O apoio do mufti de Jerusalém ao Terceiro Reich não surgiu por afinidade ideológica com o nazismo, mas sim de um contexto de repressão colonial britânica e do medo crescente da perda da Palestina face à imigração judaica incentivada pelos britânicos. A Alemanha Nazi foi vista como um aliado tático na luta contra o domínio britânico e o projeto sionista, numa lógica de "o inimigo do meu inimigo é meu amigo".
É importante entender esse contexto, não para justificar, mas para compreender. Aplicando a mesma lógica usada para condenar este tipo de alianças, a Rússia poderia hoje justificar a ocupação da Ucrânia e dos Estados Bálticos com base no facto de, durante a Segunda Guerra Mundial, algumas forças nacionalistas locais colaborarem com os nazis — não por afinidade com Hitler, mas porque viam o nazismo como um mal menor comparado com o domínio soviético. Isso mostra como o colaboracionismo, em situações de opressão externa, tem quase sempre motivações pragmáticas e contextuais, não ideológicas.
Quanto à ideia de que "todos os perdedores passaram por processos de reeducação social e ideológica determinados pelos vencedores", o caso da Espanha franquista é um exemplo claro: Franco apoiou o Eixo, recebeu ajuda militar direta da Alemanha e Itália na Guerra Civil, enviou tropas para combater ao lado do Eixo contra a União Soviética e ainda assim permaneceu no poder até 1975, sem qualquer processo de desnazificação, reeducação ou democratização imposta pelos Aliados. O Ocidente tolerou e até apoiou o regime franquista durante a Guerra Fria devido ao seu anticomunismo, demonstrando que os processos de "reeducação" não foram nem universais nem coerentes — foram seletivos e guiados por interesses geoestratégicos.
O mesmo padrão seletivo aplica-se ao modo como Israel é tratado nas instâncias internacionais. Sim, o Ocidente fecha frequentemente os olhos às violações do direito internacional por parte de Israel — mas isso diz mais sobre alianças geopolíticas atuais (sobretudo com os EUA) do que sobre algum tipo de "compensação histórica" pelo Holocausto ou por antigas alianças árabes com o Eixo. Fecham os olhos a Israel como fecham os olhos a regimes repressivos e anti-democráticos como a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes.
Há muito pouca discussão sobre a presença de mais de 200 colonatos israelitas ilegais na Cisjordânia, conforme definido pelo direito internacional e pelas resoluções da ONU. Pouco se fala também sobre o facto de Israel controlar hoje cerca de 78% do território da Palestina histórica (sem contar Gaza), ou da ocupação ilegal de Jerusalém Oriental, que a comunidade internacional continua a considerar território palestiniano ocupado desde 1967. Isso curiosamente não interessa, só interessa a parte dos "árabes a cagar nas resoluções da UN" como se o desrespeito pelo direito internacional fosse uma característica apenas de uma dos lados.
Quanto à solução geopolítica, o resultado está à vista. Foi feita à custa de milhões de vidas sem soberania, segurança ou justiça.