Boa sorte, Mister!
Não deixa de ser uma pergunta pertinente.Pergunta de quem não conhece as dinâmicas do mercado do basquetebol mas face a qualidade que, penso que é quase generalizada por aqui, do Moncho, ele não tinha interessados na Europa, no seu próprio país, por exemplo, ou é pelo dinheiro que se vai para a 2° divisão do Japão ?
Que nivel...“Depois de 13 anos, o Moncho é o gajo que andou aos pontapés a caixotes do lixo. Saio do FC Porto por isso, senti-me a mais em Portugal”
O técnico espanhol de basquetebol Moncho López, de 53 anos, sai do FC Porto com uma mágoa indisfarçável e com o sentimento de se ter tornado persona non grata no nosso país, mas rejeita ficar conhecido como o treinador que deu um pontapé num balde de lixo e bateu com a mão numa mesa depois de perder um campeonato. Numa entrevista frontal e reveladora, cuja segunda parte pode ler no domingo, Moncho fala da sua marca na modalidade, não só no FC Porto, onde conquistou 15 títulos. E revela que não se despediu de Pinto da Costa
O Moncho chega a Portugal em 2009 para ser selecionador nacional, mas pouco depois assumiu o FC Porto. Quando surgiu o convite do FC Porto?
Estava na seleção portuguesa, numa festa do basquetebol no Algarve e o Mário Saldanha disse-me: “Recebi um telefonema do diretor do FC Porto, Fernando Assunção, que disse querer falar contigo. Perguntou se tu podias ser selecionador e treinador de um clube. Eu disse que sim. Como presidente da federação acho que tens de reunir com o FC Porto. Ouve o convite que te querem fazer". Uns minutos antes dele ter esta conversa comigo, um treinador veterano do Porto, Mário Barros, disse-me: "O FC Porto quer convidar-te, mas vão falar com a federação primeiro". Com isso o FC Porto já conseguiu uma coisa, uma recetividade boa do meu lado porque gostei do procedimento. Reuni-me com o Fernando Gomes, atual presidente da FPF, e com o Fernando Assunção, em Ponte de Lima.
Como o convenceram?
Com o projeto. Primeiro, o Fernando Gomes é um ótimo sedutor no discurso e o Fernando Assunção transmitiu-me muita paixão. Depois utilizaram o recurso do atleta. Disseram que os atletas do FC Porto que estavam comigo na seleção diziam que o Moncho trabalha assim e assim. Mostraram um bom conhecimento da minha forma de trabalhar. Como selecionador observava o campeonato e o FC Porto parecia-me uma das equipas com melhores condições. Organizada, com camioneta e pavilhão próprio. Pensei: quero estar em Portugal, gosto de estar aqui, quero continuar na seleção, mas gosto muito de treinar, vou treinar o FC Porto.
O que lhe pediram quando chegou ao FC Porto?
Que mudasse a modalidade. Queriam que a equipa ganhasse e discutisse os títulos. E pediram-me para formar jogadores. Julgo que se conseguiu. Provavelmente o nível de satisfação mais elevado é com a formação, porque nos últimos anos, e não é só responsabilidade minha, é dos treinadores da formação e da coordenadora Isabel Lemos com o meu pequeno contributo, a formação do FC Porto tem dado grandes resultados. Tem dado jogadores às seleções, temos trazido jogadores para a equipa sénior e sobretudo, o primeiro escalão do basquetebol português está cheio de jogadores que se estrearam connosco. Nem todos estão no FC Porto desde pequenos, alguns chegaram com 14, 15 anos, outros com 16, mas não chegaram formados, completaram a formação no FC Porto.
Qual é a sua marca na formação?
Método de treino. Os treinadores que trabalharam comigo e treinam agora na Ovarense e no V. Guimarães, ou que foram meus atletas, a sua construção do jogo no treino, a progressão pedagógica, a distribuição de conteúdos durante a semana, acho que tem a marca Moncho. Porque no jogo, as estratégias, as jogadas, como se faz uma reposição na linha lateral e na linha final, isso é mais universal, é de todos, nós copiamos uns aos outros. O método de treino caracteriza-nos muito. Nós formámos muitos treinadores no FC Porto que saíram porque conseguem ganhar mais dinheiro noutros clubes.
O duplo papel de selecionador nacional e treinador do FC Porto durou pouco.
Um ano e apareceram os problemas. O Benfica disse: “Este senhor não pode continuar na seleção. Ou o FC Porto ou a seleção”. O Mário Saldanha ligou-me e foi este o diálogo: "Quero-te na seleção, Moncho. Qual é o teu contrato no FC Porto?"; "O meu contrato no FC Porto é tal", "Não sei se podemos assumir"; "Mário, não é uma questão de dinheiro, eu não quero sair do Futebol Clube do Porto"; "Não faças isso, senão vais ter de sair da seleção", "Não é justo Mário, tenho um contrato assinado por ti que diz que eu posso fazer as duas coisas"; "Mas tenho muita pressão e tive uma reunião na Luz com um dirigente do Benfica que me disse que ao seres treinador do FC Porto e da seleção, influencias, vais levar atletas do Benfica para o FC Porto”. Não é verdade. Aconteceu um caso, o João Santos que veio para o FC Porto, mas eu até já tinha saído da seleção quando veio.
O que pesou na decisão de ficar no FC Porto e não na seleção? Não foi mesmo uma questão de dinheiro?
Não. Havia pouca diferença no meu ordenado, nunca estou confortável a falar de salários, mas posso dizer que era uma diferença de um, dois ou três por cento. Eu levava um ano no FC Porto, tinha ganhado a Taça da Liga e a Taça de Portugal.
Moncho com a primeira Taça de Portugal que conquistou pelo FC Porto
Moncho com a primeira Taça de Portugal que conquistou pelo FC Porto
PAULO CUNHA
Já tinha percebido a mística do FC Porto?
