Paulo Futre

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Deco_10

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Paulo Futre: Tive muitos problemas com a Igreja\'

No final de 1996, com 30 anos, anunciaste a retirada. Por que voltas a jogar seis meses depois?

Depois de anunciar o abandono, estava na SIC e o Gil y Gil entrou em directo ao telefone. ‘Paulo, quero que sejas o embaixador do Atlético de Madrid, o director internacional’. Era um convite irrecusável, comecei a trabalhar e um dia fui ver um treino de conjunto. Estava como estou agora, a fumar dois maços de cigarros por dia, e sentei-me no banco de suplentes. Veio o [treinador Radomir] Antic e pediu-me para treinar. ‘Falta-me aqui um, vai-te lá equipar’. ‘Está doido ou quê, mister?’. ‘Não te mexes, só para fazer número’. E lá fui eu, sócios e imprensa no estádio. Tinha feito 31 anos e nos primeiros 20 minutos marquei dois golos. Parti aquilo tudo. Estava eu morto no balneário e chegou o Antic: ‘Pá, tens de voltar a jogar’. ‘Está maluco? Amanhã não posso nem andar por causa do joelho’. Mais tarde ligou-me o Gil: ‘Paulo, o que já armaste para aí? Está toda a imprensa a ligar-me. Já falei com o mister, tens que voltar’. No dia a seguir os jornais escreveram que o espectáculo tinha voltado ao [estádio] Vicente Calderon. Passei a levar injecções de produtos naturais no joelho e voltei.

És muito impulsivo?

Sou um gajo corajoso, não tenho medo de enfrentar as situações.

Não há também uma certa inconsciência?

Não é inconsciência, não procurei a situação. Mas se fazes um treino e vês aquele entusiasmo à tua volta... Isto das eleições do Sporting não fui eu que procurei. ‘Ah, quero ser o gajo que manda aqui no futebol’. Não. Estava tranquilo em Madrid. É o destino. Podes é perguntar: ‘Mas porque é que não ficaste parado no campo?’. Foi a bola. Estou com botas? Então vou para cima deles. E depois não havia marcha atrás. Há um ditado em Espanha que diz: ‘Vale mais morrer de pé do que andar de joelhos toda a vida’. Muitas vezes morri de pé.

Vês-te como um bom malandro?

Claro. Sou um homem da vida, não o escondo. Não vou agora dizer que era um betinho. Andei com os bandidos todos e era mais um.

Dá-te gozo desafiar o status quo?

Sempre me senti bem na polémica, à excepção de algumas situações em que passei para o escândalo, como a da tropa.

Quando assinaste pelo Atlético sem teres cumprido o serviço militar obrigatório?

Assinei em Junho sabendo que tinha a tropa em Setembro. Fechei-me em copas. Eu e o Pinto da Costa, que também sabia. No momento da assinatura estava à rasca. Tinha 21 anos e a minha transferência tinha sido a segunda mais cara a seguir à do Maradona. Na primeira semana de Agosto, rebentou o escândalo em Espanha.

Como se resolveu a situação?

Se não viesse à tropa, tinha de estar cinco anos sem vir a Portugal. Uma semana antes fui chamado à embaixada porque o Mário Soares queria falar comigo por telefone. Disse-me que tinho de ir para dar o exemplo. Respondi: ‘Senhor presidente, é uma honra estar a falar consigo, mas vamos entrar em guerra? Se for assim serei o primeiro a pegar na arma’. Três dias depois deu-me o estatuto de atleta de alta competição. Fui o primeiro a recebê-lo.

És religioso?

Tive muitos problemas com a Igreja. Aí está, mais polémica. Assumi publicamente que era casado sem estar casado, o que hoje é normal. Muita gente não se casa, junta-se, e é como estar casado. Eu fui o primeiro. Pelo menos mediático. Tive coragem de dizer: “Meus senhores, não estou casado mas é como se estivesse’. Não me perdoaram. Pior ainda quando fomos pais solteiros, eu e a Isabel, em 1989.

Foste criticado pela Igreja?

Diziam que era um mau exemplo para a juventude, para os católicos e para o mundo. Mandaram cartas lá para casa.

Isso afastou-te da religião?

Ia sempre a Fátima e tinha a minha fé.

Sol
 
D

Deco_10

Guest
Futre: \'Escrevo para a Marca em ibérico, uma língua só minha\'

O futebol proporcionou-te um bom pé-de-meia?

Sim. Investi bem. Mas não consigo estar parado.

Qual foi a tua compra mais extravagante?
Carros. Que é o pior investimento do mundo. No momento que compras já vale metade. Mas foi mais na juventude, agora já passou. O mais caro deve ter sido o Jaguar, sou um desastre em carros. Custou 70 mil euros.

