Por outras palavras, de acordo com a conceção subjacente ao regime legal aprovado pela Lei n.º 38/2018 «o masculino e o feminino são apresentados como criações de uma maioria cultural dominante que, através de um discurso hegemónico, perpetua desigualdades sociais e promove a opressão de uma classe sexual por outra» (cf. documento em anexo "A Ideia de Escola Democrática e a Ideologia de Género: Considerações sobre as Medidas a Adotar no Sistema Educativo Previstas no Regime Jurídico do Direito a Autodeterminação da Identidade de Género", da autoria de Miguel Morgado, Nilza de Sena, Bruno Vitorino, p. 12).
25. Em reação contra uma tal maioria cultural dominante, o «masculino e feminino tornam-se “artifícios à deriva”, sujeitos a tantas interpretações e significados quantos os indivíduos que existem» e não têm outro sustentáculo senão a vontade de cada indivíduo» (cf. estudo citado, p. 13).
26. Ora, não parece que o reconhecimento do direito a autodeterminação do género se baseie necessariamente na mencionada conceção, em vez de pressupor um mínimo de objetividade.
27. De resto, era essa certamente a conceção subjacente ao reconhecimento do mesmo direito pela Lei n.º 7/2011.
28. Poderia argumentar-se que justamente a substituição da Lei n.º 7/2011 pela Lei n.º 38/2018, implicando um regime decididamente assente no princípio da autodeterminação, sem necessidade de qualquer disgnóstico clínico, não pode deixar de assentar na conceção culturalista ou construtivista da identidade de género.
29. Simplesmente, ainda que assim fosse — o que de maneira alguma se demonstra, pois a ideia de conferir um mínimo de objetividade a afirmação da identidade de género poderia fazer-se por outros meios, que não o diagnóstico clínico — sempre seria irrelevante, no sentido em que o reconhecimento do direito à autodeterminação — o direito de respeitar o mesmo direito e as suas manifestações, a que se reporta o artigo 12.º, n.º 2, da Lei n.º 38/2018 — não envolve, de modo algum, a adesão aos fundamentos que possam ser aduzidos por alguns como base para a respetiva consagração legal.
30. Todavia, através do artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 38/2018, é precisamente esse passo que o legislador veio agora encetar ao impor medidas no sistema educativo destinadas a promover a autodeterminação da identidade de género com base numa certa visão ideológica ou doutrinária que estará na base de tal autodeterminação.
31. Essa mesma visão está necessariamente subjacente a ideia, repetidas vezes afirmada na Lei n.º 38/2018, de que a identidade de género simplesmente se «manifesta» [cf. artigos 3.º, n.º 2, 5.º, 7.º, n.º 3, 12.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2], sem qualquer substrato objetivo que a suporte.
32. Repare-se, aliás, que ao atribuir-se a conceção culturalista ou construtivista da identidade de género um carácter ideológico ou doutrinário, não se pretende sequer reivindicar um carácter científico para a conceção oposta, que procura ancorar em dados objetivos aquela mesma identidade.
33. Resulta assim claro que o artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 38/2018, ao atribuir ao Estado o dever de garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito a autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas está a programar a educação segundo diretrizes filosóficas, políticas e ideológicas, violando flagrantemente o artigo 43.º, n.º 2 da Constituição, fazendo, aliás, sem qualquer justificação atendível e, por isso, violando também de modo claro os limites às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias decorrentes do artigo 18.º, n.º 2 e 3, da Constituição.