Sim. De repente tenho Fernando Assunção e Fernando Gomes a telefonar, com uma alegria tão grande por ganharmos a Taça da Liga numa final fabulosa com a Ovarense; ganhámos ao Benfica nas meias-finais, sofremos nos quartos de final, com o atual treinador do Futebol Clube do Porto, o Fernando Sá. Ver aquelas pessoas, um deles o Diogo Gomes, uma das pessoas mais brilhantes que conheci na minha vida, tão contentes porque o basquetebol do FC Porto voltou a ganhar um título foi algo que mexeu comigo. Recordo que viajámos de Lagoa para o Porto, parámos na Mealhada para comer leitão e chegaram carros com adeptos do Porto só para nos abraçar lá fora no parque. Isto é bom, é lindo, gostei. E havia um compromisso muito grande, que acho fundamental, com os atletas. Carlos Andrade, Nuno Marçal, Miguel Miranda, Greg Stemping queriam que eu continuasse como treinador do FC Porto. Um deles até se manifestou: “É triste que não continues na seleção, porque gostamos”. Mas eu decidi ficar no FC Porto pela mística que me envolveu e pelo compromisso pessoal com os atletas.
E para si o que é a mística do FC Porto?
Uma sensação muito agradável de pertença, de familiaridade. Não gostamos todos uns dos outros e às vezes discutimos. Alguns portistas falam muito mal de nós, nas costas, e isso dói-me, são muito críticos em contextos que não devem. Mas mesmo esses fazem parte da mística. É isso, é algo tribal realmente. Eu não sentira tanto isto no desporto em Espanha.
Passa também pela própria cidade?
Sem dúvida. Gosto da cidade, que muitas vezes é criticada comparativamente com a luz de Lisboa, com as grandes avenidas. Quando se quer desvalorizar o Porto diz-se que é mais fechado e escuro, não, não é. O Porto tem luz também, tem alegria, tem sons.
Que sons?
Sons de rua que para mim são agradáveis e aparecem em qualquer momento, numa janela ouve-se uma música do Porto. Nem toda a cidade faz parte da claque, mas ouvem-se esses sons, e há as cores, o azul e branco, depois algo que é se calhar um ponto de vista mais social, mais político, mais genético que é esta sensação regionalista, que para mim obviamente não é estranha. Sou galego, venho de uma região com cultura, com muita produção literária, com um idioma próprio, então aqui de alguma maneira também se transmite esse regionalismo, somos ambos do norte. Isto acaba por envolver. Nós, seres humanos, temos de retroceder ao paleolítico para perceber isto, porque é genético, é tribal, mas é bonito.
Pegando nesse tribalismo, sentiu que a maior rivalidade é com o Benfica, mais do que com qualquer outra equipa?
Sim. Se for preciso um adepto pára-me na rua e fala-me de uma vitória ao Benfica que se calhar aconteceu há três anos.
É quase como ganhar um título?
Queremos títulos e não vitórias morais, mas sim. Pela rivalidade e também porque no basquetebol, historicamente, a hegemonia é do Benfica. Eu joguei contra um Benfica orientado pelo Henrique Vieira, Carlos Lisboa e por Norberto Alves, três treinadores absolutamente diferentes, com plantéis diferentes, que jogam bem e ganham muito. Para o basquetebol do FC Porto provavelmente o Benfica é o grande adversário. Foi contra quem joguei mais finais. Fui campeão nacional quatro vezes no FC Porto, duas no primeiro escalão, duas na Proliga, e no primeiro escalão foi contra o Benfica que fui campeão nacional nas duas vezes.
Em 2012 quando o Benfica ganhou a final ao FC Porto, o treinador Carlos Lisboa teve um gesto provocatório ao qual reagiu dizendo: “Cada um sente o clube onde quer”. Ficou chocado com aquele comportamento do treinador do Benfica?
Eu fiz essas declarações numa entrevista. Claro que aquele gesto de Lisboa desafiou muito os adeptos, nunca vi nada assim e fui muito crítico. Pode-se festejar o título, pode-se levantar o punho, agora levar os dedos àquela parte... cada um sente o clube como quer, claro, foi provavelmente o que todos os adeptos do FC Porto gostavam de ter dito. Eu disse aquilo de forma consciente. Passados uns anos, Lisboa e eu falámos sobre isso numa fase final, julgo que em Sines.
O que lhe disse?
Entramos numa conversa de treinadores sobre as pressões que vamos sentindo, se somos aceites ou não e às tantas eu fiz um comentário: "Para o teu filho [Rafael Lisboa] é difícil jogar, os adeptos apertam com ele. Reconheço muita qualidade no teu filho, mas tu também, naquele dia em que fizeste aquilo..." e Carlos disse-me: "Gosto que me fales disso. Não estou nada orgulhoso. Que pena o que aconteceu, porque fiz aquilo a quente e contra uma pessoa. O meu objetivo era uma pessoa que estava na bancada”. Estou a falar por ele, e ele até pode sentir que tem de desmentir, mas foi o que me disse. E ainda acrescentou: "A minha mulher é do Porto, tenho família no Porto".
A dormir com a filha Julia, quando esta tinha dois meses
A dormir com a filha Julia, quando esta tinha dois meses
D.R.
Qual a realidade dos clubes com que se deparou quando começou a treinar o FC Porto?
Vi que havia muitos desequilíbrios. Mas quando tomei a realidade dos clubes, desapareceu a liga profissional e foi um grande erro. As diferenças aumentaram mais, sobretudo entre os que pertencem aos grandes clubes de futebol e os restantes. Na antiga liga de clubes era obrigatório ter uma estrutura mínima, tudo isso desapareceu. Entrámos num campeonato que se desenvolveu em moldes mais amadores. Mesmo assim é fabuloso o que se conseguiu e temos equipas portuguesas a competir na Europa. O Sporting fez uma época fabulosa na Europa; o Benfica no próximo ano vai poder entrar na Champions e acho que vai conseguir; nós no FCP fizemos seis épocas de FIBA Eurocup. Mas não sermos uma liga profissional de clubes faz com que algumas maneiras de funcionar sejam demasiado amadoras, ainda hoje.
Pode dar exemplos?
