O advogado e professor de Direito do Desporto Lúcio Miguel Correia considera complexo enquadrar juridicamente o caso denunciado pelo árbitro Fábio Veríssimo, que acusa o FC Porto de ter colocado uma televisão no balneário da equipa de arbitragem durante o intervalo do jogo frente ao SC Braga, transmitindo lances polémicos da primeira parte e um golo do Benfica num lance semelhante a um golo anulado aos bracarenses. Para o especialista, trata-se de um comportamento “inqualificável”, mas de difícil punição disciplinar.
Para Lúcio Miguel Correia, não houve coação, nem ameaça direta, e o episódio não cabe nos artigos mais graves do regulamento disciplinar.
“Há aqui uma dificuldade jurídica de enquadramento, face àquilo que são os ilícitos disciplinares previstos nas normas do regulamento. Quando temos um conjunto de comportamentos que são, de facto, no meu ver, inqualificáveis, que nem sequer deveriam existir, temos de os enquadrar do ponto de vista disciplinar. Acho que ameaça não há, porque imagens em ‘loop’ não significa uma ameaça, um ato hostil também, verdadeiramente, não fica aqui enquadrado. Esse caso não cabe no artigo 66.º, porque não houve violência física nem moral no sentido de o árbitro não ter conseguido acabar o jogo.”
Apesar de considerar o comportamento eticamente reprovável, o jurista entende que a gravidade disciplinar é reduzida e que caberá ao inquérito determinar a intenção do ato.
“Em sede de inquérito serão ouvidos a FC Porto SAD, o delegado, o próprio árbitro, e temos de perceber se houve ou não houve efeitos no seu desempenho desportivo e qual foi a verdadeira intenção de quem lá pôs aquelas imagens em ‘loop’ e quem escondeu o comando da televisão.”
Questionado sobre as possíveis consequências, o advogado afasta a hipótese de derrota administrativa para o FC Porto.
“Não, de todo. Não há um relato de que o resultado só foi obtido em virtude daquelas imagens, e que isso condicionou e, eventualmente, provocou que o árbitro tivesse tido um desempenho desportivo muito aquém, ou até contrário àquilo que costuma ter. Não me parece que haja aqui um nexo de casualidade entre o resultado, o desempenho desportivo e a exibição daquelas imagens, que, volto a dizer, são completamente antiéticas e altamente reprováveis. Portanto, nesse aspeto, não me parece. Admito que possa haver aqui uma multa, admito que possa haver, eventualmente, até outro tipo de sanções, mas uma sanção da derrota parece-me completamente fora do contexto.”
Por fim, Lúcio Miguel Correia defende que a Liga Portugal deve rever o regulamento disciplinar, criando normas mais abrangentes para lidar com comportamentos deste tipo.
“A Liga tem, de facto, de disciplinar estes comportamentos, seja colocando-os numa norma específica, ou, pelo menos, mais abrangente, a nível do regulamento.”
Em suma, o jurista classifica o caso como eticamente grave mas juridicamente difícil de punir, apontando lacunas no enquadramento disciplinar e apelando a uma atualização das regras para proteger melhor a integridade da competição.