dragon_lorde disse:
PLANETA DO FUTEBOL - Luís Freitas Lobo lança um olhar tático sobre a final da Taça da Liga, em que o Sporting bateu o FC Porto no desempate por grandes penalidades.
1 - Os últimos minutos duma equipa que está a perder e foi dominada, antes, quase todo o jogo são do mais imprevisível e perigoso. Estranho? Não. Esse alerta vem do facto de que, nesses últimos minutos, tudo o que antes determinou a ordem do jogo pode, num ápice, ir para o cesto dos papéis, porque essa equipa vai passar a promover o caos em campo. Mete mais avançados, torna o sistema anárquico, sobe até centrais para pontas de lança, enfia a bola direta na frente sem ninguém saber onde vai cair, luta pelas segundas bolas/ressaltos como nunca fez. Onde ficam a anterior ordem e o poder de controlo sobre tudo isto? Mesmo que a equipa que está a ganhar queira meter gelo no jogo, o que, taticamente, Sérgio Conceição fez ao meter Danilo e passar para 4x3x3, a fim de fechar o jogo no meio-campo, é difícil segurar a bola com este estado de ânimo enfiado no jogo. E, assim, essa equipa também recua, naturalmente, para segurar os curtos minutos que faltam.
2 - O Sporting fizera uma primeira parte de controlo do meio-campo com o triângulo de apoios mútuos Gudelj-Wendel-Bruno Fernandes. Retirou a pressão alta portista ao antecipar-se taticamente nesses espaços.
Já não o conseguiu fazer na segunda parte. A intensidade portista subiu para os níveis altos habituais, forçou o onze leonino a fechar-se atrás e o golo apareceu. 1-0. Foi então que surgiram os tais minutos finais anárquicos, que brincam tantas vezes com o que seria a lógica do resultado em função da lógica maior do jogo.
O irónico, em nome da técnica e tática que contrariam esse súbito triunfo do caos final sobre a lucidez antes tanto tempo imposta, é ver jogadores que, mesmo nesse habitat de ansiedade, metem classe e visão de passe. Eles dizem que, mesmo nestas alturas, não é só ter atirar a bola para perto da baliza. É preciso critério.
3 - Nomes próprios dessa superior noção de jogo no meio da ansiedade e caos: Nani e Bruno Fernandes. Enquanto outros despejavam, eles tocavam e circulavam. As jogadas/momentos de jogo que precederam o lance do penálti tiveram Nani a ler o jogo com critério no reconhecimento do espaço/flanco por onde a bola devia entrar, fazendo essa circulação de passe com precisão.
E mesmo após o 1-1, Bruno Fernandes, pressionado em cima, fez um passe em arco notável que isolou Raphinha. A saída rápida de Vaná negou o golo que mostraria como, até no caos, é a lucidez e classe dos seres tático-técnicos superiores que ganha jogos.
Cada jogo tem o seu tempo para os melhores jogadores, por fim, puxarem do seu estatuto. Como Nani. Não é já o craque que decide sozinho do passado, mas quando reativa o seu melhor radar tático-técnico de jogo, continua acima nos momentos decisivos.
O problema do Sporting
Ao contrário do que se pensa, porque é quando está a defender mais atrás, não é nesse momento, colocando-se (por opção ou obrigação) em bloco baixo a defender, que o Sporting se sente mais inconfortável no jogo. Nesse momento, a equipa sabe posicionar-se em organização defensiva com rigor e fecha bem em largura. Tem dificuldade com o n.º 6, Gudelj, porque ele não é um pivô de origem (sai a encurtar em vez de ficar na posição), mas nunca perde a coesão com linhas juntas e retira profundidade ao adversário (viu-se contra o FC Porto).
Onde a equipa tem maiores problemas é na transição defensiva, quando está a jogar com bloco mais subido e perde a bola, ficando então exposta à... transição ofensiva rápida adversária, que apanha muitas vezes o posicionamento leonino defensivo desequilibrado e sem controlar a profundidade. Não defende bem com o meio-campo (pressiona pouco, e aqui está mais uma vez o problema de lhe faltar um n.º 6 pivô defensivo de verdade). É quando sente mais dificuldades no jogo. Keizer sabe disso e é essa a razão porque baixa, naturalmente, o bloco.
Em quem confiar?
Se há critério em que não se pode falhar na hora de contratar um reforço de inverno, é ele (jogando ou adaptando-se melhor ou pior) ser daqueles em quem se pode confiar incondicionalmente a nível de carácter, sem dilemas ou antigos amuos. Fernando é esse tipo de jogador. Em cada jogada, desafia-se a si próprio e é elogiado por unanimidade, mesmo falhando. Viu-se como entrou com Benfica e Sporting (e marcou nos dois). Não é por acaso, nem por ser um... craque. É porque podem confiar nele.
Luiz Phellype tem, em potencial, muito mais talento do que Fernando, mas está longe, porém, de ser um jogador em quem se possa confiar. Tem tendência a engordar e, no Paços, andava de cara fechada e nem golos festejava. Jogou de início com o Braga. Esteve em campo 45 minutos. Parece melhor fisicamente, mas tem um inimigo de carácter dentro dele que o impede de ser o "que é" (ou devia ser).
Não é preciso conhecer a fundo os jogadores no plano humano ou chamar um psicólogo para interpretar este futebol bipolar. Basta olhar para eles no jogo.
Observando a estrelas
Jhonatan (Moreirense) - No elogio tático ao Moreirense de Ivo Vieira, esquece-se (mea-culpa) muitas vezes a importância do "1" que está por trás do 1x4x2x3x1. Jhonatan Vieira é dos guarda-redes de que mais gosto nesta I Liga. Um brasileiro sóbrio entre os postes, sem saídas a destempo, seguro a atacar a bola na pequena área ou na elasticidade para defesas à queima-roupa (de instinto, dizem, mas que reflete é concentração e sentido de onde deve estar/aguentar). Com 27 anos (1,89 m e 75 kg), veio do Joinville há duas épocas. Para saltar.
Estrela (Varzim) - Pode parecer, em primeira análise, um pivô essencialmente destrutivo, mas vendo jogar mais vezes o angolano Estrela no meio-campo do Varzim (onde está há três épocas, vindo do APOEL e dos EUA, após ter chegado para o Benfica B em 2013), vejo um médio-centro resistente (1,73 m e 72 kg), ágil, esclarecido no jogo (a tomar decisões de passar/soltar a bola), agressivo e com bom sentido posicional. Aos 23 anos, gostava de o ver num nível mais alto. Com valor para equipa média da I Liga.