Gosto de Martin Anselmi. Das suas ideias futebolísticas. Dos princípios e sub-princípios que procura implementar nas suas equipas. Do facto de se notar que nada é estanque no seu modelo de jogo. Da forma habitualmente honesta e aberta como comunica para fora, em especial no que à explicação do jogo diz respeito.
Gosto de Anselmi desde que o vi subjugar o São Paulo FC de Rogério Ceni na final da Copa Sul-Americana. Assente num 13412 muito bem organizado com e sem bola, o Independiente Del Valle de Anselmi era extremamente letal nas transições ofensivas. Sabia como procurar e promover ações que permitissem surpreender o adversário nesse momento do jogo, fosse através de uma pressão alta com referências individuais, fosse através de um bloco médio-baixo que convidava o adversário a vir até si para depois ser surpreendido nas zonas de pressão definidas por si.
A vitória sobre o Flamengo de Vítor Pereira na final da Recopa Sul-Americana confirmou que o êxito anterior não havia sido fruto do acaso. Uma vez mais perante um adversário com mais e melhores argumentos, Anselmi mostrou que sabia preparar um jogo, que sabia transmitir ideias e emoções, que sabia comunicar.
A passagem pelo Cruz Azul ajudou a apurar ideia, princípios e modelo de jogo. Agora mais vezes em 13421, a verticalidade manteve-se, mas abriram-se as portas à temporização, a uma maior utilização dos três corredores em fase de criação e a uma saída de bola a três... com o guarda-redes no meio dos centrais. Do México surgiram ainda ecos da sua comunicação. A intervenção em que explicou o que, para si, era ser uma equipa tornou-se viral. Rapidamente todos perceberam que Anselmi era diferente e diferenciado. Na forma e no conteúdo.
Chegado à Liga Portugal, Anselmi pareceu mostrar ao que vinha quando procurou desde logo adotar o seu 13421. A rapidez de raciocínio com que interpelou um jornalista numa flash interview a propósito de uma questão que não havia sido feita deu a entender que a personalidade argentina não se iria deixar afetar pela ausência de conteúdo futebolístico em grande parte dos pré e pós-jogos. Bons indícios, bons indicadores para uma realidade futebolística nacional tão pouco dada à análise do jogo em si, do jogo jogado dentro de campo.
Infelizmente o passar do tempo tem-nos dado a conhecer um outro lado de Anselmi. Menos elucidativo e paciente nas suas intervenções. Menos atento à sua equipa e à falta de rendimento evidente nos jogos mais recentes. Mais preocupado com aquilo que não interessa e não controla.
Os resultados não estão a ajudar e percebe-se que isso possa afetar o discernimento e o raciocínio. Acaba por ser natural com todo e qualquer ser humano, seja qual for a sua área de atividade. No entanto, aos melhores exige-se outra postura, outro discurso, outra inteligência emocional...
Falar de arbitragem quando não se efetua um remate à baliza em 45 minutos é querer desviar a atenção de um problema que começa a ser constante. Anteontem foi na etapa complementar, noutros jogos havia sido na etapa inicial. Dizer que a essência do clube, tal como a sua, é a da luta, ainda que indique sintonia e reciprocidade, acaba por ser curto para uma equipa como a do FC Porto.
Porque não tem faltado capacidade de luta aos dragões. Não tem faltado vontade nem ambição por parte dos jogadores. Tem faltado qualidade. Essencialmente qualidade. Nas opções à disposição de Anselmi, mas também nas tomadas de decisão do próprio.
O problema não está na linha de três. Está em quem joga nessa mesma linha, na forma como a fase de construção é facilmente condicionada. O problema não está nos alas. Está nas opções utilizadas nas alas, na falta de criatividade e verticalidade dos alas. O problema não está no posicionamento dos apoios mais diretos a Samu. Está nas opções lançadas por Anselmi para municiar o avançado espanhol, como se viu anteontem, ao escolher André Franco como médio centro e João Mário como avançado interior direito.
Quem decide assim não pode falar de arbitragens. Quem decide assim não pode justificar os insucessos com erros de terceiros. Quem decide assim não pode perspetivar o futuro apenas e só do ponto de vista da vontade e da luta.
Esse discurso é demasiado curto. Demasiado redutor. Demasiado a antítese de tudo que havíamos visto antes da chegada de Anselmi ao Dragão. Até mesmo dos primeiros dias do treinador argentino em Portugal.
Espero que seja Anselmi a contagiar positivamente a nossa liga. Com as suas ideias, com a sua comunicação, com a sua honestidade intelectual. Espero mesmo que isso venha a acontecer, pois trata-se de alguém que tem algo a aportar e a acrescentar valor à nossa realidade futebolística.
Tal como espero que ele não se aportuguese. Que não se deixe levar por velhos hábitos instalados nem siga cartilhas com discursos bacocos e sem conteúdo. O FC Porto agradece e o futebol português também...
in zerozero