O mérito do artigo, fazendo por encontrá-lo, consiste na defesa de maior autonomia europeia, ainda que secundarizada por um chorrilho de infantilidades. O autor poderia facilmente sustentar uma posição razoável sem ceder à tricazinha facciosa.
Os Estados Unidos gozaram de opiniões favoráveis por parte dos seus parceiros europeus e não-europeus durante muito tempo. Exemplo, 2022:
International public opinion of the U.S. remains positive | Pew Research Center
Essa visão positiva degrada-se agora com o regresso de Trump e das suas políticas hostis, tal como se havia degradado durante o seu primeiro mandato. O sentimento dos europeus relaciona-se estreitamente com a radicalização política da administração norte-americana, não advém de um imaginário anti-americanismo generalizado.
European favourability of the USA falls following the return of Donald Trump | YouGov
Transatlantic twilight: European public opinion and the long shadow of Trump | ECFR
Mais do que posições benévolas da generalidades das populações, contaram com opções políticas, diplomáticas e económicas de suporte e apoio à ordem criada pelos norte-americanos. Os europeus posicionaram-se ao lado dos americanos inclusive em matéria militar, apoiando-os na única vez em que o artigo 5º da NATO foi invocado. Desonesto é também sugerir que, em contraponto com o fabulado anti-americanismo, os europeus descobriram-se enamorados pela China. A popularidade do regime chinês encontra-se muito abaixo da favorabilidade pelos Estados Unidos, mesmo que em perda:
Views of China and Xi Jinping in 35 countries | Pew Research Center
Views of the US around the world | Pew Research Center (para comparação)
... mas algo deve ser dito quanto à desconfiança relativamente aos Estados Unidos, que, é certo, tem mais longa tradição entre as esquerdas. Vivemos num sistema com um viés natural pró-cultura norte-americana e pró-sistema económico capitalista, invariavelmente ligado ao país. Fomos ensinados e treinados sobretudo para detectar a propaganda de outros regimes, das suas fórmulas políticas e económicas. Compreender as formas de propaganda nas quais fomos socializados será tarefa mais difícil. Ou julgar-se-á que as estruturas socialistas, comunistas, autoritárias, ... possuem mecanismos de controlo e reprodução e as nossas formas de organização não? Desconfiar do poder hegemónico é absolutamente necessário. O que é o mesmo que afirmar a necessidade de ter uma visão crítica acerca dos Estados Unidos.
Agora, ninguém se surpreenda que a desconfiança aumente exponencialmente com Trump. Trump expõe de alto a baixo os riscos do poder e o difícil alinhamento de interesses entre potência e aliados da potência num mundo em mudança.
A ordem mundial foi criada pelos americanos, tal como a sua acção deliberada acelerou o crescimento da China. Os chineses não passaram a perna a ninguém, não forçaram os países a lá produzir nem a aceitar os seus produtos e serviços (não significa isto que a China não tenha práticas comerciais contrárias aos acordos que assinou). Os défices da balança comercial norte-americana foram, em grande medida, uma escolha e o resultado de um determinado modelo económico. O país mais rico do mundo compra mais do que vende. E a sua população, também por não participar proporcionalmente nessa acumulação de riqueza, quer coisas baratas. Querem o quê? Balanças comerciais equilibradas por decreto? Julgavam que o país manter-se-ia como único líder mundial por séculos e séculos, indefinidamente?... Correm atrás do prejuízo. Mas a Europa não pode tomar como suas as dores americanas, até porque não lhe faltam dores próprias.