Montenegro havia sido uma figura relevante durante o governo de Passos e disputara a presidência do partido, possuía capital político e poder a ele associado. Alguns clientes poderão ter optado pela empresa de Montenegro ainda antes da sua ascensão à liderança do partido e do país, mas os pagamentos mantiveram-se após a assumpção dos cargos. Este é o problema. O primeiro-ministro colocou-se numa posição de enorme fragilidade ao não retirar a empresa da sua esfera pessoal e familiar, a partir do momento em que passou a ocupar cargos políticos de topo. Deu azo a todo o tipo de suspeição. Suspeição que o perseguirá por muito tempo, não havendo forma de desfazê-la através da justiça. O problema político persistirá à margem de quaisquer questões de legalidade. O país não deve ter um primeiro-ministro que recebeu avenças de várias entidades privadas (tendo representado profissionalmente uma delas) encontrando-se em funções; e que estará em posição de conflito de interesses em determinadas matérias. O próprio, que decerto compreendia a dificuldade da sua situação quando cedeu a empresa à esposa, devia preservar a dignidade do cargo que ocupa e demitir-se ou apresentar de imediato uma moção de confiança.
Como mero cidadão, não gostaria de ver Montenegro candidato a primeiro-ministro em caso de eleições. Teria sempre dúvidas acerca da sua seriedade e da sua actuação. Porque o próprio optou por isso. E não encontrou respostas adequadas às dúvidas que surgiram. Não se sabe que outros clientes teve a sua empresa. A empresa permaneceu e permanece no seu circulo familiar. Qualquer potencial cliente sabe que aquela é a empresa dos filhos do primeiro-ministro. Quem decidir sobre a concessão dos casinos, conhece a relação de Montenegro com a Solverde. As notícias que vão saindo sujarão ainda mais a sua imagem. Pagou um apartamento recorrendo a várias contas de forma a não ter de declarar esses dinheiros?... Afinal temos um chico-esperto trafulhas a liderar o país?
O PSD poderá até vencer eleições antecipadas, não me parece de todo cenário impossível... no entanto, se reeleger Montenegro, reelegerá também o seu problema. Creio que o país deveria ser mais exigente.
Tudo certo com o que disseste, mas as alternativas realistas que se apresentam a Montenegro também se poderão qualificar como "chicos-espertos trafulhas". Mesmo antes de Montenegro, tivemos PM que cometeram não só imoralidades, mas também ilegalidades e que foram reeleitos (Sócrates); PM que cometeram comprovadamente ilegalidades referentes a períodos antes de ocuparem o cargo (PPC); PM que cometeram ilegalidades, públicas antes de ocuparem o cargo e comprovadas por escutas, continuando a ser alvo de fortes suspeições durante a governação e sucessivamente reeleitos (Costa); PM em que recaíram suspeições fortes e que foram eleitos para outras funções (Cavaco, Soares); etc, etc.
O ponto é que se dúvidas - válidas - existem acerca da idoneidade de Montenegro, então também existirão sobre outros candidatos, deixando-nos, conforme essa perspetiva, com três putativos candidatos: Paulo Raimundo, Rui Tavares e Rui Rocha. Sobre todos os restantes recaem sérias indagações.
A única questão válida que se poderá colocar (quer dizer, agora já não, visto que a Solverde e a empresa familiar terminaram o contrato por mútuo acordo) é a do conflito de interesses. A questão dos apartamentos necessita de mais informações para daí se retirar alguma conclusão e os clientes já foram revelados.
Certo é que Montenegro cavou a sua própria cova, e que toda a instabilidade política que se vive é culpa do mesmo. Podia ter acabado facilmente com todas as suspeições, mas deixou a situação arrastar-se.
Só nos resta esperar para existirem esclarecimentos definitivos sobre estes tocantes, porquanto, até ver, não existem informações sobre um conflito de interesses concreto (a Solverde até perdeu uma ação contra o Estado, por recurso deste, durante a governação de Montenegro). As investigações estão em curso e é isso que interessa.
Entretanto, os portugueses poderão escolher novamente, com os dados que possuem, o novo partido do governo, seja o mesmo, seja outro. No entanto, parece-me que a escolha será mais uma avaliação à ação do governo do que propriamente uma questão de aferir a ética de Montenegro.