O que acontece agora é que os miúdos jogam menos do que antes. Antes jogávamos nove horas na rua. Os miúdos agora não jogam, praticamente, por causa da segurança, porque os pais não os deixam sair para a rua, ou devido ao desenvolvimento cada vez maior das cidades. Depois, para além de não jogarem, quando vão a um treino de camadas jovens não os fazem jogar. Dou-te um exemplo: há um miúdo que sabe fintar, que tem um grande drible, e o treinador começa a dizer "não fintes, joga rápido, joga a dois toques, não faças isto", então esse miúdo driblador que tem essa gambeta única vai perdendo-a. Por culpa dos treinadores, não os deixam desenvolver. Se o menino não desenvolve a gambeta aos oito, nove, dez anos, quando é que a vai desenvolver? Quando tiver 21? Não! O chico tem de a desenvolver quando é pequeno.
Até aos 12, 13 e 14 anos têm de aprender a jogar à bola, depois dessa idade têm que começar a jogar futebol. O que é jogar à bola? Dar-lhe conceitos, ajudar a desenvolver, mas que joguem, joguem, joguem. Depois, aos 13 e 14 anos, começa [o futebol] e há que ajudá-lo. "Tens uma ótima gambeta? Escuta, aqui podes fintar, cuidado que aqui é difícil, mas a melhor gambeta, a mais produtiva para ti e para a equipa, vai ser nos últimos 3/4 da cancha. Aí faz o que quiseres, finta até à baliza, ao árbitro, faz o que quiseres. No nosso meio-campo e na nossa área atenção, que aí é muito perigoso". Mas ensina-o onde deve fazê-lo, não o limites. Se o treinador diz "não, não, não fintes mais", o que faz o miúdo? Não finta mais. Tem medo que o treinador lhe grite, e ele deixa de desenvolver-se. Deixem-no! Deixem que eles fintem. Quando crescer podes orientar, mas nunca proibir, nunca lhe digas "não". A partir do momento que o proíbes, o menino bloqueia-se e deixa de ter essa liberdade e criatividade. Sem liberdade não há criatividade. Precisamos desses jogadores, do jogador criativo, como precisamos de defesas e guarda-redes, mas não podemos perder essa classe de jogador.
Agora metem cones e dizem aos miúdos para fintarem os cones, e pensam que estão a desenvolver o drible, mas isso não se faz a driblar cones. Faz-se driblando rivais, companheiros e amigos.
É esse o problema de etiquetar os meninos quando são pequenos e dizer que, com 14, 15 anos, este jogador vai ser craque, vai ser um fenómeno. Mas aí estamos a errar no caminho, porque lhe estamos a dar uma responsabilidade e uma pressão constantes.
Naquele momento estava a jogar como jogava com os meus amigos no campito, na rua. O contexto era diferente, havia 30 mil pessoas, sim!, mas eu estava a jogar à bola, estava a jogar futebol. Não deixa de ser um jogo. É um jogo. Por mais que as pessoas o queiram transformar num negócio ou no que for, é um jogo.