Faz-se um campeonato e um calendário de competição, começamos uma pré-época a 15 de agosto com esse calendário de competição, que depois a 20 de setembro se altera e na semana em que ias ter dois jogos, passas a ter só um, e onde ias ter uma folga passas a ter dois jogos e durante o campeonato isto repete-se. Tudo por pressões de clubes. E o meu clube, o FC Porto, também não é indiferente a isso. Estamos num mecanismo de interesses mais particulares de um clube e outro, que supostamente acabam por pressionar a federação e as pessoas. É horrível. Ou, por exemplo, começas uma época com três estrangeiros e de repente já podem ser quatro e os que eram naturalizados com passaporte português e podiam jogar como portugueses agora já não podem, ocupam vaga de estrangeiro. Isto já não acontece em Espanha há muitos anos.
Essas foram algumas das razões que o levaram a querer sair?
Isto cansou-me muito. Nunca me calei e como treinador do FC Porto quando sentia que tinha de reclamar internamente, fazia-o. Mas quando publicamente era para defender o interesse do meu clube, também o fiz. Tenho a sorte e sou privilegiado, como o treinador do Benfica e do Sporting, comparativamente com os outros treinadores, porque temos espaço, os nossos clubes têm canais próprios de comunicação. A nós ouviam-nos, aos outros não. Eu sempre disse que estas coisas não estavam bem, o que me criou desgaste.
De que forma sentia esse desgate?
Escrevi manuais de curso de treinador para a federação portuguesa e era convidado para muitas clínicas e conferências, para professor dos cursos de treinador. Comecei a perceber que as pessoas que interagiam muito comigo eram as mesmas que me pediam convites para entrar nos jogos do Real Madrid ou Barcelona e eu arranjava convites, eram as mesmas que me pediam para ir aos treinos do FCP e eu abria não só o pavilhão como as gavetas da minha secretária. Só que comecei a perceber que essas pessoas não gostam desta versão do Moncho. Depois há o episódio do final do campeonato do ano passado em que perdemos um jogo, eu faço umas declarações agressivas contra os árbitros e obviamente contra quem está a reger a modalidade. E senti este ano muita rejeição. Pessoas que diziam que eram minhas amigas, que me valorizavam muito.
Começou a sentir-se a mais?
Sim. Ou que me viraram as costas. Podiam ter sido mais compreensivas comigo, porque quem está no desporto entende que um treinador que perde um campeonato depois de um ano de trabalho num jogo em que objetivamente há erros de arbitragem que condicionam o resultado, pode ter uma reação a quente. Nós agora até podemos discutir, e se calhar é onde sou mais radical, se aquilo foi propositado ou não. Vamos pôr de lado se foi propositado ou não, há uns erros que condicionam o resultado da minha equipa e quando acabou o jogo, explodi, dei um pontapé num caixote de lixo e bati com a mão numa mesa, mas não parti a taça. Isso foi uma fake news, uma mentira de uma parte da comunicação social que disse que eu tinha partido a taça. É mentira. A taça partiu-se noutras circunstâncias. Foi uma reação a quente de um treinador.
As declarações também?
Não, as declarações são meditadas. Porque peguei no computador vi o jogo, analisei o vídeo, analisei as jogadas e quando fiz as declarações estou convicto do que digo. Mas senti este ano que, sobretudo as pessoas que eu achava que estavam muito próximas de mim e que durante esta época deviam ter mostrado alguma proximidade e solidariedade comigo, fizeram o contrário. Abriu-se uma ferida. Obviamente aceito e faz parte do jogo que a extrema rivalidade entre os clubes leve a que os treinadores dessas equipas mandem umas bocas contra mim. Acho normal. Posso gostar ou não, mas faz parte. Nunca o faço, nunca ponho em causa declarações dos outros. Mas pessoas que andaram sempre à minha volta e que podiam ter sido mais solidárias, afinal parece que me converti em alguém que está a mais no basquetebol português. Tive um comportamento sempre impecável. Não há em Portugal nenhum treinador nos últimos 13 anos que tenha falado mais vezes e melhor da arbitragem portuguesa do que eu. Não há. Mas aquilo que conta são aquelas declarações naquele jogo. É isso.
Com a bandeira do FC Porto às costas, quando ganhou o campeonato de 2016
Com a bandeira do FC Porto às costas, quando ganhou o campeonato de 2016
D.R.
Sente-se injustiçado?
Sim, depois de 13 anos o Moncho é o gajo que perdeu a cabeça, andou aos pontapés com o caixote de lixo e partiu a taça. Esse é o Moncho. É triste. E isto é um dos grandes motivos para decidir sair do FC Porto. Porque senti que estava a prejudicar o FC Porto. Em dezembro sentei-me com o meu diretor técnico e disse-lhe: "Acho que não posso continuar no FC Porto. Ser treinador do FC Porto cria um problema ao clube. Está toda a malta em pé de guerra contra nós. Estou a prejudicar até o meu adjunto. Provavelmente ele não é convidado para os cursos como professor ou não é convidado para selecionador ou adjunto das seleções porque neste momento o Moncho é o ogre do basquetebol português.
Passou a persona non grata?
Sim, senti isso.
Sai com uma grande mágoa.
Saio muito triste. Porque gostava muito de estar em Portugal e no FC Porto. E gostava que houvesse mais pessoas que, como eu, fazendo parte de um basquetebol tão envolvido como o espanhol e tendo outras possibilidades, viessem para Portugal, porque o basquetebol português merece e há pessoas em Portugal que merecem. Temos treinadores portugueses de um nível altíssimo, que não têm a sorte de estar no Benfica, FC Porto e Sporting, mas o basquetebol merece e necessita alimentar-se do que outros países, onde o campeonato está mais evoluído, podem dar. Decidi dar esse passo, vim para cá e não estou arrependido, esta é uma das etapas mais felizes da minha vida profissional e pessoal. Eu saio daqui com uma filha portuguesa. A Júlia nasceu em 2012. Saio daqui com grandíssimos amigos, saio daqui com família portuguesa. Saio a falar outro idioma. Falo português. Saio com um clube, sou adepto de um clube. Hoje, quando o FC Porto ganha ou perde jogos, altera o meu estado de ânimo para bem ou para mal. Não sou um adepto muito radical, mas tenho essa paixão pelo clube e vou acompanhar. Trabalhei muito para o basquetebol português, dei muito de mim ao basquetebol, a treinadores, ajudei a formar treinadores.
