Costinha entrevistado no Zero Zero:
(...)
"zz: Não era propriamente fácil uma equipa portuguesa contratar a alguém que estivesse num grande campeonato. Como aconteceu o seu ingresso no FC Porto?
C: Tenho de dar crédito ao presidente Pinto da Costa. Isto acontece quando eu estou a terminar contrato com o Monaco. Como as coisas correram muito bem no Monaco, o olheiro do Valencia que me avaliou a primeira vez ganhou moral porque o jogador que ele tinha levado já era internacional e tinha sido campeão francês. Então o Valencia estava interessado, o Inter de Milão estava interessado e a mulher estava na fase das saudades de Portugal. Ela estava grávida e aparece o Benfica, na transição do João Vale e Azevedo, para o Vilarinho.
Assinei com o FC Porto, depois de dar um aperto de mão ao presidente Pinto da Costa. Ele disse-me: No FC Porto o aperto de mão é um contrato... Eu disse-lhe: Parece-me bem, o meu avô sempre me ensinou isso. Se perdes a palavra, perdes tudo Costinha, ex-jogador de futebol
zz: O que pensou?
C: Naquela altura, o Benfica não tinha ponta por onde se pegasse. É um grande clube, com um poder em termos de adeptos gigante, mas não foi um clube que me soube cativar. O João Vieira Pinto tinha saído para o Sporting, tinha alguns amigos que estavam lá, como Luís Carlos, que tinha jogado comigo no Oriental...
zz: E foi aí que surgiu o FC Porto?
C: Sim. Numa conversa com o presidente Pinto da Costa ele começou a dizer-me que eu tinha o perfil para ser jogador do FC Porto. Qual a minha ideia sobre isso... Disse que eu iria ser jogador do FC Porto... Mandou um valor para cima da mesa, eu concordei com esse valor, ele estica-me a mão e diz: No FC Porto o aperto de mão é um contrato... Eu disse-lhe: Parece-me bem, o meu avô sempre me ensinou isso. Se perdes a palavra, perdes tudo.
zz: Um contrato selado assim.
C: Verdade. Apertámos a mão e ficou fechado. Passado uma semana, o Sporting fez-me uma proposta a oferecer o dobro. Toda a gente sabe que o Sporting foi o clube pelo qual torci quando era criança e poderia ser tentador faltar à minha palavra para ir para o Sporting. No entanto, eu não poderia faltar à minha palavra e acabei por vir para o Porto. Depois, a minha história no FC Porto fala por si.
zz: Foi a melhor decisão que poderia ter tomado?
C: Acho que escolhi bem...
zz: Esperava encontrar um FC Porto diferente daquele que encontrou?
C: O FC Porto não vinha de uma grande fase. Eram três anos sem ganhar, tinha sido o período de Sporting, Boavista e Sporting. Eu adoro o FC Porto e sou super bem recebido na cidade do Porto, mas quando assinei os adeptos também se questionavam quem era o Costinha. Ainda para mais estava na equipa o Carlos Paredes, que tinha feito uma grande temporada, estava o Paulinho Santos também. Não andaram aos pulos por minha causa. Eu tive de ir à procura do meu espaço e penso que isso agradou os adeptos do FC Porto.
zz: É preciso saber ler os adeptos.
C: Eu acho que conquistei os adeptos do FC Porto. O FC Porto estava novamente à procura de ter uma equipa. Havia bons jogadores, mas ainda não tinha encontrado uma equipa.
zz: E é o Mourinho que encontra essa equipa?
C: Acho que o mister José Mourinho tem uma cota parte muito grande nesse encontrar de equipa. Se aquela equipa continuasse a jogar, ia continuar a ganhar. Tínhamos uma cumplicidade enorme.
zz: Via-se isso em campo.
