Os outros também as têm.
Mas teve diria muito bem tip top. Há muito tempo que não me ria tanto



É esta política made in 90s que tenho saudades em Portugal. Onde haviam pontos e equilíbrios, num país fantástico como é o nosso.
O Rui Rocha traz um pouco essa onda
"Com a sobrancelha arqueada de quem já viu ministros a dançar o fandango em romarias eleitorais, causa-me espécie assistir à nova predilecção dos políticos lusos: em vez de se submeterem ao tormento antigo dos jornalistas impertinentes, armados de arquivos e perguntas duras como dentaduras de avó britânica em plena crise do chá, preferem agora reclinar-se em poltronas de veludo mediático, entregues ao chiste benigno dos modernos bufões — os nobilíssimos Ricardo Araújo Pereira, Guilherme Geirinhas e outros encantadores da
verve televisiva e digital —, esses verdadeiros jograis de auditório, menestréis de horário nobre, prestidigitadores de palmadas cúmplices e riso programado.
Esta é uma inversão deveras deliciosa da hierarquia dos tempos de antanho: outrora, o bobo fazia rir o rei; hoje, o rei — ou o aspirante ao trono — mendiga a bênção do bobo para que o povo o tolere, que o respeito já se foi. Estes encontros são, com frequência, pastéis de nata de vaidade recheados de auto-ironia controlada, servidos num prato de empatia calculada. O político, ao rir-se de si mesmo, esconde os espinhos do seu programa. E o humorista, ao fingir irreverência, não morde — apenas ladra com graça, como um caniche de salão treinado para agradar tanto a governanta como o mordomo.
......
Que é feito do sarcasmo afiado, da crítica que fere? O humorista de hoje, em vez de morder, acaricia; em vez de expor a nudez do rei, ajuda-o a escolher o fraque; em vez de lançar a gargalhada com uma pedrada, oferece a piada emoldurada, com fita, legenda e
hashtag. Transformaram-se em estilistas do poder, em cabeleireiros da irreverência, passando pó-de-arroz na cara da impostura. Já não fazem rir da tragédia: fazem rir
com o tirano — e não
do tirano —, esperando um eco em
retweets e
cachets. A sátira, essa Medusa com olhos de lucidez, foi decapitada e pendurada na parede de um camarim. Dizem-se iconoclastas, mas ajoelham-se perante o convite do poder como os magos do Oriente diante da manjedoura. No fundo, aspiram àquilo que fingem desprezar: o aplauso do palácio.
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E o povo — esse eterno espectador de tragédias mal encenadas — ri-se. Rir sempre foi um consolo dos desvalidos, já o sabia Aristóteles. Mas rir de quem vos há-de governar, enquanto este ensaia a piada sobre a sogra e a Lili Caneças, é baixar a política ao rés-do-chão da frivolidade. Tornou-se evidente que, para muitos eleitores, um político que saiba rir de si próprio vale mais do que um que saiba fazer um orçamento. Aliás, não admira que as urnas se encham de votos com a mesma leveza com que se enchem balões numa festa de aniversário.
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Tudo isto não seria trágico se fosse apenas cómico. Mas há algo de profundamente reaccionário nesta inversão de papéis. Quando o humorista abdica da sua função crítica para se tornar palanque do poder, legitima-o. E quando o político se disfarça de palhaço, oculta as suas responsabilidades. É o triunfo da leviandade como estratégia de governação. Não é já o governo dos sábios, mas dos engraçados. A política converte-se numa espécie de
stand-up comedy com consequências orçamentais, no emprego, na inflação e até no tempo de diversão."
Brás Cubas dá um piparote nos político e nos comediantes, que transformaram a transforma a sátira em selfie, o bufão em cúmplice, e o eleitor num espectador distraído que bate palmas enquanto lhe assaltam o bolso.
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