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Ser guarda-redes nem sequer era um dos mais ardentes sonhos de criança. Médico, isso sim! Depois, por influência da irmã, licenciada em Economia, Vítor Baía pensou mudar de rota e estudar para economista. Guarda-redes seria, por um desses fascinantes caprichos do destino. Antes de ir parar às Antas jogou num clube popular, a Associação Académica de Leça, tendo como parceiro de equipa... Domingos. Num torneio disputado no Estádio do Mar, foram observados por um olheiro do F. C. Porto. Como a sua equipa jogou ao ataque, brilharam Domingos e o guarda-redes adversário, Carlos, de outro clube de Leça. Ambos foram convidados a aparecer nas Antas. «Como eu era pequenino e não oferecia grandes garantias, Fernando Santos, o nosso treinador, mandou-me às Antas com o Domingos. O olheiro não percebeu que eu não era o tal guarda-redes que brilhara no jogo que ele vira, deixou-me insustentável dureza do golo
Sofrer um golo estilhaça-lhe o coração. Mesmo que seja um golo só. Em entrevista a A BOLA haveria de confidenciar: «Terrível a sensação do golo sofrido! Só revejo os golos que consinto uma ou duas semanas após o jogo seguinte! Vivo muito o futebol. Sou um ganhador nato e o facto de a equipa não vencer mexe muito comigo. Fico insuportável e nessas alturas só quero espairecer. Passado algum tempo, com as ideias no lugar, então vejo as gravações em vídeo, sempre com a preocupação de emendar o erro, de não repetir o disparate, quando disparate é.»
Não se atreve a considerar-se o melhor guarda-redes da Europa só porque, ainda agora, recebeu tal prémio. «Nunca penso muito nessas coisas, penso sempre que sou humano, que estou sujeito ao erro, até sujeito ao... frango. A única pessoa que veio ao Mundo e era perfeita era Jesus Cristo. E, mesmo assim, foi crucificado! Tento errar o menos possível, tenho-o conseguido, e daí uma certa regularidade na minha carreira. Mas, às vezes, há razões inexplicáveis para os golos, são esses momentos que me deixam despedaçado, porque, para mim, perder é a pior coisa do Mundo.»
O seu carisma espalha-se para além dos relvados. Não se lhe regateiam elogios quando assume, com a mesma frieza, a mesma racionalidade com que defende a defesa dos interesses profissionais dos futebolistas, que não aceita que sejam títeres de ouro nas mãos de quem quer que seja. Durante muito tempo não quis misturar a profissão com a política, dizendo admirar Narciso Miranda, Cavaco Silva, Mário Soares. «Isso pode parecer algo de paradoxal mas aprecio as pessoas independentemente das suas filiações partidárias. Sei distinguir claramente o carácter, a personalidade de cada um, faço escolhas seleccionadas.» Recentemente foi um pouco mais longe. Envolveu-se. E aceitou um lugar na Comissão de Honra da candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República.
Mas do que mais gosta, fora do futebol, é mesmo de... brincar com o filho, Diogo. Revelaria, então, que se um dia tivesse de vir a trocar o F. C. Porto por um clube estrangeiro, fá-lo-ia desde que... fosse «um clube maior que o F. C. Porto, ao qual devo tudo o que sou. E como no mundo inteiro poucos há assim...» Havia o Barcelona, para onde foi e onde não foi, inteiramente, feliz. Ao F. C. Porto regressaria com o sucesso que se sabe...testar e... fiquei. Para mim foi um espanto, até porque, um mês antes, estivera à experiência no Leixões, disseram-me que até tinha jeito, mas que com aquela altura nem para guarda-redes de futebol de salão serviria! Ou seja, foi por ser pequenino que fui parar ao F. C. Porto.»
Seu pai, guarda-fiscal, sua mãe, doméstica, eram, então, benfiquistas assumidos. Só se tornaram portistas quando Vítor começou a traçar o seu destino. Os estudos, no 12.º ano, começaram então a ficar para trás. Seria o futebol a sua estrada de Damasco. Naturalmente. O ar quase angélico de menino de coro, que se mantém foi o ar com que se lançou na odisseia que o transformaria num dos mais carismáticos futebolistas portugueses da década de 90. Mas, por vezes, as aparências iludem. «Sei que tenho este ar de menino bem comportado, mas, em criança, também fiz as minhas traquinices. No casamento de um tio, abri as torneiras de incêndio e inundei o prédio todo. E tenho, também, a recordação de ter sido corrido à sachola, mais a minha seita, de um campo de frutas que existia perto da minha casa... Bom, tenho este ar de quase cientista mas era fresco, embora sempre bom estudante. Só uma vez tirei negativa. Contudo, a imagem que dou corresponde àquilo que, na verdade, sou: um jovem sereno. Essa serenidade tem-me ajudado muito na vida profissional, dentro e fora dos relvados.»
