... "Ainda não percebi a associação entre situação socioeconómica e crimes de violação", (...) "a condição socioeconómica intervém de um modo indireto, e a sua relevância é mínima no que toca aos crimes de violação em concreto". Palavras do colega.
Mas não minhas, pois não foi o que escrevi. Talvez não o tenha feito da forma mais feliz, que sempre é possível. Criticava a instrumentalização e as análise deliberadamente ínvias de muitas pessoas que usam temas polémicos para a obtenção de pretensos ou reais ganhos políticos e ideológicos. Para a sua causa pessoal. Como a dissonância entre o crime sexual cometido por imigrantes, de pronto assinalado e atribuído a explicações culturais e religiosas, e homicídios de companheiras e ex-companheiras por portugueses, essa realidade tão comum, porém ignorada por não servir a causa. Não será por acaso que se escolhe partilhar umas notícias e não outras. Ironizava essa selectiva defesa da condição feminina por muitos que se apressam a negar a existência de desigualdades baseadas no sexo e no género, como as salariais e as da violência. Ou somente admitem a existência de casos isolados e não de factores macrossociais de discriminação.
Quanto ao resto... a situação socioeconómica, e a fragilidade social em geral, têm influência no crime. O que é relevante na discussão da imigração. Convém ter presente que a privação material contribui para um sem número de outras realidades, do potencial grau de escolaridade a atingir e respectivo nível de rendimento (não só da própria pessoa como da sua descendência) à capacidade para manter a condição de saúde... podendo ter um efeito mais ou menos directo, mais ou menos indirecto em inúmeras dimensões da vida da pessoa.
Será ainda interessante contemplar as esferas mencionadas nas suas diversas combinações e interdependências, pois nenhuma delas existe de forma isolada. Até mesmo introduzir o substrato económico, político... e tentar perceber qual a sua influência sobre a expressão religiosa, a vivência do género, a construção do aparato institucional, etc. etc. etc.
E que relação entre pobreza, tráfico e exploração sexual? Entre pobreza e, em muitos países, abuso sexual de crianças? Ou turismo sexual... Qual o papel da pobreza em situações de assédio sexual sobre mulheres? Pobreza é sinónimo de falta de poder.
Nem a propósito:
To tackle violence against women, we need to alleviate poverty | World Economic Forum
As minhas palavras não entram em contradição. O meu caro atribui ao fator socioeconómico uma relevância enorme; eu discordo, e, no geral, os criminologistas também.
Criticava a instrumentalização e as análise deliberadamente ínvias de muitas pessoas que usam temas polémicos para a obtenção de pretensos ou reais ganhos políticos e ideológicos. Para a sua causa pessoal.
O colega prefere falar em abstrato, eu prefiro falar em concreto. Muita gente apontou neste fórum aquilo que foi dito sobre o problema dos crimes sexuais e uma eventual ligação com uma parte da imigração. Acredito piamente que a maior parte dessas pessoas o tivesse feito em prol dos direitos das mulheres. Se um partido ou uma parte de outros grupos de indivíduos o faz por motivos ideológicos, essa é outra questão.
Como a dissonância entre o crime sexual cometido por imigrantes, de pronto assinalado e atribuído a explicações culturais e religiosas, e homicídios de companheiras e ex-companheiras por portugueses, essa realidade tão comum, porém ignorada por não servir a causa.
Mas dissonância de quem? Das pessoas do fórum que tocaram no assunto? Dos portugueses em geral? Dos media? É que a violência doméstica é um grande tópico - e já o é há muito - entre nós. Não raro é denominado de crime mais preocupante em Portugal. Aliás, a esse respeito, eu até disse o seguinte: «Já não bastava o grande problema da violência doméstica entre os portugueses, um enorme atropelo aos direitos das mulheres...».
Ironizava essa selectiva defesa da condição feminina por muitos que se apressam a negar a existência de desigualdades baseadas no sexo e no género, como as salariais e as da violência.
É preciso concretizar. Seletiva defesa de quem? Conforme é dito coloquialmente, é necessário "chamar os bois pelos nomes". Como o meu amigo não indica concretamente quem faz essas coisas condenáveis, posso pressupor que se refere a quem, aqui do fórum, tocou no assunto da imigração. Ora, eu fui uma dessas pessoas, e garanto que não faço qualquer defesa seletiva. Por acaso mencionei o imbróglio da violência doméstica, porém, mesmo que não o tivesse feito, tal não constituiria uma defesa seletiva, pois o que estava em causa era uma notícia de um crime hediondo de violência grupal. São tipos de crimes distintos, que possuem a mesma consequência - a lesão prática dos direitos fundamentais das mulheres -, mas géneses diferentes.
Quanto ao resto... a situação socioeconómica, e a fragilidade social em geral, têm influência no crime.
Da criminalidade em geral? Sem dúvida. No entanto, certos tipos de crimes não sofrem a influência do fator socioeconómico. Os princípios possuem exceções. Caso contrário, diríamos que crimes de gravação ilícita de pessoas, ou crimes contra a honra de um modo geral, seriam afetados por esse fator só porque, em abstrato, o mesmo enforma um elemento essencial para explicar a razão do crime.
Convém ter presente que a privação material contribui para um sem número de outras realidades, do potencial grau de escolaridade a atingir e respectivo nível de rendimento (não só da própria pessoa como da sua descendência) à capacidade para manter a condição de saúde
Sem número de realidades, correto...uma delas não é o crime de violação, ou de assédio sexual. O problema dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual transcende o estatuto do indivíduo. A defesa da maior propensão de crimes de violação por parte dos pobres tinha por base o seguinte: os mais pobres violam mais, pois têm menos a perder. Esta teoria está completamente ultrapassada hodiernamente, e a maioria dos estudos aponta no sentido de que o fator socioeconómico em si é irrelevante no que concerne à prática destes crimes. Existem mais pobres a violar mulheres porque...existem mais pobres do que ricos.
Será ainda interessante contemplar as esferas mencionadas nas suas diversas combinações e interdependências, pois nenhuma delas existe de forma isolada.
Todos os critérios que enunciei são interdependentes. O político está ligado ao jurídico, o jurídico ao institucional, o institucional ao cultural, e assim sucessivamente...o fator socioeconómico influencia indiretamente esses outros fatores, mas não constitui ele mesmo um fator explicativo do crime de violação. Não merece ser elencado entre as causas de verificação.
E que relação entre pobreza, tráfico e exploração sexual? Entre pobreza e, em muitos países, abuso sexual de crianças? Ou turismo sexual... Qual o papel da pobreza em situações de assédio sexual sobre mulheres? Pobreza é sinónimo de falta de poder.
Nem a propósito:
To tackle violence against women, we need to alleviate poverty | World Economic Forum
Meu caro amigo...nós estamos a falar do lado ativo do crime, isto é, do agente, do delinquente, e das razões pela qual age e decide praticar o ilícito criminal. Por outro lado, o prezado partilha um artigo que não tem qualquer propósito para este efeito, porquanto incide sobre o lado passivo, sobre o lado da vítima, a razão pela qual esta é vitimizada e sofre o ilícito criminal. Ora, se o fator socioeconómico não releva para o lado do delinquente, no caso da vítima não se pode dizer o mesmo. O fator socioeconómico é um elemento determinante para a condição de vítima, e é isso mesmo que esse artigo expõe.