Recusaste algum clube de topo?

O Real Madrid.

Quando e porquê?

Quando estava no Marselha. No Real Madrid ia ser mais um e acho que não poderia viver em Madrid. Nem naquele momento nem hoje. Senti que fui tão grande no Atlético de Madrid, o maior jogador da história do clube, que não ia poder viver ali. O Figo mudou de uma cidade para outra em Espanha e eu fiz o mesmo em Portugal. Mas se aqui já foi a confusão que foi, imagina em Madrid. Em Portugal ladramos. Em Espanha mordem.

Terias corrido risco de vida?

Eu e os meus filhos.

Chegaste a falar de valores?

Tinha o contrato para assinar em cima da mesa. Mas odiava o Real Madrid. Sou anti. Agora não que está lá o José Mourinho, mas torço por ele, não pelo clube.

Estás fora de Portugal há mais de 20 anos. És patriótico?

Ninguém pode falar mal de Portugal ao pé de mim. Tenho as minhas críticas, agora se vem um espanhol falar mal, por exemplo da crise actual...

Quais são as tuas críticas?

Falamos muito mal de nós e do vizinho. Não há aquela união. Os espanhóis vão sair rápido da crise, têm outra mentalidade. O Sócrates fez a conferência de imprensa [do anúncio do pacote de medidas do FMI] à hora do Barcelona-Real Madrid e o pessoal riu-se. ‘Ei, vê lá o que ele foi fazer agora’.

Falar ao país sabendo que estava muita gente distraída com esse jogo de futebol?

Em Espanha, não o podia ter feito. Respeito a estratégia do Sócrates, o que não acho bem é rirmos disto. Este gajo não pode fazer isto. Os espanhóis fazem as festas, mas quando é a sério é a sério. É a fúria.

Fumas dois maços de cigarros por dia. O coração aguenta?

Só se vive uma vez. O filho do meu melhor amigo, que era como um filho meu, morreu com 26 anos. Era profissional de futebol. Não fumava, não bebia, era o gajo mais são. Começou-lhe a doer a cabeça, fomos ver e era um cancro. A minha lógica na vida é esta: quando tem que te tocar a ti, toca.

És daquelas pessoas que de vez em quando vai ao médico para ver se está tudo bem?

De seis em seis meses vou ver como está a máquina.

O que fazes hoje em Madrid?

Tenho uma empresa de consultoria. Casamos empresas e negócios. Eólicas, construção, tudo. Tenho um sócio espanhol. No futebol estou entre os clubes e os empresários. Faço as pontes, sempre na sombra. Como comentador estou na Marca e colaboro com a Al Jazeera. Escrevo para a Marca em ibérico, uma língua só minha, e depois o meu filho traduz para castelhano. Gosto muito e permitiu-me escrever três capítulos do meu livro sozinho. O da tropa, o do Figo e o do director desportivo.

Qual é a melhor história como director-desportivo?

A do Dani. Foi a vida ou morte para mim. Vendi 14 jogadores e comprei 14. Se o projecto falhasse, hoje não estaria a viver em Espanha. O Atlético estava para descer à 2.ª Divisão B e o Dani foi a minha primeira contratação. Desde os 20 anos que estava queimado e tinha 24 quando o Benfica o suspendeu. Tinha-o conhecido cinco anos antes, quando o Aurélio Pereira me pediu para falar com ele porque temia que se perdesse. Fui jantar a casa do Dani e, se o ouvisses falar, era um santo. No fim pedi licença para fumar e perguntei se alguém queria. O Dani respondeu que o fumo lhe dava vómitos. Depois fui para o quarto com ele e disse-lhe: ‘Ouve lá, miúdo, malandro não engana malandro’. E começámos a fumar. Ele estava no Sporting e perguntei-lhe se queria ser gigolo ou melhor do que eu. Ele respondeu que queria ser melhor do que eu e dei-lhe os meus conselhos, tentando fazer-lhe ver que havia tempo para tudo. Contei-lhe também dos cigarros que fumava quando era jogador: ‘Doze à terça, dez à quarta, oito à quinta, seis à sexta, quatro ao sábado, um ao domingo. Depois do jogo, todos’. Por isso anos depois eu já sabia a fera que estava ali. Quando falei dele a primeira vez ao Gil y Gil, perguntou-me se eu queria converter o Vicente Calderón numa boîte. Um dia antes de ele vir para Madrid, fizemos uma reunião por telefone em alta voz, estava ele com o [empresário José] Veiga e o pai. ‘Dani, quem é o único maluco do futebol que acredita em ti?’. ‘És tu’. ‘Então repete’. E ele: ‘Paulo, tu és o único maluco do futebol que acredita em mim’. ‘Dani, sabes que isto não é a Holanda nem Portugal? Se falhamos aqui os meus filhos podem morrer’. ‘Sim, sim’. Então pedi-lhe para dizer outra frase: ‘Paulo, se eu te falhar a ti e aos teus filhos, autorizo que me dês um tiro no joelho’. E assim começa a nossa longa história, que narro no livro.

