1ª PARTE DA ENTREVISTA:
Desde 2021, quando deixou o banco do Marselha, que André Villas-Boas se tem preparado para o que diz ser o seu desígnio: tornar-se presidente do FC Porto. Em entrevista à Tribuna Expresso, não confirma se será já em 2024 que irá a eleições, mas admite ter “equipas preparadas”, “ideias” e “projetos”. Fala do apoio que tem sentido nas ruas e lamenta certas críticas que lhe foram dirigidas por Pinto da Costa, que diz serem “injustificáveis”. Na parte II da conversa, a publicar na 6.ª feira, o homem que venceu a Liga Europa pelos dragões fala das contas do FC Porto e do mistério que é para si a não renovação de Sérgio Conceição.
No próximo ano vai votar nas eleições do FC Porto como mais um sócio ou como um sócio que tem o seu nome no boletim de voto?
O meu papel tem de ser preponderante nas eleições. Isso já o assumi publicamente. Porque sou sócio desde que nasci e devo isso ao FC Porto. É a nossa responsabilidade exercer o direito de voto e assim será. Se é para confirmar que votarei nessas eleições, evidentemente que sim, sejam elas em abril ou em junho, ou quando os sócios do FC Porto decidirem que será a data para o processo eleitoral. O meu caminho até aqui tem sido um caminho de preparação que me pode colocar perante ser candidato nas próximas eleições, ou não.
Então ainda não decidiu.
É uma decisão que exige ponderação, pensamento e esse, pelo menos, é o caminho que eu tenho que cumprir. Ou seja, estar preparado para ser o próximo presidente do FC Porto. Agora, é um cargo que exige máximas responsabilidades. Exige também uma equipa profissional e de créditos formados por trás. Toda a construção do que será a futura vida do Futebol Clube do Porto tem de acontecer com passos firmes, bem pensados, estruturados, com rigor. E acho que é isso mesmo que tem que ser levado bem em conta. São essas questões que ditam a apresentação de uma candidatura às próximas ou às seguintes eleições.
E nestes anos é esse trabalho que tem vindo a fazer, essa preparação para ser presidente do FC Porto?
Eu tenho o defeito de ser muito exigente comigo mesmo e cargos desta dimensão exigem preparação em aspetos em que cada um se acha menos dominante. O aspecto desportivo está dentro de mim porque fui treinador-adjunto das camadas jovens do FC Porto. Fui scout, fui analista, preparei adversários, fui treinador-adjunto e fui treinador principal. Portanto, o meu objetivo aqui é cumprir-me e especializar-me nas tarefas que eu não domino, tal como me especializei nas tarefas que não dominava antes para esses cargos todos que vos falei. Nesse sentido, tenho muita sede de procurar o que são as melhores práticas de mercado, onde é que estão os melhores cursos de gestão executiva e por causa disso tomei a liberdade de continuar a educar-me preparando-me para outras funções. Há muita transversalidade entre as coisas, entre as lideranças desportivas e as lideranças empresariais. Daí que, no aspecto da liderança em si, há coisas novas que eu descobri que me dão uma visão um bocadinho mais macro dos fenómenos. Felizmente, na Universidade de Columbia [em Nova Iorque] havia espaço para um perfil como o meu, que foi considerado até como um outsider face ao que se encontra em cursos de gestão executiva. E assim o fiz, tenho dedicado esta parte da minha vida não só à minha família, mas também à minha reeducação.
Mas essa educação foi feita com um propósito, não é? Ou seja, não pelo gosto abstrato de aprender mas para se preparar para ser presidente do FC Porto.
Sim, porque eu nunca o escondi. O que me faltará decidir são os timings e esses vários timings têm que ir de encontro ao respeito pela época desportiva do FC Porto. Eu tenho essa ambição, nunca a escondi, é pública, tenho o máximo respeito pelo presidente Jorge Nuno Pinto da Costa e tenho que estar pronto para o substituir à altura caso assim desejem os sócios.
Caso o timing seja 2024 já não há muito tempo para decidir se sim ou não.
Agora vai à Assembleia Geral uma votação para a mudança da data das eleições [de abril para junho] e do processo eleitoral e os sócios hão-de decidir. Eu tenho que estar pronto para todos os cenários.
Na sua sensibilidade de treinador acredito que preferiria que fosse em junho e não em plena época.
