Este texto que vou colocar aqui é interessante e serve de debate para analisar novos fenómenos políticos que estão a aparecer principalmente no chamado mundo ocidental.
Antes de colocar o texto integral vou colocar uma parte que me parece importante do ponto de vista que ultrapassa o debate habitual esquerda - direita ou vice versa ao gosto de cada um.
"Enquanto a tradicional clivagem esquerda-direita constrói-se na oscilação entre o estado e o mercado, esta direita associa a suspeição às instituições. Não se trata apenas de questionar o sistema político, mas todas as instituições que, com as devidas imperfeições, construíram um mundo em que há espaço para todos terem o direito a nascer condignamente e a procurar a sua realização individual."
Ainda antes do texto que aborda no essencial o colocarem em causa a ciência se fosse eu a elaborar o texto falaria da "evidência" que é para muita gente dessa sobre a Terra não ser redonda mas plana, a "mentira" da ida à Lua, do mundo ocidental estar controlado por pedófilos, etc. Todas aquelas frases que são base de uma tese politica que emergiu e que tem milhões de seguidores.
A direita que faz mal à saúde
Donald Trump, Jair Bolsonaro, Marine Le Pen, Giorgia Meloni ou André Ventura são alguns dos rostos mais conhecidos de uma nova direita que se instalou na América e na Europa.
Fogem dos rótulos “populismo”, “autoritarismo”, “racismo” e “fascismo”, ainda que se pautem por uma cartilha que associa uma cultura antissistema, contradições ideológicas na relação entre o estado, o mercado e as liberdades individuais e acérrimas posições, tanto de defesa do nacionalismo, do conservadorismo católico e do policiamento violento como de oposição ao multiculturalismo, à liberdade de género, ao aborto e à eutanásia.
À medida que estes movimentos vão ocupando lugares de poder aumenta a necessidade de olhar para as implicações que terão nos sistemas de saúde e nos comportamentos das pessoas.
É justo dizer que o conteúdo destes movimentos pode não ser exatamente igual nos vários países. Ainda assim, sabe-se que respostas deficientes na gestão da Covid-19 estiveram associadas a alguns destes líderes, como os EUA ou o Brasil demonstram. Mesmo antes da pandemia, há evidência de retrocesso de políticas de saúde, em que a desproteção de imigrantes e de pessoas em situação de pobreza ganha destaque.
O facto de ainda não terem muito tempo de poder permite-lhes negar esta evidência ou argumentar com a pesada herança que receberam. Mais do que isso, a sua cartilha permite-lhes dar o dito por não dito com relativa facilidade. A primeira-ministra italiana, que a respeito da Covid-19 diz encontrar utilidade nos testes, nos certificados e nas máscaras e que chegou a pedir uma ação mais musculada da UE contra o alívio das medidas pela China, foi a líder da oposição que mais criticou tais soluções.
Equacionadas todas as cautelas, não pode prevalecer a ingenuidade nem o medo. Esta é mesmo uma direita diferente que põe em causa o bem-estar coletivo e a coesão social que os sistemas de saúde cumprem.
Enquanto a tradicional clivagem esquerda-direita constrói-se na oscilação entre o estado e o mercado, esta direita associa a suspeição às instituições. Não se trata apenas de questionar o sistema político, mas todas as instituições que, com as devidas imperfeições, construíram um mundo em que há espaço para todos terem o direito a nascer condignamente e a procurar a sua realização individual.
A ciência faz parte das suspeitas. Voltamos ao tema do negacionismo da pandemia e da forte resistência à vacinação.
O passar do tempo permite perceber melhor o fenómeno e os estudos estão a reportar associações entre a hesitação vacinal e o apoio a estes movimentos políticos. Um desses estudos foi realizado há pouco tempo em Espanha e conclui que entre o eleitorado do Vox a hesitação com as vacinas contra a Covid-19 era o dobro face à população em geral. Algo semelhante foi reportado nos EUA e em França.
O que este estudo acrescenta é que o carisma destes líderes influencia o comportamento do eleitorado em relação às vacinas. Logo, declarações de oposição ou dúvida conduzem mais facilmente ao negacionismo e à hesitação vacinal, enquanto declarações de aceitação atenuam estes efeitos, sem que nunca seja equivalente ao da população em geral.
A interpretação é que esta direita pode mesmo pôr em causa a saúde pública. Isso é inequívoco quando estes líderes estão na oposição. Ao assumirem o poder tem havido diferenças no modo como se posicionam face à ciência. O caso de Meloni em Itália parece mostrar alguma moderação que não se viu em Trump ou Bolsonaro.
Mas a moderação desta direita ainda está por provar. Dependerá da consciência do líder sobre o papel que cumpre para assegurar a coesão do país, do seu poder carismático para influenciar comportamentos do eleitorado e do equilíbrio de forças entre os seus apoiantes, onde haverá sempre grupos mais extremados.
Acima de tudo, fica por provar se os danos ao conhecimento científico, entretanto causados por dúvidas e suspeições, são superáveis.
Em Portugal houve sinais das dúvidas e do negacionismo entre o eleitorado do Chega. Também, a oscilação do discurso, em que André Ventura tanto desconsiderou as vacinas como assumiu vacinar-se.
A grande dúvida é o que o crescimento do Chega irá causar nas políticas de saúde e no comportamento dos portugueses. É devida muito mais responsabilidade a um partido com representação parlamentar e atenção das instituições de saúde para antecipar fenómenos de negação e suspeição que têm as condições para aumentar.