Houve falta de reconhecimento?
Não. Mas é injusto cobrar-me dessa maneira um pontapé num caixote de lixo. É injusto. É desproporcionado. Há pessoas no desporto que têm reações a quente e podem fazer autênticos disparates e são geniais. Sobretudo se se trata de um jogador, de qualquer modalidade, pode fazer a maior asneira, mais burra e nojenta que possamos imaginar, que haverá sempre alguém a dizer que é um génio. Quando se trata de um treinador, é mais complicado e se esse treinador é do FC Porto ou do Benfica, estás tramado.
Mas assume que foi uma reação que não devia ter tido?
Obviamente que sim. Se voltássemos atrás eu não dava o pontapé do caixote de lixo nem batia com a mão na mesa, mas provavelmente as minhas declarações iam ser muito semelhantes. Porque são após ver o vídeo e de ir à procura de coisas em que me senti prejudicado. A arbitragem teve influência naquele resultado e lamento muito.
Porque é que esses erros ocorreram?
Entra num tema mais delicado. São árbitros de muita qualidade. Os três. Muito bons mesmo, falamos de muito qualidade não só em Portugal, no contexto mundial. A mim, custa-me aceitar que não foram propositados, sendo tão bons árbitros. Acho que acontecem coisas por omissão. Deixam de apitar. Eles podem ter as suas razões. Podem até pensar: que decidam os intervenientes. Mas deixar de apitar algumas coisas também altera o resultado.
Foram erros devidos a corrupção, apenas clubismo ou a ambos?
Não sei responder, honestamente. Por corrupção penso que não. É como se houvesse uma sensação de que se o FC Porto não ganhar o campeonato, não faz mal, está tudo bem. O trabalho deles é muito bom. Mas a realidade é que são humanos e vivem sob pressão, como nós. Eles têm de tomar decisões com as pulsações elevadas, em décimas de segundo, sem ter sempre a melhor perceção visual. Mas eu cheguei àquele jogo com a sensação de que se o FC Porto não ganhasse o campeonato não era nenhum problema, até era bom para o basquetebol português. O último campeonato que ganhei foi em 2016 e desde esse campeonato ganhamos alguns títulos, mas foram taças. A realidade é que o FC Porto chegou às finais e não as ganhou, era eu o treinador.
No dia da entrevista à Tribuna, no Porto
No dia da entrevista à Tribuna, no Porto
RUI DUARTE SILVA
Sentiu muito essa pressão no FC Porto de chegar às finais e não ganhar?
Sim. Era-me cobrado: “Com este treinador vamos às finais e não as ganhamos”. Ganhámos algumas. Nos dez anos anteriores à minha chegada só se ganhou um campeonato. Dos 12 anos que estive no FC Porto, 10 na primeira divisão, só num ano ficamos nas meias-finais, de resto discutimos sempre a final. O que acontecia no ano anterior à minha chegada é que o FC Porto era eliminado nos quartos de final do play-off.
É verdade que gosta mais de ver treinos do que jogos?
Sei que fui criticado por isso. Aqui em Portugal houve quem dissesse "o Moncho é um treinador de treinos, gosta mais de treinar do que orientar". Ouvi algumas bocas nesse sentido por manifestar o meu prazer pelo treino. Mas a verdade é que digo sempre nas clínicas que faço: desfrutem do basquetebol de segunda a sábado, não se foquem só no jogo. Não sejam treinadores de domingo. Para mim, a segunda-feira de manhã, quando preparo o meu treino da tarde, é um momento de prazer absoluto. Desfruto, desenhando exercícios, pensando se vou ter grupos de três ou de quatro.
No FC Porto ia observar os treinos de quem?
Dos treinadores da formação, muitos. Adorava.
Se pudesse também ia ver treinos dos adversários?
Aqui não se permite. Em Espanha, um treinador que esteja no desemprego pode ir assistir aos treinos das equipas, mesmo que passado uma semana seja o treinador de uma outra equipa. A quantidade de treinadores que tive em Espanha a acompanhar a minha pré-época, a ver os meus treinos, porque estavam desempregados, foi enorme. E passados dois meses eram capazes de pegar numa equipa adversária.
Isso não o incomodava?
Nunca. Uma das minhas grandes contribuições é ter as portas abertas para todos. Nunca disse não a quem queria ver os meus treinos. Não só abro o treino, como abro o caderno, o computador, as gavetas do gabinete. Lembro-me de estar no meu gabinete e imprimir play-books, livros de jogadas, planos de treino, ou enviar por correio eletrónico. Sou um grande produtor de documentos, sou muito organizado, todos os planos de treino estão feitos e guardados, há muito planeamento e sempre partilhei com todas as pessoas, mesmo com treinadores que sabia que podiam ser os meus adversários.
Nunca foi criticado no próprio clube por fazer isso?
Às vezes criei com os meus treinadores da formação do FC Porto algum desconforto e eles faziam-me essa queixinha carinhosa, de que treinadores de outros clubes, de sub-16, vinham aos meus treinos da equipa sénior e eu podia estar a trabalhar e a fazer exercícios, a desenvolver alguns conceitos que eram transversais aos escalões da formação do FC Porto. Eles diziam: "Moncho, estás a dar informação que serve depois ao adversário".
E não estava?
Não acredito. Uma das grandes riquezas do desporto é a partilha. Os conceitos técnicos, as filosofias de jogo, os métodos não são propriedade intelectual de ninguém, são de todos. Vejo as coisas assim. Mesmo aquilo que posso pensar que fui eu que inventei, provavelmente alguém na Nova Zelândia, nos EUA, ou na Austrália está a fazer. É de todos. E tenho um prazer enorme em partilhar.
Porque gostava de ouvir as canções "Pronúncia do norte" e "Porto Sentido" antes dos jogos?