Como poderia ter morrido
Tem. Mas, antes da glória, acastelaram-se sombras negras no seu horizonte. De tal forma que até a sua vida periclitou. Parecia que havia em si má sina, adversos fados. Uma lesão impedira-o de sagrar-se, na Checoslováquia, vice-campeão europeu de sub-18. E a recidiva de uma tromboflebite no braço direito afastá-lo-ia da epopeia dourada da Arábia Saudita, onde Portugal conquistaria, pela primeira vez, o título mundial de juniores. «A tromboflebite fora detectada antes de um jogo com o Benfica, os médicos acham que se tivesse jogado nesse dia poderia ter morrido! Dois meses acabei por estar internado, numa clínica do Porto, tentando resolver o problema. Há males que vêm por bem, não fora ter de ficar sob os cuidados do departamento médico do F. C. Porto e teria sido enviado para o Famalicão, então a disputar a III Divisão. Tudo parecia resolvido mas, de um dia para o outro, o problema da flebotrombose agravou-se, foi por isso que não fui integrado na comitiva.» Ainda se colocou a hipótese de ser repescado, quando um médico francês o considerou apto para o futebol, mas como, entretanto, o Mlynarczyck se lesionara e o Zé Beto estava sob alçada disciplinar, Vítor Baía ficou apenas à disposição de Artur Jorge. «Fiquei triste por não ter ido ao Mundial da Arábia Saudita mas o F. C. Porto precisava de mim... Quando fomos campeões, até me correu uma lágrima marota pela cara abaixo, não porque estivesse roído de inveja mas pela felicidade que aquele momento me proporcionou e por sentir que eu também ajudara à saga, na fase de qualificação.»
Caminho da glória aberto pela desgraça de Mly
Vítor Baía surgira, pela primeira vez, na defesa da baliza do F. C. Porto, lançado por Artur Jorge, no dia 29 de Janeiro de 1989, nas Antas, contra o Vitória de Guimarães, rendendo Mlynarczyck, que, nessa semana, fracturara a clavícula, desenlace que lhe colocaria, irremediavelmente, ponto final numa carreira que fora fabulosa. Em 1992 ficaria Baía a escassos minutos de bater um record mundial de imbatibilidade, pertença do colchonero Abel, quando o Atlético Madrid de Paulo Futre era treinado por... Tomislav Ivic. No ano seguinte o L\'Equipe considerava-o já o segundo melhor guarda-redes europeu e de Baía diria, por essa altura, Acúrsio, outro dos grandes guarda-redes portistas: «Assemelha-se aos guardiões do meu tempo. É alto, decidido e corajoso a sair dos postes. Tem planta, falta-lhe apenas um bocadinho mais de agressividade.» Ao que Américo acrescentaria: «A Selecção vai ter guarda-redes, pelo menos, para 10 anos. Parece-me que, por vezes, o Vítor peca por ter calma a mais. Também penso que gosta de passar despercebido e devia mostrar mais a sua presença perante os colegas, não os deixando amolecer.» Baía é assim porque é assim. «Talvez seja um guarda-redes discreto por gostar de tornar fáceis as coisas difíceis.» É, na perfeição, o auto-retrato síntese de si mesmo. Os traços justificam a equação do (seu) sucesso, lançada quando ainda estava na rampa de lançamento para o fastídio por Rui Santos: «Mlynarczyk+Damas=Vítor Baía.» Nesse mesmo ano de 1993 Vítor Baía seria o primeiro futebolista em actividade porque a primeira edição servira para cumular, simbolicamente, Eusébio a ganhar A Bola de Ouro, troféu instituído pelo nosso jornal para premiar, anualmente, o melhor jogador nacional. A sua estrela nunca mais parou de lucilar. A EMS, organização que congrega as mais prestigiadas revistas europeias de futebol, escolheu-o como o melhor guarda-redes da Europa, depois de ter estado, outra vez, mais de 1000 minutos sem sofrer um golo...
