Acabas de dizer que o jovem não corria perigo de vida, quando de facto um dos alvejados, que é o único que está vivo(Gaige Grosskreutz), apontou uma arma na cara do rapaz e tu vens dizer que ele não corria perigo de vida? A não ser que descobriste que aquela era um pistola de plástico a brincar... como ainda por cima o primeiro a ser alvejado(Joseph Rosenbaum) estava correr desenfreadamente atrás do rapaz e à custa de ter atirado nesse, que correram atrás do rapaz. Ainda bem que tu não és juiz.
Nesta história não existem heróris, nem vilões.
Ou seja, essa pessoa que acabou ferida observou o rapaz de rifle em punho, eventualmente sabia já que um manifestante havia sido baleado, pois muitos dos presentes terão identificado Rittenhouse como "atirador", e optou por não iniciar uma troca de tiros ou disparar sobre o jovem. Apontou-lhe uma arma. Imagino que a compreensão demonstrada pelo adolescente que se defendeu será ampla o suficiente para empatizar com quem, em plena manifestação, após um tiroteio que fizera um morto, se terá sentido em perigo ao ver uma pessoa de espingarda na mão, o atirador de facto. Não será razoável admitir que essas pessoas, ao verem o jovem armado, com o caos instalado, sentiram perigo de vida? A menos que a compreensão seja coisa maniqueísta, ao estilo esquerda-direita. Uns correram, outros abordaram-no... Tivéssemos uma pistola e provavelmente faríamos o mesmo, apontar-lha-íamos. E no entanto Rittenhouse não foi baleado, baleou. Seria a sua espingarda de plástico? Sabemos que não.
Eventualmente complexificaria a coisa ao deparar-me com uma pessoa que dispara uma espingarda à queima roupa contra outra que a persegue desarmada, por vigorosa e desenfreada que fosse a corrida. Não creio que correr atrás de alguém seja razão suficiente para matar. Consideraria a proporcionalidade da resposta. Ainda bem para o rapaz que não fiz parte do júri, o colega tem razão. Também acho que não existem heróis nem vilões nesta história, somente reflectiria isso na sentença. Porque como as coisas ficaram, apenas houve dois mortos, um ferido e um inocente (justamente quem matou e feriu). Não, não me parece descabido algum castigo para o jovem. Entre a prisão perpétua e nada... decerto arranjaria alguma coisa; por certo um dos extremos não me parece a posição mais razoável.
Em que ficamos afinal... considera que não há heróis nem vilões e, simultaneamente, opta por não considerar quaisquer sanções? Há dois mortos e um inocente, o que se aproxima alarmantemente de dois vilões e um herói. Uns morrem outros são inocentes, é a desresponsabilização total. Se correr atrás de outra pessoa é o suficiente para abrir fogo, e se abrir fogo não é um acto sancionado, nada impede que as próximas manifestações sejam autênticas guerras armadas. Facilmente se argumentará que a presença de uma ou mais pessoas armadas inspira medo e implica risco de vida para outras. Um convite à violência, à presença de gente armada em contextos explosivos... Mas enfim, talvez não haja problemas de violência nos Estados Unidos. Pessoalmente, calculo que os graves problemas de violência da sociedade norte-americana têm também alguma coisa que ver com o funcionamento do sistema judicial, ou melhor, com a forma de como o sistema interpreta as leis e os valores daquele país. Quiçá não perdessem muito com uma visão menos abrangente do conceito de "defesa própria" e sobre o recurso a armas de fogo.
Também se poderia questionar o porquê de estar ali aquela milícia a substituir a vez de um corpo policial, mas enfim... coisa mais própria do faroeste. Se um país acha que é normal ter adolescentes que se mobilizam para fazer patrulhas armadas... à data, o poder político condescendia com a atitude. A ter também em consideração, se alguém estranhar o fenómeno.