A "Pronúncia do Norte" só pus uma vez. O "Porto Sentido", sim, ouvia. Era o meu momento de relaxamento. Não era para a equipa, nunca foi para os atletas. Era só para mim, e não era no balneário, era no meu gabinete. Eu fazia a preleção no balneário, os atletas saiam para aquecer e eu entrava no meu gabinete e aí, muitas vezes sozinho, outras vezes com a preparadora física, Mariza Vieira, ou com o meu adjunto Diogo Gomes, ouvíamos o "Porto Sentido". Gosto dessa música, gosto de Rui Veloso e Carlos Tê.
Como preletor do curso de treinadores Grau 3, em Espanha, 2019
Como preletor do curso de treinadores Grau 3, em Espanha, 2019
D.R.
Como foi a relação com o presidente Pinto da Costa? Com que opinião ficou dele?
Obrigado por perguntar-me, porque queria falar. Primeiro saio sem me despedir dele, sem falar com ele, e tenho pena.
Porque saiu sem falar com ele?
Não tive essa oportunidade.
Procurou essa oportunidade?
A última vez que estive com ele, ainda não tinha acabado o campeonato, eu já sabia que ia sair e ele esteve comigo, no meu gabinete. Estivemos sozinhos. Lembro-me que estava a comer uma maçã e ficamos a falar um bocadinho antes do jogo. Estive para lhe dizer que ia embora, mas pensei, isto é inoportuno, tenho um jogo agora. Era a meia-final contra o Sporting. Decidi que não ia ficar em dezembro, em janeiro tive dúvidas, em fevereiro o diretor-desportivo tentou convencer-me, mas quando decidi sair mesmo ele não sabia. O diretor-desportivo sabia há muito tempo, só que dizia que não acreditava, que conseguia convencer-me.
Acredita mesmo que ninguém transmitiu ao presidente que tinha decidido sair?
Acho que o diretor-desportivo não lhe transmitiu isso. Antes da final, o diretor do basquete, Vítor Hugo, veio ter comigo: "É verdade que vais sair? Porque não me disseste nada antes?"; "Eu disse ao diretor-desportivo há muito tempo. Não te disse porque não queria as pressões do 'tens de ficar'". Eles tentaram convencer-me a ficar, tenho a certeza que gostam muito de mim e que estão satisfeitos com o meu trabalho, não tenho nenhuma dúvida. Decidi sair antes de saber o desfecho da época, e ainda bem. Aliás, na época anterior à pandemia eu pus o meu cargo à disposição.
Porquê?
Na altura disse ao Vítor Hugo: "Vou embora, não se ganhou nada, vim cá para ganhar títulos". Ele não aceitou. Este ano decidi sair sem saber se ia ganhar ou não. E tinha expectativas de ganhar a taça e o campeonato. Mas voltando ao presidente, o diretor-desportivo sabia há muito tempo, o Vítor Hugo soube antes da final e no último jogo o Pinto da Costa não estava. Eu avisei que ia despedir-me na conferência de imprensa depois do jogo. Pedi ao Vítor Hugo para explicar ao presidente porque é que eu saía e pedi-lhe para se despedir dele por mim. Nisto estou tranquilo porque o Vítor Hugo disse-me que o iria fazer.
Esperava que Pinto da Costa o chamasse após saber da sua saída?
Não é necessário que me chame. Deu-me muitas mostras de apoio e de carinho, confio que alguém lhe explicou. Claro que se o fizesse dava-me a oportunidade de despedir-me, de palavra, mas confio que o Vítor Hugo tenha transmitido ao presidente porque vou embora.
Contava ter outra despedida no FC Porto após tantos anos, ser homenageado de outra forma?
Eu não saio campeão, portanto… Não estava à espera de algo diferente. Se pergunta: Gostava? Eu digo-lhe, gostava de sair campeão. Para mim é cruel, é duro que o meu último jogo como treinador do Futebol Clube do Porto seja uma derrota contra o Benfica, em casa. E não é a derrota em si contra o Benfica, porque perdi tantas coisas e ganhei também. Nós treinadores ficamos dias sem dormir, mas faz parte, senão não te dedicas a ser treinador. Não me magoa perder com o Benfica, agora, uma coisa que tenho entalado é que a minha equipa não competiu. O mais triste para mim, é que no meu último jogo como treinador do FC Porto, os meus atletas não conseguiram competir.
Porquê?
Julgo que veio ao de cima a pressão de sentir que não íamos ganhar. Havia lesões gravíssimas de dois jogadores muito importantes, rotura do tendão rotuliano do poste americano, rotura do isquiotibial do base Kloof. Não competir é o que mais me magoa porque acho que os adeptos não mereciam. Quando acabou o jogo abracei-me a chorar aos adeptos, pedi-lhes desculpa, mas não era por perder, era porque a equipa não competiu. Podíamos ter jogado contra o Benfica e perder, porque o Benfica é muito bom, mas havia que competir.
Admite ter sido também um baixar de braços por saberem que ia embora?
Só um jogador sabia que eu ia embora. Penso que foi um bloqueio psicológico, perder a capacidade de discernimento do jogo por sentires que não podes ganhar. Não tem nada a ver com saberem que eu ia sair. O Benfica apresentou-se forte, jogou bem, nós entrámos mal no jogo, quando estamos a recuperar, um dos jogadores mais importantes rompe o isquiotibial. Nos dois jogos contra o Benfica em casa, na primeira parte lesionou-se o poste, rompeu o rotuliano e a equipa respondeu bem e no segundo jogo lesionou-se outro jogador e aí a equipa não teve essa capacidade psicológica de resposta. Depois há obviamente as questões técnicas de encontrar soluções, eu de repente estou sem aquele poste e procuro soluções técnico e táticas que não funcionam, assumo também. Não tem nada a ver com eles saberem ou não que eu ia sair. Até porque não somos assim tão influentes, os treinadores.
Como assim não são influentes?
Não somos tão influentes nos jogos. Somos influentes na construção da equipa no verão, na escolha de atletas e no processo de trabalho a longo prazo. Nós, treinadores de basquete, somos demasiado vaidosos, porque podemos ter descontos de tempo, intervir, pensamos que ganhamos nós, e tal. Não. Tenho colegas que não gostam de saber isto, mas já o disse muitas vezes, o treinador não é tão influente na vitória. Daí a importância do treino.
