É a indiferença, estúpido!
Andam há anos a acenar com o perigo do populismo e da extrema-direita, esquecendo-se (propositadamente?) que o grande cancro da democracia portuguesa é a indiferença com que a larga maioria dos cidadãos encara o escrutínio da vida pública e dos assuntos da cidade.
Sempre que um português ganha uma qualquer medalha no estrangeiro, o Presidente da República tem uma epifania. As portas do Palácio de Belém abrem-se ao laureado, cantam-se hosanas ao triunfo, elogia-se uma alegada condição intrínseca dos portugueses, alegadamente talhados para serem "os melhores dos melhores do mundo". O ego não se satisfaz com ser muito bom, não, os portugueses são os melhores dos melhores. E do mundo. Revisitam-se Os Lusíadas, as "armas e os barões assinalados", canta-se o hino com devotada emoção - "contra os canhões marchar, marchar" - procurando manter vivo um heroísmo, a que no futebol dão o nome de mística.
Não, meus amigos, isto não existe. Os portugueses não são nada disto. Os últimos anos mostram um povo completamente alheado da realidade, cada um mais preocupado com o seu umbigo do que com o bem coletivo. Somos indiferentes a tudo o que nos rodeia, exceto ao futebol. Mais depressa se mobiliza uma horda para festejar a conquista de um campeonato ou taça do que para protestar contra a falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde, a degradação da escola pública ou a falta de condições mínimas em alguns tribunais. Da intensa atividade cívica e política do pós-25 de Abril de 1974 passamos para um País amorfo, uma democracia tofu, sensaborona, perdemos a capacidade de exigir, reclamar, criticar. "Vamos andando", como se costuma dizer, sem rumo, sem perseguir um objetivo coletivo de longo prazo.
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