@Ginjeet , acerca da evolução dos salários reais ao longo do tempo, os valores actuais equiparam-se aos que se verificavam na década de 70, marcada pelo colapso do Bretton Woods, as crises petrolíferas e a ascensão do neoliberalismo. Não obstante as variações ocorridas, de sinal negativo até 90 e positivo daí em diante, tratam-se de cinco décadas decepcionantes para os trabalhadores norte-americanos. Poder-se-á medir o indicador no US Bureau of Labor Statistics (1), seleccionando o intervalo de tempo pretendido, a que outras fontes aludem (2) e (3).
(1)
https://data.bls.gov/timeseries/CES0500000031
(2)
50 years of US wages, in one chart | World Economic Forum
(3)
For most Americans, real wages have barely budged for decades | Pew Research Center
Será relevante considerar ainda, tomando em consideração a evolução dos salários, de que forma progrediram estes em relação aos diferentes percentis populacionais segundo a classe de rendimentos/socioeconómica. De que modo evoluíram os salários dos mais ricos e dos mais pobres. Sem surpresa, existem diferenças substanciais (4) que ajudam a compreender o ressentimento dos norte-americanos. Suspeito que a melhoria das condições de vida do trabalhador norte-americano empalideça face à estrondosa acumulação de riqueza dos estratos socioeconómicos mais elevados. Veja-se ainda a discrepância entre os ganhos de produtividade e o comportamento dos salários (4, figura 2) e (5). E a diminuição do peso dos salários no PIB ao longo do tempo (6, figura 1). Ressalve-se que, sobre esta % do trabalho no produto interno, vários factores deverão ser considerados. O mesmo se aplica aos restantes indicadores, acrescente-se.
(4)
Wage Stagnation in Nine Charts | Economic Policy Institute
(5)
Productivity vs Wages | Productivity is Soaring, But Wages Aren't Keeping Up | World Economic Forum
(6)
Estimating the U.S. labor share : Monthly Labor Review: U.S. Bureau of Labor Statistics
Sobre a pobreza, destaco a medida Supplemental Poverty Measure, SMP (7), que expande os critérios utilizados pela medida oficial. O indicador alarga o conceito de necessidades, pondera discrepâncias geográficas e abrange um maior número de despesas, rendimentos e apoios variados (8). A afirmação de que a pobreza aumentou encontra algum fundamento de acordo com esta perspectiva.
(7)
Supplemental Poverty Measure Rose in 2023 for Second Consecutive Year
(8)
How the U.S. Census Bureau Measures Poverty
... a ver se encerro o post. A economia norte-americana tem vindo a melhorar desde princípios de 2023: a população readquiriu poder de compra, a inflação diminuiu, os números do emprego são positivos, o crescimento económico supera o de outras economias avançadas... nada a obstar. Porém, esta história é distinta daquela que encontramos em 2021 e 2022, caracterizada pela diminuição dos salários reais (9) e um pico inflacionário que atingiu os 9%. Os efeitos cumulativos da inflação continuam a fazer-se sentir, apesar da mudança de panorama. Os norte-americanos continuam a deparar-se com preços elevados ao deslocarem-se ao supermercado (10).
(9)
American households have seen their purchasing power increase
(10)
CBS News price tracker shows how much food, gas, utility and housing costs are rising - CBS News
Biden não foi responsável pelas consequências económicas do pós-pandemia nem pelas disrupções causadas pela guerra. Porém, compreensivelmente, foi penalizado pelas circunstâncias, tal como Trump havido sido pela COVID. Numa perspectiva de longo prazo, julgo que os trabalhadores norte-americanos têm motivos para o descontentamento. Afinal, trabalham no país que gera mais riqueza no planeta e, seguramente, compreendem que há algo de errado na forma como ela é distribuída. A desigualdade envenena a sociedade, por muito que se consigam alguns progressos.
Não deixa de ser verdade que as crenças influenciam a interpretação da realidade. Os políticos têm de levar em conta a natureza humana. Racionais... sim, até certo ponto.