críticos mais ferozes do próprio CH (estou-me a lembrar do Francisco Mendes da Silva, por exemplo)
Dou um exemplo mt simples e mt pessoal: na altura da covid fiquei bastante irritado com as restrições impostas pelo Estado ao direito de sair de casa. Ainda por cima vivo no concelho de Ovar, onde as medidas foram especialmente severas, nem sequer podia ir correr ou fazer surf, porque tinha o guarda Bonifácio à minha espera no areal, pronto a avisar-me que não podia estar na água. Na altura ainda tinha redes sociais e como era muito vocal na página do presidente da câmara acabei por ser convidado para um grupo em que várias pessoas desabafam sobre esse autoritarismo. Acabei por me afastar quando comecei a reparar que para além do covid, o pessoal começava a partilhar teorias do Soros, da nova ordem mundial, chemtrails, uma cena qualquer do oitavo não sei quê e outras merdas semelhantes (na altura nem se falava de vacinas). Claro que agora todos eles votam no ADN.
O potencial eleitor de direita que até votaria no CH mas acaba por não votar, tem um pensamento semelhante. Pensa pela própria cabeça, tem desconfiança do sistema, está irritado com o caralho do mundo, mas também tem limites. E o discurso oficial do Chega é, no mínimo, dúbio e frequentemente roça o racismo e a xenofobia, de forma pouco subtil.
E depois há outro fenómeno curioso: se eu fizer uma lista das 10 piores pessoas que conheço — piores no sentido de serem inúteis, arrogantes, profundamente incompetentes e oportunistas — todos eles andam agora com o seu cropzinho a apoiar o Chega. São os mesmos que já foram "Je Suis Charlie", depois tiveram a bandeira da Ucrânia no perfil, e agora são enormes patriotas. Um exemplo é o Senhor Edmundo do restaurante O Tomate, em Espinho, que participou no Pesadelo na Cozinha e agora, lá está ele, com o Chegazinho no coração.
No fundo o Chega é um partido que vive de explorar o descontentamento e o ressentimento da população. Fazendo pura manipulação emocional.
Mas isso não significa que esse descontentamento e ressentimento não sejam mreais e não tenham razão de ser. E o grande problema dos partidos de esquerda foi que não souberam ler o país e escutar as preocupações dos eleitores. Estas eleições deviam ter sido um abre-olhos para a esquerda, mas desconfio que não.
Mas as pessoas não votam no Chega por serem racistas e xenófobas e ter aparecido um partido que lhes permite manifestar ambas as coisas. Votaram naquilo por estarem phodidas com o sistema e por acreditarem, ingenuamente, nas soluções mágicas do demagogo Ventura. Ou seja, é um voto de protesto. Mas estou convncido de se o próximo governo responder alguma maneira às preocupações dos eleitores, acaba por esvaziar o Chega. Se não fizer isso e governar apenas em função dos interesses das big corporations e outras organizações transnacionais, aí as ideias nacionalistas podem tornar-se cada vez mais populares, e daqui a três ou quatro anos corremos o risco de ter um governo de gangsters e rufias.