Não devemos procurar correspondências absolutas entre crenças e comportamentos admissíveis, prescrevendo deveres de acção e acções inadequadas de acordo com a área política de determinado indivíduo. Ou de acordo com a sua religião, ou... etc. etc. etc. A avaliação feita por um terceiro elemento, sobre o que seria coerente e incoerente, é também ela sensível. O político não se encontra na política para resolver os seus problemas pessoais mas sim para gerir a vida colectiva. A defesa de sistemas públicos de saúde e de educação enquanto respostas preferenciais para a comunidade não obriga a que o indivíduo, político ou não, mediante os seus próprios recursos, não possa recorrer a estabelecimentos privados. Até porque os políticos em questão não advogam a inexistência de serviços de saúde e educativos privados; defendem sim a preponderância da esfera pública e, eventualmente, a redução do financiamento público ao sector privado a acordos circunstanciais. Defendem um determinado modelo. O Estado não tem de garantir o acesso dos cidadãos a serviços privados ou possibilitar-lhes sequer a escolha entre sectores público e privado; tem de cumprir a Constituição, que consagra serviços públicos. As formas de articulação entre público e privado variam consoante as visões dos partidos, é natural, e não se deve esperar que um partido dê continuidade às opção políticas dos adversários.
Podemos questionar os resultados do não prolongamento dos contatos de associação, mas... é uma opção politicamente legítima.
Apesar de todo este argumentário, compreendo a crítica feita em torno das matrículas dos filhos. Parcialmente. O PS não é um partido anti-capitalista nem contra a existência de oferta privada. Os seus políticos poderão muito bem defender uma escola pública forte, a existência de escolas privadas (sem contratos de associação) e encaminhar os filhos tanto para umas como para outras.
Não creio que a TAP tenha sido nacionalizada para que os membros do governo pudessem usar os seus serviços. Se PNS usa ou não a TAP, ignoro e tão pouco me parece relevante. A todo esse processo rocambolesco, para não dizer vergonhoso, que implica uma privatização feita por um governo demissionário após o chumbo do seu programa, será natural uma censura política generalizada. Da forma como se privatizou a todas as custosas peripécias que se seguiram. Bem, mas também ninguém me questionou acerca da resolução do BES e do acordo com a Lone Star.
Sobre Mortágua, creio que os embaraços com histórias de senhorios até são outros. Quanto a esse:
Mariana Mortágua é “senhoria de um T1” onde cobra renda de “650 euros” ao inquilino? – Poligrafo . Não sei ao certo qual a posição do Bloco acerca do arrendamento, mas parece-me que não será contra a propriedade privada. Eventualmente contra habitações vazias e rendas especulativas sim, agora contra a possibilidade de se deter e arrendar um apartamento... não tenho essa ideia. O caso que envolveu Robles sim, é moralmente questionável, pois criticava-se a proliferação de alojamentos locais e o prédio do antigo vereador apresentava-se para venda contemplado essa perspectiva.
Sócrates é um caso de polícia.
... para encerrar, as pessoas não têm exacta noção dos níveis de riqueza e de desigualdade existentes. Ter e arrendar um apartamento, comprar um iPhone, tirar um curso em Paris (para mais quando é oferecido por um amigo)... não retira legitimidade a ninguém para uma crítica ao sistema económico. Também há práticas que acarretam incoerências. Defender maior igualdade, serviços públicos, fiscalidade progressiva... e transferir riqueza para um paraíso fiscal. Não pagar ordenados superiores havendo essa possibilidade. Quem critica uma sociedade de consumo, não lhe convirá passar os dias a comprar produtos. Depende. Porém, até a incoerência é profundamente humana e afecta tanto quem pensa à esquerda como à direita. Apontá-la vale o que vale.