Podes ao menos adiantar se a pistola que mais tarde lhe apostaste estava sem balas?

Sim, estava sem balas.

Sol
 

mmmkk

Tribuna Presidencial
23 Fevereiro 2007
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71
Porto
\"Houve um amigo que jogava comigo desde os 11 anos, e que apanhei também na Selecção, que mudou a personalidade. Tive muitos problemas com ele. Ainda fez uma boa carreira, mas não a excelente que tinha de fazer. Porque era cagão, tinha o rei na barriga. Na Selecção A pegámo-nos à porrada. Não digo quem é porque sou amigo dele e só falo disto como exemplo. Hoje perdoou-lhe tudo. Porque não está escrito como se lida com isto.\"

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Gostava de saber quem é o jogador que o Futre fala...

Não deve ser difícil de chegar lá, não?
 

mmmkk

Tribuna Presidencial
23 Fevereiro 2007
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Porto
\"Se te portasses mal, se fosses apanhado às tantas da manhã a uma quinta ou sexta-feira, era tremendo. Tudo chegava lá dentro. Estavas a ir contra o grupo.

Eram os jogadores a dar a primeira reprimenda?

Claro. ‘Ó filha da mãe’ - ali não há outra maneira de falar -, ‘estás a falhar-nos. Não nos falhes, cabr**, precisamos de ti para domingo’.\"

(...)

\"Octávio Machado andava sempre de olho em ti?

Era o cão e o gato. Mas adorava-o na parte boa, e ele tinha sempre razão. Só que havia momentos em que eu disparava. Um gajo estava em casa e ele aparecia à meia-noite a tocar à campainha. ‘Que é?’. ‘Ah, já estás aí? Ok’. Uma grama a mais ou a menos de peso era logo motivo para uma discussão do outro mundo. ‘O que é que fizeste ontem, car... não almoçaste?’. Isto era se falhasse uma grama, se fosse um quilo era logo chamado ao Artur Jorge. Não era só comigo, era com todos. Às tantas já ia para o treino a rezar. Pesávamo-nos todos nus, nem sequer havia ali números de meter o relógio no bolso para ajudar.\"



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\"É verdade que o FC Porto chegou a pôr uma mulher atrás de ti para te vigiar?

É uma história incrível. Custa-me falar nisso.

Sentiste-te enganado?

Enganado, traído. Se antes tinha um escudo de um metro à minha volta, passou a ser de cem. Tudo o que se aproximava para mim era bicho. Não perdoei a essa mulher. Era uma amiga especial, dez anos mais velha ou mais.

Como descobriste que andava a espiar-te?

Contava-lhe tudo, tinha confiança nela, e depois o FC Porto vinha a saber. ‘Estiveste no Teenagers em São João da Madeira’. Mas como é que sabiam? Ninguém me tinha visto... Contava-lhe o que tinha feito na noite anterior. ‘Estive em casa e dei duas quecas até às três da manhã’. No outro dia já sabiam de tudo no FC Porto. Ainda pensei que tinham metido escutas lá em casa, mas cada vez desconfiava mais dela e montei-lhe uma armadilha. A partir daí passei a ter uma muralha à minha volta. Talvez até me tenha feito bem.\"

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Tremendo. Com passagens destas se percebe o porquê do Porto ter chegado onde chegou neste momento. RIGOR! Não se brincava em serviço. ORDEM.
 

mmmkk

Tribuna Presidencial
23 Fevereiro 2007
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Porto
Sobre Artur Jorge:

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\"Ao Artur Jorge não respondias?

Responder o quê, fogo! Baixavas as orelhinhas e só ouvias. ‘Agora não treinas. Vai-te embora para casa, desaparece’. Aos gritos.\"

(...)

\"O Artur Jorge tem uma imagem de alguém mais sereno...

Isso foi depois do Benfica, depois do cancro. No FC Porto era o maior. Mas o maior a sério. Foi um dos maiores que tive.\"

(...)

\"Ele nunca foi de me dizer mais do que ‘bom jogo’. Quando me fui despedir, antes de ir para Madrid, disse-me: ‘Sabes por que nunca te elogiei? Porque tu vais ser o melhor jogador do mundo. Se te elogiasse perdias-te. E quase acertou, fiquei com a Bola de Prata. [a Bola de Ouro de 1987 foi para Ruud Gullit].\"
 

mmmkk

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Porto
\"Recusaste algum clube de topo?

