Os números refutam a tua teoria. Se não fossem os imigrantes, vários setores económicos estavam parados. A resposta certa é "os que forem precisos e os que quiserem vir, desde que tenham lugar para trabalhar". Olhando para os números de desemprego, ainda cabem mais alguns. E aquilo que te deveria preocupar não é se são 100 ou 100 mil, mas o que está o país a fazer para evitar que eles não sejam explorados ao chegarem, que não venham para o teu país acabar na pobreza, ou à fome ou em bairros segregados, em vez de serem integrados no país e aprenderem os costumes locais. É essa pobreza e esse desligar da realidade que alimentam a criminalidade, seja portuguesa ou imigrante. E é fácil perceber isso, porque Portugal, com todos os seus defeitos, tem hoje valores relativamente baixos de pobreza quando comparados com os anos 80, 90, ou mesmo o início do século. E, consequentemente, tem valores da criminalidade inferiores a todos esses períodos. O que não existia antigamente era o imediatismo da internet a amplificar discursos de ódio. O racismo sempre existiu, a xenofobia sempre existiu, as comunidades isoladas também, mas isso mantinha-se num silêncio envergonhado. Saíram todos do armário quando viram um energúmeno, que fez carreira, recordo-te, em palhaçadas na TV, a vociferar contra tudo e de todos, a desejar a morte aos presidentes do FC Porto em direto, a fazer isto tudo contra essas minorias. De repente, normalizou-se um comportamento tão raso como o anterior, com a agravante de motivar violência, discriminação e instabilidade no país.
Há uma frase do David Harvey, que é um marxista dos bons, ou seja, faz análises teóricas da economia em vez de as querer aplicar politicamente. Ele refere que o descontentamento é uma característica generalizada das transformações sociais ocorridas devido ao capitalismo. Essencialmente, defende que as transformações sociais e culturais são um reflexo das dinâmicas económicas, mesmo que contrariem os interesses imediatos dos elementos dessas economias. A atual imigração para a Europa, por exemplo, não existiria sem a instabilidade mundial, muitas vezes decorrente de regimes autocráticos apoiados por potências ocidentais interessadas em explorar os recursos locais. Os fundamentalismos religiosos, por sua vez, emergem de hostilidades culturais e de intervenções externas que geraram injustiças aos olhos das populações afetadas.
A busca incessante pelo lucro levou, nas últimas décadas, à deslocação da produção industrial para regiões onde os custos de mão-de-obra são mais baixos, como a Ásia, América Latina e África. Esta reorganização global da produção não só desestabilizou as economias locais ao tirar-lhes empregos e rendimentos, mas também criou um ciclo de dependência e desigualdade, em que estas regiões se tornam produtoras para o consumo dos países ricos, enquanto sofrem com a degradação ambiental e a exploração laboral. Paralelamente, a globalização dos mercados financeiros trouxe uma volatilidade que favorece a especulação em detrimento de investimentos de longo prazo, aprofundando a precariedade económica em várias partes do mundo, inclusive as mais ricas, que perdem competitividade e emprego.
O capitalismo reestrutura-se em resposta a crises e pressões, muitas vezes à custa do bem-estar de comunidades inteiras. E nós, beneficiários individuais destas dinâmicas, inevitavelmente acabamos por ter de lidar com estas transformações que acabam por moldar as sociedades, criando desequilíbrios que, por sua vez, alimentam novas crises sociais, culturais e políticas. Na lógica de alguns, isto seria uma forma mais extensa de dizer "com o mal dos outros posso eu bem".
Esta postura de desresponsabilização nunca terá bons resultados. Enquanto TU fores parte do problema, enquanto as TUAS ações motivarem pobreza do outro lado do mundo, enquanto o TEU consumo tiver como contrapartida salários de 10 cêntimos à hora, seja no teu país ou no próximo, estaremos sempre perante este fenómeno em que outros quererão o que TU tens. E isso encontra-se nos países mais ricos. Quem és TU para negares a 8 mil milhões de pessoas acesso aos recursos mundiais que nem eram teus à partida? Repensemos a economia.
PS. Aproveitando o tema, estava a ler jornais e deparei-me com esta crónica que subscrevo: