Acho que o grande problema do BE é ter um programa eleitoral que simplesmente não é popular.
Depois, torna-se estranho continuar a defender exatamente as mesmas ideias sobre imigração quando o contexto muda. Uma coisa é termos imigração dentro de limites que a maioria tolera, outra é estarmos a falar de um milhão e meio de imigrantes.
É como manter as mesmas políticas de apoio à natalidade com 0,7 filhos por casal ou com 2,5 – o cenário muda, e a abordagem também devia mudar.
Ontem até comentei com a minha namorada: à esquerda fazia falta um líder com garra. Alguém tipo os tempos do PCTP/MRPP, sem papas na língua, que não tivesse medo de o mandar para o crl. Já se discutiu isto mil vezes, mas às vezes bastava cortar-lhe o micro quando não é a vez dele falar, não mostrar a cara dele quando é o outro a responder, ou ter um moderador que impusesse regras claras e as fizesse cumprir. Percebo que para a televisão aquilo seja ouro, dá mais audiências do que ouvir um político a falar de propostas. Mas sinceramente, a única medida concreta que lhe ouvi foi baixar o IVA da construção – como se fosse uma ideia super inovadora e espectacular de que nunca ninguém se tinha lembrado. O resto é ruído.
O consulado de Mariana Mortágua não deu um novo fôlego ao partido, pelo contrário, dele tem resultado uma certa desilusão. Catarina Martins conseguia ser mais eficaz na liderança. Repetiu-se à exaustão a dificuldade da esquerda no presente tempo político, que a coisa não de confina às nossas fronteiras. De pouco adianta. Vivemos uma época movediça, com possibilidades de mudança que não encontrávamos num passado recente. Em dois anos, um partido de extrema direita disparou 10%. Mas em França deu-se uma surpresa diferente e uma larga coligação de esquerda, contrariando expectativas, venceu as últimas legislativas. Nenhum partido deve baixar os braços, antes estudar o contexto de transformação e reposicionar-se favoravelmente. Até agora, apenas Ventura soube manobrar o espírito do tempo, não obstante pequenos ganhos de outros partidos. Eventualmente surgirão novos elementos.
A afirmação pós-causas do Bloco continua a ser difícil. Conseguiu vitórias importantes, inscreveu as suas propostas nos média e reclamou alguma notoriedade. Não consolidou uma base eleitoral significativa, manteve um voto excessivamente elástico. Hoje tem dificuldade em afirmar o programa político e compete em propaganda com adversários que souberam, quer pelo engenho quer pelo choque, ocupar e manietar parte significativa da agenda. Sofre também por não ter presença local. Assume várias posições e propostas impopulares, sem dúvida, e contrárias ao sentimento instalado. E tem as dificuldades comuns, agora mais salientes, de outros partidos de esquerda em matérias como a imigração. Não pode porém capitular e adoptar, pura e simplesmente, as soluções dos opositores. Neste momento, o discurso acerca da imigração, por exemplo, reduz o ser humano ao ser valor económico. O desafio será mudar o discurso e algumas políticas, se necessário, mantendo os princípios.
Concordo que falta essa figura à esquerda, para mais com o ocaso do PCP. Acabará por surgir qualquer coisa. O esquerdista conservador nos costumes; o esquerdista popular e/ou populista; o esquerdista autoritário... qualquer um deles poderá aparecer. Não sendo certo de que se ficará melhor, no entanto foi este o caminho que se tomou.
Não basta afirmar que existem 1.6 milhões de imigrantes e que o número aumento acentuadamente nos últimos anos. Porque isso é fácil. Ainda não ouvi um único líder acerca de quantos imigrantes são necessários. Isso já é mais difícil. Alternativas a uma economia menos dependente do aumento populacional? Não se discute. Quimeras de aumentos significativos da natalidade? Fantasia. Transformar a economia de forma a reduzir a necessidade de mão-de-obra? Desconhecem-se projectos realistas nesse sentido.
Diminuir os custos de construção também não é suficiente nem garante habitação a preços acessíveis ou moderados. Com tamanha escassez, as casas que entrarem no mercado serão imediatamente disputadas por quem tem mais, e serão os que têm mais a arrebatar o imobiliário. De forma perniciosa, a construção poderá direccionar-se até para esses segmentos de mercado. O Estado tem de regular. Com a lei dos solos seria a mesma história. Sem as emendas aprovadas, a nova construção poderia ser transaccionada com preços acima do acual valor de mercado. ... mas enfim, o que esperar do Chega além de espalhafato?