Encontrou-se muitas vezes com Pinto da Costa?
Os meus encontros com o Pinto da Costa foram sempre em contexto fundamentalmente de jogo e de competição. Quando ele vinha ao pavilhão, cumprimentava-nos e falava comigo antes do jogo, sempre foi muito agradável. Depois víamo-nos na entrega de troféus, naqueles eventos que o clube organiza, os jantares de natal, Dragão de Ouro. O Pinto da Costa entregou-me pessoalmente um Dragão de Ouro e teve umas palavras para mim. Sempre me assumiu como portista, nunca pôs em causa o meu portismo. Falava de mim como o treinador galego, um galego portuense, chamou-me portuense, não só portista. É muito inteligente Pinto da Costa, quando diz estas coisas sabe o que diz. Quando me chama portuense, não só portista, sabe que eu gosto que me definam assim. Este ano entregou-me o segundo Dragão de Ouro, tenho dois e para mim são valiosíssimos. Há muitos colegas meus campeões e habitualmente quando ganham tudo dão-lhes o Dragão de Ouro. A mim, deu-me o Dragão de Ouro quando treinava a equipa de sub-20 na Proliga. E dá-me outro após perder a final do play-off contra o Sporting, no ano passado. Estes Dragões de Ouro são importantes também porque são uma demonstração do clube, de Pinto da Costa e de quem decide com ele, de que vêm algo mais do que resultados. Sempre foi muito carinhoso comigo e tenho respeito por ele. Mas é engraçado como toda a gente me pergunta como é Pinto da Costa [risos].
Quem mais pergunta?
Posso contar um episódio que serve de exemplo. O ano passado jogou-se a final da Champions no Estádio do Dragão. Fui encontrar-me com um amigo jornalista no Café Batalha e, quando cheguei, estava lá o Jorge Valdano, uma figura do futebol mundial, foi treinador e diretor-geral do Real Madrid e neste momento é um colunista de diferentes meios espanhóis. Jorge Valdano viu-me, lembrava-se de mim quando eu era selecionador de Espanha e falámos. “Moncho estás no FC Porto. Olha, como é trabalhar com o Pinto da Costa?”; “Vou fazer-te eu a pergunta, Jorge: qual é a tua opinião do Pinto da Costa?”; “Como presidente é duríssimo nas negociações, duríssimo. Mas sabes, um presidente destes clubes tem de ser assim. E tu gostas dele?”; “Gosto, gosto muito”. Mas por isso tenho este respeito pela figura do Pinto da Costa, porque vejo que realmente no meu país é reconhecido.
Com a filha Julia na cidade do Porto, no natal de 2019
Com a filha Julia na cidade do Porto, no natal de 2019
D.R.
Ao longo destes anos qual foi o jogador português que mais o surpreendeu pela positiva?
Custa-me dizer-lhe só um... Por talento e por aquilo que pode vir a ser, o jovem Francisco Amarante. Não sei o que vai acontecer com ele, na sua carreira, mas poderá ser um jogador de patamares mais elevados do que o basquetebol português. Ele está muito ligado ao Porto, sei que renovou e vai ficar. Da minha primeira etapa na seleção, o Carlos Andrade foi uma figura importante. Um atleta que foi depois meu jogador no FC Porto e que é um atleta que tem quase tudo o que um treinador quer. É bom no dia a dia, no balneário, competitivo, apaixonado pelo basquete, muito bom. Custa-me não dizer outros, mas digo estes dois.
O que um atleta tem de ter à partida para garantir uma boa relação consigo?
Gostar do treino. Não é habitual ter problemas com atletas, mas os que tive, as dificuldades de adaptação que tiveram comigo alguns, foram aqueles que ou porque têm muito talento, ou porque têm muita experiência, já estão numa fase de conforto em relação ao treino, já não têm motivação intrínseca. Para eles já não é importante ganhar velocidade, não vale a pena o esforço de ser melhor com a mão esquerda. Esses atletas comigo sofrem e tento não recrutar esse tipo de atletas.
Como faz o recrutamento de atletas? O que conta mais?
Eu falo muito com os atletas antes de os contratar. Todos os jogadores estrangeiros que contratei no FC Porto, antes de falar com o empresário, eu telefonava-lhes e explicava: eu treino assim e quero fazer isto assim, vejo isto em ti e falei com o teu treinador da França e falei com o teu treinador da Roménia e disseram-me isto de ti... E quero que telefones a este atleta, por favor, quero que saibas a opinião que ele tem de mim. Houve alguns atletas que me disseram: “Coach, acho que não nos vamos dar bem e é melhor não avançarmos”. Houve outros que me disseram que sim e houve ainda outros que se enganaram, quiseram enganar-me a mim e enganaram-se a eles.
Qual foi o pior problema de balneário que teve em Portugal?
No meu primeiro ano ganhamos uma taça, julgo que em Lagoa e no regresso parámos em Cantanhede, na Mealhada. Vinham só os atletas e a equipa técnica e de repente dois atletas começaram a discutir e quase se pegaram à porrada. Lá os conseguimos separar, mas durante 15, 20 segundos houve uma agressividade tão grande entre um e outro que eu pensei: isto não tem solução.
Percebeu qual o motivo?
Depois soube que o que houve entre eles começou com uma brincadeira, uma boca, imagino que tenha a ver com alguma namorada. Um dos dois esticou-se, ultrapassou o que o outro considerava o limite e aquilo descontrolou-se. Era um dia de muitas emoções, não vou negar que se calhar algum bebeu mais dois copos de vinho do que devia e tivemos que os separar. No dia seguinte tivemos uma reunião, com o Fernando Gomes, o Fernando Assunção, eu, o capitão, que não era nenhum dos dois envolvidos, e perguntaram-me o que é que eu faria, e eu respondi: "Os dois vão embora, não conto com nenhum dos dois". O Fernando Gomes olhou para mim: “Mas tu sabes o que isso significa? Não sei se consigo trazer outros da mesma qualidade e a equipa tem boa pinta, parece que podemos ganhar coisas. Vamos tentar solucionar”; “Para mim isto é inconcebível e acho que não tem solução, receio que no treino volte a acontecer”. Mas convenceram-me: “Moncho, vamos tentar, estaremos mais atentos. Se daqui a uns dias, tu mantiveres a tua posição, de que temos que despedir os dois, assim o faremos”. Estive duas semanas a treinar e realmente os atletas comportaram-se bem, mas eu fiquei com aquele peso de consciência de que o correto seria mandá-los embora e estava a engolir um sapo.
