Uma pergunta rápida sem qualquer tipo de pretensões de minha parte:
Se vocês andassem pela Cova da Moura a uma hora tardia tinham mais receio de se cruzarem com o Odair ou com o polícia que o matou?
Quem seriam esses "vocês"? Questione-se a população afrodescendente que habita a periferia de Lisboa, se sentiriam receio ao passar por um polícia num sítio isolado. Conheço pessoas que sentem receio. Coloque-se a mesmo pergunta aos habitantes dos "bairros sociais" que existem país fora. O que sentirão os migrantes que foram violentados pela GNR ao passarem por forças de segurança?... Se a questão permitir medir o grau de segurança e insegurança que cada um percepciona ao cruzar-se com forças policiais, as respostas serão distintas consoante as experiências pessoais ou colectivas de pessoas e grupos demográficos. A realidade está longe de ser linear ou evidente.
Uma história engraçada, sem graça nenhuma: pessoa que sofre violência doméstica, o agressor é um polícia. Durante uma ocorrência, não se pode contactar a esquadra da área de residência, pois o agressor trabalha lá e os colegas conhecem a situação. A senhora tem pânico de polícias. Compreensível. Sabe-se lá quais são as razões de cada um...
Mal seria se a maioria da população sentisse medo ao passar por quem tem como função e motivo de existência a manutenção de uma ordem que consideramos aceitável. Suponho que muitos tivessem medo ao passar pela autoridade durante o Estado Novo. ... parte-se do princípio que a criminalidade dá-se fora da esfera daqueles que têm como função combatê-la. Por isso, qualquer infracção de um membro das polícias ou militar causa um dano gravíssimo ao estado e à sociedade, muito mais do que qualquer ocorrência criminal normal. Não é aceitável que se mate um cidadão num cubículo de aeroporto, não é aceitável que se forje documentos. Não chega usar farda e insígnias para transmitir confiança e segurança. Como confiar numa organização de manutenção da ordem cujos elementos cometem crimes? Pior será se a própria estrutura procurar abafá-los...
E que tem que ver a questão do colega com o processo em curso? Homeniuk não se encontra morto? Aliás, mandou-se instalar botões de pânico nas instalações do SEF no aeroporto, imagine-se. Os vídeos das humilhações a migrantes, filmados pelos próprios militares da GNR, não são verdadeiros? A Justiça não condenou vários agentes da PSP, há alguns anos, por crimes de sequestro, ofensa à integridade física qualificada, falsificação de documento, etc, etc, ... contra moradores da mesma Cova da Moura?... as organizações que detêm o monopólio da violência legítima devem policiar-se constantemente a si mesmas. Nada ganharão em assobiar para o lado. Os problemas não se resolvem sacudindo a água do capote nem recorrendo a retóricas manhosas que procuram esbater responsabilidades. Querer forças policiais e militares íntegras deveria ser um imperativo de qualquer cidadão, a começar pelos que constituem esses mesmos corpos. Apontar o dedo às disfunções destes sectores não é o mesmo que defender o crime, pelo contrário, é o desejo por uma sociedade melhor.
Teriam medo de andar pelo bairro da Jamaica? Pelo antigo Casal Ventoso? Chelas? Quinta da Fonte? Cerco?... quem imaginaria que políticas públicas que concentram os mais variados problemas sociais em zonas urbanas de segunda ou terceira categoria teriam efeitos perversos...
Os tempos que correm não são propícios a soluções sérias. Nem a soluções nem a discussões. Continuaremos alegremente a olhar a realidade como se nela nos posicionássemos como adeptos de futebol, torcendo por uma ou outra facção. Até ao dia...