São ambas disruptivas, no fundo, porque se for em abril o anúncio da data das eleições teria de ser em fevereiro e aí os candidatos entrariam em campanha. Da mesma forma, no caso de junho entraríamos em campanha em alturas decisivas. Eu acho que há algo que nos distingue muito que é a cultura FC Porto, onde o FC Porto está acima de qualquer candidato e a sua importância acima de qualquer candidato. Todos nós queremos que esta época desportiva termine com o FC Porto campeão nacional. Além de ser uma obrigação e normalmente uma responsabilidade de todos os treinadores que lá estão, torna-se cada vez mais importante tendo em conta a mudança dos quadros competitivos europeus, a injeção de capital que os novos quadros competitivos trazem e, no fundo, a sustentabilidade financeira do FC Porto para os próximos anos.
Portanto, não tem ainda definida nenhuma data limite para acertar essa decisão?
Eu acho que aqui estamos um pouco sujeitos também aos timings ditados pela Assembleia Geral do FC Porto. Tenho de planear para essa eventualidade. Tenho timings decididos para apresentações de candidaturas, quando é que as iria lançar, equipas, propostas, todas as ideias que me invadem, pelo sócio dedicado que sou do FC Porto e pela experiência que tenho acumulada tanto desportivamente como esta que começo a construir no aspeto mais da gestão. Portanto, não posso negar que tenho datas em mente, tenho equipas preparadas, tenho ideias e pessoas e tenho projetos, mal de mim se não estivesse à altura de poder corresponder a um cargo desta dimensão.
Caso o André avance, a equipa está, então, definida?
Acho que o que estão definidos são perfis. E esses perfis têm de ter créditos firmados e serem pessoas de excelência tendo em conta o desafio e o nível de organização. E o clube e o que ele significa.
Já passaram 12 anos desde 2011, como é que sente o seu nome entre as bases do FC Porto, entre os sócios e os adeptos?
Felizmente tenho sentido esse apoio e não posso ficar indiferente ao apoio que tenho sentido porque tem sido permanente. Tem-se refletido mais nas redes sociais para os outros, para o público, mas eu tenho sentido pessoalmente à medida que vou caminhando na minha cidade e deslocando-me de um sítio para o outro. Que as pessoas vejam em mim competências profissionais e emocionais para liderar algo desta dimensão é para mim já um fator muito gratificante. Eu tenho sentido esse apoio, não fico indiferente a ele e acho que é isso que tem propagado esta insistência do meu nome nos meios de comunicação social, nas redes, nos sócios, etc. Portanto eu só posso ficar lisonjeado, orgulhoso e honrado com tamanho apoio. Isso também eleva o sentido de responsabilidade para a missão em causa.
E como é que um portista e portuense tão dedicado foi vendo e ouvindo mensagens mais ou menos diretas de algum desagrado do atual presidente em relação a si? Chegou a falar de um desentendimento que tiveram.
Sim, mas isso são desentendimentos desportivos que são fruto de alguns desencontros e tomadas de posição públicas de ele para mim e não no sentido contrário. Tínhamos estado juntos na final da Liga dos Campeões, no Porto, entre Chelsea e Manchester City, mas a verdade é que tirando o evento trágico da morte do Fernando Gomes não nos temos cruzado porque o único espaço que frequentamos, digamos assim, na cidade de Porto é o Estádio do Dragão e ele está numa ponta e eu estou na outra. As suas tomadas de posição públicas são a sua opinião e eu tenho a máxima opinião dele e tenho o máximo respeito pelo que ele fez pelo FC Porto. Pelos momentos que vivemos juntos vejo com alguma surpresa determinados ataques de personalidade que acho que são injustificáveis e penso que não serão o reflexo do que ele realmente sente por mim. Registro-os, mas isso não muda em nada a opinião que tenho sobre o presidente Pinto da Costa e fiz questão de esclarecer tudo isso num documentário que ele está a preparar sobre a sua vida e que irá para a Netflix ou alguma destas empresas novas de streaming. As histórias que ele poderá tentar ou estará a tentar vender a público sobre nossos desencontros não existem da forma que ele as quer vender.
Acha que mais do que um ataque de personalidade ou ao antigo treinador é já um certo instinto competitivo de ataque ao possível adversário?
Talvez, mas isso só o próprio poderá responder. Acho que o presidente tornou bem claro recentemente que quem quiser que ele saia pode esperar sentado. O presidente projeta a sua continuidade para os próximos anos e depois caberá aos sócios eleger quem é que querem como presidente para os próximos anos. Acho que o presidente não precisa de achincalhar adversários tão alto está o seu pedestal e tudo o que ele atingiu no futebol no FC Porto e nem penso que se dedique a ataques pessoais pensando ou projetando algo deste género. Se poderá pela primeira vez encontrar nas próximas eleições um rival do ponto de vista mediático, desportivo, de competências técnicas ligadas ao desporto que são parecidas com as suas? Potencialmente.