Hoje ainda pensa assim?
Não, hoje penso que fiz bem em ouvi-los. São pessoas que conhecem bem o desporto e que levam mais anos do que eu nisto. Eu percebi que a relação entre os dois atletas não voltou ao normal, mas durante toda a época houve um alerta de todos para controlar aquilo, que se calhar até nos beneficiou. Mas no FC Porto esta foi a situação mais difícil.
Qual foi o título que mais gozo deu-lhe conquistar no FC Porto?
O primeiro, a Taça Hugo dos Santos, em Lagoa. E o campeonato que ganhámos quando voltamos para a Liga, com uma equipa que não era candidata a nada e vencemos um Benfica que era tetra campeão.
No Porto, no dia em que foi entrevistado por Tribuna
No Porto, no dia em que foi entrevistado por Tribuna
RUI DUARTE SILVA
Gostava de um dia voltar ao FC Porto?
Não saio a pensar que tenho de voltar. Vou falar de uma pessoa que às vezes faz-me pensar na minha saída. No FC Porto conheci uma das pessoas mais brilhantes com quem trabalhei, que me impressionou - e eu trabalhei em clubes da primeira liga espanhola, trabalhei na federação de Espanha: Antero Henrique. Ver o Antero Henrique trabalhar e trabalhar com ele fez-me sentir que estava num nível alto, de excelência em relação ao desporto. Não tenho dúvida das capacidades desta pessoa. E não é meu amigo. Mas Antero Henrique saiu e parece que nunca esteve no FC Porto. Às vezes penso nisso, dá-me a sensação de que os que saem já não voltam e parece que são apagados. Somos pessoas que demos muito ao FC Porto, que continuamos a ser embaixadores do FC Porto, lá onde estamos, e que provavelmente no futuro podemos ser valiosos e competentes para o FC Porto. Eu saio um bocado com a preocupação de que se algum dia o FC Porto precisar de mim e eu estiver em condições de voltar, a porta não se abra. Teria pena. Quero pensar que não vai acontecer.
Que marca deixa no clube?
Penso que é colocar a equipa a discutir sempre os títulos, todos, num período prolongado. Há um treinador que ganhou mais títulos do que eu, o Jorge Araújo, mas que esteve muitos mais anos do que eu, esteve 17 anos. Se realmente pensarmos no que fiz, estive só 10 anos na liga e um deles é o da pandemia. Portanto, a probabilidade que tive de ganhar títulos é nove. O Jorge Araújo, que é um treinador espetacular, esteve lá 17. Ou seja, acho que consegui, como o Jorge Araújo conseguiu, pôr a equipa de basquetebol num período prolongado de anos num nível muito alto e ao mesmo tempo formar jogadores. Lançar jogadores será a marca do Moncho López.
Quer recordar alguns deles?
Muitos deles fazem parte da equipa sénior e são muito importantes, como o Amarante, Vladyslav Voytso. Temos jogadores que lancei, saíram, mas estão a voltar agora ao Futebol Clube do Porto. No ano passado, em 12 equipas da liga, em onze ou dez delas havia atletas Dragon Force, ou formados no FC Porto, ou lançados por mim, jovens. Em Espanha isto é valorizado. A mim o que me interessa é que os atletas que foram sub-16, sub-18 e sub-20 no FC Porto, agora são campeões nacionais no Oliveirense, foram campeões nacionais no Sporting, jogam no Lusitânia, temos três no Vitória de Guimarães, três no Esgueira, dois no Imortal. Para mim isso é a marca do Moncho. Os críticos do FC Porto, os que querem abafar o nome do Moncho dizem que não foi assim tão bom trabalho porque estão noutros clubes, não ficaram no FC Porto. É habitualmente o que se diz, mas para mim isso é um ponto de vista bastante redutor.
Moncho Lopez treinou o FC Porto durante 12 anos
Moncho Lopez treinou o FC Porto durante 12 anos
Borja B. Hojas
Vai agora para um país, o Japão, cujos olhos estão na NBA. A ideia é entrar no espírito ou mudar mentalidades?
O modelo que se segue lá é da NBA. Pavilhões com mais de 5000 espectadores, cheerleaders, palcos VIP; o próprio modelo do sistema de competição da liga é semelhante ao da NBA. Vou com a ideia de adaptar-me à mentalidade deles. São anos de contactos com o Japão, a ter conversas, a observar. Tenho lá um bom amigo que foi meu adjunto em Espanha, já lá está há três anos, falei muito com ele. De alguma maneira também fui criando esta expectativa de que poderia ser interessante ir para o Japão. Não tenho ideia de mudar nada, mas obviamente a minha equipa terá a minha maneira de encarar o basquetebol. Claro que vou desfrutar dos pavilhões de mais de 5000 espectadores, dos grandes patrocínios, do espetáculo que há por fora, não tenho dúvida.
O que o alicia no desafio de orientar o Rizing Zephyr Fukuoka, que está na II divisão?
Primeiro o Japão anda há anos a chamar-me, há cinco ou seis anos que os clubes no Japão, e sobretudo a federação do Japão, tentam convencer-me a ir para lá. Quando decidi sair do Porto ouvi novamente um clube japonês. O presidente desse clube falou comigo, não escondeu que foi a federação do Japão que lhe disse para estar atento a este treinador que em Portugal está a fazer isto e que gostavam que viesse para o basquetebol japonês. O que me alicia é isto, sinto que não é só um clube que me quer, mas também que na federação há uma ideia de que posso contribuir para o basquetebol japonês, que está numa fase de expansão brutal. A seleção do Japão no último ano, subiu doze postos no ranking FIBA, tem dois atletas na NBA, o Rui Hachimura e o Yuta Watanabe.