A insustentável dureza do golo
Sofrer um golo estilhaça-lhe o coração. Mesmo que seja um golo só. Em entrevista a A BOLA haveria de confidenciar: «Terrível a sensação do golo sofrido! Só revejo os golos que consinto uma ou duas semanas após o jogo seguinte! Vivo muito o futebol. Sou um ganhador nato e o facto de a equipa não vencer mexe muito comigo. Fico insuportável e nessas alturas só quero espairecer. Passado algum tempo, com as ideias no lugar, então vejo as gravações em vídeo, sempre com a preocupação de emendar o erro, de não repetir o disparate, quando disparate é.»
Não se atreve a considerar-se o melhor guarda-redes da Europa só porque, ainda agora, recebeu tal prémio. «Nunca penso muito nessas coisas, penso sempre que sou humano, que estou sujeito ao erro, até sujeito ao... frango. A única pessoa que veio ao Mundo e era perfeita era Jesus Cristo. E, mesmo assim, foi crucificado! Tento errar o menos possível, tenho-o conseguido, e daí uma certa regularidade na minha carreira. Mas, às vezes, há razões inexplicáveis para os golos, são esses momentos que me deixam despedaçado, porque, para mim, perder é a pior coisa do Mundo.»
O seu carisma espalha-se para além dos relvados. Não se lhe regateiam elogios quando assume, com a mesma frieza, a mesma racionalidade com que defende a defesa dos interesses profissionais dos futebolistas, que não aceita que sejam títeres de ouro nas mãos de quem quer que seja. Durante muito tempo não quis misturar a profissão com a política, dizendo admirar Narciso Miranda, Cavaco Silva, Mário Soares. «Isso pode parecer algo de paradoxal mas aprecio as pessoas independentemente das suas filiações partidárias. Sei distinguir claramente o carácter, a personalidade de cada um, faço escolhas seleccionadas.» Recentemente foi um pouco mais longe. Envolveu-se. E aceitou um lugar na Comissão de Honra da candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República.
Mas do que mais gosta, fora do futebol, é mesmo de... brincar com o filho, Diogo. Revelaria, então, que se um dia tivesse de vir a trocar o F. C. Porto por um clube estrangeiro, fá-lo-ia desde que... fosse «um clube maior que o F. C. Porto, ao qual devo tudo o que sou. E como no mundo inteiro poucos há assim...» Havia o Barcelona, para onde foi e onde não foi, inteiramente, feliz. Ao F. C. Porto regressaria com o sucesso que se sabe...
Sofrer um golo estilhaça-lhe o coração. Mesmo que seja um golo só. Em entrevista a A BOLA haveria de confidenciar: «Terrível a sensação do golo sofrido! Só revejo os golos que consinto uma ou duas semanas após o jogo seguinte! Vivo muito o futebol. Sou um ganhador nato e o facto de a equipa não vencer mexe muito comigo. Fico insuportável e nessas alturas só quero espairecer. Passado algum tempo, com as ideias no lugar, então vejo as gravações em vídeo, sempre com a preocupação de emendar o erro, de não repetir o disparate, quando disparate é.»
Não se atreve a considerar-se o melhor guarda-redes da Europa só porque, ainda agora, recebeu tal prémio. «Nunca penso muito nessas coisas, penso sempre que sou humano, que estou sujeito ao erro, até sujeito ao... frango. A única pessoa que veio ao Mundo e era perfeita era Jesus Cristo. E, mesmo assim, foi crucificado! Tento errar o menos possível, tenho-o conseguido, e daí uma certa regularidade na minha carreira. Mas, às vezes, há razões inexplicáveis para os golos, são esses momentos que me deixam despedaçado, porque, para mim, perder é a pior coisa do Mundo.»
O seu carisma espalha-se para além dos relvados. Não se lhe regateiam elogios quando assume, com a mesma frieza, a mesma racionalidade com que defende a defesa dos interesses profissionais dos futebolistas, que não aceita que sejam títeres de ouro nas mãos de quem quer que seja. Durante muito tempo não quis misturar a profissão com a política, dizendo admirar Narciso Miranda, Cavaco Silva, Mário Soares. «Isso pode parecer algo de paradoxal mas aprecio as pessoas independentemente das suas filiações partidárias. Sei distinguir claramente o carácter, a personalidade de cada um, faço escolhas seleccionadas.» Recentemente foi um pouco mais longe. Envolveu-se. E aceitou um lugar na Comissão de Honra da candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República.
