As alegações que envolvem um administrador da SAD e a cúpula da claque azul e branca, com Fernando Madureira em prisão preventiva, tornam ainda mais sensível um momento delicado da história recente do FC Porto, que irá a eleições em abril
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No domingo, 4 de fevereiro, o Coliseu do Porto engalanou-se para a apresentação da recandidatura de Pinto da Costa à presidência do maior clube da cidade. Após quase 42 anos e, só no futebol sénior, 67 títulos, o tiro de partida rumo a um possível 16º mandato contou com a presença de antigos campeões europeus, como Jaime Magalhães ou Vítor Baía, e até Manuel Pizarro, ministro da Saúde.
Entre um discurso a prometer que, caso seja eleito, este será, “certamente”, o último quadriénio à frente do FC Porto e o cumprimento emocionado a Sérgio Conceição, Pinto da Costa não fugiu a outro tema quente da atualidade. “Quero deixar aqui um abraço ao Fernando Madureira e à sua mulher, porque os amigos são para as ocasiões”, disse o presidente portista.
O “abraço” surgiu quatro dias depois de Fernando e Sandra Madureira, respetivamente líder e número dois da claque Super Dragões, terem feito parte das 12 pessoas detidas pela PSP no âmbito da Operação Pretoriano, na qual se investigam agressões físicas e verbais na Assembleia-Geral do FC Porto, a 13 de novembro, e também atos de vandalismo na casa de André Villas-Boas, outro candidato às eleições. Entretanto, o juiz de instrução colocou Fernando Madureira em prisão preventiva, tal como Hugo ‘Polaco’ Carneiro, seu cúmplice. Sandra Madureira foi libertada.
As relações entre o FC Porto e os Super Dragões nem sempre foram marcadas pelo carinho e proteção atuais
O Ministério Público suspeita que Adelino Caldeira, administrador da SAD do FC Porto — que não foi detido e repudia “veementemente” quaisquer acusações —, arquitetou um plano em que usou o oficial de ligação aos adeptos do clube, Fernando Saul, para chegar à cúpula dos Super Dragões. Para evitar que os novos estatutos fossem rejeitados pelos sócios na última AG, Madureira terá recorrido a ‘Polaco’ para introduzir na sala vários não sócios da confiança da claque, que terão intimidado os sócios com palavras de ordem e ameaças diversas.
Em novembro, quando começou a tornar-se evidente que Villas-Boas concorreria às eleições do FC Porto e daria corpo à oposição mais forte a Pinto da Costa em muito tempo, Fernando Madureira foi claro na sua conta no Instagram: “Para derrubarem o rei, têm de passar por cima de nós.” Uma publicação que se seguiu às declarações do presidente do FC Porto à “SIC” expressando “admiração” pelo líder da claque. Mas nem sempre este carinho e proteção foram a norma.
UMA RELAÇÃO NÃO LINEAR
Daniel Sousa, sociólogo, docente na Universidade Fernando Pessoa e autor do livro “Claques de Futebol — O Teatro das Nossas Realidades”, lembra ao Expresso que, “ao longo do tempo, as relações entre o clube e os Super Dragões foram vivendo diferentes fases”. Se, atualmente, há “um claro apoio e uma relação de cooperação evidente”, não foi sempre assim.
O professor recorda “tempos de grande conflito” no reino do Dragão: “Nas Antas, o clube chegou a colocar seguranças para impedir que a claque apresentasse qualquer faixa ou manifestação contra a direção; no tempo de Co Adriaanse, foram cortados todos os apoios”, relata Daniel Sousa, que também é coordenador científico do Observatório da Violência Associada ao Desporto. Na altura em que o técnico neerlandês esteve nos dragões, em 2006, Madureira chegou a afirmar que os Super Dragões iriam “deixar de ser o escudo da SAD”.
A natureza reivindicativa da claque atingiu também responsáveis políticos, como Rui Rio. Em 2002, quando o então presidente da Câmara Municipal do Porto encontrou problemas no plano de pormenor das Antas, os Super Dragões desceram os Aliados com fortes críticas e insultos a Rio.
Neste momento, Daniel Seabra classifica o grupo como, “provavelmente”, a “claque mais relevante de Portugal”. Ainda que, “em termos de lógica coletiva” e de “apoio à equipa”, o especialista indique que os Super Dragões “são bastante semelhantes à generalidade das claques”. Há características que os singularizam, como a “grande capacidade de mobilização”, que se vê pelo “encher de muitos autocarros, comboios ou até aviões”.
Não obstante, Seabra entende que a grande “particularidade” face a outras claques é “a identificação com a cidade”, um “elemento muito presente nos cânticos e coreografias”. Num artigo na revista da Universidade do Minho, intitulado “Elementos Constitutivos da Identidade da Claque Super Dragões”, o investigador detalha essa conexão: “Um dos lemas é, precisamente, o orgulho em ser tripeiro. [...] A emblematização e exaltação da cidade do Porto, em associação ao clube, é outro valor fundamental para o grupo e assume-se como um elemento primordial e constitutivo da sua identidade. De todos eles, é certamente o traço mais peculiar da claque Super Dragões e distintivo em relação a outras claques do país.”
A Operação Pretoriano surge quando, talvez pela primeira vez, há oposição de peso a Pinto da Costa
Há mais de 20 anos que a figura de Madureira é central na mais conhecida organização de apoio aos azuis e brancos. E, ao longo de todo este trajeto, a controvérsia e as acusações judiciais andaram de braço dado com ‘Macaco’, que já em 2003, numa reportagem da “SIC”, se defendia garantindo que os Super Dragões não eram “causadores da desordem pública”, apesar de admitir que, “por vezes”, surgiam “problemas”.
Já condenado a penas como a proibição de entrar em recintos desportivos por seis meses (em 2017), ‘Macaco’ descreveria, num simpósio na Maia em 2018, os Super Dragões como “não sendo um grupo de escuteiros ou de excursionistas a Fátima”. Madureira define a claque como uma “microssociedade”, com “polícias e ladrões, delinquentes e profissionais, de juízes a advogados ou professores”, confessando que ele próprio não é “um professor de moral ou religião”.
OS TEMPOS INCERTOS DAS ELEIÇÕES
Nos primeiros 99 anos da sua história, o FC Porto teve 30 presidentes diferentes. Nos derradeiros 42, somente teve um, com a figura de Pinto da Costa a confundir-se com o passado recente dos dragões. No entanto, depois de muitas votações praticamente unânimes, sempre acima dos 98%, o histórico líder teve 79% em 2016 e 68,5% em 2020, evidenciando que já existiam então algumas franjas de descontentamento.
A candidatura de André Villas-Boas tenta capitalizar essa insatisfação, num ato eleitoral a que também concorre Nuno Lobo, empresário da restauração e professor que há quatro anos recebeu 4,91% dos votos. O Expresso contactou as três candidaturas, procurando reações à influência que a Operação Pretoriano pode ter na decisão dos sócios ou à posição quanto ao alegado envolvimento de um administrador da SAD. À hora de fecho desta edição, não houve respostas de Villas-Boas, Nuno Lobo ou Pinto da Costa.
Foram também contactados alguns antigos jogadores e figuras relevantes do universo portista. O silêncio foi a constante que os uniu a todos, num sintomático desconforto em falar sobre um tema que divide, como nunca, o FC Porto.