Já esteve no Japão?
Não.
Que ideia tem do Japão?
Do Japão tenho a imagem de um país muito avançado, uma potência económica, industrial e tecnológica mundial, mas, ao mesmo tempo, um país muito ligado culturalmente a costumes ancestrais, com muito respeito pelos antepassados, pelas imagens e figuras, sejam religiosas ou não, do passado e dessas tradições. Gosto disso. Pelo que vejo através dos diferentes mecanismos de conhecimento de um país, internet ou televisão, acho que é um país muito bonito que quero conhecer e desfrutar.
Espera encontrar jogadores com uma mentalidade mais parecida com a sua no trabalho, no respeito pelas regras, etc.?
Pelo que me contam os três colegas espanhóis que lá estiveram, eles têm uma mentalidade de trabalhar, treinar e têm motivação intrínseca. A perspetiva de carreira é grande, pagam muito bem, as equipas têm orçamentos que me surpreenderam. Não tem comparação obviamente com Portugal, os orçamentos que eles têm surpreenderam-me mesmo comparando com outras ligas europeias que têm outro nível. Um jogador japonês que se dedique ao basquetebol tem a motivação intrínseca e extrínseca, há benefícios. Já me disseram que não vou ter problemas de adaptação a esse nível porque os atletas trabalham, querem treinar e valorizam muito o treinador professor, o treinador que ensina.
A sua mulher e filha reagiram bem à ideia de irem viver para o Japão?
Há uns anos quando falaram comigo do Japão, eu não queria sair do Porto, mas em casa fazíamos essa brincadeira: se eu fosse para lá, como era? A minha mulher, Iolanda, e a minha filha, Julia, rotundamente diziam: “Não. Nós não vamos, vais sozinho”. Mas este ano algo mudou e acho que foi por não ter conseguido disfarçar em casa o meu sentimento de que estou a mais em Portugal, que me sinto rejeitado e que tinha de sair. Então, quando disse à minha esposa que tinha novamente um convite do Japão, um bom contrato, ela disse-me: "Se tu quiseres, vamos”. Colocámos a questão à Júlia: “Vamos falar de três possibilidades. O papá vai para o Japão e tu e a mamã ficam a morar no Porto, continuas aqui na escola. O papá vai para o Japão e tu e a mamã vão para Espanha, aproximamo-nos do contexto familiar. Ou o papá vai para o Japão e a mamã e tu vão para o Japão". E ela respondeu: "Não quero separar-me do papá. Vamos os três para o Japão".
Assinou por quanto tempo?
O contrato é de três anos, mas no segundo ano tenho possibilidade de sair, é dois mais um.
Qual é a sua maior ambição no Japão?
Obviamente que o dinheiro é importante e a diferença financeira é grande comparando com Portugal, mas o meu objetivo é fazer algo semelhante ao que fiz aqui. Gostava de fazer carreira, gostava de ficar no Japão um período de anos, seis, sete, oito, dez anos e que passados esses anos, na seleção do Japão, houvesse três, quatro, cinco jogadores que passaram pelas minhas mãos e que na liga houvesse um estilo Moncho. Como há aqui agora, vê jogar a Oliveirense, a Ovarense e o basquetebol é daqueles treinadores, mas percebe-se que há ali Moncho, e mesmo treinadores que não trabalharam comigo, eu revejo algumas coisas.
O que é o estilo Moncho?
Um basquetebol de muito passe, de muita partilha da bola, muito de campo inteiro, de construir desde que tens a posse da bola. É um basquetebol que dá liberdade ao atleta, mas construímos a fase de contra-ataque e de transição, que é muito rica, oferecemos muitas possibilidades ao atleta de decidir. Mas é um jogo que idealmente não tem interrupções, não é um jogo aos soluços. As equipas do Moncho têm um jogo muito continuo, muito non-stop game, muito fluído e de muito passe. Criticavam-me: "Os americanos do Moncho não rendem porque nunca estão nos rankings estatísticos nas primeiras posições". É muito difícil que um jogador meu faça 25 lançamentos por ser ele o melhor jogador e vamos dar a bola só a ele.
Gostaria de terminar a carreira em Portugal?
Parece uma incongruência com isto que lhe disse, de fazer carreira no Japão, mas gostava, claro. Eu vou voltar a Portugal, é a minha casa. Eu venho ao Porto, eu gosto muito de Portugal e mantenho-me ligado. Acabar a carreira cá? Se a minha carreira evoluir para algo mais do que ser treinador, poderia vir a ser um diretor técnico, um team manager de uma equipa, obviamente que gostava muito que fosse no Porto. Não me estou a candidatar para isso, mas gostava.
Quando fala em regressar a Portugal, refere-se apenas ao FC Porto ou abre a possibilidade de treinar outras equipas em Portugal?
Se for dentro de 10 anos é possível, neste momento não conseguiria, não estou preparado para isso. Tive um convite que não aceitei de uma equipa europeia, que pode jogar na FIBA Europe Cup. Mas na FIBA Europe Cup eu poderia encontrar o FC Porto, o Benfica ou o Sporting. Não estou preparado para jogar contra o Futebol Clube do Porto, nem me apetece jogar contra outras equipas portuguesas. Se lhe dissesse agora que poderia voltar a Portugal para trabalhar numa equipa que não o FC Porto, custa-me muito, mas tenho de fazer um exercício de raciocínio e dizer-lhe que provavelmente se as circunstâncias se dão, eu sou um profissional.
Leia no domingo a parte II da entrevista a Moncho López
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Bem vindo a 'casa' , meu amigo!Moncho López será o adestrador principal do Club Ourense Baloncesto para as dúas próximas tempadas
Moncho López será o adestrador principal do Club Ourense Baloncesto para as dúas próximas tempadas, 2024/2025 e 2025/2026, traendo consigo a súa gran experiencia.www.clubourensebaloncesto.com
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