Mas do que mais gosta, fora do futebol, é mesmo de... brincar com o filho, Diogo. Revelaria, então, que se um dia tivesse de vir a trocar o F. C. Porto por um clube estrangeiro, fá-lo-ia desde que... fosse «um clube maior que o F. C. Porto, ao qual devo tudo o que sou. E como no mundo inteiro poucos há assim...» Havia o Barcelona, para onde foi e onde não foi, inteiramente, feliz. Ao F. C. Porto regressaria com o sucesso que se sabe...testar e... fiquei. Para mim foi um espanto, até porque, um mês antes, estivera à experiência no Leixões, disseram-me que até tinha jeito, mas que com aquela altura nem para guarda-redes de futebol de salão serviria! Ou seja, foi por ser pequenino que fui parar ao F. C. Porto.»
Seu pai, guarda-fiscal, sua mãe, doméstica, eram, então, benfiquistas assumidos. Só se tornaram portistas quando Vítor começou a traçar o seu destino. Os estudos, no 12.º ano, começaram então a ficar para trás. Seria o futebol a sua estrada de Damasco. Naturalmente. O ar quase angélico de menino de coro, que se mantém foi o ar com que se lançou na odisseia que o transformaria num dos mais carismáticos futebolistas portugueses da década de 90. Mas, por vezes, as aparências iludem. «Sei que tenho este ar de menino bem comportado, mas, em criança, também fiz as minhas traquinices. No casamento de um tio, abri as torneiras de incêndio e inundei o prédio todo. E tenho, também, a recordação de ter sido corrido à sachola, mais a minha seita, de um campo de frutas que existia perto da minha casa... Bom, tenho este ar de quase cientista mas era fresco, embora sempre bom estudante. Só uma vez tirei negativa. Contudo, a imagem que dou corresponde àquilo que, na verdade, sou: um jovem sereno. Essa serenidade tem-me ajudado muito na vida profissional, dentro e fora dos relvados.»
Como poderia ter morrido
Tem. Mas, antes da glória, acastelaram-se sombras negras no seu horizonte. De tal forma que até a sua vida periclitou. Parecia que havia em si má sina, adversos fados. Uma lesão impedira-o de sagrar-se, na Checoslováquia, vice-campeão europeu de sub-18. E a recidiva de uma tromboflebite no braço direito afastá-lo-ia da epopeia dourada da Arábia Saudita, onde Portugal conquistaria, pela primeira vez, o título mundial de juniores. «A tromboflebite fora detectada antes de um jogo com o Benfica, os médicos acham que se tivesse jogado nesse dia poderia ter morrido! Dois meses acabei por estar internado, numa clínica do Porto, tentando resolver o problema. Há males que vêm por bem, não fora ter de ficar sob os cuidados do departamento médico do F. C. Porto e teria sido enviado para o Famalicão, então a disputar a III Divisão. Tudo parecia resolvido mas, de um dia para o outro, o problema da flebotrombose agravou-se, foi por isso que não fui integrado na comitiva.» Ainda se colocou a hipótese de ser repescado, quando um médico francês o considerou apto para o futebol, mas como, entretanto, o Mlynarczyck se lesionara e o Zé Beto estava sob alçada disciplinar, Vítor Baía ficou apenas à disposição de Artur Jorge. «Fiquei triste por não ter ido ao Mundial da Arábia Saudita mas o F. C. Porto precisava de mim... Quando fomos campeões, até me correu uma lágrima marota pela cara abaixo, não porque estivesse roído de inveja mas pela felicidade que aquele momento me proporcionou e por sentir que eu também ajudara à saga, na fase de qualificação.»