O Real Madrid.

Quando e porquê?

Quando estava no Marselha. No Real Madrid ia ser mais um e acho que não poderia viver em Madrid. Nem naquele momento nem hoje. Senti que fui tão grande no Atlético de Madrid, o maior jogador da história do clube, que não ia poder viver ali. O Figo mudou de uma cidade para outra em Espanha e eu fiz o mesmo em Portugal. Mas se aqui já foi a confusão que foi, imagina em Madrid. Em Portugal ladramos. Em Espanha mordem.

Terias corrido risco de vida?

Eu e os meus filhos.

Chegaste a falar de valores?

Tinha o contrato para assinar em cima da mesa. Mas odiava o Real Madrid. Sou anti. Agora não que está lá o José Mourinho, mas torço por ele, não pelo clube.\"
 

mmmkk

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Porto
O Futre é um contador de estórias nato. Viveu muito, passou por muito. É um \"character\"!
 
D

Dragão do Sul

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Uma bela entrevista. As passagens sobre Saltillo são muito interessantes
 
B

Bonfim 84

Guest
Fred, de certeza que o Futre disse que era benfiqueiro desde pequeno na apresentação?

Lembro-me dele dizer nos dias anteriores que \"tinha saido do sporting por dinheiro e voltava pelo coração\" antes de aterrar na rtp...perdão no benfica!

Enfim, acho que o Futre é um tipo divertido, dá gozo ler as suas histórias, mesmo descontando os exageros... E soube bem virar a situação da conferencia de imprensa a seu favor, é um case study.
 

Devenish

Tribuna Presidencial
11 Outubro 2006
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  • Reinaldo Teles
  • Março/19
Estive a ler aqui muita coisa que ele disse. No meio de alguns filmes, quem não os conta..., tem muita história interessante para se ler e tem memória coisa que muitos não têm.
Apesar de ser uma figura controversa prefiro-o uma centena de vezes do que ao Simão e ao Coentrão (2 exemplos) que são duas bestas quadradas, cínicos, vaidosos, mau carácter. Futre tem uma vantagem, fala o que lhe vem à cabeça - não é possível zangar-me com pessoas deste tipo. E parece ter uma coisa boa que muitos não têm; não tem ódio a ninguém.
 

Devenish

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  • Reinaldo Teles
  • Março/19
Creio que não é um fulano que tenha má vontade contra o FCP, os outros dois têm isso para mim é suficiente. Sobre o comportamento dele em campo como \"piscineiro\" houve e há tantos assim. Algumas asneiras que tenha cometido cá contra os interesses do FCP é de lamentar mas não é o único, um dia num jantar ou almoço do fórum eu conto-te umas histórias passadas de alguém que não imaginas sequer quem possa ser, mas vai ficar entre nós porque não interessa divulgar isso - é contra os interesses do nosso Clube a nível de história. Quem o fez já se deve ter arrependido até porque depois homenageou o anterior inimigo.Todos, ou quase, fazemos coisas na vida erradas.
 
R

r.a.martins

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Paulo Futre, \"el Portugués\"

Cap. 5, pág. 61:


A descrição dele do discurso do Artur Jorge ao intervalo do Porto x Bayern em Viena fez-me chorar.

Que emoção.
 
J

JV

Guest
Vou escrever apenas sobre o Futre como jogador: extremo esquerdo á moda antiga, senão o melhor que vestiu a nossa camisola , uns dos melhores.Daqueles que eu vi jogar desde 77 claramente o melhor a \"partir\" as defesas todas. Estava na rampa da s Antas quando o vi chegar pela 1ª vez á boleia com o NGP para ser apresentado( era para vir também o Litos, mas ao que contam teve medo, e assim passou ao lado de uma carreira). Futre foi aquele que começou a dar asa ao meu sonho logo no início da 2ª parte em Viena.Obrigado Futre.
 

mmmkk

Tribuna Presidencial
23 Fevereiro 2007
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Bem, o Futre está mesmo em TODAS! Incrível! Agora é a figura de hoje do jornal da noite da tvi, anunciado com pompa e circunstância! Anúncios a tvs por cabo, papéis em novelas, entrevistas por tudo quanto é canto, anúncios a aparelhos de ginástica, t-shirts com frases da famosa conferência em alvalade, convidado em todo o tipo de programas, bem... até quero ver o que vai sair dali, daqui a pouco no jornal da tvi...

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update - parece que vai ser crónica semanal no telejornal das 20h00, com o nome \"a noite do Futrebol\"! Bem.. vai vir shares da china!