Para alguém que terá crescido a ver o presidente como um ídolo e que, no seu caso, até trabalhou com ele, custar-lhe-ia entrar nesse embate?
Não, não. Se me estão a perguntar se o que me impede de apresentar uma candidatura é a presença do presidente Pinto da Costa diria que não.
Teve muitas propostas para voltar a treinar desde que saiu de Marselha, em 2021?
Sim, felizmente sim.
E vê-se como um treinador em pausa ou como um ex-treinador?
À medida que fui caminhando no mundo não tive a minha família ao meu lado em todos os clubes que orientei. Na Rússia não estiveram comigo, em Marselha não estiveram comigo. Estiveram comigo em Londres e na China, portanto eu tenho-me dedicado a estar mais perto da minha família. Entretanto criei um novo desafio que foi lançar a Race for Good que é a minha instituição de sociedade social, da qual eu muito me orgulho. A Race for Good tem ocupado a maior parte do meu tempo e tenho-me dedicado a ela a 100% porque gosto de cumprir os meus objetivos sociais e tenho-me dedicado bastante à sua dinâmica. Felizmente fui recebendo convites porque a minha carreira me permite continuar a receber convites, permite-me continuar a escolher e a ser específico sobre o que quero ou não abraçar. Tive convites de clubes e convites de seleções, mas como tenho encontrado este conforto familiar e estes desafios pessoais de preparação para outros cargos, e também o desenvolvimento das minhas competências humanas e profissionais, decidi fazer uma pausa pelo menos até junho de 2024.
Falou-se de Argentina e Japão.
O Japão terá sido o mais próximo. A Argentina também. Infelizmente foi com alguma mágoa que não cheguei a acordo nem com um nem com o outro Na Argentina era no Boca Juniors e no Japão com a seleção. Na nossa carreira de treinador a gente passa muito por estas situações: entre partilha de corpo comum de ideias até chegar ao acordo final há muitos obstáculos a passar e no que toca especificamente a esses dois acabou por não acontecer, mas foram fases interessantes da minha vida. A fase de preparação para esses projetos também foi interessante.
Já percebemos que a questão de 2024 ainda é uma dúvida, mas ir a umas eleições agora não seria uma boa forma de, pelo menos, testar águas?
Discordo. Conhecendo o FC Porto como conheço, o FC Porto precisa ser uma força avassaladora em todos os sentidos e acho que o próximo presidente do Porto tem que ser escolhido de forma unânime. De todas as formas isso pode acontecer em batalhas mais difíceis e mais equilibradas tendo em conta a pessoa que lá está, o presidente que é, o que representa e se o mesmo se apresenta a sufrágio ou não. No entanto, esta é a leitura que eu sempre tive do Futebol Clube do Porto. Nós somos mais fortes quando estamos unidos, somos mais fortes quando temos um objetivo bem definido e claro, somos mais fortes quando temos um inimigo específico para abater. Encontramos muitas forças nas agressões dos nossos rivais, digamos assim, e penso que é isso que torna no fundo o Futebol Clube do Porto num clube diferente dos outros, onde persiste uma mística, certos valores, certa cultura que é imutável no tempo.
Nessa lógica de união, teme que o seu nome seja um pouco associado a uma certa divisão, uma certa oposição?
Não, não penso dessa forma. Penso numa projeção no tempo dos valores do FC Porto. Eu acho que no caso do perfil do presidente do Futebol Clube do Porto, ou do próximo presidente, ele tem que obedecer a um conhecimento da cultura, dos valores do FC Porto como poucos têm e isso está presente evidentemente nos sócios, mas depois há uns que poderão estar mais capacitados para os executar que outros.
Olhando para 2028 veria numa figura como Rui Moreira essa capacidade ou acha que é um perfil demasiado político?
Sim, nós felizmente temos muitos perfis e candidatos que podem aparecer a sufrágio com essa capacidade representativa destes valores do FC Porto. Se Rui Moreira o deseja ou não penso que já ficou publicamente bem esclarecido por ele que esse tempo já passou, que esse desejo já passou, pelo menos entendendo ou fazendo bem jus às suas palavras. Não quer dizer que não apareça, mas deixou isso bem claro. Eu acho que sim, acho que no seio do FC Porto se podem encontrar pessoas interessantes que podem perfilar-se para tal.