Caminho da glória aberto pela desgraça de Mly
Vítor Baía surgira, pela primeira vez, na defesa da baliza do F. C. Porto, lançado por Artur Jorge, no dia 29 de Janeiro de 1989, nas Antas, contra o Vitória de Guimarães, rendendo Mlynarczyck, que, nessa semana, fracturara a clavícula, desenlace que lhe colocaria, irremediavelmente, ponto final numa carreira que fora fabulosa. Em 1992 ficaria Baía a escassos minutos de bater um record mundial de imbatibilidade, pertença do colchonero Abel, quando o Atlético Madrid de Paulo Futre era treinado por... Tomislav Ivic. No ano seguinte o L\'Equipe considerava-o já o segundo melhor guarda-redes europeu e de Baía diria, por essa altura, Acúrsio, outro dos grandes guarda-redes portistas: «Assemelha-se aos guardiões do meu tempo. É alto, decidido e corajoso a sair dos postes. Tem planta, falta-lhe apenas um bocadinho mais de agressividade.» Ao que Américo acrescentaria: «A Selecção vai ter guarda-redes, pelo menos, para 10 anos. Parece-me que, por vezes, o Vítor peca por ter calma a mais. Também penso que gosta de passar despercebido e devia mostrar mais a sua presença perante os colegas, não os deixando amolecer.» Baía é assim porque é assim. «Talvez seja um guarda-redes discreto por gostar de tornar fáceis as coisas difíceis.» É, na perfeição, o auto-retrato síntese de si mesmo. Os traços justificam a equação do (seu) sucesso, lançada quando ainda estava na rampa de lançamento para o fastídio por Rui Santos: «Mlynarczyk+Damas=Vítor Baía.» Nesse mesmo ano de 1993 Vítor Baía seria o primeiro futebolista em actividade porque a primeira edição servira para cumular, simbolicamente, Eusébio a ganhar A Bola de Ouro, troféu instituído pelo nosso jornal para premiar, anualmente, o melhor jogador nacional. A sua estrela nunca mais parou de lucilar. A EMS, organização que congrega as mais prestigiadas revistas europeias de futebol, escolheu-o como o melhor guarda-redes da Europa, depois de ter estado, outra vez, mais de 1000 minutos sem sofrer um golo...
A insustentável dureza do golo
Sofrer um golo estilhaça-lhe o coração. Mesmo que seja um golo só. Em entrevista a A BOLA haveria de confidenciar: «Terrível a sensação do golo sofrido! Só revejo os golos que consinto uma ou duas semanas após o jogo seguinte! Vivo muito o futebol. Sou um ganhador nato e o facto de a equipa não vencer mexe muito comigo. Fico insuportável e nessas alturas só quero espairecer. Passado algum tempo, com as ideias no lugar, então vejo as gravações em vídeo, sempre com a preocupação de emendar o erro, de não repetir o disparate, quando disparate é.»
Não se atreve a considerar-se o melhor guarda-redes da Europa só porque, ainda agora, recebeu tal prémio. «Nunca penso muito nessas coisas, penso sempre que sou humano, que estou sujeito ao erro, até sujeito ao... frango. A única pessoa que veio ao Mundo e era perfeita era Jesus Cristo. E, mesmo assim, foi crucificado! Tento errar o menos possível, tenho-o conseguido, e daí uma certa regularidade na minha carreira. Mas, às vezes, há razões inexplicáveis para os golos, são esses momentos que me deixam despedaçado, porque, para mim, perder é a pior coisa do Mundo.»
O seu carisma espalha-se para além dos relvados. Não se lhe regateiam elogios quando assume, com a mesma frieza, a mesma racionalidade com que defende a defesa dos interesses profissionais dos futebolistas, que não aceita que sejam títeres de ouro nas mãos de quem quer que seja. Durante muito tempo não quis misturar a profissão com a política, dizendo admirar Narciso Miranda, Cavaco Silva, Mário Soares. «Isso pode parecer algo de paradoxal mas aprecio as pessoas independentemente das suas filiações partidárias. Sei distinguir claramente o carácter, a personalidade de cada um, faço escolhas seleccionadas.» Recentemente foi um pouco mais longe. Envolveu-se. E aceitou um lugar na Comissão de Honra da candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República.
Mas do que mais gosta, fora do futebol, é mesmo de... brincar com o filho, Diogo. Revelaria, então, que se um dia tivesse de vir a trocar o F. C. Porto por um clube estrangeiro, fá-lo-ia desde que... fosse «um clube maior que o F. C. Porto, ao qual devo tudo o que sou. E como no mundo inteiro poucos há assim...» Havia o Barcelona, para onde foi e onde não foi, inteiramente, feliz. Ao F. C. Porto regressaria com o sucesso que se sabe...