@Manageiro de futból
Acerca da IL, do BE e das doutrinas e políticas económicas,
não deixa de ser surpreendente essa oscilação do voto, uma vez que os partidos se encontram nos antípodas do entendimento sobre a realidade. Por maior polémica que se gere em torno de questões culturais, matéria de costumes onde ambos os partidos podem ter alguma sobreposição, os factores materiais marcam uma clivagem entre ambos e são, a meu ver, responsáveis pelas grandes transformações que temos vindo a assistir no plano económico, social e político. As políticas neoliberais, que entretanto se tornaram hegemónicas no mundo e pelas quais nos regulamos (inscritas no funcionamento de instituições como o FMI, Banco Mundial, OMC...) , usualmente defendidas por agentes políticos do tipo IL, são conhecidas, estudadas e os resultados estão aí.
Provocaram desigualdade obscena, acumulação de riqueza num conjunto ínfimo de pessoas, estagnação dos salários reais, fraco crescimento económico, assimetrias globais, crises de um sistema bancário/financeiro pouco regulado e cego aos riscos da maximização do lucro, grandes monopólios, erosão dos estados sociais, animosidade social, extremismo político...
Menos estado, menos impostos, menos regulação, mais liberdade económica e coisas que tais, características das IL desse mundo, são justamente o problema. Se a IL defende o aprofundamento do actual sistema económico, então nada tem para oferecer. Não o afirmo sequer tendo no pensamento um outro sistema radicalmente distinto, mas considerando somente a fase das actuais economias de mercado e os seus efeitos nos sistemas políticos nacionais. A linha do crescimento vai subindo sob a actual ideologia económica, mas isso não chega. Importa compreender para onde vai a riqueza produzida, em que proporção se distribui pelas camadas sociais, de que forma é recompensado o trabalho e a produtividade... É também relevante não o ódio aos ricos, mas a compreensão dos actuais níveis de desigualdade e acumulação, que escapam à imaginação humana tal é a magnitude. Tal como estar consciente de que, em vários países desenvolvidos, os salários reais dos trabalhadores são hoje semelhantes ou até inferiores aos que auferiam há várias décadas atrás.
Houve quem se aproveitasse desproporcionalmente da guinada económica dos 70/80, sobretudo a pequena percentagem dos mais ricos e as populações pobres de países em desenvolvimento, para onde se exportou a produção. Aliás, esse passo de transformação global não mais é que uma consequência racional dos princípios económicos dominantes. A produção, em busca de maior lucro, foi para países de baixos salários, com fracas regulações estatais em matéria de segurança, ambiente, ... Tem até uma certa piada observar que o principal vencedor da corrida para o fundo, a China, beneficiária dessa liberalização dos mercados, tornou-se a segunda maior economia mundial seguindo princípios próprios, de livre mercado e forte intervenção estatal, e não aderindo a um mero receituário de privatizar, desregular, liberalizar...
Contemplemos a hipótese de uma desigualdade crescente, ainda mais. Será que os que têm menos, a vasta maioria, se contentará com escassos progressos nos seus níveis de vida? Se é que poderemos falar de progressos. Ou será que as pessoas olharão para o topo da pirâmide social e notarão que se encontram relativamente mais pobres?... Quando assim é, torna-se previsível que se comece a olhar para os imigrantes de uma certa maneira, para as elites, para o sistema partidário... e se procure uma outra coisa qualquer. Redistribuir é necessário para assegurar um certo compromisso social. Para isso é necessário que o estado tenha um papel relevante, programas sociais, instrumentos fiscais... A IL percebe isso? Que a riqueza é criada colectivamente, não apenas a partir das ideias do Musk ou da iniciativa económica do Soares dos Santos mas assente nos milhares de trabalhadores das suas empresas... O estado tem de ser forte até para assegurar condições favoráveis à economia de mercado, mantendo a democracia.
Uma consequência óbvia do actual estado de coisas é que a acumulação de poder económico equivale a uma acumulação de poder político. Menos democracia.
Se a solução não é essa, convenhamos que a esquerda revelou-se uma inutilidade sendo incapaz de propor uma real alternativa, quando não, pura e simplesmente, adoptou as mesmíssimas políticas económicas. Mais vale ter stonks e dogecoins. Ou um pai rico a quem pedir um pequeno empréstimo de um milhão de dólares. Mas também aí reina a desigualdade.