E as críticas de adeptos como Fernando Madureira afetam-no?
Não. Reparem, eu não tenho essa ideia porque também aí há opiniões díspares. O mesmo já teve declarações mais positivas. Com a eventual possibilidade de eu me candidatar às eleições em 2024, tomou desde já uma escolha, sem saber se eu me apresento ou não. Não é que o mesmo já não tenha dito que eu tenho o perfil, porque também já o disse. Agora, que tenha tomado uma escolha acho perfeitamente natural, cada um escolhe o presidente com o qual se revê. Acho que neste momento há apenas um candidato às eleições de 2024 que é o Nuno Lobo. Há uma comissão de candidatura do presidente Pinto da Costa que se tem dedicado a recolher assinaturas com algumas figuras políticas.
Quando fala da preparação que está a fazer, ela tem sido meramente académica ou tem já visitado clubes, falado com dirigentes?
Felizmente, como gosto de entender e perceber o fenómeno, tenho sido convidado para fazer preleções na UEFA nos vários campos, ou seja, não só no que está relacionado com o desportivo mas no que são as lideranças futuras e novas dinâmicas que estão a marcar o futebol atual.
Tem um modelo de presidência?
Eu acho que os clubes de associados têm uma vantagem competitiva enorme relativamente às propriedades e às propriedades que são detentoras de muitos clubes. Nós temos a capacidade de projetar no tempo os nossos valores e a nossa cultura, que são imutáveis e intocáveis. E aqui falo, por exemplo, no caso do Real Madrid, do Barcelona, do Ajax, do Athletic Bilbao, Real Sociedad e de alguns clubes alemães que se mantêm dentro dos 51% a 49% de propriedade. Nós somos capazes de projetar isto em valores e em cultura no tempo. Os clubes que pertencem a propriedades não o conseguem fazer porque as propriedades estão em mutação, um proprietário vende a outro e depois vende a outro e um clube que foi um clube de membros pode estar nas mãos de um chinês, como de um russo, como de um americano e estão sempre a transformar as suas culturas.
Vê-se as dificuldades que o seu ex-clube, o Chelsea, está a ter na transição de proprietários.
Precisamente. O único clube assim em que poderemos ter um enquadramento diferente de projeção de uma cultura e de valores, neste caso cultura Barça, é o Manchester City, que manteve na sua organização estrutural durante mais de dez anos estes três gestores, entre CEO, direção desportiva e treinador, com ligação anterior ao Barça. E formataram, no fundo, o conceito de valores do Manchester City, não que no Manchester City se tivesse jogado sempre um futebol de posse de bola e de domínio como se joga agora, mas porque os mesmos ditaram a implementação dessa cultura futebolística. O que é que acontece aos clubes dos associados?
Sim.
Se não se reformatarem sobre o seu modelo operativo e organizacional poderão estar sujeitos à ameaça autêntica das propriedades. Todos estes clubes vivem no limite da sobrevivência financeira por terem durante anos prevaricado com os seus modelos operacionais. Têm muitos mais gastos do que lucros e encontram-se em situações financeiras muito débeis. E aqui falo especificamente, ou podemos dar como exemplo, o caso do Barcelona atualmente. Felizmente o futebol caminha no sentido da boa governance e da boa gestão e, para licenciar estes clubes para a competição, as ligas, tanto as europeias ou no caso do Barcelona a espanhola, são cada vez mais rigorosas com esta gestão e isso obriga a uma série de compromissos e comportamentos futuros. Agora, eu acho uma vantagem competitiva enorme que tem que ser capitalizada. Nós no mundo do futebol atualmente temos um CEO que pode ter estado no Manchester United que vai para o Chelsea e do Chelsea vai para a Roma. Sendo mais específico: temos o Tiago Pinto que estava no Benfica e agora está na Roma, tivemos o Antero Henrique que esteve no FC Porto e depois no Paris Saint-Germain, temos o Monchi que estava no Sevilha e foi para a Roma e voltou para o Sevilha, isto nos diretores desportivos. Nós temos uma vantagem competitiva em Portugal: tanto o Benfica, como o Sporting e o FC Porto obedecem aos seus associados, os clubes são dos seus associados e os valores estão imutáveis no tempo.
É um modelo que pretende manter?
Sem dúvida.
Leia na sexta-feira a parte II da entrevista a André Villas-Boas