Lamento, mas aqui não concordo.
O FMI aborda a economia de forma cautelosa e global, impondo restrições a nível de gastos, sem ponderar nem restruturar as dívidas públicas. Não é essa a sua função, dá maior ênfase à balança comercial como forma de controlar o défice e impor garantias de que reaverá as verbas concedidas.
Cabe ao Governo defender a sua população e a sua economia, para lá daquilo que são as garantias e apresentar um projeto de crescimento que sustente essas mesmas devoluções, mas que garanta também a sustentabilidade interna. Passos Coelho fez o contrário: foi além dos cortes propostos pelo fundo, criticou os portugueses por estarem a viver acima das suas possibilidades, apertou completamente o cinto, baixando a confiança dos consumidores e impondo um travão na economia. A estratégia falhou redondamente, de tal forma que chegámos a 2015 com défices sempre excessivos e com uma população com a corda ao pescoço, sem ter mais por onde cortar.
O PIB cresceu 33% desde 2015. Isso significa também que o investimento na saúde cresceu 33%. O nosso mal não é o investimento não crescer mais relativamente ao PIB, é exatamente ter baixa produtividade. Se o nosso PIB fosse o triplo (ao nível de uma Dinamarca, por exemplo), estávamos fantásticos a nível de saúde sem necessidade de um rácio superior. Aliás, o rácio português de investimento na saúde por PIB até é dos mais altos da Europa.
A maior parte da Europa já tinha recuperado os índices pré-crise em 2013. Foi a mudança de política que permitiu uma reviravolta e não a conjuntura económica.
Um pequeno exercício de futurologia: com mais dois anos de défices semelhantes aos de 2012-2015, Portugal teria tido de recorrer novamente ao FMI. Aliás o próprio FMI criou uma linha de crédito em 2017 para Portugal, que felizmente nunca foi necessário utilizar, mas que demonstrava que nem o próprio FMI acreditava que conseguíssemos cumprir com as nossas obrigações.
Se, em 2017, tivéssemos de pedir novamente apoio, teriam sido mais alguns anos de restrições. Depois entrava a COVID, agora a guerra. Toma o exemplo da Bósnia, que contraiu um empréstimo nessa mesma altura. Acatou as restrições e já teve de pedir novo apoio para enfrentar a COVID. Anda com rendimentos congelados há anos, desemprego quase nos 20%, etc.
PPC foi uma nódoa a todos os níveis na governação do país. Vejo a idolatração da ala passista dentro do PSD e dos chalupas com muito medo, dizem à boca cheia que Passos Coelho salvou o país depois deste entrar em falência. O que Passos conseguiu fazer foi receber 75 mil milhões de euros, esbanjar tudo sem conseguir equilibrar as finanças e deixar o país à beira de precisar de novo resgate.
E aqui muito mérito para o Costa, de quem não gosto e em quem nunca votei, seja para o Governo ou para a Câmara de Lisboa, que fez uma jogada de altíssimo risco ao estimular o crescimento da economia através do consumo, numa altura em que o país já não teria forma de se financiar se o consumo não tivesse aumentado da forma brusca que aumentou e com isso gerado o aumento da receita fiscal que permitiu folga financeira e o cumprimento das obrigações. Contra todos os manuais de economia, o homem teve tomates e saiu-se bem.