C: No outro dia estava a comentar com um amigo, o Dmitri Alenichev era suplente do FC Porto. Era um suplente muito utilizado, mas era suplente. Dentro do meio campo idealizado pelo mister José Mourinho ele não era o titular absoluto. Os titulares absolutos, perdoem-me a imodéstia, era eu, o Maniche e o Deco. Depois, lutava com o Pedro Mendes e o Dmitri Alenichev. E o Dmitri Alenichev era um craque...
zz: O que fez de diferente o José Mourinho? C: Ele já conhecia o clube, tinha estado no FC Porto com o mister Bobby Robson e sabia o que o clube poderia fazer. Felizmente as coisas correram muito bem. Ele trouxe organização e honestidade. Não estou a dizer que os outros não era honestos, mas ele metia as cartas na mesa, na cara de todos os jogadores. Não havia forma de alguém dizer que ele tinha enganado. Ele fazia aquilo que pensava. Ele mudou a forma como se preparavam os jogos: à terça-feira já tínhamos informações sobre o adversário, fosse do jogador mais faltoso, fosse do jogador mais influente... Sabíamos como agir com o adversário.
zz: É verdade que, antes do jogo contra o Manchester United, da segunda-mão da Champions League, ele andou essa semana a trabalhar consigo e com o Maniche a forma de pressionar o Paul Scholes para ele não construir bem o ataque do Manchester?
C: Também. Em termos técnicos e táticos ele fez evoluir aquela era, não foi apenas o FC Porto. Ele dominou aquela era como ninguém. Lembro-me que tive um problema com ele, na altura do FC Porto, e percebi que ele tinha tido aquela pega comigo porque sabia que eu não iria deixar de treinar de forma séria.
zz: Foi para ser o exemplo para o grupo.
C: Sim, ele gostava de pegar nos mais fortes. Lembro-me de quando saiu o Manchester United ele ter dito: Top. Costa, tu não jogas o primeiro jogo em casa, mas vamos ganhar, com maior ou menor dificuldade vamos ganhar... 1-0, 2-0, 2-1... Depois, em Old Trafford tu estás e vamos conseguir ganhar lá, ou passar a eliminatória lá, porque dominas no jogo aéreo e em termos defensivos vamos ser muito mais coesos.
zz: É muita confiança.
C: Depois de ter dito aquilo foi-se embora. Era uma altura que só nos cumprimentávamos, ainda andávamos pegados. E aí percebi. Eu depois também perguntava as coisas, pois gostava de perceber o que andava a treinar. Até nessa abordagem era muito meticuloso.
zz: Então foi parar ao segundo poste naquele golo com que sentido, se não foi treinado?
C: Quem ia bater o livre era o Ricardo Fernandes, pois tinha um pé esquerdo fantástico. Mas, entretanto, o Benni McCarthy pegou na bola e diz que quer bater o livre. Julgo que o Bicho, Jorge Costa, já tinha saído nesse jogo. Na barreira tinha de estar eu e o Bicho, para fazer pressão e a barreira desviar-se. Mas olho para a barreira, vejo o Pedro Emanuel e penso que outro colega vai para lá, pois o jogo estava a terminar e era preciso arriscar. Olho para a área e vejo o Maniche com o John O'Shea, que tinha cerca de 1,86m. Eu estou com o Wes Brown, que era mais ou menos da minha altura. Pensei que o melhor seria trocar, pois o O'Shea era mais alto que eu, mas eu era forte no jogo aéreo e ele era mais corpulento, poderia ter mais dificuldade. Pensei que se a bola caísse na área, poderia passar para alguém. Converso com o Maniche, trocámos de posição.
zz: Depois foi a história.
C: Sim. Se reparar, ainda hoje nos jogos, sempre que vai haver um cruzamento, o normal é os jogadores olharem para a bola e não para os jogadores que estão a marcar. Os jogadores esquecem-se sempre que a bola só entra se o guarda-redes estiver distraído, ou se alguém tocar a bola para dentro da baliza. Se tu estiveres a marcar esse jogador, a probabilidade dele fazer golo é mais reduzida. Agora, se tiveres a olhar só para a bola, se ela passar por cima de ti, já perdeste esse timing: foi isso que aconteceu. Ele olhou para a bola, eu fiz o movimento e arranquei. Quando vi a bola sair, arranquei para a zona e, quando vi o Tim Howard colocar a bola para a frente, limitei-me a empurrar para dentro da baliza. Costinha a celebrar o golo do empate, em Manchester, que qualificou o FC Porto para os quartos-de-final da Champions League de 2003/04
zz: Eu acho que o Manchester United não viu aquele golo no Euro 2000.
