@BSilva Não iria por aí, sabendo dos excessos cometidos por qualquer movimento social. Parece-me uma imagem muito associada a fenómenos particulares, mais relacionados com organizações e outros agentes que actuam na área e integram posições entre o polémico e o radical (pois de facto há correntes do género), do que com a defesa generalizada das mulheres, dos seus direitos e valor, sentimento esse de grande escala, felizmente já enraizado nas nossas sociedades. Devemos compreender que o feminismo vive para lá das organizações feministas que possam, de alguma forma, manifestar posições radicais, estando presente nos imaginários, nas atitudes, nos comportamentos e nos valores de homens e mulheres que compõe o próprio tecido social, e que se tornaram conscientes da posição subalterna das mulheres e das expressões de discriminação existentes. E sem dúvida que, para isso, as organizações feministas, mesmo as de tendência radical, desempenharam e despenham um papel significativo. Nas suas lutas históricas, nos valores defendidos, nos temas que inscreveram nos debates nacionais...
As pessoas podem ter, no quotidiano, preocupações laborais, típicas dos movimentos políticos marxistas, comunistas... e nem por isso pertencerem a partidos desse espectro ou a organizações sindicais. Poderão ter preocupações sociais sem se afiliarem a um partido de âmbito social, socialista, social-democrático, ... . Acaso julgarão que a maioria das mulheres e dos homens que assumem valores feministas concordam com as expressões mais extremadas, formais, elitizadas do movimento... ? O radicalismo é uma característica comum a muitos movimentos reivindicativos do género, é um fenómeno normal. Hoje expressa-se no espaço mediático, no confronto ideológico, na batalha argumentativa, na tentativa de influência dos valores... tempos houve em que a busca de poder para determinado grupo de pessoas conduzia a atrocidades muito pouco democráticas. Portanto não é coisa que me faça ou nos deva fazer perder o sono.
O ser humano derrubou poderes autocráticos, as suas (algumas... ) sociedades tornaram-se seculares, democráticas, industrializaram-se, urbanizaram-se, terceirizaram-se, profundas convulsões ocorreram no domínio dos valores e dos costumes... para estarmos agora focados em expressões radicais do feminismo ou em temas fracturantes que nos chegam do outro lado do oceano... enfim. Convenhamos que há coisas mais relevantes e problemas mais prementes. Será apenas mais um artefacto social, longe de ser dos mais notórios. Normal, no sentido de comum; legítimo dentro dos limites da democracia.
Trata-se de uma pulsão para a conquista de poder e recursos, como os movimentos cívicos ou outros que tais. O que implica perdas simbólicas, relativas, concretas, imaginadas... para outros grupos. O que também é normal e desejável, pois qualquer situação de assimetria somente se corrige alterando o jogo de poder. Seja um rearranjo no acesso a determinadas posições socioprofissionais, ganhos na representação mediática, no domínio legislativo... e isso causa incómodo. Como é evidente, devemos estar atentos a qualquer excesso. Devemos estar atentos a pulsões sociais cujas reivindicações ultrapassem ou de alguma conflituem com os valores humanos estabelecidos (admitindo que estes são justos). ... também me preocupa quem devota mais tempo a censurar expressões radicais de movimentos sociais do que a assinalar ou a combater, de alguma forma, as próprias situações de desigualdade. Quando alguém se mostra mais preocupado com fenómenos tipicamente norte-americanos, radicais, etc. ... do que com as formas de injustiça instituídas, sejam elas baseadas no género, na classe, na religião, ... , é de desconfiar. Em todo o caso, para terminar num tom conciliatório, devemos estar atentos às expressões da humanidade e aos perigos contidos nos movimentos humanos.