"Conceição e o Benfica
Depois de 7 anos em que Sérgio Conceição cultivou e promoveu a imagem de um bastião do portismo, via o ex-treinador do FC do Porto como um dos símbolos do clube, o que, aos meus olhos, se afigurava incompatível e intolerável com oferecer-se para treinar o eterno rival.
Após a estrondosa derrota do Benfica no passado domingo, o futebol português foi abalado, no dia seguinte, por um autêntico terramoto devido à notícia que dava conta que Sérgio Conceição estava receptivo a treinar o Benfica, a tal ponto que a própria estrutura encarnada, atarantada com as réplicas que se fizeram sentir junto da sua massa associativa, sentiu necessidade de emitir um comunicado a desmentir que estivessem no mercado à procura de treinador.
A notícia, sustentada por fontes próximas do ex treinador do FC do Porto e reforçada, ad nauseam, por jornalistas amigos de longa data do mesmo, despertou-me sentimentos mistos.
Se por um lado assistia deliciado ao dobrar da espinha por parte de muitos adeptos e comentadores afectos ao clube encarnado que antes diziam cobras e lagartos de Sérgio Conceição – acusando-o de personificar tudo o que estava errado no desporto, de ser um arruaceiro, um insurreto, não ter fair play – e que agora já dizem, sem corar de vergonha, que é o treinador ideal para liderar a equipa encarnada tal é a sua competência e disciplina, por outro não deixava de me sentir agoniado com o facto de Sérgio Conceição ter decidido colocar o seu lugar à disposição do Benfica.
E tal sentimento não decorria tanto do facto de alvitrar que Sérgio Conceição representaria um acréscimo significativo de qualidade face a Roger Schmidt mas porque, depois de 7 anos em que Sérgio Conceição cultivou e promoveu a imagem de um bastião do portismo, via o ex-treinador do FC do Porto como um dos símbolos do clube, o que, aos meus olhos, se afigurava incompatível e intolerável com oferecer-se para treinar o eterno rival.
Não olvido que Sérgio Conceição tem todo o direito de desejar exercer a sua profissão onde quiser, mas, como portista de berço, também tenho o direito de sentir-me profundamente desiludido e defraudado com a sua alegada manifestação de interesses e legitimado a passar a olhar de lado para todos aqueles que vierem a bater no peito e a beijar o símbolo em proclamações de portismo.
No futebol, se dúvidas ainda houvesse, o genuíno e desinteressado amor ao clube está mesmo reservado para os adeptos.
Romantismos à parte, a notícia expõe ainda um lado mais pérfido do mundo do futebol que deveria suscitar a mais profunda repulsa por parte de todos.
Penso ser unânime que, com a derrota do Benfica no último fim de semana, Roger Schmidt perdeu toda e qualquer margem de tolerância que ainda tinha por parte da massa associativa do Benfica, encontrando-se, por isso, bastante fragilizado, mas, ainda assim e para todos os efeitos, Roger Schmidt é o actual treinador do Benfica e ainda recentemente foi tido como o treinador do "projecto" por parte de Rui Costa, pelo que as "fontes" próximas do ex treinador do FC do Porto deveriam abster-se de sinalizar a disponibilidade daquele em substituir um colega de profissão no activo.
É que, sublinhe-se, a notícia (e, já agora, o presente escrito) não consiste na circunstância de o Benfica haver pensado, sondado ou alguma vez convidado Sérgio Conceição para técnico principal da equipa encarnada, o que nunca sucedeu, mas antes em Sérgio Conceição ter-se alegadamente oferecido para substituir Roger Schmidt, como se o objectivo (da(s) fonte(s)) fosse fragilizar ainda mais o técnico encarnado e, simultaneamente, promover Sérgio Conceição ao cargo.
Não é bonito."
(Tiago Silva in revista "Sábado")