C: Provavelmente não.
zz: Não sendo igual, há algum de semelhante.
C: E nem sequer era para estar na área. Mas o Paulo Bento disse-me: Miúdo, tu jogas bem de cabeça, vai lá para a área. Eu fui, o Luís Figo bateu, antecipei-me ao Bogdan Stelea e faço o golo.
zz: Qual foi a conquista mais saborosa: a Champions League ou a Taça UEFA?
C: Celebrámos mais a Taça UEFA, vivemos a UEFA de uma maneira diferente, mas é óbvio que a Champions é a Champions. Ainda hoje vou a qualquer país do Mundo e aquelas pessoas que me reconhecem dizem: Champions League Winner. Lembro-me de ir passar férias às ilhas Maurícias, em 2005, estar sentado com a minha esposa no Resort e chegar um rapaz perto de mim e dizer que estava muito desapontado comigo. Disse-me aquilo do nada e foi-se embora.
zz: Ficou a questionar?
C: Claro. Eu disse logo à minha mulher que não íamos comer a comida que ele trouxesse. Mas depois percebi. Ele tinha feito uma aposta grande para o Manchester United ganhar ao FC Porto e com o meu golo, ele tinha perdido o dinheiro. Depois de ouvir aquilo, deixei lá com ele o dinheiro que tinha trocado para a moeda local e é uma pessoa que ainda hoje me manda postais. A Liga dos Campeões chega onde as outras competições não chegam e, com o passar dos anos, percebes que aquilo que o FC Porto fez é algo único. Mais nenhuma equipa conseguiu depois de nós.
zz: Mesmo.
C: Eu gostava de ver mais equipas portuguesas a vencerem a Champions League. Tudo isso tem a ver com o projeto que tu preparas para o teu clube. Naquela equipa, tínhamos o Paulo Ferreira, que tinha vindo do Vitória de Setúbal, o Nuno Valente da União de Leiria, o Maniche estava sem treinar no Benfica, o Derlei também tinha vindo do Leiria, o Carlos Alberto tinha muita qualidade, mas era um jovem, o Benni McCarthy não era titularíssimo no Celta de Vigo... Muitas vezes íamos no autocarro para os jogos a apostar por quanto íamos ganhar. A confiança vivia connosco
zz: Mas depois de ganharem a Taça UEFA sentiram que eram imbatíveis?
C: Posso dizer-te que nos sentíamos imbatíveis, mas sabíamos que na Liga dos Campeões iríamos ter melhores equipas. Apesar disso, a nossa ambição era ganhar na mesma. Uma das coisas que me fez sair do Monaco foi não sentir fome de vencer e no FC Porto existe em grandes doses. És obrigado a vencer. Sim ou sim. Muitas vezes íamos no autocarro para os jogos a apostar por quanto íamos ganhar. A confiança vivia connosco. Em dois anos tivemos pouca derrotas. Perdoem-me a imodéstia, mas sentíamo-nos tão motivados, para onde íamos era para triturar.
zz: Quando viu que a final seria contra o Monaco também deve ter mexido com os sentimentos.
C: Sim. Mas em campo, quando o árbitro apitou... Não havia hipótese nenhuma. zz: Podia lá estar o seu filho. C: Sim, se tivesse de levar um cachaço também levava. Mas recordo-me de, quando terminou, ter festejado com os adeptos do FC Porto, mas depois ter ido junto dos adeptos do Monaco. Desse lado, havia muitos adeptos que eu conhecia... Ainda me estou a arrepiar só de recordar esse momento. O Monaco foi o primeiro clube profissional onde joguei. Foi o clube que me fez chegar à seleção nacional e seria um ingratidão muito grande da minha parte não sentir nada pelo sofrimento daquela gente, mesmo estando a viver a maior felicidade desportiva. Foram anos fantásticos, mas tinha ali amigos no Monaco. Alguém tinha de perder, ainda bem que foram eles. "
Texto retirado do zerozero.pt